‘Há muito tempo um repórter não tinha seu nome tão conhecido pelo Brasil. Mas Larry Rohter conseguiu chamar atenção. O norte-americano, correspondente do ‘New York Times’, é pop. Tão pop que virou até tema de samba-enredo de bloco carnavalesco no Brasil.
Mas o que fez Rohter ficar assim tão conhecido, além do fato de trabalhar para uma das publicações de maior prestígio em todo o mundo? Numa época em que a imprensa tem sua reputação arranhada por diversos equívocos de jornais e emissoras de TV, o correspondente baseado no Rio de Janeiro tem dado sua contribuição para abalar a imagem da mídia. Leia a seguir casos que colocaram o norte-americano em posição de evidência.
1 – Atacou com um dos maiores símbolos brasileiros
Uma reportagem publicada por Rohter no ‘New York Times’ dizia que a garota de Ipanema estava gordinha. A matéria, que ilustrou a capa do jornal, causou repercussão ainda maior quando se descobriu que três das moças retratadas não eram brasileiras e sim tchecas. A brasileira que também apareceu nas fotos diz que sua vida se transformou num ‘tsunami’ após a publicação da reportagem e sua reprodução no jornal carioca ‘O Globo’.
O feitiço virou-se contra o feiticeiro e o ‘NYT’ teve de publicar um texto se desculpando pelo erro. O jornal isentou Rohter de responsabilidade e disse que o equívoco foi do fotógrafo John Maier, freelancer que fez as fotos para a reportagem.
O Último Segundo tentou entrar em contato com Maier, mas ele não foi encontrado.
2 – Disse que Lula bebe demais
Nos Estados Unidos, muito se fala sobre a vida particular de seus políticos. Bill Clinton quase sofreu um impeachment por ter tido relações mais íntimas que o recomendado com uma estagiária da Casa Branca.
Rohter quase foi expulso do Brasil pelo atual governo por ter dito que o presidente Luiz Inácio Lula de Silva bebia demais. Ele afirmou, na reportagem mais polêmica de 2004, que o gosto de Lula por bebidas estaria prejudicando seu desempenho no comando da República.
No final da história, divulgou um pedido público de desculpas – sem usar a palavra ‘desculpa’ especificamente – em troca do direito de permanecer no País.
3 – Recebeu uma carta com suspeita de antraz
Testes posteriores mostraram que a suspeita era infundada, mas Rohter recebeu, no escritório do ‘NYT’ no Rio de Janeiro, uma carta contendo ‘esporos compatíveis com o Antraz’.
Logo após os atentados de 11 de setembro, os Estados Unidos foram tomados por um pânico generalizado em relação à bactéria letal que estava sendo espalhada na forma de um pó branco em diversos órgãos do governo e instituições.
A notícia ganhou as manchetes, que nem citaram com grande destaque o nome de Rohter, para quem a carta estava endereçada.
4 – Foi alvo de email de ‘teoria da conspiração’ de 2004
Um email não assinado invadiu as caixas de correios virtuais do mundo com uma série de acusações contra Rohter. A melhor delas diz que o norte-americano seria um agente a serviço da CIA e do FBI no Brasil. Outra fala que ele teve encontros escusos com o atual prefeito de São Paulo, José Serra. Nada, é claro, foi provado.
E foi assim, em quatro movimentos, que Rohter se tornou uma celebridade no Brasil. Voluntária ou involuntariamente, o jornalista ganhou as manchetes e foi imortalizado por um samba.’
Zuenir Ventura
‘O que deu no ‘NYT’?’, copyright O Globo, 29/01/05
‘Descobri que não posso me ausentar. Foi só sair por algumas semanas para anunciarem que a Terra ficou mais redonda e os dias mais curtos. E para Larry Rohter se meter em mais uma confusão. A culpa deve ser minha. Quando ele fez aquela matéria tentando mostrar sem fundamento que o Brasil estava preocupado com o suposto alcoolismo de Lula, eu me encontrava fora. Ele quase foi expulso. Agora, aproveitou para querer provar que no país que exporta Giselles Bündchen as garotas de Ipanema estão gordas.
Resultado: mais uma saia justa para o ‘New York Times’, que ainda não se refez de alguns outros embaraços recentes, tendo sido obrigado a pedir desculpas pelas reportagens que o seu repórter-cascateiro Jason Blair inventou e a fazer autocrítica pela cobertura pouco isenta da guerra do Iraque. Desta vez, além de tudo, talvez enfrente um processo por danos morais.
Antes era: ‘deu no ‘New York Times’. Agora é: ‘o que deu no ‘New York Times’? O que deu no Rohter? O jornal isentou-o de qualquer responsabilidade no caso, repassando-a para o fotógrafo, que teria trabalhado independentemente, e para o próprio veículo, que publicou as fotos sem saber quem eram as pessoas. Não sei se tirar a culpa de um para jogar no outro foi a forma mais correta de preservar o seu correspondente.
Afinal, não se explica como Rohter, repórter experimentado, não se interessou pelas imagens que documentariam a sua matéria. Se tivesse dado uma olhada, verificaria que as tchecas dificilmente lembrariam três garotas de Ipanema, ainda que tivessem engordado muito.
Também não se justificam a invasão de privacidade e o uso indevido de imagem. Mesmo que as estrangeiras fossem cariocas, seria preciso identificá-las e obter uma autorização prévia para fotografá-las, já que o objetivo era depreciá-las. Incrível que no ‘New York Times’ não se soubesse disso. Hoje, até o estudante que nos entrevista para um canal ou jornal universitário traz pronta para assinar a declaração de cessão de direitos.
Rohter já fez excelentes reportagens sobre o Brasil e continua sendo um profissional respeitado, como atestam seus colegas estrangeiros. Tomara que tudo isso tenha sido azar e não uma tentação a que o correspondente sucumbiu pelo menos duas vezes, por vontade do jornal ou dele próprio – a tentação da maledicência e da apelação. O gênero causa impacto, desperta polêmica e pode até estar na moda, mas com o tempo acaba no lixo.
Nem a biografia de Larry Rohter merece isso nem a história do ‘New York Times’, que sempre serviu de modelo para todos nós.’
Vinicius Albuquerque
‘‘NYT’ pede desculpas por foto em reportagem sobre obesidade no Brasil’, copyright Folha Online (www.folha.com.br), 28/01/05
‘Em uma nota em sua seção de correções, o jornal norte-americano ‘The New York Times’ reconhece o erro ter publicado as fotos de ‘pessoas obesas nas praias brasileiras’, em reportagem de autoria do repórter norte-americano Larry Rohter –que ficou conhecido no Brasil pela reportagem, publicada no ano passado, sobre o suposto hábito de beber do presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
O jornal, no entanto, diz que a reportagem em si não foi questionada. ‘O fotógrafo, um free-lancer que trabalhou sem ligação com o autor, acreditou que todas as pessoas que fotografou eram brasileiras’, diz a nota do ‘NYT’. As mulheres nas fotos da reportagem de Rohter eram tchecas –uma delas naturalizada italiana. ‘O ‘Times’ pede desculpas pelo fato da nacionalidade das mulheres na foto não ter sido verificada.’
O texto do diário americano comentava os resultados de um estudo do governo brasileiro que apontavam que o país enfrentava uma epidemia de obesidade, com 40% da população adulta acima do peso, sobre a anomalia da obesidade em uma sociedade consciente do corpo, conhecida pelo mundo por suas praias, biquínis e pela garota de Ipanema.
No site do ‘NYT’ na internet, a matéria já não traz mais as fotos. Com agências internacionais’