‘Se depender da cobertura jornalística realizada pela grande imprensa, o jogo político das eleições municipais na maior cidade do país continuará desigual. Na primeira semana de campanha para o segundo turno, os principais jornais de São Paulo seguem priorizando em suas páginas as matérias positivas sobre o candidato José Serra (PSDB) e as negativas sobre a candidata Marta Suplicy (PT) e também sobre a prefeita Marta. Os dados foram divulgados pelo Observatório Brasileiro de Mídia na última quinta-feira (14), durante um debate realizado na Universidade de São Paulo.
Segundo o estudo, que analisa os veículos Folha de S. Paulo, Agora São Paulo, Diário de S. Paulo, O Estado de S. Paulo e Jornal da Tarde, na semana de 4 a 10 de outubro foram publicadas 185 reportagens neutras sobre Serra, 161 positivas e 55 negativas. Já sobre Marta, foram 210 neutras, 67 positivas e 185 negativas. As reportagens que enfocam a prefeita Marta também foram contabilizadas e, neste caso, a disparidade é ainda maior: foram 24 textos neutros e 22 positivos, contra 67 negativos.
Essa tendência de cobertura, já verificada durante o primeiro turno (leia matéria ‘Jornais assumem ‘neutralidade’ na cobertura; só Marta fica fora’), se mantém acentuada na análise do Observatório que utiliza o morfômetro. O morfômetro é um instrumento que permite, através da presença de fotografias, quadros complementares, gráficos ilustrativos e localização do texto na página, avaliar se determinada reportagem recebeu mais ou menos destaque dentro do jornal. Para efeito da pesquisa, um coeficiente adicionado à valoração do texto (positivo, negativo ou neutro) possibilita medir se cada veículo está, por exemplo, priorizando as reportagens positivas sobre um candidato e as negativas sobre outro – para além do número de registros absolutos sobre cada um.
A análise da primeira semana de cobertura do segundo turno revela que Serra teve 41,09% de textos positivos publicados a seu favor e 14,06%, contra. A candidata Marta teve praticamente o oposto: 40,36% de reportagens negativas e 15,24% de positivas. Já a prefeita Marta é a campeã da parcialidade dos jornais: teve 60,05% de textos negativos contra 19,34% de positivos.
Para Marcus Figueiredo, cientista político coordenador do Doxa – Laboratório de Pesquisa em Comunicação Política e Opinião Pública do Iuperj (Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro), este tipo de cobertura certamente influencia o voto do eleitorado. ‘A mídia interfere no processo eleitoral independente de sua vontade. Os controladores dos meios de comunicação agem politicamente quando dão mais espaço para alguns atores políticos e menos para outros; quando enquadram esses atores como positivos ou negativos na cobertura do processo político’, aponta Figueiredo.
Segundo um levantamento feito pelo Ibope em junho de 2000, as reportagens publicadas pela imprensa estão entre os principais fatores utilizados pelos eleitores para a decisão do voto. Cerca de 25% dos entrevistados afirmaram que as notícias de jornais influenciam na sua decisão. Para as notícias de rádio, a influência chega a 27% da população. Para as de TV, a 44,5% do eleitorado.
Por isso o pesquisador defende o princípio do equilíbrio, da pluralidade, da igualdade de oportunidades na cobertura da campanha eleitoral. Na opinião de Figueiredo, uma cobertura politicamente equilibrada não está na predominância das reportagens neutras. ‘O neutro não coloca o debate. O choque de opiniões está no embate entre o positivo e o negativo. A boa cobertura é aquela que equilibra matérias positivas e negativas sobre cada candidato’, acredita.
O ombudsman da Folha de S.Paulo, Marcelo Beraba, que participou na quinta-feira, ao lado de Marcus Figueiredo, de um debate sobre a cobertura das eleições municipais em São Paulo promovido pelo Observatório Brasileiro de Mídia, discorda do pesquisador. Na opinião do jornalista, o que garante que o jornal faça uma boa cobertura da campanha é o senso crítico, e não o equilíbrio entre as matérias positivas e negativas. ‘O fator jornalístico tem que contar neste processo. Não podemos dizer que um jornal faz uma cobertura parcial sobre o candidato Paulo Maluf por noticiar mais matérias negativas sobre ele’, explica.
Por isso Beraba critica o veículo onde trabalha. Ele afirma que a Folha de S.Paulo – e os demais jornais da capital – deveria ter o mesmo senso crítico empregado na análise da gestão da prefeitura no momento da cobertura do governo estadual de São Paulo. ‘Você tem uma cobertura intensa da prefeitura e esparsa do governo estadual. Pelo princípio da equidade e do equilíbrio, o jornal deveria ter o mesmo interesse em trazer de forma crítica a questão do governo Alckmin, porque ele foi e será um ator fundamental na eleição de São Paulo na medida em que apóia Serra. Quando se faz um balanço da criminalidade no Estado, por exemplo, não se faz referência sobre quem é o responsável pela política de segurança de São Paulo’, afirma.
Beraba avalia que a tendência ao equilíbrio está crescendo nacionalmente, mas pondera que houve um retrocesso na cobertura dessas eleições, principalmente em São Paulo e no Rio de Janeiro. Ele lembra que os grandes problemas da cidade não foram debatidos pela mídia e que a cobertura tem se resumido a declarações e troca de acusações entre os candidatos.
Na opinião de ambos os debatedores, a sociedade está se conscientizando, de alguma forma, que precisa fazer um controle social dos meios de comunicação se quiser garantir coberturas democráticas do processo eleitoral. ‘Há uma preocupação com a capacidade de controle da mídia, para que ela viva sob alguma regra democrática enquanto se declara de caráter público. Não pode haver um veículo que se diz em defesa da objetividade e seu comportamento empírico comprovar contrário. Isso não é censurar a informação, mas manter o acesso eqüitativo a ela’, conclui Figueiredo.’
Vera Rosa, Silvia Amorim, Wilson Tosta e Ana Paula Scinocca
‘Por trás das câmeras, a luta das claques’, copyright O Estado de S. Paulo, 15/10/2004
‘Discussões acaloradas entre coordenadores da campanha de Marta Suplicy (PT) e a direção da TV Bandeirantes marcaram os intervalos do debate promovido pela emissora. Em meio ao bate-boca, tucanos diziam que os petistas estavam desesperados. O secretário de Abastecimento e Projetos Especiais, Valdemir Garreta – um dos coordenadores da campanha de Marta -, era um dos mais exaltados. Reclamava direito de resposta negado para a prefeita depois que o candidato do PSDB, José Serra, disse que ‘os vampirões’ da saúde estavam presos e eram do PT.
‘Isso aqui é uma farsa!’, berrou Garreta, dedo em riste, no intervalo do terceiro para o quarto bloco. ‘Nós combinamos que na tréplica não poderia ter ofensa moral e não temos direito de resposta?’ Ao seu lado, o publicitário Duda Mendonça, marqueteiro do PT, foi reclamar com o diretor de Jornalismo da TV Bandeirantes, Fernando Mitre. Luís Favre, marido da prefeita, também se levantou para reclamar.
‘Eu não sei por que não põem SuperBonder na cadeira desse trio’, protestou o secretário de Estado da Segurança, Saulo de Abreu Castro Filho, no corredor do estúdio. Adepto da candidatura de Serra, ele ironizou: ‘Vou perguntar para o Mitre se ele não está precisando de escolta.’ Andando de um lado para o outro, o presidente do PT, José Genoino, pediu calma. ‘Vim aqui pacificar o secretário de Segurança’, brincou.
Da platéia, o vereador eleito José Aníbal (PSDB) não se continha na cadeira.
‘Isso é desespero de perdedor’, dizia. Na primeira fila, o ministro do Planejamento, Guido Mantega, era só sorriso. ‘Quem é governo tem a responsabilidade de explicar o que está fazendo.’
Apesar das queixas, estocadas e ironias, os petistas pareciam animados com o desempenho de Marta. No último bloco, Duda virou-se para o senador Eduardo Suplicy (PT-SP) e cochichou: ‘Se melhorar estraga.’ Com um sorriso nos lábios, Favre jogou vários beijos para o monitor de TV quando a prefeita criticou a morosidade das obras do Estado e disse que Geraldo Alckmin (PSDB) era padrinho de Serra. Vez por outra, ele parecia repetir com os lábios as frases ditas por Marta. ‘Ela vai virar’, disse Duda, dando tapinhas nas costas de Favre. Os dois faziam de tudo para parecer que não havia crise na campanha nem divergência entre eles.’
Marcelo Coelho
‘Confronto tornou tudo mais vivo e real’, copyright Folha de S. Paulo, 15/10/2004
‘De formas diferentes, os dois participantes do debate de ontem à noite são acusados de comportamento antipático. No início, o esforço de sorrir era comum a Serra e a Marta, mas com resultados também bastante diversos. O sorriso de Serra produziu-se com os lábios fechados, numa flexibilidade de borracha. A mensagem era: ‘sou confiável como um bom companheiro’. Marta inclinava a cabeça para a sua direita, numa atitude de persuasão; a mensagem era ‘sei escutar com humildade’.
Claro que a simpatia dura pouco quando acusações começam a ser trocadas. Surgiu assim o quesito ‘emoção’, sem dúvida uma arma de Marta contra o cerebralismo de Serra. Essa arma por vezes pareceu fora de controle, enquanto o tucano se mantinha caracteristicamente fleumático à medida que avançava a noite.
Seja como for, o ponto forte de Serra foi estar com os números do Orçamento da prefeitura na ponta da língua, apontando várias coisas que precisariam de explicação: cortes em programas sociais como o Banco do Povo e o Bolsa-Trabalho, gastos excessivos no Gabinete da Prefeitura se comparados a obras na zona leste, baixo aproveitamento daquilo que se arrecada com a taxa de luz… Aspectos a que Marta não respondeu direito. Restou-lhe dizer, o que não deixa de ser divertido, que os tucanos ‘só criticam’ (eis uma antiga especialidade do PT), e que o tom de Serra era professoral.
Ela tinha razão; e explorou os inúmeros flancos deixados pelos governos Fernando Henrique e Geraldo Alckmin. Pôde enunciar as várias realizações da prefeitura, e os bons índices de popularidade obtidos por sua administração. Também cabe lembrar que Serra deixou coisas sem explicação: suas frases sobre ‘eliminar o sufoco tributário’ na cidade, por exemplo, não deixam claro se haverá diminuição de impostos, ou quais serão mantidos.
A imagem de certa agressividade confusa reincidiu, entretanto, sobre a figura de Marta; e a de ter em mãos mais críticas do que programas confirmou-se no caso de Serra. Tudo igual, então? Longe disso. Com toda a rigidez dos discursos preparados por assessores previamente, o formato de confronto direto entre os candidatos tornou tudo mais vivo, duro e real. Questões concretas foram discutidas, com mais profundidade do que de hábito, ainda que aparecessem poucas soluções. Talvez não existam mesmo.’