‘Parafraseando um amigo, o desbunde da década de 70 entrou para a história. E, agora, para a televisão: o Canal Brasil achou por bem convocar dois dos mais desbocados entre seus representantes -a cantora Ângela Ro Ro e o ator Paulo César Pereio- para protagonizar programas de entrevista tardios.
A idéia de ter um entrevistador-personagem com muita personalidade, que, diante dos entrevistados, mostre algum tipo de intimidade e nenhuma reverência, não é nem pioneira nem única.
Na verdade, o entrevistador, que também é ‘artista’ -de origem ou por um efeito de emulação, tanto faz-, é quase que a essência do ‘talk show’. A MTV, por exemplo, explora bem o formato com João Gordo. E as incursões de Jô Soares em outras freguesias -livros, quadros-, depois de que ele se firmou como ‘o’ entrevistador-personagem por excelência, exemplificam bem o efeito de simulação.
Mas Ro Ro e Pereio, além disso, são personagens emblemáticos de certa cultura de baixo calão entendida como forma de resistência. Explicando: no bojo da resistência ao clima de opressão político-comportamental dos anos 60 e 70, qualquer atitude poderia se revestir de valor transgressivo, contestatório.
Claro, não era só isso que tais personagens representavam. Ro Ro, cantora original e compositora/letrista arrebatadora, fez umas tantas afirmações artísticas e sexuais muito corajosas. Pereio é daqueles atores criadores de uma estilo interpretativo pessoal e intransferível. Mas é que, hoje, o fator ‘polêmico’, ‘irreverente’, ‘sem papas na língua’ de suas carreiras e vidas parece datado -quando não fruto de impolidez pura e simples.
Seus programas chamam-se ‘Escândalo’ e ‘Sem Frescura’, remetendo, claro, às características pessoais de cada entrevistador. Ro Ro, cuja vida amorosa atribulada mais de uma vez extravasou os limites do privado, evidentemente responde pelo primeiro; Pereio, um cafajeste cult, pelo segundo.
Ambos comparecem diante das câmeras um pouco domados -pela idade e por uma recém-conquistada sobriedade. Em vez da controvérsia sugerida pelos nomes dos apresentadores e dos programas, há um tanto de nostalgia melancólica. Ro Ro e Pereio deixam entrever um certo acabrunhamento por sobreviver à própria lenda.
O que, na verdade, não deixa de ser interessante. Afinal, há uma imperativo, na televisão, pela juventude, pelo sucesso, pelo um padrão de beleza estreitíssimo. Tudo aquilo que é resultado de processos mais humanos -paixões, vícios, confusão, arte, sei lá- do que químico-dermatológicos representa um certo alívio. Ro Ro e Pereio, cada um a seu modo, exalam algo de fragilidade, de equilíbrio instável que contrasta vivamente com a falsa simpatia que marca o entrevistador-personagem.’