Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Carlos Heitor Cony

‘Todos sabemos que a mídia atravessa uma de suas piores crises econômicas, cujas causas são complexas e sobre as quais falta-me autoridade para falar. Como simples usuário de jornais, revistas, rádios e TVs, acompanho a caça aos leitores e à publicidade, os dois tradicionais esteios da operação de manter um veículo em vida orgânica.

Os custos exagerados da indústria midiática desequilibraram a equação, e vejo emocionado a procura de fórmulas salvadoras. Um detalhe salta aos olhos: política, personagens e fatos políticos mantêm uma considerável massa de leitores, que não se expandem, pelo contrário, envelhecem e se fadigam das mesmices de cada crise, de cada escândalo, de cada articulação.

O esporte é a porta de entrada dos jovens para a mídia, funciona e funcionará sempre, mas condicionado às emoções de cada modalidade, ao desempenho de craques, às variantes dos torneios e chaves.

No último domingo, examinando a capa das revistas semanais e as principais chamadas dos jornais, verifiquei que saúde, beleza e comportamento são as pautas hoje prioritárias na conquista dos leitores. Por mais emocionante que seja a briga pelo novo salário mínimo, por mais que um senador convide outro senador para brigar lá fora, por mais que se especule se o ministro tal está sendo fritado, nada disso faz aumentar as vendas avulsas nem chega a impressionar o universo potencial de consumidores.

Daí a insistência da mídia em divulgar grandes matérias provando que o fumo mata, que o câncer pode ser curado, que os hábitos alimentares condicionam beleza, saúde e rendimento escolar, que a violência urbana deve ser combatida pelo mutirão de cidadãos conscientizados.

Antigamente, fundava-se um jornal ou uma revista para ser do fulano ou do sicrano. Era o jornal do Patrocínio, do Ruy, do Assis Chateaubriand. Esse tempo passou. Hoje, o jornal é do leitor.’



IMPRENSA REGIONAL
Carlos Chaparro

‘Diário de Pernambuco de olhos no futuro. Mas…’, copyright Comunique-se (www.comuniquese.com.br), 18/06/04

‘O XIS DA QUESTÃO – O velho Diário de Pernambuco está saindo do casarão que, no centro antigo do Recife, por 101 anos lhe serviu de sede. Muda-se a para um edifício moderno, no bairro de Santo Amaro, de onde se olha para o futuro. Bom seria que nesse futuro se tornasse possível incorporar à identidade do jornal a humanização do relato jornalístico, pela captação do talento narrador do povo nordestino, para acrescentar sentidos locais aos conteúdos que jorram das fontes oficiais.

1. Entre o passado e o futuro

Ao contrário das pessoas, que a partir de certa altura se nutrem mais de saudades do que de novas experiências e novos projetos, os jornais têm de estar sempre inseridos no presente, de olho no futuro.

Escrevo isso por causa do Diário de Pernambuco, um jornal cuja idade (178 anos) não se imagina na alegria colorida da sua atual fisionomia, menos ainda na agressividade visual do seu desenho gráfico. Olhando as primeiras páginas que dão hoje rosto ao jornal, ninguém dirá que ali está o mais antigo jornal vivo da América Latina e do mundo de língua portuguesa.

Trabalhei no Diário de Pernambuco 40 anos atrás. Foi um período curto, não mais que dois anos, mas jornalisticamente intenso, de textos de análise e grandes reportagens. Entre tantas lembranças, guardo, com zelo especial, as lições recebidas da liderança honesta e serena do já falecido Antônio Camelo. Era ele quem, naquele tempo, dava ordens e exemplos na redação.

Pois aproveitei a viagem que esta semana fiz ao Recife para uma visita de rememorações ao velho Diário. Estive lá na manhã da última quinta-feira, dia 17. E fui cordialmente recebido por dois antigos colegas, o Joezil Barros e o Gladstone Vieira Belo, agora engravatados e maduros dirigentes da organização – Gladstone na vice-presidência do Conselho de Administração, Joezil, na Diretoria Executiva, da qual é diretor superintendente. Coisa rara, e boa, essa de ver antigos repórteres entregues à responsabilidade de dar rumos e sustentação às empresas onde iniciaram a carreira.

A despeito da alegria do reencontro, a visita teve para mim um sabor melancólico, porque não se dava no velho casarão neoclássico da Praça da Independência (a ‘Pracinha do Diário’), no centro antigo da linda capital pernambucana. Refiro-me ao prédio que por 101 anos foi sede do Diário de Pernambuco. O velho diário está agora em pleno processo de mudança para um edifício moderno no bairro de Santo Amaro (rua do Veiga, 600), com espaço e funcionalidade para abrigar todo o complexo empresarial do grupo – jornal, televisão, rádio, unidades logísticas e de administração.

No novo edifício, onde se deu a visita, o que se olha é o futuro. O passado ficará por inteiro no casarão da Pracinha, um palacete inaugurado em 1903, construído para ser sede do Diário, por iniciativa do conselheiro Rosa e Silva, então vice-presidente da República, e que era, desde 1901, proprietário do jornal.

Um século depois, desapropriado pelo governo do Estado de Pernambuco, e entregue ao Arquivo Público, o casarão da ‘Pracinha’ será transformado em Memorial, para guardar e tratar, como bem público, a História do Diário de Pernambuco.

Na rua do Veiga, naquele edifício de ares brasilienses, portas, janelas e mentes estarão voltadas para o futuro.

2. Vida a ser narrada

Municiei-me de material para fazer um bom resumo da história do Diário de Pernambuco neste espaço do Comunique-se. Mas como a viagem se alongou além o planejado, sobrou-me pouco tempo para fazer agora essa incursão ao passado. O olhar sobre a história do Diário de Pernambuco ficará, assim, para a próxima semana.

Aproveitarei, porém, os minutos que me restam (está quase na hora-limite de enviar o texto à redação…) para tornar público um lamento que fiz de viva-voz ao Gladstone: falta ao jornalismo do Diário de Pernambuco, como ao jornalismo diário de hoje, de maneira geral, o sopro de humanização que lhe marcaria a identidade.

No caso do Diário de Pernambuco, uma identidade nordestina.

A gente olha hoje qualquer jornal diário de qualquer capital estadual, e todos reproduzem a matriz dos grandes diários de São Paulo e Rio. Não bastasse a reprodução de pautas, informações, falas e enfoques da mesma origem, a sensação de ‘jornalismo de uma só matriz’ é acentuada pelo espaço concedido ao que podemos chamar de ‘colunismo nacional’.

Pois eu gostaria que o Diário de Pernambuco pudesse ser facilmente identificado como jornal nordestino. E penso que isso seria possível com a captação do talento narrador do povo nordestino e a sua incorporação à narração jornalística, para acrescentar sentidos locais aos irrecusáveis conteúdos que jorram das fontes oficiais.

A desumanização da narração jornalística é um dos efeitos da institucionalização das ações sociais. O mundo falante que temos é o dos sujeitos institucionais ou institucionalizados. Isso dá vitalidade à democracia, mas empobrece a narração jornalística e padroniza os jornais, destruindo-lhes a identidade.

Não há receitas a oferecer. Mas elas existem na própria cidade do Recife, escondidas em recantos humanos (talvez fosse melhor dizer desumanos) para os quais nem pauteiros nem repórteres olham, tão absorvidos são pelo noticiário das ações institucionais.

Na visita que agora fiz à capital pernambucana, passei por alguns desses recantos. E escutei falas narradoras que me impressionaram pela beleza e intensidade dramática dos relatos – falando de seca, de desemprego, de prostituição infantil e juvenil, do heroísmo de mulheres que sobrevivem e vencem, a despeito da violência doméstica, da exploração da mão-de-obra feminina, do machismo cultural e do machismo da vida real.

Algum de nós já pensou ou noticiou, por exemplo, que o drama maior da seca não está na fuga do homem retirante, em busca de pão para a família, mas na mulher que permanece na casa e na seca, semanas, meses a fio, sem pão nem água para dar aos filhos?

Pois ouvi agora relatos desse e de outros dramas do cotidiano nordestino, em narrações vivas de gente humilde, mas de enorme riqueza interior, que tem na alma a vocação narradora.

Oxalá a perspectiva do futuro, que a nova sede do Diário de Pernambuco inspira, possa incluir a busca de fontes narradoras populares, e a captação do que dizem, para cruzamentos e enlaces críticos com o que as fontes oficiais ou especializadas dizem sobre as questões recorrentes do noticiário de todos os dias: inflação, corrupção, violência, pobreza, fome, educação, moradia, saúde, política, poder, acesso à terra, moradia, inserção social, democracia, meio ambiente, justiça, liberdade, igualdade, fraternidade…

Ou o povo não terá nada a dizer sobre tais coisas?’