‘Aguinaldo Silva reconstitui os dias de luta de 1968 como ponto de partida para uma história de bebê roubado em ‘Senhora do Destino’. ‘Começar de Novo’ tem suas cenas iniciais gravadas na Rússia. Para escrever a próxima novela, ‘América’, Glória Perez entrevista deficientes visuais, negocia com ONGs etc. Por que será que os ficcionistas da TV precisam tanto da chancela da ‘realidade’?
Parece -e alguns autores de telenovelas afirmam isso ‘ipsis literis’- que é ao contrário, ou seja, que a telenovela goza de uma enorme liberdade ficcional. Ou pelo menos isso é invocado como defesa quando comentaristas e espectadores reclamam dos festivais de incoerências e incongruências que se vê nos roteiros. E não é mais nos detalhes: as duas principais novelas no ar, a das sete e das oito da Globo, têm tramas baseadas em desatinos.
‘Senhora’ começou em 1968, pulou para ‘agora’ e depois voltou a 1992/ 93. Primeiro, as contas das idades não combinavam com a data do presente da novela; depois, são os figurinos, gírias e objetos de cena que entram e saem de uma máquina do tempo da qual só o autor sabe a regulagem. ‘Começar’ tem como protagonista um sujeito que fez fortuna com petróleo na então União das Repúblicas Socialistas Soviéticas dos anos 70.
OK, pode-se imputar à proverbial ranhetice da crítica o mau humor com tais absurdos aritméticos e históricos, mas nesse caso perde-se de vista a questão que talvez deva ser colocada: por que o escritor de telenovela, senhor de tanta liberdade ficcional, precisa justificar sua história criando ligações, que depois vai desrespeitar, com a realidade?
Talvez porque, em vez de liberdade, o que se observa é uma enorme fragilidade na ficção feita para TV. Parece que ninguém sabe mais qual história quer contar -e daí para não saber como contá-la é um pulo. Então, apela-se para a realidade, como que para preencher o vazio. Se, entre os anos 70 e os 90, parecia que a novela poderia fazer um papel semelhante ao de Hollywood na cultura americana, hoje é evidente que ela não tem mais fôlego. E talvez nem mesmo o interesse.
As inserções da história, da geografia e das questões sociais são marretadas no meio da trama de qualquer jeito e, assim, a história do golpe dentro do golpe em 68 torna-se pretexto para uma cena de turbulência na rua, a Rússia vira sinônimo de um país distante e exótico qualquer e assim vai. Viram ornamentos caríssimos -produção esmerada, deslocamentos de equipes enormes para o exterior-, mas que são apenas isso, ornamentos. Mostram imagens, criam situações que não fazem sentido -se nem mesmo os autores zelam por esse sentido, por que o espectador haveria de fazê-lo?
E claro que essas operações contam -e não é pouco- com a ignorância do espectador. Afinal, na ficção vale tudo, não é mesmo? @ – biabramo.tv@uol.com.br’
Cristina Padiglione
‘Nova novela das 7 faz jus ao título’, copyright O Estado de S. Paulo, 1/09/04
‘O melhor de Começar de Novo, que estreou anteontem na Globo, é a trilha de abertura, Tomara, na voz de Paula Morelenbaum. Bom de ouvir. Não que a nova novela das 7 não seja boa de ver. Para primeiro capítulo, texto e direção cumprem o objetivo técnico de informar ao telespectador qual é o mote do enredo, quem são seus personagens, suas almas e seus músculos.
Destaques nesse quesito: Wladimir Brichta e Cássia Linhares, mergulhadores da plataforma de petróleo que endossará o merchandising da Petrobrás na história. O casal bonito da trama de Antônio Calmon não se despe em serviço, naturalmente. Nem a exposição de corpos chega perto da linha de descamisados apreciada por outro autor do horário, Carlos Lombardi. Mas um passeio pelo loft do casal, com espaço para aquele enrosco preguiçoso na cama, dá a dimensão de que beleza física sempre é bem-vinda.
E quanto menos rugas há na pele do ator, maior o close. Daí o mérito de Werner Shünemann, Marcos Paulo e Natália do Valle, que não estão no grupo dos mais esticados e mesmo assim ganham foco de sobra na apresentação do enredo. Eles formam o tal triângulo amoroso que dará fôlego a 180 capítulos, senão mais. E são certamente um acerto na escalação do elenco para uma novela que pretende ganhar a atenção da platéia acima dos 30.
Voltando ao loft de Cássia e Brichta, convém reparar no aspecto Casa Cor que contamina o cenário. Muito modernoso. O complexo de estabelecimentos comerciais criado para dar a impressão de que a Ouro Negro – mais um balneário fictício do autor – ferve chega a lembrar os Jetsons.
E como a bruxa sempre chama mais atenção do que a princesa, salve Eva Wilma, a Lucrécia Borges, que se diverte em construir seu mausoléu. Na pele do russo Dimitri, Antonio Abujamra cita ‘Drummond, Bandeira e Pessoa’ em cena, mas também é da boca dele que vem a constatação de que os estrangeiros estão longe de nos enxergar como um país além do carnaval e das mulatas.
Solange Couto, ex-mulata de Sargentelli, que o diga: com medidas bem aquém das de Dona Jura, lá está ela, repaginada pelo bisturi. É o que se pode chamar de começar de novo.’
Daniel Castro
‘Autor de novela estréia como ‘compositor’’, copyright Folha de S. Paulo, 5/09/04
‘É do novelista Antonio Calmon a culpa pela versão em português de ‘Don’t Get Me Wrong’, sucesso da banda Pretenders nos anos 80. A música, que já vem causando urticárias nos fãs puristas do pop, embala ‘Começar de Novo’, novela das 19h, da qual Calmon é co-autor.
‘Me amarro nessa música e sugeri ao Mariozinho Rocha (diretor musical da Globo) que encomendasse uma versão. Ele me propôs escrever eu mesmo. Eu fiz, bem ao pé da letra. Nunca fiz letra, nem tive essa intenção’, conta Calmon.
A intérprete de ‘Não Me Leve a Mal’ é o fenômeno Danni Carlos. Seu último CD, só de ‘covers’, já vendeu mais de 50 mil cópias.
Milhagem Sílvio de Abreu recebeu da Globo encomenda para escrever a novela das oito que substituirá ‘América’, que, por sua vez, sucederá ‘Senhora do Destino’. Para se inspirar, Abreu está indo a Nova York. ‘Não sou nada original. Essa é a quarta ou quinta sinopse que começo a escrever em Nova York’, diz.
Figurino Luciano Huck vai usar um terno cinza do estilista Ricardo Almeida na cerimônia de casamento com Angélica.
Conta Será de pelo menos R$ 5 milhões o pedido de indenização que Otaviano Costa irá fazer à Record. O apresentador prepara ação judicial contra a emissora, da qual está se desligando, alegando o não cumprimento de cláusulas contratuais.’
PERFIL / MILTON NEVES
‘Futebol, dinheiro e lágrimas’, copyright Veja, 7/09/04
‘A televisão tem três moedas para remunerar suas estrelas: celebridade, prestígio e dinheiro. Os ganhos em cada moeda não precisam ser iguais – na verdade raramente são -, e Milton Neves é um exemplo disso. Apresentador, na Rede Record, dos programas Debate Bola e Terceiro Tempo, ambos sobre futebol (‘o assunto mais importante dentre os menos importantes’, como gosta de dizer), Neves não é uma celebridade de primeira grandeza, daquelas assediadas por fãs. Desfruta algum respeito por sua longa trajetória de comentarista esportivo, mas também coleciona críticos e desafetos em seu meio. Quando o assunto é dinheiro, porém, Milton Neves é um fenômeno. Com apenas cinco anos de TV, só fica atrás de veteranos como Gugu, Faustão e Ratinho. O segredo está no talento para explorar o merchandising – a grande mina de ouro para qualquer apresentador. Embora a audiência média de seus programas seja de apenas 4 pontos, eles têm hoje sete anunciantes. A participação na receita de publicidade, somada ao salário que a Record lhe paga, faz com que Neves fature 850.000 reais por mês. Somem-se a isso seus rendimentos no rádio e na agência de mídia de que é dono, e a quantia sobe a 1,2 milhão de reais. ‘Do que tenho, 90% saíram da TV’, diz Neves. Seu patrimônio é de 30 milhões de reais.
Milton Neves acumula polêmicas na televisão. Seus piores inimigos são Juca Kfouri e Jorge Kajuru. Contra o último, ele tem quatro processos na Justiça. ‘Ainda vou pôr o sujeito na cadeia’, diz. Além de cultivar o estilo ranzinza de tantos comentaristas de futebol, ele é considerado vaidoso e arrogante por pessoas do meio. Quando fala sobre seu passado e sua carreira, contudo, Milton Neves, de 53 anos, revela um sentimentalismo inesperado. Ele chora. Numa tarde de entrevista, fez isso nada menos que cinco vezes. O apresentador nasceu em Muzambinho, no interior de Minas Gerais. Decidiu ser locutor de rádio aos 15 anos, quando o animador de uma quermesse pediu que ele o ajudasse a testar o microfone e sua voz agradou. Em 1972, mudou-se para São Paulo e realizou o desejo de ser locutor. No ano seguinte, entrou no lugar de Fausto Silva, o Faustão da Rede Globo, como plantonista de esportes na Jovem Pan. ‘Faustão dizia que não cabia na cadeira e deixou o lugar para mim’, conta Neves. Mas as coisas só começaram a entrar nos eixos nove anos mais tarde, quando estreou o Terceiro Tempo. ‘Antes disso, passei períodos muito duros’, lembra ele, com lágrimas nos olhos.
Ainda hoje o rádio é importante para Milton Neves. Todos os dias ele bate ponto na Jovem Pan. Literalmente. Além dos empregos principais, Neves faz vários ‘bicos’: colabora com jornais, mantém um site na internet e aparece em outras emissoras e canais. Ele grava a cada quinze dias um informe para a TV AmBev, canal interno da fabricante de bebidas, que é uma de suas grandes patrocinadoras. Também grava um programa semanal para a TV Assembléia de São Paulo. Faz isso porque é escrivão de polícia concursado. ‘Prestei o concurso nos anos 70, numa época de vacas magras em que não conseguia pagar as prestações da casa própria’, conta ele. Em vez de cumprir expediente numa delegacia, ele grava o programa (e doa o salário de 2.500 reais a uma instituição de caridade). Aos domingos, dia de futebol, sua jornada é estafante. Ele sai de casa de manhã – e não volta. Ocupa-se com as locuções de rádio e com a apresentação do Terceiro Tempo. Quando o programa acaba, por volta da meia-noite, ele acomoda o corpanzil de 1,90 metro na caminha de solteiro de um camarim da Record e passa a noite ali mesmo.
A obsessão com o trabalho cobrou seu preço na vida pessoal. ‘Quem criou meus filhos foi minha mulher. Fui um péssimo pai, tão ausente que os três garotos são são-paulinos’, diz Milton Neves, que torce para o Santos. Nos últimos tempos, o apresentador vem tentando dedicar mais tempo à família, que acaba de se mudar para um casarão de 2 000 metros quadrados em São Paulo. ‘Ele faz mesa-redonda com os meninos para discutir as questões da casa’, diz Lenice, sua mulher desde 1978. ‘Além disso, está apaixonado pela primeira neta.’ Lenice duvida, porém, que o marido vá reduzir o ritmo. De fato, ele tem mais dois anos de contrato com a Record. E, na semana passada, estava negociando um programa diário na Rede Mulher. ‘Ele não consegue ficar longe de um microfone. Fez até um canteiro em formato de microfone aqui no jardim’, diz Lenice.’