Folha de S. Paulo, 28/3 Caetano ataca Folha, e Ana de Hollanda fala em ‘tempestade’ Em sua coluna no jornal ‘O Globo’ ontem, o cantor Caetano Veloso atacou a cobertura da Folha sobre a autorização que sua irmã, Maria Bethânia, obteve para captar R$ 1,3 milhão via leis de incentivo para criar um blog. ‘A Folha disparou maliciosamente o caso’, escreveu Caetano. Ele disse ainda que ‘os editores sabem que estão enganando os leitores’ e atacou a colunista Mônica Bergamo, que publicou a informação sobre a captação para o projeto de Bethânia. Em entrevista a ‘O Estado de S. Paulo’, a ministra da Cultura, Ana de Hollanda, chamou reações ao caso Bethânia de ‘tempestade em copo d’água’ e disse achar o início de sua gestão ‘violento’. Ontem, num congresso de teatro, em Osasco, ela defendeu a criação do Prêmio Teatro Brasileiro. A regulamentação do prêmio, num projeto de lei que tramita na Câmara, estabelece a criação de um programa nacional de fomento ao teatro. O Globo, 27/3 Caetano Veloso Também tenho fígado Não concebo por que o cara que aparece no YouTube ameaçando explodir o Ministério da Cultura com dinamite não é punido. O que há afinal? Será que consideram a corja que se ‘expressa’ na internet uma tribo indígena? Inimputável? E cadê a Abin, a PF, o MP? O MinC não é protegido contra ameaças? Podem dizer que espero punição porque o idiota xinga minha irmã. Pode ser. Mas o que me move é da natureza do que me fez reagir à ridícula campanha contra Chico ter ganho o prêmio de Livro do Ano. Aliás, a ‘Veja’ (não, Reinaldo, não danço com você nem morta!) aderiu ao linchamento de Bethânia com a mesma gana. E olha que o André Petry, quando tentou me convencer a dar uma entrevista às páginas amarelas da revista marrom, me assegurou que os então novos diretores da publicação tinham decidido que esta não faria mais ‘jornalismo com o fígado’ (era essa a autoimagem de seus colegas lá dentro). Exigi responder por escrito e com direito a rever o texto final. Petry aceitou (e me disse que seus novos chefes tinham aceito). Terminei não dando entrevista nenhuma, pois a revista (achando um modo de me dizer um ‘não’ que Petry não me dissera – e mostrando que queria continuar a ‘fazer jornalismo com o fígado’) logo publicou ofensa contra Zé Miguel, usando palavras minhas. A histeria contra Chico me levou a ler o romance de Edney Silvestre (que teria sido injustiçado pela premiação de ‘Leite derramado’). Silvestre é simpático, mas, sinceramente, o livro não tem condições sequer de se comparar a qualquer dos romances de Chico: vi o quão suspeita era a gritaria, até nesse pormenor. Igualmente suspeito é o modo como ‘Folha’, ‘Veja’ e uma horda de internautas fingem ver o caso do blog de Bethânia. O que me vem à mente, em ambas as situações, é a desaforada frase obra-prima de Nietzsche: ‘É preciso defender os fortes contra os fracos.’ Bethânia e Chico não foram alvejados por sua inépcia, mas por sua capacidade criativa. A ‘Folha’ disparou, maliciosamente, o caso. E o tratou com mais malícia do que se esperaria de um jornal que – embora seu dono e editor tenha dito à revista ‘Imprensa’, faz décadas, que seu modelo era a ‘Veja’ – se vende como isento e aberto ao debate em nome do esclarecimento geral. A ‘Veja’ logo pôs que Bethânia tinha ganho R$ 1,3 milhão quando sabe-se que a equipe que a aconselhou a estender à internet o trabalho que vem fazendo apenas conseguiu aprovação do MinC para tentar captar, tendo esse valor como teto. Os editores da revista e do jornal sabem que estão enganando os leitores. E estimulando os internautas a darem vazão à mescla de rancor, ignorância e vontade de aparecer que domina grande parte dos que vivem grudados à rede. Rede, aliás, que Bethânia mal conhece, não tendo o hábito de navegar na web, nem sequer sentindo-se atraída por ela. Os planos de Bethânia incluíam chegar a escolas públicas e dizer poemas em favelas e periferias das cidades brasileiras. Aceitou o convite feito por Hermano como uma ampliação desse trabalho. De repente vemos o Ricardo Noblat correr em auxílio de Mônica Bergamo, sua íntima parceira extracurricular de longa data. Também tenho fígado. Certos jornalistas precisam sentir na pele os danos que causam com suas leviandades. Toda a grita veio com o corinho que repete o epíteto ‘máfia do dendê’, expressão cunhada por um tal Tognolli, que escreveu o livro de Lobão, pois este é incapaz de redigir (não é todo cantor de rádio que escreve um ‘Verdade tropical’). Pensam o quê? Que eu vou ser discreto e sóbrio? Não. Comigo não, violão. O projeto que envolve o nome de Bethânia (que consistiria numa série de 365 filmes curtos com ela declamando muito do que há de bom na poesia de língua portuguesa, dirigidos por Andrucha Waddington), recebeu permissão para captar menos do que os futuros projetos de Marisa Monte, Zizi Possi, Erasmo Carlos ou Maria Rita. Isso para só falar de nomes conhecidos. Há muitos que desconheço e que podem captar altíssimo. O filho do Noblat, da banda Trampa, conseguiu R$ 954 mil. No audiovisual há muitos outros que foram liberados para captar mais. Aqui o link: http://www.cultura. gov. br/site/wp-content/up loads/2011/02/Resultado-CNIC-184%C2%AA.pdf . Por que escolher Bethânia para bode expiatório? Por que, dentre todos os nossos colegas (autorizados ou não a captar o que quer que seja), ninguém levanta a voz para defendê-la veementemente? Não há coragem? Não há capacidade de indignação? Será que no Brasil só há arremedo de indignação udenista? Maria Bethânia tem sido honrada em sua vida pública. Não há nada que justifique a apressada acusação de interesses escusos lançada contra ela. Só o misto de ressentimento, demagogia e racismo contra baianos (medo da Bahia?) explica a afoiteza. Houve o artigo claro de Hermano Vianna aqui neste espaço. Houve a reportagem equilibrada de Mauro Ventura. Todos sabem que Bethânia não levou R$ 1,3 milhão. Todos sabem que ela tampouco tem a função de propor reformas à Lei Rouanet. A discussão necessária sobre esse assunto deve seguir. Para isso, é preciso começar por não querer destruir, como o Brasil ainda está viciado em fazer, os criadores que mais contribuem para o seu crescimento. Se pensavam que eu ia calar sobre isso, se enganaram redondamente. Nunca pedi nada a ninguém. Como disse Dona Ivone Lara (em canção feita para Bethânia e seus irmãos baianos): ‘Foram me chamar, eu estou aqui, o que é que há?’ Folha de S. Paulo, 30/03 Ana de Hollanda elogia projeto de Bethânia, mas evita falar de valor A ministra Ana de Hollanda (Cultura) disse ontem que considera ‘muito bom’ o projeto do blog da cantora Maria Bethânia, autorizado a captar R$ 1,3 milhão via Lei Rouanet, mas que não cabe a ela julgar se o valor é justo. ‘Ele passou por mil comissões de especialistas que avaliaram isto. E não é um caso tão raro assim. Não sei por que implicaram com este projeto.’ Segundo ela, a proposta de mudança na Lei Rouanet, que pretende evitar eventuais distorções, não está mais na alçada do ministério e agora deve ser discutida pelo Congresso. Hollanda se encontrou com músicos no Rio para debater políticas voltadas à categoria. Um dos temas foi a reforma da lei de direitos autorais. Segundo ela, o texto redigido na gestão anterior tem problemas. Ela diz que há falhas na forma como o texto disciplina o direito autoral na internet, e no sistema de arrecadação, com a proposta de intervenção no Ecad. ‘Já houve intervenção na época da ditadura. É claro que podemos exigir mais transparência, mas não a fiscalização do Estado sobre uma entidade privada’, disse. O cantor e compositor Leoni, presente no evento, defendeu o envio ao Congresso da nova lei como está redigida. Segundo o músico, o texto é fruto de um trabalho de anos e, embora tenha pontos discutíveis, já está amadurecido. Para a ministra, muitas entidades se manifestaram contra o projeto. ‘Vamos trabalhar para apresentar um projeto possível. Se não for este, abriremos uma nova consulta pública’, disse. Segundo ela, o ministério tem 30 dias para tomar uma decisão sobre o caso.