Wednesday, 13 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1314

Bia Barbosa

‘Não é novidade para ninguém que, nos últimos 30 anos, a igreja, os grupos de amigos e, principalmente, a escola têm perdido espaço para a mídia no papel de socialização política dos cidadãos. A centralidade dos meios de comunicação em massa na construção das representações da realidade, que orientam o comportamento cotidiano das pessoas – independentemente de classe social, raça ou gênero -, se constitui atualmente numa das dimensões mais complexas da contemporaneidade. Culturalmente, é a mídia que condiciona a maneira como interpretamos o mundo, tendo deixado, portanto, de ser mera transmissora de informações para ser construtora do próprio conhecimento humano. Discutir as consequências e perigos de tamanho poder de um setor que está cada vez mais oligopolizado e que atua desapercebido para a maioria da população foi o objetivo de um dos debates temáticos de quinta-feira (29) no III Fórum Mundial de Educação.

A mesa ‘O conhecimento, a informação e o poder da mídia’ levantou as principais questões acerca da conjuntura dos meios de comunicação brasileiros e sua relação com o processo educativo da sociedade. Analisou, por exemplo, como a concentração da propriedade dos meios por pouquíssimos grupos impede a livre manifestação do pensamento e a construção, a partir do debate de idéias, de uma opinião pública autônoma. Enquanto países como França, Inglaterra e até Estados Unidos avançam no sentido de garantir uma mídia plural, no Brasil as telecomunicações e as tecnologias de informação estão entre os quatro setores com maior número de fusões no primeiro semestre de 2003 – um crescimento de 35% em relação ao ano anterior.

Para o sociólogo, jornalista e teórico da comunicação Venício Lima, que participou do debate, tal concentração da produção e distribuição da informação potencializa negativamente o já crescente poder da mídia. ‘Nossa legislação é omissa e ineficaz para a questão da propriedade dos meios. A necessidade pública da diversidade de conteúdo não pode ser confundida com a quantidade de canais disponíveis. Diversidade significa a presença na mídia de diferentes visões e opiniões. Quando isso não acontece, num cenário em que a mídia é uma escola invisível que disputa com a escola real o espaço de representação do mundo, a coisa fica complicada’, aponta Lima.

Ele sugere uma democratização do poder da mídia baseada na educação via conhecimento emancipador. Algo que poderia ser conquistado, por exemplo, com a introdução de disciplinas nas escolas que preparem os alunos para a interpretação da mídia e ajudem a pautar a discussão sobre os meios de comunicação na sociedade, ampliando o leque de atores envolvidos no setor. Mas algo que, ao mesmo tempo, ainda depende da superação de barreiras tremendas, como a falta de acesso dos professores à internet. No ano passado, uma pesquisa realizada pela Unesco (Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura) mostrou que mais da metade dos 5 mil professores entrevistados não tem computador em casa, não navega na rede mundial e não usa sequer o e-mail. Enquanto isso, o acesso à TV, que segue controlada por poucos, é alcançado por 97% da população.

‘O acesso ao conhecimento e à informação plural é fundamental para o desenvolvimento das nações. A mídia tem um forte poder para diminuir a distância entre os países pobres e os desenvolvidos’, afirma Jorge Werthein, representante da Unesco no Brasil, que coordenou o evento no FME. ‘Ressalto então o erro adotado com a proliferação de laboratórios de informática nas escolas. Seria mais importante permitir o acesso aos computadores por parte dos professores através de subsídios. Se não incorporarmos os professores ao mundo digital, esses laboratórios continuarão ociosos e fechados’, acredita.

Direito à comunicação

Fazer da sala de aula um espaço de aprendizado para a interpretação da mídia e de experimentação e articulação para o fortalecimento de outras vozes – via produção e veiculação de informação dentro do ambiente escolar – pode ser o primeiro passo para o reconhecimento do direito à comunicação por parte de todos.

‘A partir das escolas, podemos aumentar a consciência da população e estimular que a sociedade se organize para reivindicar seus direitos. Precisamos garantir a massificação de jornais locais, das rádios comunitárias, apoiar as TVs comunitárias e universitárias. A mídia comercial precisa admitir que existam mídias alternativas, que os grupos excluídos tenham seus próprios veículos. Isso ajudaria a pagar a dívida histórica do déficit de conhecimento que temos com a nossa população’, diz Venício Lima.

Segundo o sociólogo, isso só será possível a partir da mobilização pública. Ao contrário das expectativas de uma mudança no quadro das comunicações no Brasil que muitos alimentaram com a eleição de Lula, até o momento as políticas públicas para esta área não foram priorizadas. Em paralelo, esperar mudanças na legislação significaria ignorar que as leis são feitas num Congresso onde 27% dos parlamentares são proprietários ou têm interesse direto nos meios de comunicação. Na opinião de Lima e das centenas de educadores que assistiram a este debate no Fórum, a apropriação dos meios de comunicação pela sociedade é um desafio de todos, que começa a ser enfrentado assim que cada um pisar de volta na sua sala de aula.’



Adital

‘Frei Betto fala no FSA sobre democratização da Informação’, copyright Notícias Adital, 26/07/04

‘Cerca de 250 pessoas compareceram hoje ao auditório da Universidade Católica do Equador para ouvir a palestra ‘Democratização da Informação através da Inserção da Agenda Social Latino-Americana na Mídia Internacional’, promovida pela Agência de Informação Frei Tito para América Latina (Adital) e proferida pelo jornalista, escritor e integrante do governo brasileiro, Frei Betto. Na introdução, o diretor-executivo da Adital, Ermanno Allegri, falou sobre a importância de que existam mais meios de informação, como boletins e revistas de vários segmentos da sociedade, como o Terceiro Setor, para que mais pessoas passem a receber a informação. Ermanno destacou também sobre as fontes. ‘Aqueles que fazem o terceiro setor são fontes novas que se estão revelando como aqueles que têm uma objetividade grande no sentido de ter credibilidade, de poder colocar os acontecimentos, os fatos, e, inclusive a interpretação dos fatos. A América Latina teve mudanças radicais no último ano, e é isso que nós queremos fazer chegar a todos, não só aos nossos meios de comunicação, mas também a toda grande imprensa’, expressou.

Em sua intervenção, Frei Betto pegou alguns aspectos interessantes da democratização. Primeiro falou que é preciso democratizar no sentido de se fazer entender. ‘Quando nós falamos, quando nós escrevemos devemos ter a capacidade de utilizar uma linguagem que não seja hermética, específica, especializada, mas que possa chegar ao conhecimento e ser entendida por todas as pessoas que escutam rádio ou lêem uma revista ou um jornal’, esclareceu.

Frei Betto insistiu sobre a questão da internet, como democratização no sentido da existência de uma interação. Segundo ele, na internet é mais fácil que as pessoas exprimam seu parecer e recebam também de volta um parecer de apoio ou contrário. Sobre a rádio, Frei Betto considera que ela é mais democrática também porque permite a participação dos ouvintes, por telefone ou presentes nos estúdios, sendo, portanto, um meio de democratização muito forte. Já os jornais, por exemplo, se limitam às cartas do leitor, que nem sempre são publicadas, ou o são apenas em parte. Quanto à Televisão, Frei Betto frisou que a participação é quase zero.

Frei Betto ressaltou também a importância dos setores populares que, através da cultura, de datas importantes da vida são também elementos que democratizam a comunicação. ‘Esta não é a comunicação oficial de jornais e revistas, mas é uma comunicação que acontece dentro dos meios populares, que transmite elementos, que transmite valores éticos, valores de vida’, disse.

Segundo Frei Betto, todos os nossos meios – sejam internet, televisão, rádio, revistas, jornais, boletins, agências etc. – são importantes no sentido de ajudar a perceber o que está por detrás dos fatos, por detrás das notícias, como por exemplo, o que é que a notícia ou o fato deve revelar. ‘Se não o revela, pelo menos a imprensa deveria se democratizar no sentido de fazer com que as pessoas não recebam simplesmente a notícia fria, mas fazer com que a nossa comunicação ajude a interpretar e a entender o que significam os fatos dentro da história’, ressaltou.

Osvaldo León, presidente da Agência Latino-Americana de Informação (ALAI), de Quito, Equador, disse que ‘conseguimos democratizar a informação na medida em que também estabelecemos um tipo de vigilância, de controle sobre as notícias para fazer com que, se uma notícia falsa for divulgada, ou uma interpretação falsa em relação a uma coisa que um setor fez, é obrigação desse setor se colocar frente a um meio de comunicação para exigir uma retratação ou colocar a interpretação que considera mais verdadeira’. Para ele, o espaço público da comunicação se democratiza na medida em que a cidadania dos vários setores sociais, classes sociais, de gênero, etc., conseguem fazer com que a cidadania que eles estão exercendo venha a ser conhecida. ‘É uma obrigação dos setores sociais comunicar, fazer com que se publique o que eles estão fazendo; portanto, os setores sociais devem comunicar e fazer chegar ao público o que estão produzindo’, frisou, concluindo que é necessário para democratizar os meios de comunicação uma política nova em relação à comunicação e, também, uma macro-política, no sentido de respeito a todos os meios de comunicação, encorajando, sobretudo, àqueles meios que não têm recursos, e desenvolver o pluralismo na comunicação’.

Durante o debate, após as palestras, ficou evidente a importância da comunicação na América Latina. Neste Fórum, por exemplo, há pelo menos umas doze oficinas, grupos de estudo e palestras sobre a questão da comunicação. Este é um sinal que, no âmbito do Terceiro Setor, o valor da comunicação está em crescimento.’



MÍDIA & MOVIMENTOS SOCIAIS
Paula Barcellos

‘‘A mídia produziu seus próprios intelectuais’’, copyright Jornal do Brasil, 31/07/04

‘Dênis de Moraes, doutor em Comunicação e Cultura pela Eco-UFRJ e professor da pós-graduação em Comunicação da UFF, já publicou vários livros teóricos, entre eles, Por uma outra comunicação: mídia, mundialização cultural e poder, O imaginário vigiado e O planeta mídia. Sem contar as biografias de Henfil, Vianinha e Graciliano Ramos. Sua mais recente publicação, Combates e utopias (Record, 378 páginas, R$ 42,90), já merece um destaque especial só pela forma como foi idealizada.

– Foi numa troca de e-mails com o saudoso Edward Said, intelectual brilhante, que surgiu a idéia do livro – conta Dênis.

Tendo Said como uma espécie de ponto de partida para a organização do livro, as relações dos intelectuais com a sociedade, a política, a cultura, a filosofia, a comunicação, a literatura, a economia e os movimentos sociais, incluindo estudos sobre as trajetórias de pensadores que fizeram a cabeça de gerações e cujas idéias ainda hoje suscitam controvérsias, como Jean-Paul Sartre, Maurice Merleau-Ponty, Michel Foucault e José Carlos Mariátegui não poderiam ficar de fora desta seleção de ensaios, artigos e discursos reunidos por Dênis de Moraes. Em entrevista ao JB, o jornalista não se limitou a falar sobre seu novo livro. Enfatizou a necessidade de políticas públicas de comunicação, salientou a potencialidade da internet e não perdeu a oportunidade de alfinetar o avanço das idéias neoliberais sobre as universidades públicas brasileiras, que pode levar à sua privatização.

– Em Combates e utopias, você reuniu ensaios, discursos e entrevistas sobre o papel do intelectual. Qual foi o seu critério de seleção?

– Foi numa troca de e-mails com o saudoso Edward Said, intelectual brilhante, que surgiu a idéia do livro. Escrevi a Said para comentar o encantamento que um de seus livros – Representações do intelectual (a ser lançado no Brasil pela Companhia das Letras) – sempre desperta nos alunos do curso que ministro na UFF sobre a relação entre intelectuais, cultura e política. Ele disse que tinha escrito a obra em meados da década de 1990. E que, se fosse hoje, teria sido menos enfático na avaliação esperançosa sobre a missão dos intelectuais, porque entendia que as condições históricas tinham se alterado bastante nos últimos anos. Percebi que ali estava o mote para um livro que colocasse os intelectuais diante de si mesmos, como num jogo de espelhos, para reavaliar o papel e a responsabilidade que lhes cabe num mundo atravessado por incertezas, crises e mutações aceleradas.

– O que mudou?

– O espaço de persuasão que antes pertencia aos intelectuais passou a ser dividido, e muitas vezes ocupado, por outras esferas de mediação, principalmente pela mídia. Hoje, os meios de difusão agem como uma espécie de intelectual orgânico que define e interfere na conformação dos imaginários sociais e dos valores, além de formarem seus próprios intelectuais (autores, diretores, estrategistas), em função de seus alvos mercadológicos e visões ideológicas. Na escolha dos textos, procurei realçar os compromissos com a reflexão política, cultural e filosófica. É muito interessante apreciar as afinidades e os confrontos que surgem em discussões que não se limitam à forma clássica dos ensaios. Os autores também se manifestam por discursos em universidades (casos de Milton Santos e Francisco de Oliveira), em entrevistas (Pierre Bourdieu fala à Radio Libertaire, operada pelos anarquistas de Paris) e em manifestações populares (Naomi Klein discursa para os operários que ocuparam uma fábrica desativada em Buenos Aires). É importante resgatar a voz dos intelectuais naqueles momentos em que a efetividade de seu discurso é testada pela necessidade de convencimento do público.

– O que mais está inquietando esses intelectuais?

– As opiniões convergem em três questões fundamentais. A primeira é que, em épocas de incertezas e de falsos modismos, mais do que nunca devemos valorizar o pensamento crítico e a ética. A segunda é a importância de se combater os dogmatismos, as ortodoxias e os alinhamentos automáticos, sem perder de vista que autonomia não significa afastamento da política e das lutas sociais. O terceiro ponto é a angústia comum com a busca de alternativas políticas, econômicas e sociais que fortaleçam a cidadania, o pluralismo cultural e a universalização dos valores democráticos.

– As utopias precisam ser combatidas ou são necessárias? Até que ponto vale a pena viver de utopia?

– Se você renuncia às utopias, está se resignando à retórica conservadora de que as condições adversas são eternas, que as formas de dominação são invencíveis, e que as desigualdades são componentes intrínsecos da vida social. Precisamos ter a capacidade de enxergar além e articular formas de resistência com a discussão de cenários de transformação, de superação do que parece estagnado e estável. Significa ter em mente a lição de Antonio Gramsci: se é necessário o pessimismo da inteligência, não é menor a exigência do otimismo da vontade. Enfrentar os obstáculos de olhos postos em outro mundo possível me parece ser uma boa pista para entender o sentido da palavra utopia que expressamos no título do livro.

– Você também organizou o livro Por uma outra comunicação. Qual seria o papel desta comunicação?

– Se desejamos assegurar a livre circulação de informações e a diversidade cultural, precisamos insistir no estabelecimento de políticas públicas de comunicação, assentadas em mecanismos democraticamente instituídos de regulação, de concessão, de tributação e de fiscalização. Políticas debatidas por segmentos representativos da opinião pública e formuladas com realismo, considerando as transformações da era digital e seus efeitos socioeconômicos. Precisamos de iniciativas que articulem os apelos globais com as singularidades locais e regionais. As novas tecnologias introduzem ferramentas novas de produção e difusão de dados, idéias, sons e imagens, que estão instituindo espaços promissores de intercâmbio, interação, participação e mobilização. Como tudo é hiperveloz, ainda não podemos ter certeza quanto ao verdadeiro alcance da comunicação digital. Mas não devemos subestimar o fenômeno Internet. Com baixo custo, rapidez e arquitetura descentralizada, a rede favorece a difusão de informações e conhecimentos, sem submetê-los às hierarquias de juízos e aos filtros da mídia convencional. É importante, porém, salientar que Internet constitui uma vertente complementar de expressão, informação, interação e participação. Apontar potencialidades da rede virtual em absoluto significa menosprezar as mediações sociais e os mecanismos clássicos de representação política.

– Você escreveu as biografias de Vianinha, Henfil e Graciliano Ramos. Como foi essa experiência?

– Árdua e fascinante. Árdua porque, como disse certa vez Fernando Morais, escrever biografia no Brasil é coisa para estivador, tamanhas são as dificuldades para o trabalho do biógrafo, desde as limitações financeiras do mercado editorial até a estrutura inadequada para a pesquisa em boa parte dos arquivos e acervos. Fascinante porque Graciliano, Vianinha e Henfil foram excepcionais homens de criação e intelectuais com aguda consciência crítica sobre a realidade brasileira. Remontar o quebra-cabeça existencial, criativo, ideológico e cultural daquelas três vidas significou repensar os processos político-culturais das últimas décadas, verificando como artistas e intelectuais se inseriram, influenciaram e foram influenciados pelos movimentos estéticos, pelos debates de idéias e pela militância política. Vianinha, Henfil e Graciliano colocaram a imaginação a serviço da contestação e da formação de consciências críticas, com a preocupação permanente de preservar a sua autonomia criativa frente a imposições partidárias ou a coerções ideológicas.

– Como professor universitário, como você analisa a situação das universidades públicas brasileiras?

– As universidades federais continuam enfrentando a dramática situação da escassez de verbas. Os efeitos negativos são múltiplos: condições de trabalho inadequadas (raras são as faculdades que não precisam de reformas de instalações e investimentos em laboratórios); número insuficiente de professores (as aposentadorias se sucedem e os concursos públicos não preenchem as vagas abertas); orçamentos reduzidos para centros de pesquisa; baixos salários. Essas mazelas dificultam o aumento de número de vagas, assim como a programação de cursos em dois ou três turnos de aulas. De qualquer modo, precisamos reagir ao desânimo. Os cursos de graduação precisam ser fortalecidos para responder às exigências de um mercado de trabalho cada vez mais competitivo. Por exemplo, o Departamento de Estudos Culturais e Mídia da UFF oferecerá, no vestibular deste ano, o curso de Estudos de Mídia, voltado à formação de um profissional habilitado a atuar, de forma abrangente e integrada, em diferentes domínios da comunicação e áreas conexas (pesquisas, consultorias especializadas, gestão estratégica, multimídia). Também cabe reconhecer avanços de qualidade da pós-graduação das universidades públicas, o que se deve à maior qualificação dos docentes, à coerência dos programas e a apoios das agências de fomento (principalmente CNPq e Capes). Contudo, progressos maiores só virão com políticas públicas consistentes para a educação superior e, principalmente, vontade política para impedir que as universidades públicas caiam na emboscada do neoliberalismo, que quer privatizá-las a todo custo.’