Sunday, 24 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Carlos Heitor Cony


‘Vou contar uma história que poderá parecer inverossímil, mas é verdadeira, embora fantástica. Um sujeito -cujo nome não importa, mas que viveu realmente, sendo inclusive vizinho de um tio que morava no Grajaú-, ali pelos 50 anos, decidiu fazer uma viagem pelo mundo, mas foi sozinho, sem levar mulher e filhos. Deixou dinheiro suficiente para os dois anos que passaria fora e uma instrução suplementar, diria que pétrea: em sua ausência, a família compraria, todos os dias, os jornais que ele habitualmente comprava, inclusive edições extras, se as houvesse.


Tudo deveria ser guardado religiosamente, em ordem cronológica, e deviam ser tomadas cautelas de preservação, impedindo que baratas roessem os jornais e a poeira os maltratassem. Ele não podia prever que, estando em Lubeck, lá em cima, onde a Alemanha acaba, nas margens do Báltico, tivesse um mal-estar e fosse internado num hospital, onde passaria mais de dois anos.


Prosseguindo a viagem e descendo em direção ao Mediterrâneo, passou mal outra vez, desmaiando numa rua de Cracóvia, onde ficou mais dois anos num hospital. E, assim, sucessivamente, ia descendo em direção ao Mediterrâneo, passando mal e se internando em hospitais onde ficava, em média, dois anos -menos na Sicília, onde passou três anos num hospital de Catânia. Daí que, somando tudo, esteve fora do Brasil exatos 22 anos, tempo para burro.


Evidente que encontrou tudo mudado, ele próprio havia mudado. Perdera a mulher e dois de seus filhos, estava agora com mais de 70 anos e, achando que já havia feito muito e vivido igualmente muito, não precisava nem tinha vontade de fazer nem ao menos um pouco. Organizou uma estrutura doméstica que consistia nos dois filhos que haviam sobrado, e que eram adultos e desinteressados de sua pessoa, duas empregadas e um secretário que, entre outras manias esquisitas, tinha a de se chamar Godofredo.


Criou também uma rotina doméstica que incluía, pela manhã, duas horas de leitura dos jornais acumulados; e duas horas igualmente diárias pela tarde, havendo dias em que, por um motivo ou outro, acrescentava mais duas horas à noite, antes de se recolher ao leito que nem era leito, mas uma rede cearense que, durante sua ausência, lhe fora presenteada por um vago parente de Sobral.


Inicialmente, tentou obedecer a seqüência das datas, mas achou pouco interessante saber no dia seguinte o que havia acontecido na véspera. Descobriu que podia, aleatoriamente, movimentar-se para frente e para trás no passado, sem apelar para a memória -já estava cansado dela e dela nada obtinha senão, como diz o Eclesiastes, ‘vaidade e aflição de espírito’.


Leu num jornal de 1984: ‘O aposento particular da rainha da Inglaterra foi invadido, na manhã de ontem, por um cidadão desempregado que sentou em sua cama, acordou a soberana e insistiu em conversar com ela. Falaram sobre vários assuntos, comentaram filmes que haviam assistido e a rainha ficou sabendo que o sujeito tinha três filhos e uma cadela irlandesa chamada ‘Sorry’. A conversa não foi adiante porque, meia hora depois, um mordomo estranhou a rainha ainda estar na cama e chamou o príncipe-consorte para que tomasse providências. O príncipe tinha dormido mal naquela noite, sentira sede e fora à copa dos aposentos privativos do casal, mas estava estremunhado e errou o caminho, indo parar no quarto da camareira Sullivan, que estava de plantão naquela semana.


‘Surpreendendo um estranho na cama da rainha, o príncipe pensou em pedir explicações a ambos, mas reconsiderou. Tratava-se de um louco, sem dúvida. Com um movimento discreto, levando um dedo na testa e rodando não a testa, mas o dedo, a rainha confirmou o diagnóstico do marido. Convidaram o intruso a tomar o ‘breakfast’ no cômodo ao lado.


‘O desconhecido recusou o convite, dizendo que já tinha até almoçado: estando sem emprego, tomava uma sopa e comia um pedaço de rosbife com ervilhas maduras numa instituição de caridade vizinha ao palácio. Assim, se mantinha alimentado pelo resto do dia. Despediu-se, desejou felicidades à rainha e saúde ao príncipe, notando-o abatido pela noite mal dormida.


‘Tão logo o intruso desapareceu, e avisado pelo mordomo, o primeiro-ministro chegou furioso ao palácio para se inteirar do que acontecera ou não acontecera. E antes que a Câmara dos Lordes e a Câmara dos Comuns entrassem em sessões de emergência para analisar o incidente, o primeiro-ministro mandou investigar todos os funcionários daquele andar do palácio, na suposição de que o intruso teria contado com a cumplicidade ou com a omissão de um deles.


‘E, sabendo que o príncipe acordara com sede durante a noite e, indo à copa beber água, entrara por engano no quarto de uma camareira, o primeiro-ministro enviou uma medida provisória ao Tesouro de Sua Majestade pedindo uma verba especial para comprar um frigobar naquele mesmo dia, dispensando qualquer tipo de licitação pública.’’



PRÊMIO JABUTI


Daniela Birman


‘Nélida Piñon vence Jabuti de melhor romance’, copyright O Globo, 2/09/05


‘A escritora Nélida Piñon – primeira brasileira a ganhar o Prêmio Príncipe de Astúrias de Letras, em 2005, e primeira de língua portuguesa a receber o Juan Rulfo, em 1995 – venceu outro concurso literário de prestígio. Desta vez, a conquista foi em casa. Nélida ganhou o Jabuti de melhor romance com ‘Vozes do deserto’.


– Fico muito comovida e satisfeita. Não estava esperando. Com 17 livros publicados, nunca ganhei um Jabuti – disse a escritora e acadêmica.


Nélida recebeu este ano ainda um outro prêmio, o Puterbaugh 2004, em Oklahoma. ‘Vozes do deserto’, obra na qual trabalhou durante cinco anos, já saiu em Portugal e na Galícia. Em outubro, será lançada no resto da Espanha.


Também foram divulgados os ganhadores das outras 16 categorias do Jabuti, concedido pela Câmara Brasileira do Livro (CBL), além dos segundos e terceiros colocados de cada área.


Entre os vencedores estão Alcione Araújo (‘Urgente é a vida’, em contos e crônicas); Dora Ferreira da Silva (‘Hídrias’, em poesia); Klester Cavalcanti (‘Viúvas da terra’, em reportagem e biografia); Jorge Wanderley (‘A Divina Comédia – Inferno’, em tradução); Angela Lago (‘Muito capeta’, em infantil); Sérgio Capparelli (‘Duelo do Batman contra a MTV’, em juvenil) e Mário Faustino (‘Artesanatos de poesia’, em teoria/crítica literária).


O primeiro lugar de cada categoria receberá R$ 1,5 mil e troféu. Os segundos e terceiros colocados ganharão o troféu de menção honrosa. E todas as 57 obras contempladas concorrem ao cobiçado prêmio de Livro do Ano, em ficção e não-ficção, no valor de R$ 30 mil cada. Os vencedores serão anunciados no próximo dia 20, na cerimônia de premiação do Jabuti, no Memorial da América Latina, em São Paulo.’



THE GUARDIAN


Fernando Duarte


‘Jornal inglês ‘The Guardian’ vai virar tablóide’, copyright O Globo, 2/09/05


‘O jornal ‘The Guardian’ marcou ontem a data para se transformar no terceiro dos grandes veículos de mídia impressa britânicos a encolher. A partir de 12 de setembro, o jornal trocará o formato padrão ( standard ) pelo berliner, de dimensões um pouco maiores que a dos tablóides. O formato, até agora inédito em veículos de circulação nacional no Reino Unido, é adotado por publicações de expressão européias, como o francês ‘Le Monde’.


A mudança de formato custou cerca de US$ 150 milhões e incluiu a construção de novos parques gráficos em Londres e Manchester. Apenas no ano passado, 56 jornais formato standard em todo mundo adotaram dimensões reduzidas. Eles já correspondem a um terço dos jornais do planeta.’