Thursday, 26 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

Bia Abramo

‘E lá se vai ‘América’, em mais alguns dias. Nem cabe um ‘balanço’ da novela, porque, a rigor, já não é exatamente novela o que Glória Perez vem fazendo há algum tempo, e sim uma modalidade nova de ficção na TV. Organizada em torno de núcleos de esquetes, essa nova modalidade ainda clama por um nome, ‘irreality show’ é antes um trocadilho do que propriamente um termo, mas já se pode identificar e tentar descrever algumas estratégias típicas.

Em primeiro lugar, há que preservar alguma semelhança com a narrativa tradicional, então arma-se de início uma grande trama, de preferência com uma abordagem temática e uma espécie de ambição geográfica desmedida. A história central deve, ao mesmo tempo, permitir muitos deslocamentos, que vão se dar de forma quase mágica, e abordar alguma questão dramática da realidade.

As agruras de Sol como imigrante ilegal, suas idas e vindas entre a Lapa carioca, a Miami cubana, a caipira Boiadeiros e sua paixão errática pelo peão de rodeio Tião fizeram essa parte em ‘América’. Forneceram os pretextos para os motivos melodramáticos -não à toa, na paródia do ‘Casseta e Planeta’, Sol é interpretada por uma Maria Paula vesga de tanto chorar, sem, entretanto, chegar de fato a contar uma história de qualquer tipo.

O outro núcleo de esquetes, responsável pela distração, combina música e dança como o humor dos tipos populares. ‘América’, projeto pretensioso, tinha pelo menos três núcleos principais: os latinos de Miami, o neocountry de Boiadeiros, o fundo de quintal da Lapa e momentos aqui e ali em que o funk para patricinhas da zona sul apareceu. É uma bela maneira de enrolar e ganhar tempo, mas também de dar ao espectador uma impressão confortável de que tudo é mais ou menos previsível. E, claro, fornece oportunidades quase infinitas para vários tipos de merchandising.

O destaque positivo, no caso de ‘América’, foi a presença de atores talentosos para a comédia, como Guilherme Karam, Rosi Campos e Cláudia Jimenez na turma latina; e Matheus Nachtergaele entre os caipiras. Entre as ‘breteiras’, uma revelação: Christina Kalache como a despeitada Bebela.

Por fim, os esquetes de Perez não existem sem um dupla inserção entre o ‘documental’, desta vez representado pelos personagens deficientes visuais (o chato Marcos Frota e a menina Bruna Marquezine) e o esotérico. O melhor que se pode falar sobre ‘América’ é que esse coté ‘misterioso’ da novela, concentrado no boi Bandido e nas visões de Tião, foi menos descabelado do que em ‘O Clone’, mas talvez isso não seja propriamente um elogio.

Que venha Silvio de Abreu e sua maneira ‘old fashioned’ de fazer novela, isto é, contando (ou ao menos tentando) histórias. Costuma ser mais divertido.’



Patrícia Villalba e Jade Augusto Gola

‘A salvadora da América’, copyright O Estado de S. Paulo, 31/10/05

‘Glória Perez ri por último. Depois de um começo atribulado e um miolo tateante, América termina na sexta-feira como um sucesso de audiência. Na segunda-feira passada, dia 24, a trama registrou 61 pontos no Ibope, com share de 80%. Isso significa que de cada 10 televisores ligados no País, 8 estavam acompanhando a decisão do peão Tião (Murilo Benício) de montar o temido boi Bandido.

América estreou em 14 de março com 56 pontos, após Senhora do Destino, de Aguinaldo Silva. No terceiro dia, caiu para 43 pontos, e na segunda semana já tinha apenas 40. Vale ressaltar que 40 pontos no Ibope não é algo desprezível – são 2 milhões de domicílios -, mas é um índice baixo para uma novela das oito da TV Globo.

Nos bastidores, as divergências entre a autora e o então diretor Jayme Monjardim eram cada vez mais maiores. Monjardim pediu afastamento da novela, que passou para Marcos Schechtman.

Sol, papel que seria de Cláudia Abreu, mas ficou com Deborah Secco, foi apresentada como uma protagonista chorosa e sussurrante, chapada em imagens marrons. Muito diferente do que Glória diz ter planejado para ela. É por isso que a autora, que depois das férias tentará engatar uma minissérie em que contará a história do Acre, credita à primeira direção o fracasso inicial da novela.

Fora do Projac, a novela enfrentou pesadas críticas. Logo que foi divulgado que ela se passaria no interior de São Paulo – hábitat natural dos peões brasileiros -, os grupos de defesa dos animais tentaram demover a Globo da idéia. Houve até quem achasse que Glória estaria incentivando a imigração ilegal, ao criar uma heroína que persegue o sonho de fazer a vida nos Estados Unidos. ‘Imagine se uma novela tem o poder de fazer uma pessoa vender tudo e atravessar um deserto. Estreou em março e, em abril, acharam que 30 mil pessoas tinham vendido tudo para atravessar o deserto por causa dela. Só pode ser brincadeira’, diz Glória, em entrevista ao Estado, no Projac, onde conferiu a gravação das últimas cenas na semana passada.

Glória, que não tem medo de polêmica e não se furta a uma boa discussão, prepara revoluções. A primeira, confirmou ao Estado: Júnior e Zeca vão mesmo se beijar. Quanto à segunda, é reticente. Sol vai ficar com o mocinho Tião ou com Ed? Segundo pesquisa no site da novela, dos mais de 75 mil votantes, 80% querem que ela fique com Ed. Seria um final incomum, para uma novela incomum.’



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‘É boato ou é verdade? A Autora Responde’, copyright O Estado de S. Paulo, 31/10/05

‘É VERDADE QUE VOCÊ MANDA BILHETES PARA OS ATORES QUE ESTÃO INDO MAL?

Nunca fiz isso. Às vezes eu mando recado, avisando que uma cena precisa de determinada atuação porque vai se desdobrar de certa maneira depois. Isso é útil para o ator.

VOCÊ QUERIA A VERSÃO DE IVETE SANGALO PARA ‘SOY LOCO POR TI, AMERICA’ DESDE O COMEÇO PARA A ABERTURA?

Lógico. É a cara da novela. Eu quis fazer uma novela alegre, animada. Dramática mas temperada com humor, como está agora.

É VERDADE QUE VOCÊ ESCREVE EM PÉ?

É. E eu escrevo lindamente em pé, adoro. Não sei por que, mas me cansa muito ficar sentada. Ponho meu laptop na bancada que divide sala da cozinha do meu escritório. E não posso trabalhar em casa porque, além de toda as distrações, eu tenho uma cachorra – Patrícia – que odeia o meu trabalho. Ela desliga o meu computador, é um inferno. Vivo gritando: ‘Patríííciaaa!’

VERA FISCHER LIGOU PARA VOCÊ PEDINDO UM PAPEL?

Ela já ia entrar no começo. Não fez porque estava com uma peça em cartaz, viajando pelo Brasil. Ela queria fazer assim mesmo, mas achamos que seria um risco. Vera foi protagonista do meu trabalho que eu acho o mais bonito, Desejo. E aí eu fiz uma coisa para ela na novela para brindar essa parceria, que não aconteceu nessa novela. No último capítulo, ela sela o destino do Alex.’



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‘‘Cobrem das instituições, e não da ficção’’, copyright O Estado de S. Paulo, 31/10/05

‘Leia os principais trechos da entrevista que a autora Glória Perez deu ao Estado, no Projac:

América começou sob uma chuva de críticas, e problemas com a direção. Agora, se tornou um sucesso de audiência, mas ainda não conquistou a crítica. Qual é o balanço?

O público se rendeu à novela porque a história é boa. Quanto à história dos animais, eu lamento não ter feito a campanha que a novela pretendia fazer. Daí, recebi como resposta, numa atitude de psicopata, uma série de agressões absurdas à minha filha (Daniela Perez).

Você cortou mesmo os protetores de animais da novela?

Tirei mesmo, como um protesto. Eu não inventei o estilo country, eu queria pintar um retrato de uma parte da sociedade que está aí. Se essas pessoas fossem sérias, estariam protestando na porta dos rodeios.

O que você teve de mudar na idéia original da novela?

Sobre isso, há muita lenda. A novela não teve de ser ajustada, ela teve no começo uma direção equivocada. O ajuste foi sair aquela direção e entrar uma outra direção que fazia o que estava escrito. Então, tudo o que acontece na novela, as pessoas dizem ‘ah, mudou tal coisa’.

Você deu mesmo mais destaque à Lurdinha para salvar a novela?

Não, já estava assim na sinopse. Numa novela, você não conta todas as histórias ao mesmo tempo. Cada trama tem o seu momento de explosão. Há muita especulação. Então, tem a América que eu escrevo e a América que os jornalistas escrevem.

Se você pudesse voltar ao começo da novela, o que mudaria?

O diretor, começaria com o Marcos Schechtman. Houve uma direção equivocada no começo. Acabou marcando a relação Sol e Tião. Homem nenhum se apaixona por uma mulher que olha pra ele e chora. Mas a página está virada. Agora quero falar do sucesso da novela.

Vamos falar do Júnior e do Zeca.

Essa história do Júnior me orgulha muito. Eu já tinha criado vários personagens gays, mas queria mostrar o conflito interno. Agora, vai ser muito comentado o beijo deles.

Vai mesmo ter beijo?

Vai rolar, claro.

Cada autor consagrado de novelas da Globo tem a sua marca, como a de Silvio de Abreu é o mistério, por exemplo. Qual é a sua?

Quem me disse qual é a minha marca foi o (sociólogo) Antônio Lavareda. Ele disse que a minha marca é o olhar antropológico. Em América, você vê que tem dois universos misturados. Tem dois brasileiros, um que quer arrancar as raízes e ir atrás do sonho americano e outro, do mundo country, que é bem enraizado.

No fim das contas, você ficou satisfeita com ela?

A Deborah fez uma Sol maravilhosa. Foi o Marcos Schechtman que botou a Sol como ela era. Uma mulher fraca não vai nem à esquina, imagina atravessar um deserto.

Cobra-se muito a verossimilhança do autor de novela.

Eu não posso ser acusada de inventar, a minha profissão é inventar. Vamos parar de tratar a novela como se a construção dela determinasse a realidade. Eu acho muito perigoso um país onde você começa a cobrar da ficção o que você tem de cobrar das instituições.

Outra crítica que você recebeu é que em América mexicanos e americanos falam português.

Tinha uns tontos que diziam isso. Queriam o quê? Que falassem inglês? Legenda, com tanta gente que não sabe ler? Essas mesmas pessoas acham natural Cleópatra e Gandhi em inglês. A gente precisa do gancho, para que as pessoas vejam no dia seguinte. E a simples exigência do gancho já é a do sensacional. Quem critica, é porque não sabe as regras básicas do folhetim. É como criticar um soneto porque rima.’



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‘Quem se Saiu Bem X Quem Já Vai Tarde’, copyright O Estado de S. Paulo, 31/10/05

‘JET SET: Daniela Escobar animou Boiadeiros com a personagem Irene, a perua de rodeio consumista. ‘Eu não sei ser pobre’, dizia para Laerte, seu marido, quando este ameaçou ir à falência.

DE TIRAR O CHAPÉU: ‘Melanina cheirando a paixão’, como diz a música-tema de Alcione, Ailton Graça estreou bonito na TV, como o simpático Feitosa. Ao lado de Paula Burlamaqui e Neusa Borges, arrasou.

MARVADA CARNE: Uns e outros tentaram, mas o grande vilão de América é o boi Bandido. E é bom de ibope: por causa dele, no dia 24, 80% das TVs ligadas no País estavam sintonizadas na Globo.

GAROTA PROBLEMA: May, a vilã oficial de América interpretada por Camila Morgado, é mais problemática do que cruel. Humana demais, sua maldade não é nada perto de Nazaré, de Senhora do Destino.

BESAME MUY POCO: Geraldito, o cubano interpretado por Guilherme Karan, não foi muito feliz em América. Passou a novela toda metido num figurino démodé e cantando a mesma – e chatíssima – rumba.

MAU HUMOR: Consuelo (Claudia Jimenez) poderia ter animado Miami, mas a dona da pensão era ranzinza demais. Deu saudades de Bina, a emergente de Torre de Babel, vivida pela atriz.’



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‘Brasil espera: vai ter beijo ou não?’, copyright O Estado de S. Paulo, 31/10/05

‘Quando Glória Perez visitou as gravações de América com a reportagem do Estado, Cissa Guimarães e Totia Meireles perguntaram: ‘E aí, vai ter beijo?’ Com a afirmativa, o set vibrou. Elas perguntavam do esperado beijo que pode rolar no último capítulo entre o confuso Júnior e o peão Zeca, interpretados respectivamente por Bruno Gagliasso e Erom Cordeiro.

É a maior expectativa da trama, que, se confirmada, colocará América na história como a primeira novela a mostrar um beijo quente entre dois homens.

E estamos falando de beijo de língua, coisa que nem deveria ser considerada tão escandalosa assim, depois que já foi ao ar a cena (ainda que relâmpago) em que Zeca ‘passa por trás’ de Júnior em pleno show de Rio Negro & Solimões, configurando-se como o primeiro assédio físico gay da telenovela brasileira. Apesar da tensão sexual, a cena, exibida no começo do mês, não é explícita. ‘Dá para mostrar qualquer coisa na TV, dependendo da delicadeza. O importante é que, com isso, se avance na mudança do olhar sobre o gay’, explica Glória, dez anos depois do polêmico casal Sandrinho e Jefferson, de A Próxima Vítima, de Sílvio de Abreu.

Tal mudança deve ser feita na aceitação do gay na sociedade, como alguém que flerta, que tem desejos e que se aproxima de quem o atrai. A novela acertou ao colocar dois jovens bonitos, com pinta de futuros galãs, para os papéis. Gagliasso, 23 anos e ex-chiquitito, tem futuro certo na emissora. Erom, que aos 28 anos faz sua estréia em novelas das oito, atua há 12 anos, principalmente no teatro.

A madrinha de Erom é, ironicamente, Eliane Giardini, que na novela é a mãe desconfiada de Júnior, levemente afetado e inseguro. O alagoano atuava no musical A Canção Brasileira, de Paulo Betti, ex-marido de Eliane. ‘Meu personagem é mais seguro porque ele não tenha um núcleo familiar como o do Júnior. Já passou pela fase de aceitação de sua bissexualidade’, explica, em entrevista ao Estado. Másculo e maduro, é o parceiro perfeito para Júnior. Glória expressou bem a dualidade clássica, mas nova em novelas, entre o gay ativo e o passivo.

O falatório é grande. Programas de auditório de gosto duvidoso fazem a polêmica pela polêmica, colocando gays para discutir com conservadores se o beijo deve acontecer ou não; sites e comunidades gays se mobilizam pela consumação do fato, e a Globo, apesar da afirmativa da autora de que o beijo acontecerá, faz suspense. ‘Eu acho que não vai ter. Os capítulos que a gente recebeu não sinalizam isso’, adianta Erom, que diz nunca ter beijado homens. ‘Mas se a Glória quiser, a gente faz.’ Segundo a Globo, 47,1% dos contatos de telespectadores são a favor do romance e 52,9%, contra. Gagliasso não opinou, pois não respondeu às perguntas enviadas à sua assessora. Glória Perez afirma que mesmo sem beijo a ‘mensagem terá sido passada’. Mas é inegável que essa mensagem seria extremamente fortalecida pelo simbolismo de um beijo consumado.

DESCONTROLADAS

Questões existenciais não foram exclusividade de Júnior. América foi um desfile de mulheres descontroladas. E, à moda do que a série Desperate Housewives, grande sucesso hoje na TV americana, a fórmula ‘à beira de um ataque de nervos’ faz sucesso – seja pela identificação ou pelo escracho.

O que Raíssa (Mariana Ximenes) está fazendo que ainda não caiu nos antidepressivos? Primeiro, se apaixonou pelo grande amor de sua mãe, depois, quase casou com um bandido que, aliás, estava por trás de seu seqüestro. Aderiu ao ‘pancadão’. Será que o funk salva?

Haydée (Christiane Torloni), nem se fala, é cleptomaníaca fina, que usa uma arma peculiar – seu écharpe. Creusa é uma maníaca sexual. Desvio providencial que rende cenas da moça trajando lingerie.

Mas justamente a que teria motivos para ser a mais desesperada é a mais bem-resolvida. A Nina de Cissa Guimarães caiu naquele conto do ‘sou casado, mas estou me separando’ e foi amante de Glauco (Edson Celulari) por oito anos. Até ser trocada por Lurdinha (Cléo Pires). Doida demais, deu plantão na porta do hotel do cara, pôs câmera escondida no escritório dele. E chorou nos belos ombros de Rodrigo Hilbert, o Murilinho. Virou ícone de mulher sacudida, desbancou as novas beldades e saiu linda na capa da revista Sexy de novembro. Consagração para valer está na popularíssima Rua 25 de Março – os camelôs vendem, aos montes, a correntinha que a atriz usa na novela. Custa R$ 1.’



MANDRAKE
Alessandro Giannini

‘‘Mandrake’ aposta em sexo e violência’, copyright O Estado de S. Paulo, 31/10/05

‘Logo no começo do terceiro episódio de Mandrake, primeiro seriado nacional produzido pela HBO em parceria com a Conspiração Filmes, um empresário interpretado por Paulo César Pereio diz ao jovem advogado criminalista encarnado por Marcos Palmeira que já ouviu falar dele. ‘Cínico, inescrupuloso e mulherengo’, diz Pereio. ‘Mulherengo pode até ser, mas cínico e inescrupuloso, não’, responde Palmeira.

Inspirado no protagonista dos contos e romances policiais de Rubem Fonseca, que dá nome ao seriado, o personagem chega à televisão numa versão atualizada: mais colorido e um tanto esvaziado de visão crítica. Nada a ver com a escolha de Palmeira, que se encaixa bem no perfil de Mandrake, um especialista em casos de chantagem e extorsão que oscila entre o baixo mundo e a elite cariocas. Dedica-se a proteger tanto as incautas filhas da alta sociedade acusadas de tráfico quanto a salvar prostitutas desprotegidas das garras de seus cafetões.

O Mandrake literário, de Rubem Fonseca, se distancia do televisivo, adaptado por uma equipe de roteiristas que tem o Titã e escritor de romances policiais Tony Bellotto como colaborador, justamente pela medida do humor cáustico, do cinismo e da falta de escrúpulos. É como se as tintas fossem suavizadas para se adaptar ao formato e atingir um público apenas interessado em, palavra de ordem no universo cultural, ‘se divertir’.

O Mandrake televisivo mantém a ambigüidade do literário, mas em um tom mais leve e humorístico, como pede o protocolo do veículo. Ele tem duas namoradas, a sofisticada Berta (Maria Luisa Mendonça) e a jovem Bebel (Erika Mader); circula nos bares da zona sul com os colegas advogados e nas boates de striptease com os amigos policiais. Enxerga a vida e as pessoas com um cinismo e uma ironia quase ingênuas e não profundamente decepcionado com o mundo em volta dele como se via nos contos e romances.

Como diretor geral e principal integrante da equipe de roteiristas, José Henrique Fonseca, filho do escritor e criador do personagem, estabelece para o seriado um conceito que tenta equilibrar a carga literária ao apelo comercial do veículo. Fonseca aposta na linguagem ágil, quase documental, e em um visual muito colorido. Ele também carrega na nudez, no sexo e na violência como elementos catalizadores, o que não é exatamente algo novo nos canais de televisão por assinatura.

No episódio de estréia levado ao ar ontem, A Cidade Não É Aquilo que se Vê do Pão de Açúcar, adaptação direta do conto O Caso de F.A., Fonseca estabelece essas diretrizes, que deverão ser seguidas, em maior ou menor grau, com mais ou menos talento, pela equipe de diretores convidados: Artur Fontes, Toni Vanzolini, Carolina Jabor, Lula Buarque de Hollanda e Claudio Torres. No geral, não é o que se costuma ver nas emissoras de sinal aberto e isso certamente faz uma grande diferença.

Mandrake tem mais parentesco com os enlatados americanos de ação do que com os seriados nacionais produzidos pelos canais de sinal aberto, aparentadas em geral com as comédias de costume. Nesse sentido, pode-se dizer que o consórcio HBO-Conspiração se adeqüou muito bem a uma tendência eminentemente comercial e fez um produto de entretenimento que vai atrair a atenção do público. Apesar disso, não se trata de uma revolução nem no formato, nem no gênero e muito menos nas adaptações literárias. Aliás, nessse sentido, está muito longe de atingir esse objetivo ambicioso.’



Laura Mattos

‘‘Mandrake’ traz o que a Globo ‘não exibiria’’, copyright Folha de S. Paulo, 30/10/05

‘Érika Mader, sobrinha de Malu, fuma maconha. O namorado, Marcos Palmeira, transa com todas as mulheres que encontra pela frente, inclusive a ‘Tiazinha’ Suzana Alves, fica completamente pelado e apanha do cantor Otto. Daniel Dantas faz sexo grupal, e muitas moças cheiram cocaína.

É por aí a estréia de ‘Mandrake’, hoje, às 23h, na HBO (o sinal está aberto a todos os assinantes). Primeira produção brasileira do canal, a série baseada na obra do escritor Rubem Fonseca vai ser exibida em toda a América Latina. Serão oito capítulos, sempre aos domingos. O projeto é de José Henrique Fonseca, filho do criador do advogado Mandrake, que percorre seus livros há 40 anos.

Há pouco mais de dois anos, a produtora Conspiração Filmes, de José Henrique, negociou com a Globo o projeto ‘Mandrake’. A emissora só tinha interesse em um episódio, a ser exibido na série ‘Brava Gente Brasileira’.

O cineasta achou que o personagem merecia uma série e não fechou o negócio. Ainda bem, por um lado. Na Globo, concorda José Henrique, ou em qualquer outra emissora aberta, o telespectador jamais veria o verdadeiro Mandrake e seu universo ‘fonsequiano’, no qual se inclui o primeiro parágrafo deste texto.

Uma nova teledramaturgia, livre das amarras globais, surge com ‘Mandrake’ e o mecanismo de incentivo fiscal da Ancine (Agência Nacional do Cinema) para que canais estrangeiros produzam no Brasil. Foram investidos R$ 6,7 milhões. ‘Um programa assim não entraria na Globo de jeito nenhum por várias questões: desde a parte técnica, já que tem uma fotografia escura, com uma pegada mais cinematográfica, até os assuntos, as cenas de sexo. A HBO, por ser um canal fechado, dá muita liberdade’, diz José Henrique, que em 1993 dirigiu para a Globo ‘Agosto’, também de Rubem Fonseca.

O porém dessa festa é que a TV paga é restrita a poucos no Brasil, e a HBO, à elite da elite da elite.

Os três primeiros episódios (cada um tem 50 minutos) são adaptações de contos de Rubem Fonseca. Os outros cinco são histórias novas, criadas por José Henrique, Tony Bellotto e Felipe Braga.

No papel de Mandrake, Marcos Palmeira deixa para trás Fernando Amorim, de ‘Celebridade’, e qualquer outro galã de seu vasto currículo de novelas. Convence como o protagonista e deixa brilhar outras figuras-chaves do elenco -especialmente Miele (o sócio Wexler) e Marcelo Serrado (policial Raul, seu melhor amigo).

A dupla funciona, e vale citar a cena em que ‘dividem’ o mesmo vaso sanitário e outra na qual saem bêbados do bar em plena tarde quente carioca, discutindo a diferença entre gavião e falcão.

Empolgado com o papel, Serrado confessa à Folha: ‘A gente tinha tomado um pouco de vinho e estava meio ‘alto’ de verdade’.

Palmeira, que passou a fumar charuto apesar de ser ecologicamente correto, também comemora a atuação em ‘Mandrake’: ‘Adorei ter tido a aprovação do José Henrique, do Rubem. É um trabalho com uma linguagem muito legal, com uma cara brasileira e a liberdade e o frescor de uma produção independente’.

Não perca a estréia, principalmente pela participação brilhante de Alexandre Frota e Tiazinha.’



Adriano Schwartz

‘Série parece mais contida do que poderia’, copyright Folha de S. Paulo, 30/10/05

‘Falta alguma coisa a ‘Mandrake’ e, numa primeira impressão, não é fácil defini-la. Estão ali bem presentes, por exemplo, a violência e a sexualidade que caracterizam, entre outros aspectos, os trabalhos iniciais de Rubem Fonseca. Ainda assim, os dois episódios assistidos para que este comentário fosse escrito (o primeiro e o terceiro) parecem mais ‘contidos’ do que poderiam ser.

O advogado é um personagem recorrente na obra de Fonseca: surge em ‘Lúcia McCartney’ e ‘Feliz Ano Velho’, que compõem de longe o que de melhor ele produziu, ao lado de ‘Os Prisioneiros’, ‘A Coleira do Cão’ e ‘O Cobrador’, e volta, esporadicamente, a aparecer. No ano passado, lançou pela Companhia das Letras ‘Mandrake’, com duas novas histórias protagonizadas por ele.

O primeiro episódio, que será transmitido hoje, tem o sugestivo nome de ‘A Cidade Não É Aquilo que se Vê do Pão de Açúcar’ e de fato mostra um Rio de Janeiro que não é ‘para turista ver’. Nele é também introduzido o núcleo fixo, com destaque para Maria Luisa Mendonça, no papel de Berta Bronstein, a namorada ‘permanente’ de Mandrake, e para Luiz Carlos Miele, que domina a cena com sua caracterização do advogado Wexler. Entre os atores convidados, merece menção um engraçadíssimo Alexandre Frota.

Uma comparação entre o conto e a sua versão televisiva talvez pudesse ajudar a esclarecer a carência sugerida acima. Infelizmente não é possível fazê-la aqui. Mas talvez seja um bom indício lembrar que, daquelas duas características dos textos dos anos 60 e 70, a violência e a sexualidade, é a extrema naturalização da primeira, transformada em uma espécie de modelo da sociedade brasileira, que firma Fonseca como um de nossos principais escritores.

Se hoje em dia, algumas décadas depois, o recurso está bastante banalizado, faz sentido que o ângulo seja ajustado e o enfoque se volte para a segunda característica, a sexualidade, como deixa bem claro o primeiro episódio. Só que, para isso, seria necessário investir um pouco mais numa perversidade que aqui e ali se insinua.

Vale a pena assistir a ‘Mandrake’. Mas seria injusto com o autor e com os diretores da série não esperar por um pouco mais.

Adriano Schwartz é professor de arte, literatura e cultura no Brasil da Escola de Artes, Ciências e Humanidades da USP’



HIPOCRISIA NA TV GLOBO
Milton Coelho da Graça

‘O grande Conselho da hipocrisia’, copyright Comunique-se (www.comuniquese.com.br), 26/10/05

‘A Rede Globo, através de seu bem montado aparato de comunicação, informa que o especial de fim-de-ano (criado por Miguel Falabella e Maria Carmen Barbosa) terá entre os principais personagens uma adolescente de 16 anos, que, segundo Falabella, ‘terá uma bossa especial’: será pansexual, com um namorado e uma namorada.

A televisão – segundo teóricos de todas as tendências – é um meio de entretenimento e educação. O êxito do ‘merchandising’ comprova como tudo que aparece na telinha (não só mercadorias, mas também linguagem e estilo de vida) é saboreado pelo público, especialmente jovens, como modelo de conduta para felicidade pessoal e sucesso social.

Minha longa e sinuosa aprendizagem de vida incluiu temporada na Congregação Mariana, mas juro que disso não restou qualquer inclinação para criticar a vida sexual alheia, privada ou ostensiva. Considero-me muito mais tolerante ou indiferente à pansexualidade do que os escalões de comando da Globo, onde convivem desde militante da Opus Dei a evangélico e muçulmano – todos contrários a essa ‘heresia’ e, provavelmente, sujeitos a faniquitos se uma filha aparecer em casa com namoradinha).

O espaço é curto para um debate teórico sobre os limites necessários ao cumprimento da função educativa de um especial de fim-de-ano, no horário nobre da maior emissora do país e destinado ao público de todas as idades, em boa parte reunido familiarmente.

Se o nosso Conselho de Comunicação Social fosse uma instituição séria – como na maioria das democracias do mundo – o especial de Falabella e Maria Carmen teria de ser repensado. Mas, do jeito que está, sua função maior é legitimar a hipocrisia.

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‘MEIA HORA’ avança e ‘Q’ vem aí

A direção do novo diário carioca ‘MEIA HORA’ garante que a circulação continua aumentando, já está entre 60 mil e 62 mil diários e pretende pedir uma auditoria do IVC. O jornal já está sendo distribuído no interior do Estado do Rio e, para dezembro, os planos incluem circular também aos sábados e domingos, com novos cadernos (TV e esportes). E o melhor de tudo: a criação de dez empregos adicionais.

No dia 7 de novembro, também chegará às bancas do Rio um outro diário: ‘Q’ será vespertino e o comando da redação está com Paula Fernandes, ex-Fantástico em São Paulo. A dona é Ariane Carvalho, que dirigiu O DIA até ser afastada pelas duas irmãs. Ela tem seis sócios, que entraram – segundo fontes confiáveis – com um milhão cada. O jornal será impresso nas oficinas do ‘LANCE’ e em papel bright. E o melhor de tudo: a redação terá pelo menos 30 pessoas.’