Sunday, 22 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

Carlos Heitor Cony

‘Graças ao controle remoto, costumo ver diversos programas e filmes numa mesma noite, mas dificilmente pego o início deles e mais dificilmente ainda vou até o fim. Numa dessas incursões, apanhei uma boa entrevista do Lula com o presidente da CUT, cuja cara e nome não guardei.


Ignoro como o tema começou entre os dois. Devia ser a questão dos juros, e Lula confessou, com um humor condescendente, que a sogra dele, certamente a mãe de dona Marisa, fazia pequenos empréstimos no banco porque gostava de ter sempre algum dinheirinho em casa, provavelmente no colchão, no que estaria seguindo o exemplo do Severino, que também pratica o mesmo e saudável tipo de poupança ou esporte.


Lula garantiu que já explicou para a sogra o inconveniente de pagar juros num banco para ter o tal dinheirinho disponível no colchão ou no bolso. Tecnicamente, ele está certo, certíssimo. Apesar disso, parece que a sogra dele não foi na conversa do genro presidencial, que recentemente nos aconselhou a todos, sogra e demais compatriotas, a movimentar o traseiro em busca de juros menores.


Contudo dou razão não ao presidente, mas à sua sogra. A não ser em caso de grandes quantias, que é perigoso guardar em casa, é bom saber que temos algum sem precisar recorrer aos caixas eletrônicos, geralmente problemáticos, ou às filas, que nem chegam a ser problemáticas, são mesmo de amargar.


Os juros que a sogra do presidente paga podem até ser altos, mas os empréstimos que ela faz devem ser pequenos -a segurança de ter dinheiro no colchão compensa o prejuízo. Na questão dos juros que infelicitam a nação, impedem os investimentos e fazem os bancos lucrarem tanto, o absurdo é que estão sendo cobrados para impedir a inflação. Mas oneram as empresas, que passam o custo dos juros para o preço final dos produtos e serviços, o que vem dar na mesma.’


***


‘Besteira tem hora ‘, copyright Folha de S. Paulo, 3/05/05


‘Em outros tempos, poderia parecer piada do Teatro de Revista, do ‘Balança mas não cai’, do Max Nunes. Mas a besteira tem caráter quase oficial, pelo menos, mais dia menos dia será adotada pelos manuais de redação dos jornais, das revistas e das editoras.


É o politicamente correto, PC para os íntimos, sem nada a ver com o finado PC da Era Collor. O negócio começou aos poucos, limpando a linguagem do dia-a-dia de expressões que seriam agressivas a pessoas, instituições, ofícios e doenças. ‘Cego’, por exemplo, seria ultrajante para quem é deficiente visual. O velho ditado ‘Em terra de cego quem tem um olho é rei’ seria ofensivo e deveria ser traduzido pelas normas corretas politicamente.


O ‘ceguinho de amor’, daquela bonita canção de Ary Barroso e Luiz Peixoto, passaria a ser ‘deficiente visual de amor’. Não caberia no compasso da música, mas seria saudável.


O negro passaria a ser afrodescendente. As numerosas associações que lutam contra o racismo teriam de mudar de nome, pois a palavra ‘negro’ é aceita como designação de uma raça tão legítima como a branca e a amarela. ‘Preto’ sim, é nome de uma cor e vem sendo banida naturalmente.


‘Palhaço’ e ‘barbeiro’ seriam igualmente ofensivos. Não conheço a alternativa para os dois nomes, que além de mencionaram um ofício respeitável, serve para o desabafo no trânsito, sem conotação negativa para os profissionais das duas atividades. Não acredito que um palhaço de picadeiro ou um barbeiro de salão fiquem ofendidos. ‘Veado’ não ofende a nobre estirpe dos animais notáveis pelos chifres.


Voltando ao ‘negro’. Tivemos aqui no Rio um prefeito e governador que se chamava Negrão de Lima. Há rua e viaduto com o seu nome. Rua e viaduto deverão trocar de placa, que passarão a ser ‘Afrodescendentão de Lima’. Senhores e senhoras: ridículo tem hora. Contudo, depois do traseiro mencionado por Lula, qualquer hora é hora.’


Zuenir Ventura


‘A coisa aqui tá preta’, copyright O Globo, 4/05/05


‘Por mais que o governo esteja disposto a rever a tal cartilha contra o preconceito e o racismo, como anunciou, o resultado vai continuar sendo inócuo ou até mesmo nocivo, a exemplo do efeito paradoxal de alguns remédios. Primeiro, porque não são as expressões que criam o preconceito, mas o contrário. Depois, porque nem tudo que é bom para os EUA é bom para nós. Importar uma doutrina como a do politicamente correto sem crítica e adaptações oferece o risco de só trazer os seus defeitos: excesso, intolerância, rigidez.


O que fazer, por exemplo, com alguns clássicos da música popular brasileira que aos ouvidos de hoje são preconceituosos ou racistas, como ‘Mulata assanhada’, de Ataulfo Alves (‘Ai, meu Deus, que bom seria/Se voltasse a escravidão/Eu comprava essa mulata e prendia no meu coração’) ou ‘O teu cabelo não nega’, de Lamartine Babo (‘Mas como a cor não pega/Mulata, eu quero o teu amor’)? A cartilha vai sugerir que não se ouçam mais essas músicas?


Bem diferente dos EUA, onde impera o maniqueísmo segundo o qual ou se é branco ou se é negro, aqui, na terra da ambivalência, das sutilezas e atenuantes, não se pode levar tudo ao pé da letra, sem considerar o propósito da fala e a dimensão afetiva da linguagem. Uma forma incorreta, mas bem-intencionada, pode não ser tão ofensiva quanto é um conteúdo intencionalmente homofóbico ou racista. Dependendo do tom, ‘bicha’, ‘negão’, ‘baixinho’, ‘magrelo’ são manifestações carinhosas.


Como as palavras têm vida, evoluem, se transformam e às vezes alteram seu significado, como ‘denegrir’ e ‘judiar’, há termos que começam carregando uma pesada carga negativa e, com o tempo, vão perdendo-a e adquirindo uma conotação inversa. Quando o negro Dorival Caymmi canta ‘Quem vai ao Bonfim, minha nega’, ele está querendo dizer ‘meu amor’. O politicamente correto não considera essas nuances e sobretudo não tem espírito crítico nem humor: os eufemismos e circunlóquios que propõe são ridículos.


O governo deu uma recuada, ainda bem. Mas o melhor seria não editar nada, porque se trata de uma questão mais complexa, que não cabe numa publicação que é por natureza normativa: isso deve e isso não. Fico imaginando o que faria a cartilha se, nos anos de chumbo, durante as trevas – epa, desculpe, durante o tempo nublado – um compositor branco de olhos azuis, sogro orgulhoso de um negro e avô de um mulato, compusesse o seguinte verso para falar da situação política de então: ‘A coisa aqui tá preta’.’


Gabriel Manzano Filho


‘Subsecretário defende cartilha ‘Politicamente Correto’ ‘, copyright O Estado de S. Paulo, 3/05/05


‘A cartilha Politicamente Correto, com a qual a Secretaria Nacional dos Direitos Humanos pretende esclarecer os brasileiros sobre palavras e expressões que não devem ser usadas, foi ontem defendida pelo subsecretário Perly Cipriano das críticas que vem recebendo desde sua divulgação, na semana passada. O texto ‘não pretende estabelecer regras para ninguém’, mas ‘apenas chamar a atenção’ para expressões ‘que podem não ser ofensivas para quem fala, mas são para quem ouve’, disse ele em entrevista à Rádio Eldorado AM, ontem de manhã.


Cipriano tentou assim justificar o trabalho, que o governo encomendou ao jornalista Antônio Carlos Queiroz. O novo índex menciona 96 palavras, expressões ou piadas tidas como inadequadas – coisas como veado, burro, sapatão, baianada, gilete, aidético. Entre os mais irritados com a iniciativa está o escritor João Ubaldo Ribeiro, para quem a cartilha é um ‘delírio totalitário, preconceituoso (ele sim), asnático, deletério e potencialmente destrutivo’. Além de Ubaldo, outros autores ou profissionais da mídia ironizaram a idéia de que cabe ao governo ensinar aos cidadãos o que devem dizer ou não dizer.


‘Às vezes uma pessoa usa expressões que lhe parecem naturais, mas para quem ouve não é muito bom’, argumenta Cipriano. Barbeiro ou palhaço, termos usados para ofender alguém, e que, esclarece ele, atacam todos os barbeiros e palhaços, ‘que têm dignidade e uma profissão séria’. Ele menciona o preconceito contra judeus, que gerou o verbo judiar e um ilícito verbal mais recente, ‘um preconceito contra as loiras’, que ‘dava a impressão de que loira não pensava’. Mas ele não condena o uso da palavra ‘negro’ quando ela dá uma informação objetiva, como na expressão ‘nuvens negras no horizonte’. Às vezes, diz ele, ‘é uma expressão carinhosa’, como em ‘minha neguinha’.


‘A idéia é fazer um lento processo, onde as pessoas tomem consciência, nas escolas, em seu meio de trabalho’, sustenta o subsecretário. ‘O cidadão não nasce com preconceito’, adverte. ‘Ele aprende a ser assim – machista, autoritário, racista. Então, pode também aprender a ser diferente.’ Mas o que ajuda a definir o que é politicamente correto, confessa, ‘é o bom senso’.’



Evandro Éboli


‘Pressionado, governo vai rever cartilha do bom-tom’, copyright O Globo, 3/05/05


‘Diante das críticas e da repercussão negativa da cartilha ‘Politicamente correto’, a Secretaria Especial de Direitos Humanos decidiu enviar o texto para revisão. O ministro Nilmário Miranda admitiu mudar o conteúdo da publicação, que causou polêmica por desaconselhar o uso de palavras como palhaço, comunista, negro e barbeiro, consideradas pejorativas. A edição da cartilha foi revelada pelo GLOBO no sábado.


Nilmário afirmou que a cartilha foi publicada para fazer as pessoas refletirem sobre expressões do dia-a-dia. O ministro disse que sua secretaria jamais editaria um texto autoritário.


– Não há nada de autoritário na decisão do governo de publicar a cartilha. É um texto educativo. Não vai ser transformado em lei – disse.


A revisão será feita pelo Comitê Nacional de Educação em Direitos Humanos. Serão levadas em conta sugestões e críticas publicadas na imprensa nos últimos dias.


Idealizador do glossário quer incentivar a reflexão


A idéia de lançar o livro foi do subsecretário de Promoção e Defesa dos Direitos Humanos da secretaria, Perly Cipriano. Ontem, ele disse que o objetivo da cartilha não é normatizar nada:


– Ninguém do governo quer determinar o que se deve fazer ou dizer. Não vamos ficar vigiando ninguém. Há necessidade de refletir sobre expressões usadas no cotidiano. Se tiver alguma palavra que não esteja plenamente aceita, será revista – disse Cipriano, que não informou o valor gasto com a publicação de cinco mil exemplares do glossário, distribuído a jornalistas, policiais e profissionais da área de direitos humanos.


Na cartilha, foram incluídas expressões como ‘a coisa ficou preta’, ‘mulher no volante, perigo constante’, ‘branquelo’, ‘aidético’, ‘sapatão’, ‘bêbado’ e até ‘comunista’. Ao todo, o glossário tem 96 termos, expressões e piadas consideradas pejorativas. Ele foi elaborado numa parceria da secretaria com a Fundação Universitária de Brasília, que contratou o jornalista Antônio Carlos Queiroz para produzir o texto. Queiroz disse que ouviu profissionais ligados a ONGs e pessoas que trabalham na Secretaria Especial de Direitos Humanos:


– Ninguém precisa concordar com o que está no livro. Não é uma coisa impositiva. É uma primeira tentativa e é bom que suscite polêmica. Não queríamos que saísse algo que não se discuta.


Palhaços não gostam quando profissão vira ofensa


Queiroz é vice-presidente do Sindicato dos Jornalistas do Distrito Federal e disse ter recebido R$ 5 mil para preparar a cartilha. Ele justificou a inclusão de algumas palavras e disse, por exemplo, que várias pessoas que trabalham como palhaço não gostam de ver sua profissão relacionada a pessoas pouco sérias.’



***


‘Expressões condenadas’, copyright O Globo, 3/05/05


‘A COISA FICOU PRETA: conotação racista contra os negros, pois associa o preto a algo ruim.


AIDÉTICO: o correto é HIV positivo ou soropositivo (se não há sintomas), e pessoa com Aids ou doente de Aids (se há).


ANÃO: vítimas de um preconceito peculiar: o de sempre serem considerados engraçados.


BAIANADA: atribui aos baianos inabilidade no trânsito. Preconceito de caráter regional.


BAITOLA: deprecia homossexuais, bem como bicha e boiola. Sugeridos: gay e entendido (a).


BARBEIRO: insulto para motorista inábil. Ofensivo ao profissional que corta cabelo e barba.


BEATA: deprecia mulheres que vão com muita freqüência à missa.


CABEÇA-CHATA: termo insultuoso e racista dirigido aos nordestinos, cearenses em especial.


COMUNISTA: contra eles foram inventadas calúnias para justificar campanhas de perseguição que resultaram em assassinatos em massa, como durante o nazismo na Alemanha.


FARINHA DO MESMO SACO: com expressões como todo político é ladrão, muçulmanos são terroristas, ilustra a falsidade das generalizações, base dos preconceitos.


PALHAÇO: o profissional que vive de fazer as pessoas rirem pode se ofender quando alguém chama de palhaço uma terceira pessoa a quem se atribui pouca seriedade.’



Ciça Guedes e Heliana Frazão


‘‘Tenho obrigação de defender a língua’’, copyright O Globo, 3/05/05


‘O escritor João Ubaldo Ribeiro passou o dia ontem lendo os e-mails de apoio que recebeu em resposta à mensagem eletrônica que enviou a dezenas de pessoas no sábado, quando leu a reportagem sobre a cartilha ‘Politicamente correto’ do governo federal no GLOBO. O próprio secretário, Nilmário Miranda, telefonou para o escritor.


– Eu disse a ele que tenho responsabilidade com as pessoas cuja opinião eu sei que expresso e me senti na obrigação de defender a língua desse ataque – disse João Ubaldo.


O escritor gaúcho Moacyr Scliar recebeu o e-mail do colega baiano. Ele estava nos EUA no auge do movimento politicamente correto, em meados da década de 90:


– Há termos ofensivos, é bom ter consciência disso, mas não se deve cair no extremo oposto. Qual é o problema de ‘farinha do mesmo saco’? É ofensivo para a farinha ou para o saco?


Mas representantes do Movimento Negro da Bahia (MN) e o Grupo Gay da Bahia (GGB) defenderam a cartilha. O professor de Antropologia da Universidade Federal da Bahia e ex-presidente do GGB, Luiz Mott, diz que é imperioso extinguir todas as expressões preconceituosas.


– Termos regionais e os nacionais, como ‘fresco’, ‘veado’ e ‘bicha’, devem ser varridos – disse.


O diretor do Instituto Steve Biko, pré-vestibular para afro-descendentes, diz que a cartilha soma-se a outras formas de combate a sutilezas do racismo presentes em expressões e piadas.’



Ciça Guedes


‘‘Eu me orgulho de ser comunista’’, copyright O Globo, 3/05/05


‘O arquiteto Oscar Niemeyer entrou no Partido Comunista Brasileiro em 1945 e se desligou em 1990, juntamente com Luiz Carlos Prestes. Mas jamais deixou de ser um comunista e, aos 97 anos, não pretende deixar de ser. O arquiteto espantou-se ao saber que a cartilha considera a palavra ofensiva. ‘Os comunistas foram os melhores seres humanos que eu conheci’.


O senhor vê problema de ser chamado de comunista? Acredita que a palavra tenha algum conteúdo pejorativo?


OSCAR NIEMEYER:Lógico que não, é claro que não me ofende. Eu me orgulho de ser um comunista. Não ser é que é problemático, não ser é que é uma merda. Significa que a pessoa não compreendeu o que é o ser humano. E os comunistas foram os melhores seres humanos que eu conheci.


O que o senhor pensa sobre as atitudes e as expressões chamadas de politicamente corretas?


NIEMEYER:Politicamente correta é a pessoa que pensa bem, que se mantém fiel às suas convicções, às suas idéias, que não muda ao sabor dos acontecimentos.


Seria correto estabelecer palavras e expressões politicamente corretas?


NIEMEYER: Seria uma monotonia se todos pensassem igual. Mas há os que pensam melhor que outros, não são egoístas, sabem que nós, seres humanos, somos insignificantes. Esses são os comunistas. Viver de outro modo, repito, é uma merda.’



***


‘Politicamente correto surgiu nos EUA’, copyright O Globo, 3/05/05


‘O movimento politicamente correto surgiu nas universidades americanas no fim dos anos 80 e teve seu auge em meados dos 90. A eleição dos conservadores Ronald Reagan nos EUA e Margaret Thatcher no Reino Unido e a crise da União Soviética deslocaram a luta da esquerda para a micropolítica. Entrou na agenda o combate às relações de dominação em todas as esferas. Em 1996, um menino de 6 anos foi punido por ter beijado uma coleguinha de escola nos EUA.’



O Globo


‘Fonte de inspiração’, copyright O Globo, 3/05/05


‘SERIA APENAS motivo de piada se a tal cartilha do ‘Politicamente correto’ não tivesse sido engendrada em um órgão público, a Secretaria especial dos Direitos Humanos.


ALÉM DE ser mais um exemplo de desperdício do dinheiro do contribuinte, a iniciativa oficial de querer estabelecer – ou aconselhar, tanto faz – o que deve ou não ser falado e escrito é censura de Estado.


LEMBRA PERÍODOS negros da História do país. A idéia da cartilha pode ser creditada à barbeiragem de algum funcionário público xiita.


EM OUTROS recantos do mundo a ideologia que inspira esse tipo de iniciativa já produziu milícias religiosas para reprimir infiéis nas ruas e fiscais de quarteirão para manter no poder líderes supremos.


QUE NO Brasil sirva apenas para inspirar o ‘Casseta e Planeta’.’



SEVERINO NA MÍDIA


O Estado de S. Paulo


‘Uma figura deplorável ‘, Editorial, copyright O Estado de S. Paulo, 4/05/05


‘O presidente da Câmara dos Deputados, Severino Cavalcanti, não é uma figura ‘hilária’, ‘gozadíssima’ ou ‘muito divertida’, como disseram, irrefletidamente talvez, membros da platéia que acompanhou a sabatina a que ele foi submetido, na segunda-feira, pela Folha de S.Paulo. Tampouco é o que a imprensa costuma considerar um personagem ‘folclórico’ e por isso pede as suas opiniões a todo instante, para o presumível entretenimento dos leitores.


Self-made man como milhões de migrantes nordestinos que trabalharam duro e se deram bem no Sul, Severino Cavalcanti tornou-se um político profissional na sua terra, escolado nas práticas mais retrógradas e desmoralizantes da política nacional, a começar do clientelismo, que ainda hoje viceja até mesmo nos centros de decisão da capital federal, e tem mais significado prático do que os conceitos de esquerda ou direita.


O severinismo é uma forma de conseguir e conservar poder por meios que repugnam as coletividades modernas, em qualquer parte do mundo e quaisquer que sejam as suas variadas convicções sobre os temas de que se ocupam os legisladores e os governantes – do que fez prova no último domingo o milhão de populares que vaiaram o parlamentar e lhe mostraram insistentemente o polegar para baixo, numa comemoração do 1.º de Maio nesta cidade.


Aos estratagemas graças aos quais ascendeu na política, engatinhando sob a ditadura militar e depois transitando de um partido a outro sem jamais perder de vista os seus objetivos e interesses próprios, adicione-se a sua condição de portador de idéias teratológicas, que, por um ‘acidente horrendo’, para usar a sua definição de estupro, se tornou o terceiro hierarca da República – a um par de batimentos cardíacos, como se diz, do Palácio do Planalto.


Unha e carne de Paulo Maluf, o do ‘estupra, mas não mata’, condena, em caso de violência sexual, o direito ao aborto que a lei brasileira permite desde 1940. Compartilha com o ex-prefeito a idéia, se é que a palavra é essa, da inexistência de barreiras entre o público e o privado. Falando de uma de suas notórias especialidades, o nepotismo, perguntou, retoricamente: ‘Se pode fazer isso em empresas privadas, por que não pode fazer em órgãos públicos?’


Do mesmo modo, ele critica acerbamente a separação entre Igreja e Estado, instituída no Brasil pela Constituição republicana de 1891. Nisso, ele tem o discutível privilégio de comungar com alguns dos piores extremistas da política americana, como o também nepotista Tom DeLay, líder do governo na Câmara dos Representantes (que gostaria de destituir juízes ‘liberais’) e, antes dele, o espalhafatoso presidente da mesma Casa nos anos 1990, Newt Gingrich.


Não está em questão, obviamente, o direito do deputado de pensar e dizer o que quiser. Mas, além de suas crenças ultramontanas e dos trancos que as suas palavras obrigam a lógica a padecer, é deplorável a grosseria com que a toda hora se exprime, mais encontradiça nos botequins onde costuma socorrer vítimas de excessos etílicos do que no Congresso Nacional ou em entrevistas de autoridades à imprensa. Anteontem, ele tornou a dar exemplos desse primarismo que este espaço prefere não reproduzir.


Do ângulo das questões de governo que afetam o País, chama a atenção o tratamento morde-e-assopra que ele reserva ao presidente Lula desde que este – como não poderia deixar de fazer para preservar a autoridade – se recusou a levar para o Ministério um protegido de Severino cuja nomeação o deputado exigira em público. Ora diz que Lula é cópia de Fernando Henrique, ora promete ser ‘um bom menino’ se o governo permitir que o Congresso trabalhe.


Enquanto isso, constrange o temor reverencial com que o presidente da República trata o homólogo da Câmara. Depois de admitir que a eleição de Severino representou um dos três maiores erros de seu mandato, Lula o chamou de ‘companheiro’ e atribuiu ao ‘debate interno da Câmara’ (que não houve) a sua vitória – para a qual o auxílio do Planalto, por incompetência e desídia, é impossível minimizar.


Na verdade, Lula está inseguro diante de Severino: não sabe se e como conseguirá transformá-lo em ‘bom menino’. Mesmo fazendo uso dos tradicionais argumentos aos quais o rei do baixo clero é especialmente sensível – e que o governo aprendeu a manejar tão bem quanto ele.’



Folha de S. Paulo


‘Mau exemplo na Câmara’, Editorial, copyright Folha de S. Paulo, 4/05/05


‘É um retrocesso o ato que concede aos presidentes de comissões permanentes e provisórias da Câmara dos Deputados total poder de nomeação para cargos de confiança. Com a decisão, aprovada por unanimidade pela Mesa Diretora da Casa, fica eliminada a votação no âmbito das comissões para ratificar a nomeação de assessores indicados pelos presidentes de cada uma delas.


Em resumo, a medida liberou os presidentes dessas comissões a indicar funcionários de confiança não apenas sem concurso como também sem a necessidade de ratificação por alguma outra instância.


Pode-se argumentar que o alcance de uma decisão como essa não chega a ser catastrófico, mas tampouco é desprezível. Atualmente há na Câmara 20 comissões permanentes. Além delas, funcionam três CPIs e uma comissão especial. Ao todo, são 24 comissões, que permitiriam a contratação de um total 272 assessores na categoria dos chamados CNEs (Cargos de Natureza Especial), que dispensam realização de concurso.


Há, além disso, um aspecto simbólico a ser levado em conta. A decisão impressiona mal, sobretudo num momento em que mais uma vez está em evidência a escandalosa prática de oferecer emprego a parentes, apadrinhados e amigos de políticos na administração pública.


Com essa nova medida, a Mesa da Câmara, comandada pelo paladino público do nepotismo, deputado Severino Cavalcanti (PP-PE), apenas manifesta sua complacência em relação a esse tipo de abuso. O ato vai exatamente na contramão do que seria desejável. Com ele, sai fortalecida a iniciativa do compadrio e do empreguismo em detrimento dos critérios de mérito que precisam sempre nortear a contratação de funcionários pagos com dinheiro público.’



LIBERDADE DE EXPRESSÃO


Leonencio Nossa


‘ANJ propõe mutirão contra ameaça à liberdade de expressão ‘, copyright O Estado de S. Paulo, 4/05/05


‘Representantes de jornais, revistas e televisões defenderam ontem uma ação conjunta do setor de comunicação para evitar propostas de controle e intervenção do governo. Na abertura do 6.º Encontro Brasileiro de Agências de Publicidade, o presidente da Associação Nacional de Jornais (ANJ), Nelson Sirotsky, propôs um mutirão para derrubar cerca de 200 projetos de lei em tramitação no Congresso que representariam uma ameaça às liberdades de expressão e de comércio.


Ele afirmou que a auto-regulamentação dos meios de comunicação é o único caminho sustentável para as empresas numa época ‘complexa’. ‘Nosso setor não precisa de mais leis’, disse. ‘As forças do mercado devem fazer a regulamentação.’ Sirotsky citou como caso ‘preocupante’ a recente aprovação na Venezuela de uma lei que criminaliza o ato de criticar o governo de Hugo Chávez. O presidente da ANJ destacou que, no ano passado, 71 jornalistas foram assassinados no mundo. Só neste ano o número chega a 24. ‘Entendo que a nossa capacidade de sobreviver está ligada a nossa capacidade de auto-regulamentação’, salientou.


Já o diretor da Rede Globo Octávio Floresbal citou como propostas de intervenção no conteúdo das empresas jornalísticas e de entretenimento os projetos de criação da Agência Nacional do Cinema e do Audiovisual (Ancinav), do Conselho Federal de Jornalismo e de classificação de filmes e programas de televisão. ‘Devemos ter uma auto-regulamentação e trabalhar de forma coesa para evitar qualquer intervenção’, disse. ‘Há uma série de iniciativas (do governo) para atuar em nossos conteúdos.’


Por sua vez, o presidente dos Diários Associados, Álvaro Costa, disse que o setor não precisa de nenhuma ‘cartilha’ para dizer o que deve ou não falar. ‘A situação está se tornando dramática se não fosse cômica’, afirmou. ‘É preciso que este país comece a tomar medidas vigorosas e de independência.’ Durante o encontro, o presidente do Grupo Abril, Roberto Civita, falou sobre a importância de uma ‘multiplicidade’ de meios de comunicação para garantir a democracia. Ao comentar a importância do mercado publicitário, Civita disse que as agências de publicidade não contribuem apenas para a ‘saúde’ financeira e prosperidade dos donos dos veículos jornalísticos, mas para a democracia ao apostar nos serviços de informação.


Na avaliação de Civita, é ‘fundamental’ que os veículos diferenciem o conteúdo editorial e o publicitário. ‘Leitores e telespectadores precisam confiar nos veículos, isso é parte da equação’, disse. Ao analisar a crise financeira das empresas jornalísticas a partir da década de 90, o presidente do Grupo Abril afirmou que o endividamento delas ocorreu especialmente por projeções erradas do tamanho do mercado, pelas altas taxas de juros e pela ‘grande’ desvalorização do real. Ele avaliou que as empresas, no entanto, não se fragilizaram ao apostar em novas tecnologias e máquinas.’



O Globo


‘Entidades defendem liberdade de imprensa’, copyright O Globo, 3/05/05


‘A defesa de um jornalismo livre e ético marcou todas as palestras do IV Encontro Regional sobre Liberdade de Imprensa, realizado ontem no Rio de Janeiro. O tema do encontro, que visa a divulgar a Rede de Defesa da Liberdade de Imprensa em todo o país, foi ‘As responsabilidades e os interesses dos jornalistas e das fontes’. A rede é uma iniciativa da Associação Nacional de Jornais (ANJ) e da Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura (Unesco).


Jornalismo vinculado aos interesses do cidadão


Fernando Martins, diretor executivo da ANJ, representou o presidente da entidade, Nelson Sirotsky, lendo um discurso em que este afirma que a associação ‘defende um jornalismo cada vez mais vinculado aos interesses objetivos do cidadão. Um jornalismo que não pretende denunciar problemas, mas apontar soluções e mobilizar a sociedade na busca destas soluções’. Durante o evento, a associação divulgou nota condenando a iniciativa do governo da Venezuela de criar uma lei que controla conteúdos, horários e programas de rádio e televisão. A ANJ também condenou a prisão da jornalista Patrícia Poleo, editora do ‘El Nuevo País’, jornal de oposição ao governo de Hugo Chávez.


– São exemplos lamentáveis, que provocam temor e justificam nossa permanente vigilância contra toda e qualquer ação que vá contra o sagrado direito do cidadão de ser informado livremente – disse Martins.


O representante da Unesco no Brasil, Jorge Werthein, adiantou a mensagem do diretor-geral da organização, Koichiro Matsuura, a propósito do Dia Mundial da Liberdade de Imprensa, comemorado hoje. ‘Os meios de comunicação independentes, livres e pluralistas têm papel fundamental no bom governo das sociedades democráticas, assegurando transparência e responsabilidade’, diz a nota.


Em seu discurso, Werthein citou Rui Barbosa:


– Um país de imprensa degenerada ou degenerescente é, portanto, um país cego e um país miasmado, um país de idéias falsas e sentimentos pervertidos, um país que, explorado na sua consciência, não poderá lutar com os vícios que lhe exploram as instituições.


Jornalista do GLOBO e um dos responsáveis pela criação da Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji), da qual é vice-presidente, Chico Otavio alertou, em sua palestra, para o perigo que representa para a liberdade de imprensa a chamada indústria do dano moral. Se é um direito de qualquer cidadão buscar na Justiça o reparo pelo dano causado à sua imagem pela mídia, ‘o que está acontecendo hoje, no Brasil, é o uso abusivo deste direito’.


O vice-governador do Estado do Rio, Luiz Paulo Conde, representou a governadora Rosinha Garotinho. Ele enumerou questões sobre a responsabilidade do jornalista e saudou a criação da Abraji:


– O ideal é que todos os jornalistas fossem investigativos – disse Conde.


O encontro foi realizado pela ANJ e pela Unesco, com apoio dos jornais ‘Folha Dirigida’, ‘Jornal do Commercio’, ‘O Dia’ e O GLOBO. A mesa de abertura contou com as presenças de Fernando Martins; Jorge Werthein; Luiz Paulo Conde; Patrícia Mosé, secretaria extraordinária de Imprensa do governo do Espírito Santo; Afonso Faria, diretor de promoções e relações externas do Grupo Folha Dirigida; Jairo Paraguassú, diretor comercial do ‘Jornal do Commercio’; Alexandre Freeland, editor-chefe de ‘O Dia’; e José Roberto Marinho, vice-presidente das Organizações Globo.


Chico Otavio mediou um debate entre Carlos Alberto di Franco, diretor do master em jornalismo da Universidade de Navarra, na Espanha; Alexandre Freeland; o desembargador Luis Felipe Salomão, presidente da Escola Nacional de Magistratura; e Lucianne Carneiro, repórter de economia do ‘Jornal do Commercio’. O debate contou com perguntas da platéia.


O próximo evento da Rede em Defesa da Liberdade de Imprensa será no dia 8 do mês que vem, em Brasília. O site da rede é www.liberdadedeimprensa.org.br



***


‘Mídia rejeita leis de controle da imprensa’, copyright O Globo, 4/05/05


‘Dirigentes de alguns dos principais grupos de comunicação do país, reunidos ontem no 6 Encontro Brasileiro de Agências de Propaganda, rejeitaram a adoção de leis que impliquem qualquer restrição à liberdade de expressão, à liberdade de imprensa e à liberdade comercial. Eles defenderam a auto-regulamentação como a melhor forma de fortalecer princípios éticos e preservar a independência dos veículos.


Segundo o presidente do grupo RBS e da Associação Nacional de Jornais (ANJ), Nelson Sirotsky, tramitam hoje no Congresso cerca de 200 propostas que representam algum tipo de controle. Ele manifestou preocupação com casos como a Venezuela, onde criticar o governo passou a ser crime.


Diretor-geral da Rede Globo, Octávio Florisbal afirmou:


– Devemos trabalhar na auto-regulamentação, e trabalhar de forma coesa para evitar qualquer intervenção. Vimos propostas como a criação do Conselho Federal de Jornalismo e da Ancinav para a revisão das faixas de audiência. Há uma série de iniciativas para atuar em nossos conteúdos que não podemos permitir de forma alguma.


Empresário critica leis para controlar comunicação


O presidente dos Diários Associados, Álvaro Ribeiro da Costa, criticou as tentativas de criar leis para controlar a atividade de comunicação:


– Não precisamos de cartilha para dizer o que devemos ou não falar. Está se tornando dramático, se não fosse cômico. Comitê oficial, nem pensar. É preciso que esse país comece a tomar medidas mais vigorosas de independência.


O ministro da Secretaria de Comunicação e Governo, Luiz Gushiken, admitiu que o Estado não tem capacidade de desenvolver uma política de comunicação pública sem a ajuda da publicidade e da iniciativa privada.’