‘Quando a Associação Brasileira de Anunciantes (ABA) correu atrás das empresas e dos meios de comunicação para lançar uma campanha publicitária para valorizar o brasileiro, muitos acharam que não iria funcionar. Ontem, porém, quem apostou no projeto ‘O bom do Brasil é o brasileiro’ pôde comemorar os resultados dessa campanha criada pela agência de publicidade Lew, Lara e veiculada gratuitamente por jornais, revistas e emissoras de rádio de televisão.
Uma pesquisa do Ibope revelou que 9 entre 10 brasileiros aprovaram a campanha e o mote ‘Eu sou brasileiro e não desisto nunca’. O IbopeBus, cuja margem de erro é de dois pontos porcentuais para cima ou para baixo, consultou 2.202 pessoas com 16 anos ou mais em dezembro. Quando questionados se tinham visto ou ouvido algo da campanha ‘O melhor do Brasil é o brasileiro’ ou ‘Eu sou brasileiro e não desisto nunca’, 37% dos entrevistados respondem afirmativamente, sendo que 26% foram capazes de reproduzir (lembrança confirmada) elementos presentes em algum material já veiculado. Os 11% restantes apresentam uma lembrança genérica.
Se considerarmos, segundo os analistas do Ibope, que a coleta de dados ocorreu justamente após um período de 60 dias sem veiculação e antes da segunda bateria de veiculação, os resultados são bastante positivos. Vale ainda destacar o elevado nível de acerto de quem disse se lembrar da campanha, que é de 70% (26% confirmados sobre 37% no total).
Os protagonistas dos dois filmes iniciais, Ronaldo, o jogador que acaba de se casar com a modelo Daniela Cicarelli, e o cantor e compositor Herbert Viana, responderam pela quase totalidade das menções espontâneas na pesquisa.
Nem os problemas enfrentados pelo brasileiro, como o desemprego e os juros que muitas vezes comprometem o desejo de consumo de bens duráveis, tiraram do brasileiro o orgulho. Hoje, o selo ‘O bom do Brasil é o brasileiro’ é usado por 200 empresas e é uma das mensagens que o País tem levado ao exterior. Para a ABA, a pesquisa IbopeBus reforça a continuidade dessa campanha que procura também criar um clima de otimismo, que parece estar atrelado apenas aos indicadores econômicos.’
JORNALISMO CIENTÍFICO
‘Causa de devastação cria briga na ‘Science’’, copyright Folha de S. Paulo, 18/02/05
‘A seção de cartas da revista ‘Science’ de hoje é palco de um embate verbal, envolvendo cientistas no Brasil e no exterior, a respeito das verdadeiras causas do desmatamento na Amazônia e da melhor maneira de detê-lo.
Para alguns, os grandes projetos governamentais de infra-estrutura, em especial a abertura e asfaltamento de estradas, estão entre os principais impulsionadores do processo, que já roubou da floresta uma área equivalente à da França. Para outros, a situação amazônica depende de um sem-número de fatores regionais e é simplista culpar as rodovias.
Os pomos da discórdia são dois artigos publicados no mesmo periódico (www.sciencemag.org) em janeiro de 2001 e maio do ano passado. Seus autores, como os americanos William Laurance, do Instituto Smithsonian de Pesquisas Tropicais, no Panamá, e Philip Fearnside, do Inpa (Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia), sustentam que a rápida proliferação de rodovias e de projetos para construí-las ajudam a carregar cada vez mais gente para a fronteira agrícola da região. O acesso fácil promoveria a ampliação da pecuária extensiva, da monocultura da soja e da especulação e grilagem de terras.
No estudo de 2001, feito na trilha do projeto Avança Brasil, do governo FHC (que previa um aumento sem precedentes da infra-estrutura de estradas na Amazônia), os pesquisadores chegavam a estimar o desaparecimento de até 42% do ecossistema em 2020.
Essa conclusão é a que recebeu as críticas mais fortes, como as de Gilberto Câmara, engenheiro eletrônico do Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais), que a qualifica de ‘apocalíptica’. Câmara e colegas da rede Geoma, ligada ao MCT (Ministério da Ciência e Tecnologia) assinam uma das cartas na ‘Science’. As outras duas vieram de Roberto Schaeffer e Ricardo Vianna Rodrigues, da Universidade Federal do Rio de Janeiro, e Emilio Bruna e Karen Kainer, da Universidade da Flórida em Gainesville (EUA).
Atraso natural
Para Fearnside, não há nenhum motivo especial para que todas as cartas estejam saindo só agora. ‘Elas demoraram um pouco mais do que o normal para ser publicadas porque há mais de uma sobre o mesmo assunto’, afirma.
As respostas de Fearnside e seus colegas deixam claro que continuam convictos em relação aos seus trabalhos anteriores. ‘O que acontece na BR-163 [Cuiabá-Santarém] só confirma o fator das estradas. Faz sete anos que o governo está estimulando o desmatamento ali pelo anúncio de que vai asfaltar a estrada’, afirma.
Câmara, porém, afirma que as projeções originais de Laurance e Fearnside não conseguem explicar porque a situação evoluiu dessa forma na BR-163, mas não em outros possíveis eixos de desmatamento, como a rodovia Manaus-Porto Velho.
‘Eles sugerem um enorme desmatamento de 40 km de cada lado da rodovia, que não aconteceu porque ali não é área de especulação fundiária, a região não é favorável à agricultura’, diz Câmara. ‘Eles também não previram o avanço do problema na Terra do Meio [centro-sul do Pará]. Isso é má ciência e má política pública, porque acaba desacreditando as medidas ambientalistas’, critica.
‘Pode não haver projetos de novas rodovias federais na Terra do Meio, mas lá o desmatamento segue por estradas feitas por particulares’, rebate Fearnside. As principais críticas de Schaeffer e Rodrigues atribuem o desaparecimento da mata hoje à falta de controle do governo sobre a posse da terra, gerando latifúndios ilegais. ‘Ambos estão certos, mas é preciso entender que o desflorestamento em torno das estradas é influenciado por essas forças subjacentes, institucionais, econômicas e sociais’, diz Rodrigues.
Contudo, para Fearnside, essa análise deixa de lado a co-evolução dos fatores de devastação. ‘É um ciclo vicioso. Mais estradas geram mais especulação de terras. O lucro da exploração madeireira, quando pode ser escoada pela estrada, acaba gerando mais estradas, e isso vira uma bola de neve.’
Já Emilio Bruna, ecólogo mexicano que morou em Manaus por sete anos, afirma não duvidar que a abertura de estradas é um fator importante de desmatamento. ‘Esses projetos vão acontecer, não adianta’, afirma. ‘É preciso pesar os benefícios econômicos que eles trazem e tentar um equilíbrio entre isso e a conservação.’’
SAÚDE & MARKETING
‘Marketing, no começo, meio e fim’, copyright Valor Econômico, 18/02/05
‘Ela poderia ser um Michael Moore – o controvertido cineasta que escolheu a indústria farmacêutica como alvo do seu próximo filme – de saias. A americana Marcia Angell, professora sênior da Escola de Medicina Social da Universidade de Medicina de Harvard, tornou-se uma voz cada vez mais ouvida pela mídia de prestígio e respeitada nos ataques contra a indústria mais lucrativa dos EUA nas últimas décadas.
Seu livro mais recente teve boa receptividade da opinião pública americana, mas repercutiu ainda mais depois do escândalo do Vioxx, o medicamento retirado das prateleiras das farmácias do mundo todo por relacionar o uso prolongado do antiinflamatório à maior incidência de infarto.
Angell decidiu descrever o que acompanhou na qualidade de ex-editora-chefe da revista médica ‘The New England Journal of Medicine’, uma das bíblias do mundo da saúde, na qual trabalhou por mais de 20 anos. Ela viu a indústria farmacêutica mundial se transformar no que classifica de ‘máquinas de marketing’, desviando-se do foco original: descobrir, industrializar e vender medicamentos a preços razoáveis.
Em seu livro ‘The Truth About The Drug Companies: How They Deceive Us And What To Do About It’ (Random House, 309 páginas, sem previsão para lançamento no Brasil), Angell diz que toda a parafernália montada pela indústria farmacêutica induziu os americanos a consumir mais remédios do que o necessário e a pagar por eles o preço mais caro do mundo. Os EUA gastam por ano US$ 200 bilhões com remédios, metade do consumido globalmente.
Depois que o problema Vioxx surgiu, Angell passou a atacar principalmente o papel da Food and Drugs Administration (FDA), a agência fiscalizadora de alimentos e medicamentos do EUA, um paradigma de correção para muitas nações. Para Angell, a agência não agiu como devia. ‘Anos antes de a Merck tirar o Vioxx do mercado, o FDA já tinha conhecimento de fortes indícios de que o medicamento aumentava os riscos de ataques cardíacos, mas não insistiu em que a companhia programasse um teste clínico em larga escala para esclarecer as dúvidas’, disse Angell, em entrevista ao Valor. ‘A principal lição do caso Vioxx é que comprova em que medida a FDA foi capturada pelo setor que supostamente deveria controlar.’
De acordo com Angell, o FDA está aprovando medicamentos cada vez mais rapidamente e ‘com cada vez menos evidências de eficácia’. Ela entende que a FDA não cumpre a incumbência de assegurar que os medicamentos sejam razoavelmente seguros – seja antes ou depois do lançamento no mercado. ‘As denominadas `user fees´ (taxas que as empresas pagam para acelerar o processo de aprovação de uma droga) deveriam acabar’, disse Angell. ‘A FDA deveria ser custeada exclusivamente com recursos públicos, e deveria ser restabelecido o equilíbrio entre a aprovação de medicamentos, que hoje em dia é excessivamente rápida, e uma monitoração segura, que é praticamente inexistente.’ Em respostas a suas críticas e de outros especialistas, a FDA criou, nesta semana, um órgão independente para aferir a segurança de medicamentos já lançados no mercado.
Toda a transformação da indústria farmacêutica americana começou, de acordo com a tese de Angell, com a assunção da agenda conservadora de Ronald Reagan, no início dos anos 1980. A indústria farmacêutica, que era um ‘bom negócio’, virou algo ‘estupendo’. Mudanças nas leis permitiram que as universidades – que recebiam dinheiro público para pesquisas médicas – patenteassem e licenciassem suas descobertas em troca do recebimento de royalties das empresas farmacêuticas.
Essa liberação acelerou a formação da indústria de biotecnologia e o surgimento dos grandes laboratórios farmacêuticos, a chamada ‘big pharma’ – os americanos Pfizer, Merck, Johnson & Johnson, Bristol-Myers Squibb e Wyeth, os ingleses GlaxoSmithKine e AstraZeneca, os suíços Novartis e Roche e o francês Sanofi-Aventis. Mas, na visão de Angell, o incentivo à pesquisa universitária provocou uma corrida sem fim dos cientistas dispostos a vender seu trabalho e sua pesquisa às indústrias farmacêuticas.
Tudo isso acabou alterando a face do setor nas últimas duas décadas: uma indústria que cobra caro por seus produtos sob o argumento de que é cada vez mais difícil descobrir novas drogas. Em geral, laboratórios atribuem os altos preços dos medicamentos aos pesados gastos em pesquisa e desenvolvimento (P&D) – ao redor de US$ 800 milhões, por produto, conforme dados do Tufts Center for the Study of Drugs Development.
Mas Angell desconfia deste número mágico. Primeiro, lembra que o centro de estudos que mediu os gastos, criado nos anos 70 e baseado em Boston, é financiado pelos laboratórios. Depois, considera que a indústria opera uma verdadeira caixa preta, que esconde seus gastos em P&D, ao embutir, entre outras coisas, uma parte de suas despesas em marketing. Nos EUA, a propaganda de remédios vendidos com receita médica é livre – ao contrário do Brasil. E as empresas farmacêuticas reservam uma grande parcela de seus orçamentos para propalar a segurança e a eficácia de seus produtos.
Calculando quanto a indústria diz gastar e quantos medicamentos são lançados por ano, Angell chegou à conclusão de que o gasto em P&D não seria superior a US$ 175 milhões. Mas ela acredita que o número é ainda menor, uma vez que grande parte dos medicamentos é licenciada por universidades ou laboratórios oficiais. Ou seja, as empresas não tiram dinheiro do bolso para pesquisa, mas apenas para o pagamento de royalties.
Uma das principais bandeiras defendidas por Angell é que os EUA deveriam impor controle sobre os preços dos medicamentos. ‘A maioria dos países desenvolvidos regulamenta de alguma maneira os preços. Creio que os EUA deveriam fazer o mesmo’, disse ao Valor. Muitos americanos atravessam a fronteira para comprar medicamentos no Canadá, onde o preço não pode ser maior do que a média de sete países desenvolvidos. Em 2003, americanos adquiriram US$ 1,1 bilhão em remédios no Canadá, embora a compra seja ilegal.
Na Grã-Bretanha, o governo determina uma margem de lucro para as empresas. Na França, há um teto para o orçamento público. No Japão, o reembolso é baseado nos preços médios dos lugares em que as drogas já são vendidas. Desde o início da década, o governo brasileiro voltou a impor controle sobre os preços de medicamentos, depois de sete anos de liberdade. O sistema é criticado pelos laboratórios.
Angell apela por uma reforma no sistema americano, mas vê dificuldades. A indústria farmacêutica é a maior lobista do Congresso. De acordo com Angell, são 675 lobistas – mais de um por parlamentar – dos quais 26 já foram membros do Congresso e 342 já ocuparam funções no Legislativo. Entre 1997 e 2002, a indústria gastou US$ 478 milhões com lobby, diz ela.
Angell também acha que a indústria não é tão inovadora quanto faz por parecer. Das 78 drogas aprovadas pela FDA em 2002, relata Angell, apenas 17 continham novos princípios ativos e 7 eram classificadas como melhorias sobre medicamentos já no mercado. ‘Mas das 7 drogas inovadoras, nenhuma foi descoberta pelas grandes farmacêuticas americanas’. As 71 restantes são drogas chamadas de ‘me-too’ ou ‘eu também’, variações de remédios já existentes. Não trazem evolução sobre drogas anteriores e nem sempre, diz Angell, competem entre si a ponto de haver redução de preços ao consumidor. Além disso, cada vez mais, os dados sobre as pesquisas clínicas são controlados pelas empresas. Então, diz Angell, a indústria só tem interesse em mostrar o estudo quando tudo corre bem.
Apesar de tudo, Angell defende que a indústria farmacêutica ‘seja salva, pelo próprio bem’. Em sua opinião, o setor precisaria ser reorientado, para pesquisar drogas inovadoras, e não as do tipo ‘me-too’; a FDA deveria ser fortalecida; seria importante criar um centro independente para pesquisas clínicas; as empresas deveriam ser proibidas de fornecer orientação aos médicos; os preços ao consumidor deveriam ser fixados em níveis razoáveis. Sem dúvida, um roteiro difícil de ser percorrido.’