Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Carlos Chaparro

‘O XIS DA QUESTÃO – Cientistas e jornalistas sempre tiveram dificuldade em dialogar. Com algum exagero, se poderia dizer, até, que jamais se entenderam. Eis aí um embate tão antigo quanto estúpido. Porque a ciência precisa tanto do jornalismo quanto o jornalismo precisa da ciência, pela simples razão de que conhecimento não socializado é conhecimento perdido. E ambos – jornalista e cientista – são responsáveis por esse prejuízo social.

1. Idéias aprisionadas

Gosto de ouvir e ler filósofos, embora tenha enorme dificuldade em compreendê-los. Quando, em congressos e seminários de que participo, há algum filósofo anunciado entre os oradores, é quase certo que lá estarei, sentado o mais perto possível, para apreciar e invejar a capacidade argumentativa desses mestres da arte de lidar com idéias.

Infelizmente, os filósofos – com as devidas exceções, naturalmente – pouco se importam com a clareza do que dizem. Menos, ainda, com as limitações de compreensão dos seus ouvintes. Criticando-os, há, entretanto, intelectuais importantes, um deles o respeitado Boaventura de Souza Santos, que já lamentou, em livro, o hermetismo retórico dos filósofos.

Boaventura pensa que os cientistas, em geral, e os filósofos, em particular, deveriam empenhar-se em dialogar com o mundo de forma clara, para que pudessem compreender e ser compreendidos. Na visão desse importante ideólogo do pensamento crítico pós-moderno, quanto mais claramente a ciência dialogar com o mundo, mais e melhor contribuirá para reduzir a exclusão discursiva que incapacita numerosos grupos sociais para as lutas pela inserção (seja ela política, social, econômica ou cultural).

Dou razão a Boaventura de Souza Santos. Por várias vezes, fiz o seguinte teste: logo depois de ouvir algum desses filósofos cujas habilidades retóricas tanto me encantam, reúno quatro ou cinco colegas da platéia e lhes proponho o desafio de resumirmos o discurso ouvido. Invariavelmente, fracassamos. Não conseguimos libertar as idéias da teia retórica em que o orador filósofo as aprisionou. E o fracasso nos propõe a conclusão de que a dificuldade (às vezes, até a impossibilidade) de captar e resumir o conhecimento, retido na forma hermética do discurso científico, inviabiliza a sua socialização. Em prejuízo da sociedade.

2. Diálogo difícil

Serve essa introdução, de sabor alegórico, para estabelecer o enlace temático com as velhas dificuldades de entendimento entre cientistas e jornalistas. Até por ser antigo e persistente, trata-se de um embate estúpido, pois a ciência precisa tanto do jornalismo quanto o jornalismo precisa da ciência.

De um lado, o jornalismo capta as indagações do mundo e no mundo observa acontecimentos, com o dever de oferecer à sociedade, além de relatos, respostas e explicações que provavelmente só encontrará no saber científico; de outro lado, a ciência perde sentido se não puder socializar o conhecimento que produz, devendo, por isso, em favor da sociedade, aproveitar-se da capacidade difusora do jornalismo, bem como da eficácia asseverativa e didática da linguagem jornalística.

Acresce ainda – e essa não é uma razão menor – que os fatos científicos devem ser noticiados, para que se completem como acontecimentos relevantes da atualidade, capazes de interferir no mundo presente das pessoas.

Toca-se, aí, por convergência, no mais importante papel sócio-cultural do jornalismo: o de se assumir como espaço público dos confrontos discursivos. Pela linguagem do relato, pela capacidade de contextualizar os fatos e pela difusão simultânea em larga escala do que divulga, o jornalismo dá atributos de discurso aos acontecimentos, e como discurso os socializa.

É na esfera discursiva que se dão os desencontros entre a ciência e o jornalismo. Quando se critica ou se propõe a adequação da linguagem científica à linguagem jornalística, e o inverso, coloca-se uma questão de divergência discursiva.

Preliminarmente, há uma assimetria de interesses – aquela que freqüentemente opõe os repórteres às fontes, as fontes aos repórteres.

O jornalista está prioritariamente interessado em apropriar-se de informações, revelações, análises e opiniões, para usá-las em função do interesse do seu leitor, de seu jornal ou do próprio interesse profissional. Já o cientista, no seu papel de fonte, adota normalmente procedimentos de controle ou de filtragem da informação, para resguardar-se de entendimentos equivocados, de concessões ao sensacionalismo especulativo ou, até, de interpretações tendenciosas. Por causa das razões da ciência, ou das razões da carreira, o cientista procura minimizar os riscos de uma exposição pública realizada por modos e meios que não domina nem controla.

3. Razões do conflito

Os interesses divergem porque as ações e, portanto, os sucessos que se buscam são por natureza diferentes, embora não antagônicos: a ciência produz conhecimento; o jornalismo empenha-se na sua divulgação, para o socializar. A diferença entre as ações se manifesta em esquemas discursivos igualmente diferentes.

Assim, para a convalidação, pelos pares, do conhecimento produzido, o cientista impõe ao seu discurso um esquema argumentativo de características particulares, assumindo uma linguagem especializada que privilegia o rigor metodológico e lexical. Já a ação jornalística exige um discurso não especializado. Por isso, o jornalismo prefere as liberdades criativas dos esquemas narrativos, adequados para o relato de ações humanas – e é isso que o jornalista faz, mesmo quando divulga ciência.

As diferenças discursivas geram atritos e desconfianças recíprocas. Mas também estimulam acordos criativos. E da busca desses acordos discursivos se deveria ocupar o estudo e a prática daquilo a que chamamos de Jornalismo Científico, infelizmente confinado em ‘páginas de ciência’, pensadas e escritas mais para cientistas do que para leitores comuns.

E porque é preciso criticar tanto o hermetismo científico quanto esse jornalismo científico elaborado em ‘circuito fechado’, voltarei ao assunto na próxima semana.’



JORNALISMO EM CRISE
Luciana Oncken

‘Crise no jornalismo: falta envolvimento’, copyright Comunique-se (www.comuniquese.com.br), 4/06/04

‘Não é novidade para ninguém que o jornalismo está em crise. Mas muito se fala sobre a crise financeira que atinge as empresas do setor e pouco sobre a crise da forma, pouco se discute sobre a crise do texto, a crise do método. O jornalista está mais preocupado em discutir se precisa ou não do diploma para exercer a profissão sem se aprofundar sobre a sua formação. Antes de tudo, é preciso alma, paixão para exercer bem qualquer atividade. E quando se tem isso, a busca pelo conhecimento é uma conseqüência.

A crise do jornalismo é mais profunda: regras exageradas, textos burocráticos, matérias superficiais. Mas um dos problemas que tem me incomodado muito é a forma como se faz jornalismo hoje. A falta de entusiasmo, de envolvimento. O profissional se acomoda porque hoje é possível fazer tudo sem colocar os pés para fora da redação, às vezes nem é preciso ir até ela. Faz-se tudo de casa mesmo. Fax, telefone, Internet. O jovem jornalista tem dificuldade em se imaginar na profissão sem todo esse aparato.

Ele recebe, por exemplo, a incumbência de escrever sobre o dia-a-dia de um médico que trabalha no resgate e atende vítimas de acidente de trânsito. Mas quem disse que levanta o bumbum da cadeira? Não. Fotógrafo e repórter trabalham separados. O fotógrafo não tem como escapar. Lá vai ele, solitário, acompanhar a ambulância. Para o repórter, o telefone entra em ação.

Pergunta ao médico como é seu dia-a-dia, como é a ambulância, quais são suas reações, como ele age, etc. E coloca na matéria que é assim, assim e tal. Você já imaginou quantas coisas ele perde? E as impressões? Não registra o que é, registra o que dizem ser. E o compromisso com a verdade, como é que fica?

Não estamos falando de um caso fictício. Isso acontece nas redações de hoje. Nem de jornalismo de noticiário, onde toda essa tecnologia é muito bem vinda. Há casos de grandes reportagens feitas por telefone. Do jornalista que não vai mais às ruas. Pode parecer dramático, radical, mas isso influencia o resultado do trabalho. Algumas matérias exigem a presença do jornalista. Caso contrário, não se trata de jornalismo.

Alguns dirão que o deadline é o verdadeiro vilão da história. Outros, que é a crise financeira. Há os que colocarão a culpa na própria tecnologia, ou nos patrões. Será o diploma? A falta dele? A sua exigência?

Pode ser tudo isso e um pouco mais: preguiça, falta de compreensão sobre o fazer do jornalismo, a banalização, o número exagerado de escolas que enganam jovens dizendo ensinar a profissão, falta de paixão, de alma, de conhecimento, de sentimento. Como diz meu amigo Sergio Vilas Boas: ‘quem não vê a realidade com os próprios olhos, não a sente e, se não a sente, não se envolve’. (*) Jornalista’