Wednesday, 25 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

Bia Abramo

‘‘C.S.I’ vem se firmando como uma espécie de fenômeno das séries de TV. O original -que trata de uma equipe da polícia científica de Las Vegas- já gerou duas outras ‘sucursais’ -em Miami e Nova York-, e os três costumam disputar os primeiros lugares de audiência nos Estados Unidos.

No Brasil, desde o início da temporada 2004/2005 em novembro, ocupa quase toda a faixa ‘nobre’ do canal Sony.

O ovo de Colombo de ‘C.S.I’ é extrair o máximo de sordidez escatológica de cada assassinato e, ao mesmo tempo, circunscrever a violência no território da manipulação científica.

Os detalhes materiais são explorados com hiper-realismo -imagens digitalmente manipuladas mostram balas perfurando epidermes e destroçando músculos, jatos de sangue tingindo paredes, o impacto de uma serra elétrica em um osso e coisas assim- e passam a constituir um quebra-cabeças que, apesar da dificuldade, terá uma solução.

Há sempre uma boa explicação para as coisas serem como são -e por boa entenda-se mensurável, fotografável, captável por alguma espécie de equipamento. Isso torna os crimes decifráveis, não pela investigação psicológica nem pelas circunstâncias sociais, mas simplesmente pelo calibre da arma utilizada pelo criminoso, pelo formato do fiapo, pelas marcas de pneu, pela presença ou ausência de substâncias. Ah, e também pela dedicação canina do chefe da equipe, um sujeito carrancudo que não tem vida pessoal etc.

Essa é a fórmula iniciada pelo primeiro ‘C.S.I’ (sigla para ‘crime scene investigation’) e seguida à risca pelos outros dois. Não poderia haver seriado policial mais adequado para a era de George Bush: repugnante (as reconstituições imaginárias dos efeitos das armas sobre o corpo são, em boa parte, responsáveis pela atração da série) e arrogante (tudo se resolve pela superioridade técnica, tecnológica e moral da polícia sobre os bandidos) em medidas iguais.

Sombrio, escuro, de um tom azulado, ‘C.S.I’ iniciou sua carreira quatro temporadas atrás apostando suas fichas quase exclusivamente em seu roteiro. Ao contrário de outras séries bem-sucedidas, o apelo pop era zero; os atores, obscuros.

Os ‘novos’ -’C.S.I Miami’ e ‘C.S.I Nova York’- já ostentam pelo menos atores bem conhecidos da TV (David Caruso, do primeiro) ou do cinema (Gary Sinise, no segundo).

O sucesso de ‘C.S.I’ fez reviver os seriados policiais -depois, vieram ‘Without a Trace’ e ‘Cold Case’ -que desbancaram os dramas e comédias da lista dos mais vistos nos Estados Unidos. Em todos, a atuação racional e impessoal da polícia ordena o caos da violência em culpados e inocentes, sem ambigüidades e sem dramas.

É como se os americanos projetassem aquilo que eles acreditam ser seu papel no mundo -uma polícia fria, que estabelece a verdade e pune quem quer punir.’



MTV
Laura Mattos

‘Bonfá vira rato de praia na MTV’, copyright Folha de S. Paulo, 2/01/05

‘Depois de misturar esporte e humor num programa a respeito da Olimpíada, Paulo Bonfá, do ‘Rockgol’, estréia uma série cômica sobre os ‘micos’ do verão.

A partir do próximo dia 10, a emissora exibe o ‘Craca MTV’. O título faz referência a um gênero de crustáceos que vivem incrustados em rochas, cascos de navios ou outros animais. Como a série dará dicas para as férias, ‘a idéia é que a coisa grude na cabeça dos telespectadores’, explica Bonfá.

Em quadros veiculados ao longo da programação, o apresentador interpretará nove ‘animais’. O rato de praia, por exemplo, representa os batedores de carteira comuns nas areias do litoral. Após descrever a ‘espécie’, Bonfá aconselha os praianos a deixar objetos de valor em casa.

Já o camarão zomba do sujeito que toma sol sem cuidados e fica vermelho. ‘Se pudesse, moraria dentro de uma torradeira… É aquele ser simpático em cuja barriga poderíamos até fritar um ovo.’ A advertência do apresentador, claro, é sobre o uso do protetor e o cuidado com o sol ‘a pino’.

Bonfá fala ainda do baiacu (não respeita avisos e acaba de afogando), camelo (que se desidrata), cavalo (joga futebol entre os guarda-sóis), porco (larga todo tipo de lixo na areia), da ostra (‘farofeiros’ que carregam toda a casa para a praia) e da gralha (aqueles vendedores ambulantes que gritam).’



ENTREVISTA / TONY RAMOS
Daniel Castro

‘Tony Ramos se desvia do caminho do bem’, copyright Folha de S. Paulo, 2/01/05

‘Tony Ramos, 56, 40 anos de carreira completados em 2004, é um daqueles poucos atores que a Globo considera indispensáveis.

Há duas semanas, começou a gravar a minissérie ‘Mad Maria’, menos de um mês após o encerramento da novela ‘Cabocla’, em que interpretou Boanerges, personagem que lhe rendeu prêmio de melhor ator de TV do ano.

Em ‘Mad Maria’, de Benedito Ruy Barbosa, que estréia no final de janeiro, Ramos vai interpretar Percival Farquhar. Apesar de ter nome de vilão de desenho animado, Farquhar não é exatamente um vilão clássico, aquele que é mau do começo ao fim, tipo de personagem que Tony Ramos nunca encarnou na televisão, apesar de já ter feito quase 40 novelas.

Farquhar existiu na vida real. Foi um grande investidor que embarcou na aventura de construir uma ferrovia no meio da selva amazônica, a Madeira-Mamoré, no início do século passado. Sob seu jugo, morreram milhares de operários, mas ele acabou na miséria, depois de ter virado empregado de companhias que fundou.

‘Mad Maria’, megaprodução da Globo, vai contar a saga da construção da ferrovia, em Rondônia. Nela, Ramos vai rivalizar com Antonio Fagundes, um ministro que tentará corromper.

Leia, a seguir, trechos de entrevista concedida por Tony Ramos à Folha.

Folha – Quantas novelas você fez?

Tony Ramos – Ah, estou ao redor de 40. Não quero dizer 42 com medo de mentir, mas de 38 eu sei que já passei. A Tania Carvalho [jornalista que lança em 2005 um livro sobre Ramos, pela coleção ‘Aplauso’, da Imprensa Oficial do Estado de São Paulo] está catalogando. Acho que tenho mais de 130 personagens, o que inclui teleteatros, casos especiais.

Folha – Só na TV?

Ramos – Não. Tenho 20 e tantas peças, 12 filmes.

Folha – O que é um bom personagem para você?

Ramos – O que me fascina nessa carreira é quando você encontra a alma dos personagens. Quando você acha personagens em que possa encontrar suas dualidades, suas contradições, que a muitos pode parecer até vilania, pode parecer até mau-caratismo. É quando você -e não se trata de humanizar- transforma aquela vilania e mau-caratismo em algo palpável e não óbvio.

Porque o óbvio é quando você faz um bandidão e ele é tão óbvio que você fala: ‘Puxa, esse cara é o bandido’. Mas o duro é quando você fala: ‘Quem é esse cara?’.

Folha – É.

Ramos – Não é? Eu vejo a Nazaré, brilhantemente vivida pela querida Renatinha Sorrah. Essa mulher é uma bandida, seqüestrou uma criança. Mas há momentos em que ela [Sorrah] não a humaniza, mas mostra essa patologia dela [Nazaré] sob o aspecto emocional de uma forma tão brilhante que você fala: ‘Pô, que mulher! Se tivesse se tratado, não seria isso’.

Então são vários fatores que fazem uma bela novela e um belo texto. Eu fiz grandes novelas. Da Tupi, eu citaria ‘Antônio Maria’, ‘Nino, o Italianinho’, ‘Ídolo de Pano’, novelas que foram marcantes na minha vida e na de quem tem mais de 35 anos.

Folha – A Tupi foi sua escola de TV?

Ramos – Ali eu sempre busquei, aprendi com os veteranos, eu os ouvi muito. Aprendi que era fundamental, ao analisar um texto, encará-lo como se encara no teatro. Então, para mim, eu estou fazendo teatro. Claro que os mais puristas dirão que televisão não é teatro. Que me perdoem os puristas, mas eu realmente acho isso uma besteira. O ator tem que entender um personagem, buscar a alma dela na TV, no cinema e no teatro, esquecendo-se de que o público está sentado ali ao vivo, esquecendo-se das cinco ou seis câmeras ou esquecendo-se do plano a plano do cinema.

Folha – Que personagens você considera inesquecíveis?

Ramos – Tive belos personagens. Tive os gêmeos de ‘Baila Comigo’, de Manoel Carlos. Antes eu tive um belíssimo personagem que foi André Cajarana, em ‘Pai Herói’, de Janet Clair. Em ‘O Astro’, também da Janet Clair, fiz o primeiro nu masculino em novela, na época da ditadura, em que foi preciso pedir por favor para deixar aquele nu, porque ele tinha um significado, era um voto à la são Francisco de Assis.

Folha – Você trabalha muito, não?

Ramos – Muito, eu gosto.

Folha – Faz pelo menos uma novela por ano?

Ramos – Ah, pelo menos, pelo menos. Às vezes, eu consigo, de alguma forma, não ser seduzido. Mas sou seduzido por bons projetos. Quando não estou na televisão, estou no teatro. Estou sempre atento e ativo. E, é claro, também sei a hora de dar um tempo, sumir um pouco do mapa.

Folha – Mas você não consegue sumir muito tempo, não é? Fez várias novelas nos últimos anos.

Ramos – A seqüência começa em ‘Torre de Babel’, uma novela fantástica, em que fiz o José Clementino, outro grande personagem.

Folha – Desde ‘Torre de Babel’ você está na TV ou está no teatro?

Ramos – Fiz também dois filmes.

Folha – Então você não pára desde 98?

Ramos – É, para valer, eu não paro desde 1998.

Folha – O que é parar para valer?

Ramos – É quando você usa o ócio. O ócio é fundamental, é confundido com não fazer nada.

Folha – Você considera o Boanerges de ‘Cabocla’ um dos maiores trabalhos da sua carreira?

Ramos – Eu o considero um dos meus maiores sucessos, um dos cinco grandes sucessos. Sem dúvida, ele foi um dos homens mais brasileiros que eu já fiz em toda a minha vida. Não digo o mais brasileiro, porque fiz o Riobaldo de ‘Grande Sertão: Veredas’.

Folha – Riobaldo é o grande personagem da sua carreira?

Ramos – Não, não diria isso jamais. Acho, às vezes, quase leviano você dizer: ‘Esse foi o meu melhor personagem ou essa foi a minha melhor novela’. Porque não é assim que funciona.

O Miguel, de ‘Laços de Família’, por exemplo, era um personagem tão intrinsecamente fechado, lírico, lúdico, diferenciado, que era fascinante.

Quando você fala de personagens, você lida com gamas diferentes. O Manolo, de ‘As Filhas da Mãe’, era brilhante. Meus colegas me ligavam, me telefonavam para falar dele.

E veja ‘Mulheres Apaixonadas’. Eu me lembro do dia da gravação da bala perdida. Havia correspondentes da Reuters, da CNN. Nunca mais vou me esquecer disso nem do aplauso em cena aberta da população na rua.

E aí chegamos ao Boanerges. O que a boca do Boanerges disse, através da minha, eu adorei. Adorei falar sobre ética, sobre vida.

Folha – Agora você sai de um político do bem (Boanerges) para um empresário ambicioso (Farquhar), ambos do início do século passado…

Ramos – Ainda gravava como Boanerges quando comecei a ler sobre Farquhar. Leio a sinopse e percebo a saga, o épico, a loucura, o delírio que acometem os homens, suas vontades, seus desejos e suas ambições. Isso encerra tudo no próprio Farquhar.

Folha – Interessante, não?

Ramos – É claro. Como é que eu vou rejeitar esse personagem? Vou enfrentá-lo, vamos ver o que vai sair. Acertarei ou errarei, mas isso também faz parte do jogo. É claro que eu espero acertar.

Folha – Você está fazendo 40 anos de carreira?

Ramos – Já fiz, agora digo que estou com 40 e meio.

Folha – 2004 foi o seu ano?

Ramos – Eu ganhei um prêmio com teatro, já ganhei prêmio com cinema, o de Gramado e outros. Já ganhei prêmios internacionais, já ganhei prêmio de várias maneiras. Neste ano fico feliz com mais um APCA [Associação Paulista de Críticos de Artes, em que ganhou troféu de melhor ator, pelo Boanerges de ‘Cabocla’]. Fico sim, fico feliz, sim. Não estou esbanjando nada. Não estou ostentando nada, mas estou feliz.

Folha – Você já fez um vilão?

Ramos – O que você chamaria de um vilão clássico, não.

Folha – Nunca?

Ramos – Já fiz em teatro.

Folha – Na TV, não.

Ramos – Na TV fiz o que se chama de vilania perdoável. Pô, você quer mais vilão do que o Zé Clementino, que assassina a mulher, o amante dela e jura vingança enquanto estiver na cadeia? Mas ele tinha valores, se regenerava, era desculpável.

Folha – O que lhe marca mesmo é o bom moço, não é?

Ramos – É. E também não tenho problema com isso, não. Não fico sem dormir por causa disso. É porque eu sempre acreditei muito nesses valores. E sempre acreditei também que por trás de um mau-caráter tem alguém que não é mau-caráter 24 horas.

Folha – Farquhar é mau-caráter?

Ramos – Ele não é mau, não chega a ser um vilão, quer dizer, tem um momento que ele é. A vilania dele será entendida pelo público.

Folha – Você está casado há 36 anos. É marido de uma mulher só? E se confunde com os melhores ‘bom-caráter’ que já interpretou?

Ramos – Sim. E às vezes tem confusão: ‘Esse cara é muito certinho, é muito isso’. Eu não sou certinho, sou apenas um homem que ama a sua companheira. É tão simples como dizer estou com fome. É muito simples o profundo amor e respeito que eu tenho por ela [Lidiane]. Ser macho é poder dizer eu sou, sim, o homem de uma única mulher.’



ANGELS IN AMERICA
Pedro Butcher

‘Mike Nichols faz retrato de um tempo triste’, copyright Folha de S. Paulo, 2/01/05

‘Desde que ‘Angels in America’ estreou na Broadway, em 1993, falava-se de uma adaptação para o cinema deste texto de Tony Kushner, um marco do teatro americano contemporâneo.

Robert Altman e Neil LaBute chegaram a anunciar seus projetos, ambos abortados. De fato, nas condições atuais do cinema ‘mainstream’ americano, altamente conservador, a produção de um texto complexo e longo sobre Aids, homossexualismo e política confirmou-se impossível.

Mas não na TV, hoje bem mais aberta. ‘Angels in America’ transformou-se em uma premiada minissérie em dois capítulos produzida pela HBO, com direção de Mike Nichols e estrelada por Al Pacino, Emma Thompson e Meryl Streep -agora em DVD.

De certa forma, é uma peça altamente datada, mas aí que reside sua força. Kushner, que define seu texto como uma ‘fantasia gay sobre temas nacionais’, retrata Nova York entre 1985 e 86 (na primeira parte) e 1987 e 1990 (na segunda). São tempos sombrios, marcados pelo conservadorismo da era Reagan e pela tristeza da descoberta da ‘peste gay’ (a Aids, envolvida em desinformação).

Logo nos primeiros minutos, Prior Walter (Justin Kirk) conta a seu companheiro Louis (Ben Shankman) que está com Aids, deslanchando em Louis um processo de repulsa e culpa que vai levá-lo a abandonar o companheiro no pior momento da doença.

Paralelamente, conhecemos o mórmon Joe Pitt (Patrick Wilson), gay enrustido, e sua mulher, Harper (Mary Louise Parker). Pitt é assistente de Roy Cohn (Al Pacino, excepcional), advogado republicano ultraconservador e corrupto que também esconde sua condição homossexual. Na medida em que Prior e Cohn adoecem, delírios se misturam à realidade: Prior vê ancestrais que foram vítimas da peste e um anjo; e Cohn conversa com Ethel Rosenberg, executada na cadeira elétrica graças à sua atuação como promotor.

‘Angels in America’ não soa extremamente datado pelo seu recorte histórico, mas, sim, por sua visão política. Se a primeira parte é um painel devastador e emocionante de uma época, na segunda parte Kushner leva às últimas conseqüências idéias políticas questionáveis. Não há um diálogo que não termine com a sugestão de que os judeus odeiam os negros e vice-versa, sem apontar a possibilidade disso ser superado.

Mais complicada ainda é a idéia de que a Aids funcionou como uma ‘revelação’ da verdade, abolindo a hipocrisia dos ‘gays’ conservadores (que, aliás, são devidamente punidos, em um final que se revela altamente moralista).

Mesmo desfilando julgamentos simplistas, a série guarda imensa força como retrato de um tempo triste. Seus momentos mais impressionantes mostram a solidão de uma doença carregada de estigma e a tristeza da opressão política que tenta represar o desejo humano. Não é pouco.

Angels in America

Direção: Mike Nichols

Distribuidora: Warner, R$ 40, em média’