Monday, 23 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

Carlos Chaparro

‘Na frenética caça ao voto a que estamos submetidos em São Paulo, consomem-se verbas que não poderiam ter uso eleitoral, em outdoors e anúncios de TV com disfarçados fins eleitoreiros, e até em viagens e festas para inaugurar obras custeadas pelo erário. Enquanto isso, falta dinheiro para a saúde e a educação. Não há, pois, como fugir à frustração, ao se comparar as práticas e as falas do atual Presidente da República com o que ele dizia e fazia, quando sonhava e lutava por transformações políticas, em São Bernardo do Campo.

1. Trincheira na matriz

O acaso me levou, quinta-feira passada (21 de outubro), às imediações da igreja matriz de São Bernardo do Campo. Um templo de estilo comum, nem bonito nem feio, nem imponente nem discreto, semelhante a tantas outras matrizes da geografia católica. Hoje, diferencia-se, na paisagem clara do centro da cidade, pela cor ocre das paredes. Mas me emocionei revendo aquela igreja sem encantos artísticos, porque ali se fizeram e viveram, vinte e alguns anos atrás, momentos importantes da reconstrução democrática brasileira. A matriz de São Bernardo serviu de refúgio e trincheira ao sindicalista Luiz Inácio da Silva, o Lula, e ao sindicato paralelo por ele montado como resposta aos militares, que lhe haviam roubado o mandato de presidente do Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo do Campo.

Corriam os anos de 1981/82/83 quando essas coisas aconteciam. Lula assombrava o Brasil com a força, a coragem e a autenticidade da sua liderança, que por esse tempo se abria para vôos mais largos, talvez já com Brasília em horizontes distantes.

Na verdade, a iluminada liderança de Lula transitava, com lucidez, do sindicalismo para a política: em 1981, ele comandara a criação e se tornara presidente do Partido dos Trabalhadores, que hoje governa o Brasil. A trincheira montada na matriz de São Bernardo servia, pois, a um cenário que se dividia em duas frentes articuladas de luta – a sindical e a política.

Da trincheira montada na matriz de São Bernardo do Campo, sempre com a imprensa à mão, inclusive a internacional, Lula fazia crescer, pelo Brasil e pelo mundo, o vigor de sua liderança e a esperança renovadora do seu discurso. Sob o estímulo da anistia e da volta dos exilados, os ventos da redemocratização sopravam cada vez mais fortes, forçando a ditadura a encolher as garras. E Lula tinha muito a ver com tudo isso, não só pelas greves históricas que comandara na década de 70, mas porque se tornara figura de projeção internacional. Sua voz alcançava os mais influentes auditórios do planeta. E ele já sabia o que dizer e como falar, para impressionar o mundo.

Por tudo isso, fui lá entrevistá-lo, se não me falha a memória em fins de 1982, para um jornal diário português.

2. Saudade e frustração

Foi uma conversa com alguém notavelmente inteligente, um cidadão de alma e cicatrizes operárias, movido a sonhos de justiça e liberdade. Um democrata convicto. Mas, também, e principalmente, um líder certo de que só na arena política conseguiria conquistar o poder necessário à realização das transformações com que sonhava e pelas quais lutava.

Ele tinha plena consciência de que o sindicalismo estava mortalmente tolhido pelas limitações do atrelamento ao Estado e pelas amarras da legislação corporativista, mãe do peleguismo endêmico que persiste por aí. Por isso, e de olho no futuro, Lula pensara e fundara o Partido dos Trabalhadores, com estatuto surpreendentemente inovador.

Da entrevista, para aplicações que cada um queira fazer nos tempos de hoje, recordo uma frase inesquecível, dita a propósito das lutas operárias e políticas daquele tempo: ‘Estudante e intelectual só atrapalham’. E guardo, com especial zelo, mas com saudade de algo que se perdeu, a imagem do idealista que, implacável e obstinado, e com lucidez admirável, lutava por uma democracia sem concessões a desvios morais e éticos.

O sabor da saudade ganhou agora travos de frustração, com episódios como esse da multa aplicada pela Justiça Eleitoral ao Presidente da República – aquele mesmo Lula que, nas conversas e discursos de São Bernardo do Campo, clamava por política limpa e respeito radical ao dinheiro público.

3. O ontem e o hoje

Pouco interessa às razões deste texto se a multa vai ou não ser paga. Não é o formalismo do processo que me leva a ajuizamentos, mas os sentidos que capto das ações realizadas.

A multa de R$ 50 mil, confirmada pelo Tribunal Regional Eleitoral, deu-se por ter o Presidente da República descido ao palanque eleitoral, pedindo votos para Marta Suplicy, em discurso feito dia 18 de setembro, durante a inauguração do novo trecho da avenida Radial Leste, em São Paulo. Entendeu a Justiça que, ‘enquanto agente público, o Presidente da República não poderia ter utilizado a inauguração de uma obra custeada pelo erário público, para fazer campanha eleitoral’. E foi lembrado, numa das sentenças, que o dinheiro público estava também no evento da inauguração, organizado e custeado pela municipalidade.

Claro que a ação imprudente e ilegal do presidente Luiz Inácio Lula da Silva nada tem de novo, na história política brasileira. De tal maneira essas práticas estão enraizadas nos nossos costumes eleitorais, que a gente até nem estranha, mesmo se acontecem de forma escandalosa, como desta vez.

Mas não há como fugir à frustração, quando se comparam as práticas e as falas do atual Presidente da República com o que ele dizia e fazia, nos tempos dos sonhos e das lutas por transformações políticas, em São Bernardo do Campo. E disso resulta o sabor amargo da saudade que senti, quando, em frente à matriz que o acolheu, me lembrei do empolgante Lula de 1982.

E tem mais. No massacre publicitário a que estamos submetidos em São Paulo, há um elevado gasto, socialmente inútil, com outdoors e anúncios de TV de propaganda do governo federal, com disfarçados fins eleitoreiros. A subliminar caça ao voto, feita com verbas que não poderiam ter uso eleitoral, consome boa parte dos 150 milhões distribuídas pelas três agências contratadas para cuidarem da chamada ‘comunicação institucional’. E o novo Lula, Presidente da República, assina em baixo.

Entretanto, no mesmo orçamento onde sobra dinheiro para a discurseira eleitoral que enriquece os Dudas da vulgaridade política, faltam recursos para investimentos em educação, saúde, moradia e infra-estrutura. Falta dinheiro, até, para os programas do Fome Zero, carro-chefe das vaidades governamentais, embora pouco signifique como ferramenta de combate à exclusão social.

*****

Sim, sei muito bem que o Alckmin faz o mesmo aqui em São Paulo. E que outros fazem até pior, por aí afora. Mas nem o Alckmin nem esses tais outros estiveram na trincheira da matriz de São Bernardo do Campo, em lutas por democracia limpa.’



ELEIÇÕES 2004
José Paulo Lanyi

‘Pitaco eleitoral (ou PT e PSDB em SP)’, copyright Comunique-se (www.comuniquese.com.br), 21/10/04

‘O País tem mudado muito rápido, ora para melhor, ora para pior, às vezes tudo ao mesmo tempo. Ainda vou fazer um estudo sobre um fenômeno político invencível, uma criação da direita aderida pela esquerda que virou direita que virou esquerda que virou direita. Refiro-me a uma experiência maior, embora menor, ainda que, com boas intenções, tenha a aura de maior – conquanto permaneça menor: o maior vitorioso destes tempos é o, lá vem ele, p-r-a-g-m-a-t-i-s-m-o, o artista dos artistas da ginástica contorcionista brasileira! Palmas, palmas para o maroto que satisfaz!

Na quarta-feira, Roberto Damatta levou-o à alcova, no Estadão. O antropólogo não lhe pronunciou o nome, mas, assim mesmo, senti-lhe a fragrância sátiro-ninfomaníaca, ou vice-versa: o p-r-a-g-m-a-t-i-s-m-o estava lá, subiu as escadarias de madeira e caiu na farra no hoteleco latino-americano. Disse o narrador: ‘O contexto eleitoral brasileiro sempre me deixa perplexo diante da generosidade com a qual os políticos trocam de parceiros e partidos, acomodando e apaziguando as crises de lealdade e ciúme. Na área das relações pessoais isso seria considerado traição; na dos elos amorosos, adultério’. É isso aí, é isso aí! ‘Aquilo que, no universo erótico, faria procurar um revólver, no eleitoral desperta apenas ironia’.

Se tanto, professor, se tanto… Tudo está muito modernoso, barriguinha definida, músculos inchados, silicone, anabólicos eqüinos, tudo muito ‘descolado’. Esse é o problema. Nem ironia eles servem mais nesta suruba. Todo mundo nu, com uma etiqueta nas costas: ISO Nove Mil e o Escambau e código de barras. Lá se vê escrito: made in p-r-a-g-m-a-t-i-s-m. Como diria o esnobe Paulo Francis: waw!

A eleição paulistana é uma cirandinha esquizofrênica. Anos atrás, Marta…xa-pra-lá chamou Doutor Paulo de nefasto- que hoje a apóia e não é rejeitado. O Serra, ex-presidente da UNE e articulador da AP nos idos da ditadura, dedica parte das horas de seu mundo ‘vampiresco’ (adora pedir cabeça de jornalista) a massagear as alegadas virtudes de seu vice, o pefelista Kassab, ex-secretário de Pitta, o Emblemático. José Genoíno, ex-guerrilheiro no Araguaia, adora uma aliança. É um casadoiro convicto. Pudesse, meteria todos numa igreja- mesmo que o buquê caísse nas mãos de um desafeto de ocasião, como o Aloysio Nunes Ferreira, ex-terrorista da ALN e coordenador político da campanha do Serra-Cabeças. Aloysio é um p-r-a-g-m-á-t-i-c-o. Deixai vir a mim as criancinhas, dos suplentes será o reino dos céus- sejam eles do PP (sim, precisamos dos progressistas), ou do PL (e dos liberais), ou do PTN (e dos trabalhistas nacionais), ou do PSB, ou do PSDC, ou do PHS…

Não, não vamos ralhar com os argentinos. Se até nós, em nossa ínfima e mortal perspectiva, rastejamos em campo minado para entender, por que devemos exigir tanto? Sejamos condescendentes com o título de um artigo que saiu no La Nación, dia desses: ‘Un país que avanza hacia el bipartidismo’. Toda tese tem sua explicação. A do Luis Esnal, correspondente do diário no Brasil, é esta: ‘Los roles se invirtieron y todavía no hay una definición clara de cómo se van a decantar los perfiles ideológicos de cada fuerza, como sucede, por ejemplo, con republicanos y demócratas en Estados Unidos. Esa definición no parece tan simple, y es por eso que el destino eternamente anunciado para el PT y el PSDB por figuras de ambos partidos es la convergencia en una única fuerza en un futuro indefinido. Hoy ambos disputan el amplísimo y casi absoluto dominio del centro en el espectro político brasileño’. Não traduzi, todo mundo aqui deve manjar um portuñolzito.

Peço socorro a uma amiga muito querida, a jornalista Roseli Loturco. Na terça-feira, ela publicou, em sua coluna semanal no DCI, uma análise sobre as diferenças e semelhanças estruturais dos dois partidos. Ouviu o cientista político Francisco de Oliveira e o sociólogo Emir Sader. Concluiu-se que o PT e o PSDB são duas metades da mesma laranja. ‘Social democrata ou não, o fato é que são esses os principais partidos que surgem no centro do espectro político brasileiro. Um PSDB com características de um partido mais conservador, uma UDN mais moderninha. E um PT, que em seu processo histórico vem perdendo o seu maior valor, que é o lastro social, da militância e dos movimentos sociais. Mas que, apesar da perda desse lastro, acaba por transformar-se em um partido neopopulista e também conservador, ao reproduzir condutas políticas tucanas’.

Olhe isto aqui também: ‘O fato é que, apesar de serem originalmente diferentes, as políticas adotadas por esses dois partidos quando no poder, têm diferenças muito tênues, o que irrita a muitos e conforta a outros. Para os empresários, que temiam o operário no poder, é bom saber que não há nem rupturas estruturais, nem alternância na conduta da política macroeconômica. Já para o cidadão comum, que aguarda há tempo por reformas sociais verdadeiras, fica a frustração permanente. Ao eleitor, no segundo turno, restará escolher uma das duas fatias de uma mesma laranja’.

É como a Roseli disse: são os dois principais partidos que consolidam as suas forças nestas eleições. ‘E, dependendo do resultado do segundo turno do processo eleitoral, essa divisão de poderes deve ficar ainda mais acentuada’. Isso sim, não como vaticinou o Esnal. Nada de ‘republicanos y demócratas’, tampouco ‘la convergencia en una única fuerza en un futuro indefinido’.

Não se engane, porém: o PMDB está vivinho no plano nacional e quer o sumo, não a casca da laranja. O PFL também, assim como os demais. A roda não é quadrada, como querem alguns. Não despreze os tentáculos do p-r-a-g-m-a-t-i-s-m-o.

Estudei com a Roseli na Cásper Líbero, há mais de dez anos. Pureza de espírito e clareza de pensamento. Acabou se casando com um dos poucos políticos que desmontam, que desconstroem (homenagem a Derrida) o p-r-a-g-m-a-t-i-s-m-o arrasa-bloco: Carlos Giannazi, com quem, muito antes de sua primeira vitória nas urnas, tomei chope e falei de Caetano e de Gil, amigo que ele era (e ainda deve ser) de Jorge Mautner e da Vivian, minha doce e íntegra ex-mulher, grande admiradora da MPB.

Reencontrei a Roseli alguns dias atrás, na festa do Edu Ribeiro. Ela ainda procurava entender como uma campanha modesta havia conquistado 41.039 votos, a sétima maior votação do PT- partido que deixara Giannazi à míngua, tempos antes. O Carlos virou ‘rebelde’, ‘dissidente’, mas, entre todos esses rótulos, prefiro ‘autêntico’- que pode ser primo do obstinado, mas é irmão gêmeo do verdadeiro. Para quem não lembra, Giannazi preferira levar pedrada a trair os princípios da agremiação, a trair o eleitor e a si mesmo. Recusou-se a votar com o governo o projeto de lei que reduzia de 30% para 25% o percentual obrigatório para gastos exclusivos com educação. Tentaram expulsá-lo do PT, que deve se perguntar o que vai fazer agora com esses 41.039 votos. De quebra, o jovem vereador ainda ganhou o apoio do discreto Antonio Cândido, ‘pela defesa da escola pública e pela manutenção dos ideais petistas autênticos’.

Não sei se acredito na vida eterna, mas sou tolo e ainda creio na salvação dos homens, aqui embaixo mesmo.’



O Estado de S. Paulo

‘O debate sob as rédeas do espetáculo’, copyright O Estado de S. Paulo, 24/10/04

‘Debate eleitoral não é show de auditório, mas cada vez mais atende a regras que fazem de qualquer programa de TV um espetáculo. Não é raro flagrar candidatos mais preocupados com a imagem – figurino e maquiagem – do que em expor propostas. Na sexta-feira, os aspirantes à Prefeitura de São Paulo, José Serra (PSDB) e Marta Suplicy (PT), farão o último debate para este pleito. O embate, com mediação de Chico Pinheiro, será na Globo, às 22 horas. Serão cinco blocos: dois com perguntas de eleitores indecisos (escolhidos pelo Ibope), dois com questões entre os candidatos, e um para considerações finais. Serra e Marta ficarão de pé em uma arena e poderão se movimentar à vontade – como aconteceu entre Serra e Luiz Inácio Lula da Silva na última eleição presidencial.

Bem ao estilo Big Brother, os 40 eleitores escolhidos para participar do debate ficarão confinados em um hotel, da noite anterior até o debate – a fim de evitar que sejam coagidos por qualquer partido. Segundo o diretor- executivo da Central Globo de Jornalismo, Ali Kamel, todos gravarão uma pergunta, 12 serão escolhidas para fazer parte de um videowall, acionado por uma tela de computador. Cada quadrado (monitor) terá a pergunta de um eleitor. O candidato tocará em um dos quadrados e, no equivalente do videowall, aparecerá o eleitor. A pergunta, no entanto, será feita ao vivo, pelo próprio sorteado, que estará na platéia.

É claro que a performance dos candidatos diante das câmeras não opera milagres. ‘Mas pode influenciar, sim, o resultado de uma eleição’, comenta Carlos Nascimento, que aponta o debate entre Fernando Collor e Lula para a eleição presidencial de 1989 como marco. ‘Pela primeira vez se trouxe a público o efeito real de um debate. Não pelo desempenho de um ou de outro, mas pelo artifício dado em edição posterior. Até então, os políticos encaravam o debate como performance’, continua Nascimento, da Band.

‘As conseqüências do debate talvez sejam mais interessantes. Dão o tom da campanha a seguir. O debate não se esgota nele mesmo’, diz Fernando Mitre, diretor de Jornalismo da Band. ‘O debate tem a função de esclarecer questões importantes. Pode influir no resultado de uma eleição, mas só em casos extremos’, opina Luiz Carlos Latgé, diretor de jornalismo da Globo em São Paulo.

Em 1989, o povo quebrava um jejum de 29 anos para votar para presidente e a TV brasileira também dava os primeiros passos na realização de debates. Essa inexperiência é um dos argumentos para justificar a edição do encontro entre Fernando Collor e Lula no 2.º turno de 89, no Jornal Nacional. O livro A Notícia faz História, sobre os 35 anos do JN, dedica 15 páginas ao assunto. Embora hoje até dirigentes do PT reconheçam que Collor se saiu melhor no embate, a edição do JN enfatizava a vantagem de Collor sobre Lula.

Em 2000, após o debate entre Serra e Lula, a Globo noticiou o evento em seus telejornais apenas com imagens de bastidores, sem editar cenas do ‘ringue’. ‘Após anos de reflexão, a Globo concluiu que um debate é algo a ser visto em seu todo. E não trechos isolados’, comenta Ali Kamel.

Em O Sapo e O Príncipe, outro livro que acaba de sair, Paulo Markun conta que Lula teve 16 reuniões e só 3 horas de sono nas 48 horas anteriores ao debate que pavimentou sua derrota em 89.

A FLOR DE KENNEDY

Nos Estados Unidos, a disputa entre George W. Bush e John Kerry para a cadeira presidencial já rendeu três debates televisivos – o último, no dia 13, aponta Kerry como vencedor. A eleição, no entanto, está acirrada e os institutos de pesquisa divergem sobre quem levará a melhor no dia 2.

A influência da TV neste caso não se compara ao debate entre John Kennedy e Richard Nixon, em 1960, o primeiro da história da TV. Presente na ocasião, Ney Figueiredo, autor de livros sobre marketing eleitoral, lembra que Kennedy começou a ganhar antes da transmissão. ‘Pediu licença e levou uma flor para sua mulher (Jacqueline) na platéia, o que deixou Nixon desconcertado.’

Kennedy destoou no vídeo: aparência jovial e descansada – para Ney, a aparência física é tão importante quanto a preparação sobre os principais temas da campanha. Nixon foi destroçado: nervoso, suou muito e pegou mal sua imagem enxugando o rosto. ‘Não tinha se preparado para o debate. Além de aparecer barbudo, escolheu o terno errado. Da cor do fundo e desapareceu.’

Para não falhar no figurino, os políticos se informam antes sobre o cenário. Nesta quinta, a Globo abre seu estúdio para as assessorias de Serra e Marta. ‘Já houve candidato que apareceu com gravata verde para fugir da vermelha (cor predileta dos marqueteiros)’, diz Latgé.

No Brasil, o primeiro debate em TV foi promovido por Ferreira Netto na TVS (hoje SBT), entre Reynaldo de Barros e Franco Montoro, que disputavam o governo de São Paulo (1981). ‘O Silvio (Santos) ficou na ilha de edição, com o dedo no botão do corte, temendo baixo nível, mas depois entrou no ar para dizer que gostou’, conta Flávio Ricco, ex-diretor do programa.

Para Carlos Nascimento, o debate para a Prefeitura de São Paulo em 1985 revelou Boris Casoy, jornalista convidado a fazer perguntas. Jânio Quadros, vencedor nas urnas, não compareceu. Eduardo Suplicy, que levou uma tartaruga e um coelho, e Fernando Henrique Cardoso ganharam todas as atenções. ‘Foi o meu primeiro debate como mediador. E digo que fui um desastre’, diz Nascimento. Foi feito um acordo nos bastidores entre os jornalistas para que as perguntas fossem feitas só a FHC e a Suplicy – não havia regulamento que determinasse espaço igual para todos. ‘Era ao deus-dará’, fala. ‘Os nanicos ficaram revoltados, levantaram-se e vieram na minha direção. Parecia arrastão’, lembra. ‘Fizeram algazarra, jogaram cadeiras e a câmera me focalizava. Não sabia o que fazer. Em vez de tomar uma atitude, repetia o que o diretor me falava no ponto eletrônico.’

Boris perguntou o preço do pãozinho – que nem Suplicy nem FHC souberam responder. ‘Ele (FHC) hesitou quando perguntei se ele acreditava em Deus. Quando o papa veio ao Brasil disse ao Fernando Henrique que ele deveria pedir ao papa para me agradecer. Sou o único judeu que converteu alguém ao cristianismo.’

O jornalista, hoje na Record, estreou como mediador no debate de 89 entre Collor e Lula, representando o SBT num pool entre Globo, Manchete, Bandeirantes e SBT. Estava previsto um aperto de mãos entre Lula e Collor. ‘Lula chegou dizendo que não o cumprimentaria e de fato não o fez. Só no final.’ Boris compara o intervalo dos debates ao intervalo de uma luta de boxe – o atleta no córner, recebendo orientações, enxugando o rosto… E diz que é um charme a célebre frase: ‘Peço à platéia que não se manifeste, por favor.’

O sonho de Ali Kamel é não ter nanicos em debates. ‘Nos EUA só participa quem tem ao menos 15% dos votos.’ Nascimento acha que a fórmula pode mudar: ‘O público não gosta do ensaiado. Já mediei debates em que fiquei com sono.’’

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‘Debate na TV’, copyright O Estado de S. Paulo, 24/10/04

‘1982

Franco Montoro pede a Jânio Quadros para comentar o fato de sua renúncia ter ficado mais cara que a construção de Brasília. ‘Tá aqui’, diz Montoro ao pegar um livro de Carlos Lacerda. ‘Está dispensado da citação’, responde Jânio.

1989

Maluf para Covas: ‘O senhor é a favor ou contra a legalização do aborto?’ ‘Contra’, responde Covas. ‘O senhor tem um minuto’, diz a mediadora Marília Gabriela a Maluf. ‘Para mim basta’, diz. ‘Se para o Maluf basta, para mim basta’, encerra Covas.

1994

Fernando Henrique Cardoso é interrompido por Leonel Brizola quando faz comentários sobre o Plano Real. ‘O Real vem de longe…’, fala FHC. ‘Vem de longe, sim, vem da Argentina’, cutuca Brizola

2000

Collor, que conseguiu na Justiça direito de ir ao debate, para Enéas: ‘Fale qualquer coisa aí.’ ‘Uma beleza. Já que a sua excelência, o ex-presidente da República, não tem nada a dizer, eu tenho muito.’ E Collor interrompe: ‘Pode continuar.’’



CFJ EM DEBATE
Nemércio Nogueira

‘Além de stalinista, mal feito e mal escrito’, copyright Conferp (www.conferp.org.br), 22/10/04

‘Nem a legislação que cria a profissão de Relações Públicas e seus Conselhos Federal e Regionais, que infelizmente foi baixada em plena ditadura militar – a lei que regulamenta a profissão é assinada pelo marechal Costa e Silva e o decreto que cria os Conselhos cita em seu caput o AI-5 !!! – é tão controladora e se intromete tanto na atividade dos profissionais como o projeto de lei que cria os Conselhos de Jornalismo.

‘Disciplinar e fiscalizar o exercício da profissão’ é o objetivo principal dos Conselhos de RP, segundo o decreto-lei 860/69. Ou seja, assegurar que só profissionais registrados nos Conselhos ocupem cargos característicos de Relações Públicas.

E só. Enquanto isso o projeto de lei de criação dos Conselhos de Jornalismo diz que sua finalidade é ‘orientar, disciplinar e fiscalizar o exercício da profissão de jornalista e da atividade de jornalismo, zelar pela fiel observância dos princípios de ética e disciplina da classe em todo o território nacional, bem assim pugnar pelo direito à livre informação plural e pelo aperfeiçoamento do jornalismo’.

Ou seja: os Conselhos terão a faculdade de se meter na maneira como a profissão é exercida, além de determinar os princípios de ética da classe (não especificados, portanto a gosto de quem dirigir os Conselhos) e disciplinar a classe (seja lá o que queira dizer esse disciplinamento). Lutarão também pelo direito (de quem?) a uma coisa (não definida) chamada livre informação plural. (Se a informação for livre, não será provavelmente plural? Ou é o Conselho que vai dizer qual informação é livre e plural e qual não o é?) Além desse jeitão centralista, controlador e stalinista, o projeto é tecnicamente mal-feito e pessimamente escrito (talvez propositadamente, sabe-se lá…), pois mistura as funções que são características de um Conselho profissional com atividades sindicais e com preocupações de caráter associativo – além de coisas vagas e voluntaristas, como ‘zelar pela dignidade, independência, prerrogativas e valorização do jornalista’, sem dizer como vai fazer isso. Contém ainda ‘pérolas’ do naipe do inciso VI do art. 3º, que afirma competir aos Conselhos Regionais ‘fixar tabelas de honorários válidas nas respectivas jurisdições’. Outra: o inciso II do art. 6º diz que constitui infração ‘exercer a profissão quando impedido de fazê-lo’ (sem dizer de que forma está impedido: por exemplo, isso se aplica se o jornalista estiver amarrado a um poste?). E mais:o inciso III do mesmo artigo define como infração ‘solicitar ou receber de cliente qualquer favor em troca de concessões ilícitas’. Em primeiro lugar, jornalista tem cliente? Em segundo: e se o jornalista fizer concessões ilícitas sem receber favor do ‘cliente’ em troca? Isso pode?

Mas acho que a melhor de todas está no artigo 7º, que estabelece que uma das penas aplicáveis aos jornalistas por infrações disciplinares é – acreditem – a ‘censura’. Claro que isso deve ser no sentido de ‘dar um pito’, ‘chamar a atenção’ do infrator. Mas usar a palavra censura numa lei para jornalistas é simplesmente inacreditável.

Enfim, devido a todos esses ‘furos’ – sem esquecer a grita generalizada contra essa idéia – tenho muita dúvida de que esse projeto, pelo menos na forma atual, venha a gozar de grande longevidade.’