Sunday, 22 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

Carlos Eduardo Lins da Silva

‘Os oito anos de Ronald Reagan na Presidência serão provavelmente lembrados pela história como um período em que a ‘onda conservadora’ (liderada por ele e por Margaret Thatcher no Reino Unido) criou as condições políticas e econômicas para o ‘consenso de Washington’ na década posterior praticamente uniformizar a política econômica de quase todos os países do mundo.

Grande parte da vitória de Reagan na eleição de 1980 se deveu à incompetente administração de seu antecessor e adversário Jimmy Carter. A inflação americana na década de 1970 chegou a inacreditáveis, para o padrão daquele país, 13,5% ao ano. Reagan assumiu o poder e implementou uma orientação radical de incentivo à oferta de bens e serviços por meio de grandes reduções de impostos para empresas e pessoas.

Ao mesmo tempo, ele ordenou profundos cortes orçamentários, em especial nos programas sociais do governo federal, que haviam sido bastante expandidos nas administrações de Lyndon Johnson, Richard Nixon e Carter, e iniciou o processo de desregulamentação da economia.

A ‘reagonomics’ atingiu boa parte dos seus objetivos. A taxa de inflação ficou entre toleráveis 4% e 6% anuais, o desemprego, embora tenha alcançado altíssimos 10% em 1982, permaneceu na maior parte da década de 80 em margens consistentes com a história do país, e a atividade econômica se expandiu em níveis recordes para tempos de paz até então (sob o governo Clinton, ela viria a crescer ainda mais).

Em compensação, o déficit no orçamento federal atingiu patamares altíssimos, que foram reduzidos com grande esforço entre 1994 e 2000 por uma união de esforços entre o Executivo sob a liderança de Bill Clinton e o Congresso sob o comando de Newt Gingrich, apenas para voltarem a se elevar na atual administração de George W. Bush. A dívida pública americana triplicou nos oito anos de governo Reagan.

O abandono pelo Estado da sua condição de regulador permitiu que ocorressem escândalos financeiros como os dos bancos de poupanças, com grandes prejuízos tanto para o governo como para muitos investidores. De certo modo, o espírito da época Reagan, de ambição ilimitada, criou o caldo de cultura que permitiu a ocorrência dos grandes escândalos corporativos de anos recentes.

Além disso, apesar de seu discurso em favor do livre comércio, a Presidência de Reagan foi o período desde a gestão de Herbert Hoover em que mais aumentaram as tarifas alfandegárias para importação nos EUA.

Do ponto de vista político, os anos Reagan marcaram o apogeu do espetáculo como forma de ganhar votos e apoio da opinião pública. Apelidado de ‘O Grande Comunicador’, o ex-ator deu o tom para todos os seus sucessores com uma Presidência nitidamente orientada para a fotogenia e para a mídia. Com ele, o marketing político chegou ao auge.

Vinte anos antes do dia de sua morte, por exemplo, os assessores de comunicação do então presidente modelaram sua visita às praias da Normandia para comemorar o quadragésimo aniversário do Dia D como uma grande oportunidade para cenas de emoção na TV. O show se tornou um caso clássico de sucesso em relações públicas políticas e seria imitado depois por Bush, Clinton e, ontem, pelo atual presidente americano.

Sua habilidade em criar empatia entre si e o público permitiu que saísse ileso do principal escândalo de seu governo, o episódio Irã-Contras, que envolveu o desvio ilícito de dinheiro obtido pela venda ilegal de armas para o Irã (que estava sob embargo comercial dos EUA) para os guerrilheiros de direita da América Central.

A política externa de Reagan foi marcada ao mesmo tempo por um discurso ideológico duríssimo contra a União Soviética (o ‘império do mal’) e até 1985 aumentos substantivos do arsenal nuclear americano, mas ao mesmo tempo por uma abordagem pragmática de détente, em especial entre 1986 e 1988, que em grande medida deu condições para Mikhail Gorbatchov consolidar sua liderança e estabelecer sua ‘glasnost’.

Reagan aumentou os gastos de defesa dos EUA até níveis nunca antes alcançados, mas limitou ações militares a situações em que a certeza de vitória sem custo humano significativo era praticamente nulo, como em Granada. Durante o governo Reagan, os EUA deram apoio financeiro e militar a grupos radicais islâmicos no Afeganistão que combatiam a União Soviética (entre eles muitos que depois se integrariam à Al Qaeda). Carlos Eduardo Lins da Silva, 51, jornalista, é diretor da Patri Relações Governamentais e Políticas Públicas’



ISRAEL NA MÍDIA BRASILEIRA
Otávio Dias

‘Judeus criam site para acompanhar cobertura de Israel na mídia do Brasil’, copyright Folha de S. Paulo, 3/06/04

‘Um grupo de integrantes da comunidade judaica de São Paulo acaba de criar um site que pretende acompanhar a cobertura sobre Israel e o conflito israelo-palestino realizada pelos meios de comunicação brasileiros.

O www.deolhonamidia.org.br têm dois objetivos principais: apontar reportagens vistas por seus responsáveis como ‘desequilibradas’ ou ‘incorretas’ e tornar mais acessível, em português, as visões israelense ou judaica. ‘Estamos preocupados com a criminalização do Estado de Israel e com o crescimento do anti-semitismo’, disse David Diesendruck, 43, administrador de empresas e organizador do site.

De acordo com Diesendruck, o site não pretende se tornar ‘militante’ e pouco objetivo, mas ser uma fonte de informações a jornalistas e o público em geral.

‘Não pretendemos fazer um site de ataque ou de defesa, mas fornecer a versão israelense sobre os fatos com base em fontes oficiais e históricas e em opiniões de especialistas qualificados’, disse.

O site, inspirado no americano www.honestreporting.com, ainda está em fase de teste e não dispõe de recursos significativos.

Os organizadores também pretendem facilitar a tradução de livros sobre Israel para o português e convidar especialistas com uma visão pró-Israel para visitar o Brasil. Para Ricardo Berkienztat, 34, um dos fundadores do site, a cobertura brasileira sobre o conflito israelo-palestino é ‘sensacionalista’ e superficial e, em diversas ocasiões, mostra apenas ‘um lado da realidade sem apresentar também o outro lado’.’



CENSURA / CHINA
Cláudia Trevisan

‘Censura marca aniversário do massacre da praça Tiananmen’, copyright Folha de S. Paulo, 5/06/04

‘O massacre da praça Tiananmen (Paz Celestial), em Pequim, completou ontem 15 anos sob a marca da censura. Os grandes jornais da China continental, controlados pelo governo, falavam do Dia D, na Segunda Guerra, mas não traziam nenhuma linha sobre a repressão policial que deixou centenas de manifestantes mortos no dia 4 de junho de 1989.

A censura às redes de notícia internacionais também estava mais ativa que o habitual, e canais como CNN e BBC ficaram longos minutos fora do ar durante o dia.

Na Tiananmen, o único indício de que se tratava de um dia inusual era a maior presença de policiais. No restante, o local estava como em qualquer outra manhã: turistas tirando fotos, vendedores de postais e pipas assediando os visitantes, e centenas de pessoas em pé na interminável fila do mausoléu de Mao Tsé-tung.

A situação contrastou com a manifestação de pelo menos 48 mil pessoas em Hong Kong, território devolvido pelos britânicos aos chineses em 1997. Com velas e bandeiras de Taiwan (considerada Província ‘rebelde’ por Pequim), os manifestantes cobravam democracia -em abril, a China inviabilizou a realização de eleição direta em Hong Kong.

Em Pequim, porém, poucos estavam dispostos a falar do episódio, que é conhecido pelos chineses como o 4 de Junho. Os que aceitavam pediam anonimato.

Jian (deu só o sobrenome) tinha 11 anos na época e foi à praça ontem para ver se algo aconteceria. Para ele, os chefes do Partido Comunista não podiam atender às exigências dos estudantes, porque isso significaria sua queda.

Milhares de estudantes ocuparam a praça Tiananmen, em 15 de abril de 1989, para homenagear Hu Yaobang, líder comunista morto que caíra em desgraça no partido por simpatizar com as reivindicações dos universitários.

A partir daí, o movimento foi ganhando força, e o que havia começado como uma reivindicação por salários e de repúdio à corrupção se transformou em um questionamento do regime.

O taxista Wang diz que estava na praça quando começou o massacre e viu corpos sendo retirados do local por helicópteros. Para ele, a responsabilidade pelo episódio é dos líderes do Partido Comunista, que não souberam dialogar.’



Márcio Senne de Moraes

‘Direitos e liberdades ainda não são respeitados, diz dissidente chinês’, copyright Folha de S. Paulo, 5/06/04

‘Desde o massacre da praça Tiananmen (1989), a situação dos direitos humanos, da liberdade de expressão e do direito de associação e de manifestação política só melhorou na China no que tange à retórica dos líderes do regime.

A afirmação é de Xu Shuiliang, 59, dissidente chinês que vive nos EUA e é membro do Conselho de Coordenação do Free China Movement, uma iniciativa internacional pró-democracia na China.

Ele ficou 12 anos preso na China em razão de seu elo com a luta pela liberdade de expressão, incluindo sua participação nos protestos de 1989. Xu foi libertado em 1991. Leia a seguir trechos de sua entrevista, por telefone, de Nova York.

Folha – A situação política melhorou na China desde os protestos pró-democracia, em 1989?

Xu Shuiliang – No que concerne aos direitos humanos, à liberdade de expressão e ao direito de associação e de manifestação política, as mudanças foram apenas retóricas. O Partido Comunista Chinês concordou em inserir na Constituição o respeito aos direitos humanos. No entanto a Carta é um documento frívolo, já que, por exemplo, seus artigos não servem de base para um processo legal.

Com a chegada do presidente Hu Jintao e do premiê Wen Jiabao ao poder, houve certa melhora retórica, pois eles adotaram a máxima de que os seres humanos, não o partido, devem estar no âmago da sociedade. Todavia não houve verdadeira mudança no jogo político chinês nem nas estruturas governamentais. Assim, as mudanças foram só retóricas. Na prática, a vida dos chineses não mudou.

Folha – Quais são os principais aspectos do regime comunista que afligem a população hoje?

Xu – Há inúmeros problemas na China que tornam a vida das pessoas mais difícil ou perigosa, mas três aspectos são alarmantes.

Primeiro, a repressão às liberdades civis e as graves violações aos direitos humanos, que afetam muitos setores da sociedade. Os atos políticos espontâneos continuam sendo proibidos pelo governo, sendo considerados uma afronta ao regime, e ainda não existe o direito à oposição.

Segundo, a corrupção se infiltrou na sociedade, assolando hoje o Executivo, o Legislativo, o Judiciário e a polícia. Isso gera uma enorme frustração entre as pessoas. Terceiro, a situação do estreito de Taiwan é muito preocupante, pois a China continua a ameaçar a ilha, e os EUA podem envolver-se na disputa.’