Leia abaixo a seleção de segunda-feira para a seção Entre Aspas. ************ O Estado de S. Paulo Segunda-feira, 15 de outubro de 2007 JORNALISMO NA JUSTIÇA
Ações contra a imprensa
‘Uma pesquisa sobre os cinco maiores grupos brasileiros do setor de comunicação revela que o País é o campeão mundial de ações de indenização por dano moral impetradas contra jornais e jornalistas. Segundo o levantamento, feito pela organização não-governamental britânica Artigo 19, o número de ações indenizatórias contra os órgãos de imprensa no Brasil é praticamente igual ao número de profissionais que eles empregam em suas redações. A entidade, cujo nome vem do artigo 19 da Declaração Universal dos Direitos Humanos e que lidera uma campanha mundial em defesa da liberdade de expressão, considera a situação brasileira ‘preocupante’.
Segundo o levantamento da Artigo 19, até abril os cinco maiores grupos do setor de comunicação do Brasil empregavam 3.327 jornalistas e respondiam a 3.133 processos por dano moral. Além disso, enquanto o salário-base da categoria é de apenas R$ 2.205,00, não tendo sofrido aumento real nos quatro últimos anos, o valor médio das penas pecuniárias aplicadas pelo Judiciário quadruplicou no mesmo período, passando de R$ 20 mil, em 2003, para R$ 80 mil, em 2007.
A maioria das matérias jornalísticas que provocaram a abertura dessas ações por dano moral se refere a investigações sobre desvio de dinheiro público, nepotismo, tráfico de influência e abuso de poder praticados por dirigentes governamentais, parlamentares, promotores e até magistrados. Ou seja, por envolver corrupção e profissionais que atuam nos diferentes setores e instâncias da máquina estatal, as matérias são de inequívoco interesse público. Muitas vezes, além disso, as fontes de informações são os próprios órgãos institucionais encarregados de zelar pela probidade administrativa no setor público, como Tribunais de Contas, Controladoria-Geral da União e Ministério Público.
No entanto, valendo-se da Lei de Imprensa da época da ditadura militar e agindo com propósitos intimidatórios, os protagonistas dessas matérias jornalísticas batem às portas dos tribunais, com freqüência cada vez maior, para exigir indenização por dano moral. É isso que a Artigo 19 considera mais preocupante para o futuro da liberdade de expressão no País. ‘O crescimento exponencial das indenizações é uma tentativa dessas pessoas de usar o Judiciário para se protegerem das críticas’, afirma o jornalista Márcio Chaer, editor do Consultor Jurídico, site que há muito tempo vem chamando a atenção para esse problema.
Como muitas vezes o valor das indenizações estipulado pelos juízes é desproporcional ao eventual prejuízo causado por matérias jornalísticas à imagem pública dos autores das ações, o receio da Artigo 19 é que os órgãos de imprensa passem a praticar a autocensura. Mas o principal temor da entidade é com relação às ações que resultam na proibição de publicação de determinadas matérias, o que abre caminho para a censura prévia imposta por decisão judicial. Embora a censura prévia seja expressamente vedada pelo capítulo da Constituição relativo às garantias fundamentais, vem ganhando terreno nos meios forenses a tese de que é cabível impedir a publicação de notícias.
Essa tese já foi comentada há alguns anos pela atual presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministra Ellen Gracie, durante um seminário internacional promovido pela Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji). Na ocasião, como foi noticiado pelo site Consultor Jurídico, ela afirmou que o Judiciário não restringe o livre exercício do bom jornalismo (grifo nosso). ‘Apenas manifestações dolosamente aberrantes do dever de bem informar têm merecido o repúdio dos tribunais’, concluiu. Esqueceu a atual presidente do STF, ao fazer esse comentário, que, como prescreve a Constituição, o controle da responsabilidade pelas matérias publicadas por órgãos de comunicação é feito a posteriori.
Em seu relatório, a Artigo 19 defende a substituição de sanções pecuniárias por outras formas de condenação, nas ações por dano moral, e sugere às empresas de comunicação a criação de códigos de autoconduta. São medidas sensatas, não há dúvida. Mas o grande desafio continua sendo a necessidade de se rever a legislação que, por meios indiretos, ameaça a liberdade de expressão consagrada na Constituição.’
ALÔ, PRESIDENTE
Fidel fala ao vivo durante programa de Chávez
‘O líder cubano Fidel Castro conversou ontem ao vivo, por telefone, com o presidente venezuelano, Hugo Chávez, que transmitiu da ilha uma edição especial de seu programa Alô, Presidente. A conversa telefônica, de 1h22, ocorreu imediatamente depois da transmissão de um vídeo com imagens do encontro de quatro horas no sábado entre Fidel e Chávez em Havana. No vídeo, de 17 minutos, Fidel aparece vestido com roupa esportiva e mais magro.
Na gravação e no telefonema, ambos conversam sobre a figura do guerrilheiro argentino Ernesto Che Guevara e a vigência de suas idéias na América Latina. ‘As idéias dessa revolução estão semeadas em toda a América Latina, e as circunstâncias de hoje são mais favoráveis que nunca para que elas brotem’, disse Fidel no vídeo. No telefonema, ele definiu Che como ‘semeador de idéias e consciências’ e foi elogiado por Chávez. ‘Você (Fidel) nunca morrerá, você ficou para sempre neste continente e nestes povos’, disse o líder venezuelano.
Fidel, de 81 anos, recupera-se de uma cirurgia intestinal que o obrigou a delegar o poder ao irmão caçula, Raúl, em 31 de julho de 2006, cinco dias após sua última aparição pública. Desde então, ontem foi a primeira vez em que foram ouvidas declarações ao vivo de Fidel.
Chávez, que chegou a Cuba na sexta-feira, transmitiu o Alô, Presidente da Praça Ernesto Che Guevara, em Santa Clara (a 300 quilômetros de Havana).
BOLÍVIA
Chávez também alertou que seu país agirá se a elite da Bolívia derrubar ou assassinar o líder do país, Evo Morales, e afirmou que já conversou com o presidente brasileiro, Luiz Inácio Lula da Silva, sobre a necessidade de impedir um golpe no país vizinho. ‘Se a oligarquia boliviana conseguir derrubar ou assassinar Evo, não vamos ficar de braços cruzados’, ameaçou Chávez, que disse ter discutido o assunto com Lula durante o encontro dos dois em Manaus, no mês passado.’
MIANMAR
Junta libera internet e reduz toque de recolher
‘As autoridades de Mianmar restabeleceram ontem o acesso à internet em Rangum e reduziram de seis para quatro horas o toque de recolher decretado após as manifestações pró-democracia em setembro. As medidas coincidem com a chegada à Tailândia do enviado da ONU para Mianmar, Ibrahim Gambari, que deve visitar Rangum no final desta semana.’
AMÉRICAS
SIP denuncia pressões de Chávez contra jornais
‘O tema dominante ontem na 63ª Assembléia-Geral da Sociedade Interamericana de Imprensa (SIP), realizada em Miami, foi a difícil situação do exercício do jornalismo na Venezuela de Hugo Chávez.
Marcel Granier, presidente da RCTV – cuja concessão não foi renovada pelo governo venezuelano – denunciou ‘a linguagem de ódio e exclusão’ usada por Chávez, que, para ele, encoraja outros países a atentar contra a liberdade de expressão.
Segundo relatório preliminar da SIP, Chávez ‘quer fazer desaparecer toda possibilidade de democracia, liberdade de informação, pluralismo e independência’. De acordo com a entidade, jornalistas venezuelanos têm sido alvo de ameaças. E até a importação de papel pelos jornais vem sofrendo entraves.
Ontem, o presidente Chávez respondeu à SIP, qualificando-a como ‘Sociedade Interamericana de Exploradores de Jornalistas’.’
INTERNET
Economia real sustenta alta da web
‘Em 1982, o escritor americano William Gibson cunhou o termo ciberespaço para se referir ao ambiente virtual criado pelas redes de computadores. No mês passado, em entrevista ao jornal Washington Post, ele disse que o conceito deixou de fazer sentido: ‘O que não nos importamos mais em chamar de ciberespaço está aqui.’ Nas palavras dele, tudo agora é ciberespaço.
A internet se tornou tão essencial à vida das empresas quanto o telefone ou a eletricidade. No Brasil, a prova disso está no número de endereços com final .br: em setembro, havia 1,193 milhão de endereços com esse final, de acordo com o Registro.br, um aumento de 20% em 12 meses. O mercado de hospedagem de sites tem apresentado, por vários anos, crescimento de dois dígitos, e ainda dá sinais de aceleração.
‘A cada bimestre aparecem de 15 a 20 novas empresas de hospedagem’, diz Fernando Viberti, diretor da Conteúdo Online, que publica bimestralmente o relatório HostMapper Brasil, com informações sobre o mercado. Em julho, havia 429 empresas que hospedavam sites no País, e os endereços com final .br pertencem a 664 mil empresas e indivíduos. O Brasil é um dos seis países com mais de 1 milhão de endereços registrados. Os outros são Estados Unidos, Inglaterra, Alemanha, Holanda e Itália.
A LocaWeb é a maior empresa do mercado. Criada em janeiro de 1998, tem controladores brasileiros e apresenta crescimento médio de 50% ao ano no faturamento. A empresa hospeda mais de 100 mil sites, sendo 3,3 mil lojas virtuais.
‘A primeira idéia era fazer um portal de negócios para o setor de confecção, chamado Intermoda’, diz Gilberto Mautner, vice-presidente de Tecnologia e Novos Negócios da LocaWeb e um dos fundadores da empresa. Em quatro meses, os sócios perceberam que a idéia não decolava e resolveram oferecer espaço de hospedagem para terceiros. ‘Fizemos anúncio de 1 centímetro quadrado no jornal e, no dia seguinte, já tínhamos dez sites.’ Mesmo com o estouro da bolha, em 2000, a empresa não deixou de crescer.
‘Crescemos 150% em 2000 e 50% em 2001’, diz Mautner. ‘Tínhamos uns 100 sites de leilão hospedados em 2000. Todos sumiram. Mas a entrada das empresas reais na internet compensou a saída das pontocom que quebraram.’
Em 2006, a empresa criou um data center próprio, com mil metros quadrados e capacidade para 5 mil servidores. Antes, hospedava seus servidores na Embratel. Hoje, seu principal parceiro é a Telefônica, que fornece 4 gigabits por segundo (Gbps) de conectividade dos 5 Gbps que a empresa usa.
‘Temos 1,8 mil servidores’, conta o vice-presidente da LocaWeb. ‘O número triplicou em 12 meses. No ritmo atual, o data center estará lotado no fim do ano que vem.’ A empresa planeja construir novo centro de dados no próximo ano, com 5 mil metros quadrados. O investimento previsto é de R$ 50 milhões a R$ 70 milhões. A LocaWeb tem hoje na carteira clientes como Porto Seguro, Grendene e Schincariol. Em 2005, a companhia faturou R$ 56 milhões, e prevê chegar a R$ 80 milhões este ano.
ENDEREÇOS INTERNACIONAIS
A segunda maior empresa de hospedagem é a Terra, da Telefônica. ‘Existe um aquecimento geral do mercado de internet’, diz Norma da Matta, gerente de Produtos para Empresas do Terra. A companhia tem 200 mil clientes, que incluem outros serviços como acesso e correio eletrônico, além da hospedagem. ‘Cerca de 70% também têm hospedagem.’
Norma identificou aumento importante no número de domínios internacionais, sem o final .br, usado pelas empresas brasileiras. O Terra negocia para oferecer endereços com final .tv, com pacotes para empresas que querem oferecer vídeo.
O iG Empresas, da Brasil Telecom, oferece hospedagem desde setembro de 2006 e está entre os dez maiores do Brasil. ‘Estamos focados na pequena e média empresa e em profissionais liberais’, diz Flávio Elizalde, gerente de Produtos Empresariais do iG. A empresa tem 100 mil clientes, o que inclui o acesso discado e a banda larga.
Cerca da metade da carteira ainda está concentrada na Região Sul, onde a Brasil Telecom é a principal operadora, mas o iG se esforça para crescer em São Paulo, maior mercado do País. Segundo Elizalde, a empresa tem crescido na hospedagem de endereços internacionais com final .com. ‘Esse tipo de domínio é popular entre profissionais liberais, pois não exige CNPJ para registro.’’
************
Folha de S. Paulo
Segunda-feira, 15 de outubro de 2007
HUCK vs FERRÉZ
A pluralidade e a revolução dos idiotas
‘HÁ UMA revolução em curso: a dos idiotas. Eles começam agredindo a lógica e terminam justificando o assassinato. Voltarei a esse ponto.
Na semana passada, o escritor e rapper Ferréz escreveu um artigo neste espaço em que tratou do assalto de que Luciano Huck foi vítima. Lê-se: ‘No final das contas, todos saíram ganhando, o assaltado ficou com o que tinha de mais valioso, que é sua vida, e o correria ficou com o relógio. Não vejo motivo pra reclamação, afinal, num mundo indefensável, até que o rolo foi justo pra ambas as partes’. Ele não pode ser mal interpretado porque não pode ser bem interpretado: fez a apologia do crime, o que é crime. Será este jornal tão pluralista que admite alguém como Ferréz? Será este jornal tão pluralista que admite alguém como eu? Lustramos ambos o ambiente de tolerância desta Folha? A resposta é ‘não’.
O artigo do tal é irrespondível. Vou eu lhe dizer que o crime não compensa? Ele tem motivos para acreditar que sim. Lênin mandaria que lhe passassem fogo -não sem antes lhe expropriar o relógio. Apenas sugiro ao jornal que corrija seu pé biográfico: ele é um empresário; o bairro do Capão Redondo é seu produto, e a voz dos marginalizados, o fetiche de sua mercadoria. Ir além na contestação de seu libelo criminoso seria reconhecê-lo como voz aceitável na pluralidade do jornal. Eu não reconheço.
Na democracia, o direito à divergência não alcança as regras do jogo. Um democrata não deve, em nome de seus princípios, conceder a seus inimigos licenças que estes, em nome dos deles, a ele não concederiam se chegassem ao poder. Ao publicar aquele artigo, a Folha aceita que potencialmente se solapem as bases de sua própria legitimidade. Errou feio.
O poeta Bruno Tolentino é autor de um verso e tanto: ‘A arte não tem escrúpulos, tem apenas medida’. O mesmo vale para a ação política.
Idealmente, há quem ache que o mundo seria melhor sem propriedade privada -eu acredito que, sem ela, estaríamos de tacape na mão, puxando as moças pelos cabelos.
Posso acalentar quantos sonhos quiser, sem escrúpulos. Mas o regime democrático tem medidas. Uma delas é o respeito às leis -inclusive às leis que regulam a mudança das leis. Se admitimos a voz do assalto, por que não a da pedofilia, a do terrorismo, a da luta armada, a do racismo? Aceito boas respostas.
O empresário Ferréz, ao lado de Mano Brown, é um bibelô mimado pelas esquerdas e pelo pensamento politicamente correto, para quem o crime é uma precognição política a caminho de uma revelação.
Tal suposição, somada à patrulha que tentou transformar Luciano Huck no verdadeiro culpado pelo assalto, contribuiu para esconder um fato relevante. A cidade de São Paulo teve 49,3 homicídios por 100 mil habitantes em 2001. Em 2006, 18,39 (uma redução de 62,69%). Em 2001, havia presas no Estado 67.649 pessoas; em 2006, 125.783 (crescimento de 85,93%). Não é espantoso? Quanto mais bandidos presos, menos crimes. Quanto mais eficiente é a polícia, menos mortos.
Eis que, no dia 11, abro esta mesma página e dou de cara com um artigo de Sérgio Salomão Shecaira. Escreve: ‘(…) O Estado de São Paulo concentra quase a metade dos cerca de 419 mil presos brasileiros (…). Enquanto, no Brasil, existem 227,63 presos por 100 mil habitantes, em São Paulo essa relação salta para 341,98 por 100 mil habitantes’. Ele está descontente.
Quer prender menos: ‘Enquanto, no Estado de São Paulo, em 2005, houve 18,9 homicídios por 100 mil habitantes, no Rio de Janeiro a cifra foi de 40,5, e, em Pernambuco, de 48. No entanto, nesses dois últimos Estados, o número relativo de presos é bem menor que o paulista’.
Shecaira é mestre e doutor em direito penal e professor associado da Faculdade de Direito da USP. Mas ainda não descobriu a lógica, coitado!
Ora, por que será que São Paulo tem, por 100 mil, menos da metade dos homicídios que tem o Rio e quase um terço do que tem Pernambuco? Porque há mais bandidos na cadeia!
Mas ele quer menos. Logo… Em vez de Ferréz se alfabetizar politicamente no contato com Shecaira, é Shecaira quem se analfabetiza no contato com Ferréz.
A tragédia não é recente. Aconteceu com a universidade: em vez de ela fornecer teoria aos sindicatos, foram os sindicatos que lhe forneceram táticas de greve. Em vez de Marilena Chaui ensinar ao companheiro as virtudes do pensamento, foi o companheiro que explicou a Marilena por que pensar é uma bobagem.
A minha pluralidade não alcança tolerar idiotas que querem destruir o sistema de valores que garantem a minha existência. E, curiosamente, até a deles.
REINALDO AZEVEDO , 46, jornalista, é articulista da revista ‘Veja’ e autor do livro ‘Contra o Consenso’.’
A CIDADE
Drummond e a vaca
‘SÃO PAULO – ‘É o Niemeyer, Oscar Niemeyer -você nunca ouviu falar?’ A moça tentava explicar para a amiga quem era aquele senhor circunspecto sentado no banco da praia, de costas para o mar. Estavam as duas, muito extrovertidas, de biquíni, perto do Posto 6, em Copacabana, ao lado da estátua de Carlos Drummond de Andrade (1902-87). Ele vive ali desde 2002, homenagem a seu centenário.
Flagrei o diálogo das ‘raparigas em flor’ anteontem, quando ia distraído pela manhã ensolarada e dei de cara com a imagem do maior poeta brasileiro -há ainda quem discuta. Ali fiquei por meia hora, talvez mais, observando.
As pessoas se aproximam da figura de bronze e aspecto contido com um misto de solenidade e irreverência. Muitas se sentam no banco, tocam, abraçam e há até quem troque uma idéia com Drummond.
O pai repreende o filho pequeno que faz chifrinho sobre a cabeça do poeta. ‘É falta de respeito’, ensina. Com a dignidade do instante restaurada, eterniza no celular a cena da família reunida.
Molhados do mar, dois garotos mulatos -10, 12 anos- se aproximam, um deles com a bola na mão. ‘Andrade -ele é meu parente!’. E o outro: ‘Que parente nada, Mané!’. Até Drummond parece sorrir.
Desde o início do mês, sua imagem pensativa tem a companhia de uma imensa vaca de bronze, que lê um livro sentada a seu lado. Faz parte da CowParade. ‘Onde já se viu, uma vaca com o Drummond!?’, reclama, indignado, um caminhante. O senhor ao lado me cutuca, à procura de um cúmplice: ‘Esse aí não entendeu o espírito da coisa’.
Também não sei se entendi, mas saí dali comovido, com a sensação de que naquela cena tão brasileira se misturavam, em estranha comunhão, um país pós-moderno e um país pré-moderno. É como se Drummond, o tradutor da nossa modernidade sempre adiada e frustrada, voltasse a dizer: ‘Cansei de ser moderno; agora serei eterno’.
Sob a estátua, pude ler o verso gravado no banco de pedra: ‘No mar estava escrita uma cidade’.’
ENTREVISTA DE LULA
Bendita maldição
‘BRASÍLIA – Entre as tantas idéias fixas do presidente Lula, talvez a maior seja pôr fim à maldição do segundo mandato. É o que deixa claro na entrevista a Kennedy Alencar, quando diz ter adquirido a ‘consciência’ de querer chegar ao final do mandato com ‘os políticos querendo que eu suba em palanque’.
Sua equipe vem sentindo essa disposição presidencial tanto nos detalhes do dia-a-dia como em sua ambição por projetos tidos como missões impossíveis. Exemplos:
1) Cansou de reuniões infindáveis para tomar uma decisão, um mal petista. Baixou a ordem de que, agora, só haverá três reuniões para aprovar uma medida ou projeto no âmbito presidencial.
Uma para alinhavar a idéia geral. Outra para dirimir dúvidas e solucionar divergências. E a última para finalizar o projeto e adotá-lo. Traduzindo: Lula tem pressa, não quer perder tempo.
2) Aposta que vai aprovar uma reforma tributária, a despeito da descrença de todos, aliados e adversários. Sua proposta segue ao Congresso ainda neste ano, com o desejo de ser aprovada no próximo.
Aos descrentes, Lula diz que o país está no melhor momento para tal debate. O crescimento da economia faz a arrecadação subir, abrindo espaço para o governo fazer concessões. Pode ser.
Se conseguir transformar o que parece impossível em realidade, ainda mais num segundo mandato, Lula terá mais uma bandeira para brandir em palanques na próxima eleição presidencial. O empresariado vai agradecer.
Nessa toada, Lula deseja esconjurar as previsões malditas de FHC sobre o destino de todo presidente num segundo termo. E, assim, fazer seu sucessor, nem que seja, como disse, apoiando Aécio Neves.
Esse o seu sonho de cada dia. E o pesadelo dos tucanos. Se antes enxergavam um Lula alquebrado em 2010, já trabalham com um cenário de um petista forte. A conferir, porque às vezes o desejo presidencial fica nisso mesmo: no sonho.’
TODA MÍDIA
Nas ruas e na tela
‘Na pág. 3 do ‘New York Times’ de domingo, a longa reportagem ‘Uma unidade policial violenta, na tela e nas ruas do Rio’, de Alexei Barrionuevo. Começa e se alonga por relatos de vítimas reais do Bope, ‘tropa de elite’. Destaca a tortura, questiona a suposta imagem incorruptível e iguala o protagonista do filme, capitão Nascimento, ao torturador Jack Bauer, de ‘24 horas’. Distingue, por classe, a reação de apoio ou temor dos brasileiros ao personagem. Ouve de José Padilha que não esperava tal reação de ‘olho por olho’, no público, e que ‘buscou fazer um filme de denúncia da tortura’.
Não tratou só do Rio, o ‘NYT’. Na seção de turismo, outra reportagem abriu descrevendo São Paulo como ‘a mais feia e mais perigosa cidade que você já amou’.
‘Eu vou sentir muito a falta deste cara quando ele deixar de ser governo’.
Do escritor cyberpunk e ‘visionário’ BRUCE STERLING, na ‘Wired’, sobre o ministro Gilberto Gil, que defendeu nos EUA a ‘cultura digital livre’ e a flexibilização da propriedade intelectual -o que foi criticado por Caetano Veloso, no espanhol ‘La Vanguardia’.
CARNAVAL E OS EMERGENTES
‘Wall Street Journal’, ‘Financial Times’, ‘Forbes’ e até o ‘NYT’, este na coluna ‘Seu Dinheiro’, fecharam a semana com mais e longas loas à aplicação nas ações dos Brics. O ‘WSJ’ chegou a sugerir, para o executivo saber o que e como comprar, que ele deve conhecer as culturas. Deu em destaque o ‘conselho’ de ‘festejar no Carnaval’.
Já a Reuters avisa que a semana pode ter ‘realização de lucros’ nos emergentes. No caso do Brasil, pelo ‘feriado’.
O PODER DE TRÊS
Agências noticiavam ontem a viagem de Lula pela África com destaque para etanol e comércio. Já a americana UPI trazia, no título, que ‘Lula vai à reconquista da África’, em suposta disputa com a China.
A engajada IPS e os sites indianos diziam dos esforços e dos empecilhos ao comércio entre Índia, Brasil e África do Sul -com enunciados como ‘O poder de três’ e atenção à criação de rotas comerciais.
COMO FAZER
E o jornal ‘The Hindu’ deu a reportagem ‘Como fazer negócios no Brasil’, com dicas e alertas. Reproduziu ainda texto do ‘Guardian’, sobre a terceirização de serviços na Índia -que passa ao Brasil.
SEM ACORDO
Na manchete do ‘Times of India’, destaque da viagem do primeiro-ministro à África, ‘Acordo nuclear é suspenso, avisa o governo aos EUA’.
COLONIALISMO VERDE
E prossegue a obsessão britânica com a Amazônia. O dominical ‘Observer’ deu dois artigos. O primeiro da editoria de meio ambiente, ‘Tribo amazônica reage contra ‘colonialismo’ verde’, com o ataque de um líder ianomâmi às compras de terras por ambientalistas. O outro deu os créditos de carbono como a suposta ‘última esperança’.
No ‘Telegraph’, Alex Bellos escreveu longamente desde Santarém, abrindo com Dorothy Stang e o título ‘Colheita de Sangue: o lado violento da indústria da soja no Brasil’.’
CHINA
China descarta ‘modelo do Ocidente’
‘O debate sobre a adoção de reformas democráticas estará fora da agenda do 17º Congresso do Partido Comunista da China, que começa hoje em Pequim e termina no próximo domingo. ‘Nunca iremos copiar o modelo de sistema político ocidental’, afirmou ontem o porta-voz do encontro, Li Dongsheng, ecoando a posição defendida pelo presidente Hu Jintao e outros líderes comunistas.
Apesar de descartar mudanças que flexibilizem o sistema de partido único, a legenda caminha para uma maior institucionalização de seus procedimentos, com a adoção de regulamentos que aumentam a previsibilidade de suas decisões -é a esse processo que seus líderes se referem quando falam em ‘democracia socialista’.
Diante da maior complexidade da sociedade chinesa e do aprofundamento dos conflitos sociais, o partido dá alguns passos para ampliar a chamada democracia interna, mas não tem nenhuma intenção de trilhar um caminho que leve à pluralidade política. As escolhas, controladas pela cúpula, dão-se dentro do partido e entre seus 74 milhões de filiados, uma fração do 1,3 bilhão de chineses.
Desse grupo saíram os 2.200 delegados que se reúnem a partir de hoje com a missão de eleger um novo comitê central, de cerca de 350 pessoas. Estes, por sua vez, escolherão um novo Politburo, de 25 integrantes, e um novo Comitê Permanente do Politburo, o grupo de nove pessoas que de fato manda na China. Dos atuais membros, devem ser modificados quatro ou cinco. O presidente Hu Jintao e o primeiro-ministro Wen Jiabao continuarão no comitê permanente e no comando do país até 2012.
Na coletiva que concedeu ontem, o porta-voz do congresso minimizou o aumento das tensões sociais na China, decorrentes da maior desigualdade de renda e das disparidades regionais. Os últimos anos viram a elevação do número de protestos no país, principalmente no interior. As principais razões são os desmandos de chefes locais do partido, a contaminação ambiental e a apropriação de áreas rurais para projetos industriais e urbanos.
Li Dongsheng afirmou que os problemas que surgiram foram ‘regionais e individuais’ e já teriam sido resolvidos.
Desenvolvimento
Apesar disso, os esforços do governo para amenizar os desequilíbrios ganharão impulso com a aprovação de uma emenda que incluirá na Constituição do partido o conceito de ‘desenvolvimento científico’ promovido por Hu. Ele significa maior preocupação com disparidades regionais e de renda, o enfrentamento de problemas ambientais e a busca de uma ‘sociedade harmônica’.
Dentro desse espírito, o discurso oficial cunhou uma expressão ideologicamente neutra para se referir aos ‘burgueses’ -empresários e endinheirados em geral-, chamados agora de ‘novo estrato social’.
Mesmo com o ‘desenvolvimento científico’, o partido deverá reafirmar seu compromisso com o processo de abertura e reforma iniciado em 1978 sob inspiração de Deng Xiaoping (1904-1997).
O febril ritmo de crescimento econômico, próximo de 12% neste ano, ameaça sair do controle em razão da enorme entrada de dólares no país. A grande quantidade de dinheiro em circulação na economia gera inflação e acelera o ritmo de investimentos, realizados muitas vezes com empréstimo bancários a juros baixos. Ontem o governo elevou pela oitava vez no ano, para 13%, a proporção de dinheiro que os bancos devem deixar imobilizados no banco central.’
Richard McGregor e Mure Dickie
Lista de principais nomes da China inclui políticos, atrizes e atletas
‘DO ‘FINANCIAL TIMES’- A lista com os nomes das pessoas mais importantes atualmente na sociedade chinesa não é composta apenas de políticos e pessoas com o passado enraizado na revolução. Hoje, atrizes, atletas e, o que é sintomático, empresários estão entre os chineses VIP.
Encabeça a lista o presidente, Hu Jintao, que acumula também os cargos de secretário do Partido Comunista e comandante das Forças Armadas. Na prática, ele ocupa todos os postos políticos mais importantes da China. A extensão de seu poder deve ficar mais clara após o congresso do partido, que acontece a cada cinco anos e ocorre de hoje a domingo em Pequim, levando à nomeação de uma nova equipe dirigente.
Em seguida vem Li Keqiang. O líder provincial é o homem mais mencionado como potencial sucessor de Hu na Presidência. Li, 52, estudou direito e ascendeu nas fileiras da Liga da Juventude Comunista. Já governou as complicadas Províncias de Liaoning, no cinturão da ferrugem do nordeste chinês, e Hunan (centro), onde saiu ileso de escândalos sobre venda de sangue contaminado.
Entre os políticos, figura ainda Xi Jinping, chefe do Partido Comunista em Xangai. Xi possui excelente pedigree partidário -é filho de um revolucionário. Ele assumiu o comando do partido em Xangai (cidade maculada por escândalos) neste ano e vem recebendo elogios da mídia oficial, levando a especulações de que possa ser cogitado para uma promoção.
Fora da política
Outro nome de peso é o do atleta Liu Xiang. Poucos esportistas olímpicos chineses vão competir carregando o peso das expectativas que caem sobre os ombros do astro da corrida com barreiras Liu, 24, que ganhou a medalha de ouro mais valorizada pela China na Olimpíada de Atenas, em 2004 -a dos de 110 m com barreiras.
Artistas estão no páreo. Se Gong Li foi a atriz chinesa mais conhecida dos anos 1980 e 1990, esse manto agora foi vestido por Zhang Ziyi. Mas não se trata de uma posição que seja acompanhada de muita alegria.
A relação difícil de Zhang com a mídia de sua cidade natal foi exemplificada com as reações ao papel no hollywoodiano ‘Memórias de uma Gueixa’, no qual foi criticada por macular a imagem da China ao interpretar uma ‘prostituta japonesa’.
A líder ambiental Ma Jun não fica muito atrás. Ela criou o Instituto de Assuntos Públicos e Ambientais no final dos anos 1990, que identifica e critica os poluidores hídricos com o Mapa da Poluição da Água na China. Apesar de sua ação ainda ser capaz de levar alguém à prisão, as milhares de organizações ecológicas que surgiram no país já se tornaram indispensáveis para implementar a política ambiental do governo.
O empresário Yang Yuanqing, 42, também tem grande destaque. Ele vem aprendendo inglês da maneira mais difícil: usando a língua para dirigir a terceira maior fabricante mundial de computadores pessoais, a Lenovo. A empresa adquiriu a antiga unidade de PCs da IBM, em 2005, por US$ 1,75 bilhão.
Na economia, destaca-se também Chen Yuan. Desde 1998, Chen transformou o Banco de Desenvolvimento da China (CDB) em importante instituição global de concessão de créditos. Com poderes para apoiar grandes obras de infra-estruturais locais, Chen vem tornando o banco um participante importante em reformas financeiras na China e, mais recentemente, fora do país. Por fim, há Zhang Yimou, diretor de cinema e teatro. Desancado em seu país, no passado, por ter criado filmes bem recebidos pelo público externo, como ‘Lanternas Vermelhas’, Zhang se tornou tão queridinho do governo que foi encarregado de dirigir a cerimônia de abertura da Olimpíada de Pequim. Resta a ver até que ponto ele terá liberdade para colocar sua visão em prática.
Tradução de CLARA ALLAIN’
FUTEBOL
Fifa luta contra YouTube e proíbe câmera no estádio
‘Foram duas barreiras antes de entrar no El Campín, em Bogotá, e antes de iniciar a revista os policiais perguntaram à reportagem da Folha se ela carregava câmeras de vídeo.
Não sem razão. Por ordem da Fifa, segundo os organizadores colombianos, o aparato eletrônico era tão vetado dentro do estádio no duelo contra o Brasil como armas de fogo ou bebidas alcóolicas trazidas de casa.
Quem conseguia furar as revistas e ligava a câmera era abordado com truculência por seguranças privados.
Além de proteger as emissoras de televisão que compraram os direitos dos jogos -a gigante rede colombiana Caracol foi uma das principais patrocinadores do confronto-, o veto à câmeras de torcedores impede que lances da partida -alguns não captados na geração das imagens pela televisão- vão parar no site YouTube.
Foi o vídeo de um torcedor no GP do Japão que fez o piloto inglês Lewis Hamilton correr o risco de sofrer uma punição -ele mostrava uma manobra perigosa do líder da temporada da F-1 atrás do safety-car.
Câmeras de vídeo não são um eletrônico raro para o tipo de colombiano que foi ontem ao El Campín. Com o preço médio dos ingressos valendo quase R$ 100 (alguns custavam quase R$ 500), a classe média era maioria na arena.
Nem por isso o esquema de segurança foi grandioso, parecendo até exagerado. Mais de 1.400 policiais trabalharam, com a ajuda de cachorros, cavalos, atiradores de elite e até de um helicóptero.
O torcedor comum precisava passar por quatro barreiras de segurança antes de entrar no estádio. A recomendação era chegar cedo. Quatro horas antes do jogo, filas imensas eram a tônica nos arredores da arena, que teve todos os ingressos vendidos com antecedência.
Mulheres grávidas estavam vetadas no estádio, assim como adolescentes desacompanhados por um maior de idade.
No sábado à noite, a polícia apreendeu 39 entradas falsas, apesar de vários itens de segurança nos bilhetes. Ontem, o cerco aos falsificadores e cambistas foi grande, mas nem assim eles deixaram de trabalhar.
Quem era pego ficava preso em um pequeno caminhão com carroceria de madeira, típica para transportar cavalos.
Dentro do estádio, nenhum incidente grave, apesar de alguns setores, especialmente os mais baratos, aparentarem superlotação. O número de torcedores brasileiro era insignificante -eles se reuniram em um setor das arquibancadas bem ao lado das numeras.
Nos alto-falantes, rumba tocada em volume máximo. Nos bares, a atração do cardápio eram gigantes porcos assados.’
OUTRO CANAL
Novela da Globo finalmente chega à Índia
‘A TV Globo fechou na semana passada um acordo com o Sahara One, um dos maiores grupos de comunicação da Índia. O conglomerado vai lançar em dezembro um novo canal, o Firangi Channel, que promete o ‘melhor da programação internacional’. As novelas e minisséries da Globo estarão nessa programação, dubladas, junto com as séries americanas e os documentários britânicos.
O canal terá dois horários para as produções da Globo. É a primeira vez que a rede rompe a fronteira da Índia.
O negócio, fechado na MipCom, uma das principais feiras de TV do mundo, em Cannes (França), foi muito festejado. Segundo país mais populoso do mundo, a Índia é um grande produtor e consumidor de teledramaturgia. É difícil a entrada de produção estrangeira no país. A ‘conquista’ da Globo reforça a estratégia da emissora na Ásia. A Globo reabriu recentemente seu ‘canal’ para novelas na China (onde ‘A Escrava Isaura’ fez muito sucesso) com ‘Da Cor do Pecado’. Acaba de fechar um acordo com Macau e de vender ‘Sítio do Picapau Amarelo’ para o Vietnã. Negocia a venda de ‘Amazônia’ para o Japão e Coréia do Sul.
A minissérie de Glória Perez foi lançada na MipCom em dois formatos: um completo e outro de apenas três capítulos de 90 minutos cada, contando apenas a história de Chico Mendes. Essa versão é dirigida para países que não consomem novelas.
NOVA MEL 1 A atriz que interpretará a cantora Maysa na minissérie que a Globo exibirá em 2009 será totalmente desconhecida. O autor Manoel Carlos quer repetir a experiência de ‘Presença de Anita’ (2001), que revelou Mel Lisboa. ‘Serão necessários muitos testes. Vamos ver se conseguimos’, diz. A minissérie será dirigida por Jayme Monjardim, filho da cantora.
NOVA MEL 2 Manoel Carlos conta que acabou de concluir o trabalho de pesquisa sobre Maysa, musa da ‘música de fossa’. ‘São mais de 50 pastas de fotos, recortes, notícias dos jornais, diários, cartas, críticas, etc. Agora vou começar a pensar na divisão do material para chegar ao número de capítulos, mas em princípio acredito que deva ficar entre 12 e 16’, afirma.
RECORDE Até a última sexta-feira, a produção de ‘Big Brother Brasil 8’ tinha recebido 160 mil inscrições via internet. Mas as inscrições que valem são as enviadas por Correio, com fita ou DVD. Essas eram 16 mil. A previsão é de que atinjam 35 mil.
NEGÓCIO A Band está negociando com a Endemol, parceira da Globo, a compra do formato de game-show ‘All You Need Is Love’.
REBOLADO A Globo fez testes para descobrir um ator para interpretar um travesti em ‘Queridos Amigos’, minissérie de Maria Adelaide Amaral que estréia em fevereiro. Mas os resultados foram tão bons que a rede resolveu contratar quatro selecionados. Dois farão travestis e outros dois, outros personagens.’
PAULO AUTRAN
Paulo Autran dominou os truques dos mestres
‘Chego do velório e percebo que Paulo Autran morreu no Dia da Criança. Não poderia ter escolhido dia melhor. Talvez seja por isso que esse ‘ator/símbolo de si mesmo’ tenha escolhido um dia como esse e tenha deixado sua mulher, Karin Rodrigues, com um sorriso lindo estampado na cara.
Num momento relaxado, indo buscar sua Karin na peça ‘O Médico e o Monstro’ (há mais de dez anos), ele, Ney Latorraca e eu só falávamos cretinices.
Sugeri que fôssemos visitar Haroldo de Campos, que morava a três quarteirões do Tuca, e Paulo brincou: ‘Mas eu tenho que me vestir de ‘concreto’? Símbolos?
Há um mês e meio, ele estava sentado na minha platéia no Sesc Anchieta, numa quarta-feira, justamente duas semanas depois que ele mesmo havia sido ‘tombado’ enquanto vivo, o que é raríssimo.
Sim, o visionário Danilo Santos de Miranda resolveu transformar o teatro do Sesc Pinheiros em teatro Paulo Autran. E o próprio Paulo pediu que fosse o grandíssimo Marco Nanini quem fizesse as cerimônias da ocasião. Assim como no filme ‘Quero Ser John Malkovich’, agora, finalmente, podia se ‘estar dentro’ de Paulo Autran pagando ingresso. Ele riu disso entre um trago e outro (maldito cigarro!) enquanto discutíamos algo sobre o Terceiro Reich.
‘Estar dentro’, dizia Paulo, ‘tem muitas conotações’. E ríamos… O espetáculo que acabara de ver era o meu ‘Rainha Mentira’ e lidava com campos de concentração, mas o sempre bem-humorado intérprete (diferente de ator que representa) estava se referindo a coisas mais leves, obviamente.
Sempre estive ao lado desse homem, e sempre ‘combinamos algo pra daqui a um ano’ mas nunca compartilhamos o palco. Curioso. Fomos até chamados de ‘elitistas’ pelo atual ministro da Cultura.
O restaurante Piselli era o nosso cruzamento acidental mais freqüente em Sampa e lá falávamos de tudo, assim como fazíamos ao longo desses 23 anos, desde a casa de Tonia Carrero, quando eu a dirigia (junto com Sergio Britto, em ‘Quartett’, de Heiner Mueller), em sua própria minimansão, onde Paulo e Karin se hospedavam, no Rio.
Ator erudito
Ele era um ator e não um representador. Era um intérprete, alguém que vive em todas as épocas, especialmente no futuro e vê tudo no passado. Paulo é, ainda no presente, um educador, um erudito como poucos nesta classe teatral. Ao contrário de tantos que andam por aí, com ele as conversas podiam perambular entre as razões da Primeira e da Segunda Guerra Mundial, os filósofos gregos, a queda do Império Romano, a divisão da China pós-Revolução Cultural de Mao…
E seu registro de voz era estranhíssimo. Fora da língua portuguesa, digo, brasileira. Ele falava exatamente no mesmo registro (‘pitch’) que Laurence Olivier. E, assim como uma criança, tinha a curiosidade de olhar para o céu e observar estrelas. Mas no teatro transformava as estrelas em refletores e nos devolvia a luz de uma lâmpada que batia em sua pupila e nos fisgava, não importa em que ponto ou fundura do palco ele se encontrava. Truques de grandes mestres, já que carisma não se explica.
Ele olhava a imensidão do universo com a mesma intensidade que o urdimento do teatro. Essa vivência é muito difícil de explicar. Mas Paulo será muito difícil de explicar porque, mesmo enfermo, ele não parava de ir ao teatro, de querer enxergar novos talentos, de querer estar no palco por eles, ou melhor, através deles.
O ator morre todos os dias, no momento em que se veste de personagem. Morre de novo quando o personagem morre ou quando a cortina fecha ou quando o público o aplaude ou na solidão do seu camarim.
Quem morreu na última sexta foi uma grandiosa criança chamada Paulo Autran, cujo legado não nos deixará nunca.
Quem sabe ele está estudando um novo método qualquer pra poder nos surpreender novamente. Vai com Deus, meu querido. Fique em paz!
GERALD THOMAS é autor e diretor de teatro’
OBITUÁRIO
Radialista de jazz Carlos Conde morre aos 77
‘O arquiteto, produtor e radialista Carlos Conde, 77, morreu anteontem à noite em São Paulo, vítima de um infarto. Nascido em Cruzeiro (SP), Conde foi apresentador do programa ‘Jazz Concert’, da Rádio Cultura FM, por 20 anos -o programa foi extinto em julho passado.
Um dos maiores experts brasileiros em jazz, Conde tinha uma coleção de 5.000 CDs e 8.000 LPs, além de centenas de livros.
O apresentador tinha um tumor maligno no cérebro, que o manteve afastado do trabalho desde o ano passado.
Seu corpo foi cremado ontem, na Vila Alpina.’
************