Sunday, 22 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

Carlos Heitor Cony

‘Se tinha dúvidas, elas acabaram. Sempre me considerei um ignorante, que nada sabia de nada, mas vez por outra, como ser humano sujeito aos mil acidentes da carne, tinha a veleidade de achar que não era bem assim, talvez soubesse alguma coisa, nada de importante, como o todo é maior do que a parte e quem parte leva saudade de alguém.

Vai daí, fiquei sabendo que o Brasil inteiro sabia que o marqueteiro oficial do governo é vidrado em brigas de galo. Honestamente, eu não sabia. Mais uma vez, vi escancarada a minha insistência em nada saber de nada, nem mesmo de fato tão transcendental.

Não sei por que, talvez entranhada simpatia que tenho pelo presidente Lula, pelo seu jeitão de ser e agir, acho que ele também deve gostar de brigas de galo, como gosta de frango com polenta e do Zeca Pagodinho.

Dificilmente acharei um nexo entre os galos que brigam e o prato de sustância que parece ser o preferido do presidente da República. Tampouco com o cantor que supre as suas necessidades estéticas e ao qual ele recorre quando precisa de enlevo artístico e amplidão espiritual.

De qualquer forma, sempre desconfio de fatos assim, quando se entra na reta final de eleições. A presteza com que a Polícia Federal age em determinados casos é suspeita. O tráfico de armas e drogas continua deitando e rolando, as falanges da PF nem estão aí. Como estão, na hora e nas locações certas, quando se trata de criar um fato que comprometa um candidato, ainda que obliquamente, ou preventivamente.

Foi o caso daquela batida em cima de Roseana Sarney, quando ela despontava como possível aspirante à campanha presidencial. Se o Brasil inteiro sabia das brigas de galo que tanto fascinam o assessor presidencial (o único que não sabia é quem vos escreve), fica a pergunta: desde quando a Polícia Federal defende os direitos humanos dos galos?’



Marcos Sá Corrêa

‘A imagem do mago das imagens’, copyright O Estado de S. Paulo, 24/10/04

‘política ambiental do governo Lula agora tem nome, retrato 3×4 e ficha na polícia. Já não adianta mostrar a ministra Marina da Silva chorando sobre a soja derramada ou pôr o líder seringueiro Chico Mendes no Panteão da Pátria. O lugar tem dono. A cara que as autoridades escolheram é a mesma que escolheu a cara das autoridades para consumo da opinião pública: a do publicitário Duda Mendonça, o ‘Sansão’ das brigas de galo.

Autuado em flagrante pela Delegacia de Meio Ambiente da Polícia Federal numa rinha, ele fez tudo como manda o figurino de gente acostumada a acreditar que o brasileiro sempre sabe com quem está falando. Empurrou o delegado Lorenzo Pompillo. Ligou do Clube Privê Cinco Estrelas, em Jacarepaguá, para o ministro Márcio Thomaz Bastos e para o secretário nacional de Segurança Pública, Luiz Fernando Corrêa. Apresentou-se como assessor do Palácio do Planalto. E sacou suas credenciais políticas: ‘O Brasil todo sabe que este é o meu hobby’.

Talvez saiba. Como sabe que ele ganha muito dinheiro cuidando da imagem de Lula. E, se o próprio Lula não acha que a própria imagem pode levar uma bicada, quando ele a entrega a um publicitário que, como o Brasil todo sabe, está metido numa atividade criminosa, o problema é dele. O nosso se chama Duda Mendonça, porque no fundo nós é que acabamos pagando todas essas contas. Logo, em nome dos contratos de publicidade que praticamente monopoliza nos gabinetes do PT, o primeiro-marqueteiro tinha a obrigação de não dar a seus amigos esse prejuízo. Ajudar a prefeita Marta Suplicy a perder a eleição na rinha de São Paulo deveria ser suficiente. Este país pode andar meio desarrumado. Mas ainda não é um clube privê.

Saber por saber, os brasileiros também sabem que briga de galo é crime. Viola o artigo da Constituição que defende os bichos de toda crueldade desnecessária. Pode dar três anos de cadeia, além de multa, pela lei 9.605. Se o marqueteiro discorda desses princípios, perdeu a grande chance de apostar seu alto cacife palaciano, embarcando a legalização da rinha na plataforma eleitoral de Lula em 2002.

Aí, sim, estaria fazendo as coisas às claras – o que não é a mesma coisa que fazer as coisas ostensivamente. Com seu talento para revelar à opinião pública aquilo que ela parece incapaz de enxergar sozinha, trataria de abrir a tempo os olhos do eleitorado à beleza secreta de um espetáculo em que dois bichos se estraçalham numa arena, para divertir uma platéia de jogadores. Com a música certa, boas tomadas de câmera, alguns efeitos especiais e um slogan ao fundo – que tal o do Lulinha paz e amor? – talvez o brasileiro aderisse em peso ao hobby de Sansão.

Mas, tendo deixado passar em branco essa oportunidade, Duda Mendonça perdeu a prerrogativa de declarar ao delegado que ‘não fez nada de errado’. Ele pode ser quase tudo no governo Lula, mas jurista honoris causa, que o país saiba, ainda não é. Se ele fez algo de errado só quem pode dizer é a lei. E, sendo a lei o que é, ele sem dúvida cometeu um crime, agravou-o com a arrogância e, o que é pior, ridicularizou seus clientes no governo Lula. Como tutor de suas aparências, o mínimo que se poderia esperar do marqueteiro era democratizar as rinhas. Em outras palavras, as palavras que os petistas provavelmente usariam, se não estivessem embatucados com essa história, Duda Mendonça deveria ajudar o presidente a resgatar a cidadania da briga de galo.

Mas nem tudo está perdido. Caiu de graça nas mãos do governo com esse flagrante a melhor peça de propaganda que o publicitário Duda Mendonça já ofereceu à era Lula. Basta ir para a cadeia com o máximo de publicidade. E, se quiser adicionar a esta cena capaz de falar por si mesma o brilho de seus efeitos especiais, poderia aproveitar as circunstâncias que o puseram mais do que nunca à disposição das autoridades constituidas para produzir um côro de galos cantando o jingle ‘sem medo de ser feliz’.’



João Pequeno e Sergio Torres

‘Duda Mendonça é preso em briga de galo’, copyright Folha de S. Paulo, 22/10/04

‘O publicitário Duda Mendonça, marqueteiro do presidente Luiz Inácio Lula da Silva e da candidata Marta Suplicy (PT), entre outros, foi preso em flagrante ontem à noite no Rio de Janeiro pela Polícia Federal quando participava de um evento em que eram disputadas brigas de galo.

Chefe da operação policial, o delegado Antônio Carlos Rayol disse que o publicitário admitiu ser sócio da rinha (local onde se realizam as brigas de galo), instalada em um sítio no Recreio dos Bandeirantes, na zona oeste.

À Folha, Duda não afirmou ser sócio. ‘Eu não vou falar mais nada. Bota o que você quiser’, disse quando questionado se tem sociedade ou participou da organização do evento. Antes de interromper a entrevista, o publicitário reconheceu que estava acompanhando as brigas de galo. ‘Não tenho medo de nada. Não estou fazendo nada de errado. O Brasil inteiro sabe que meu hobby é esse.’

A equipe da PF (32 policiais) chegou ao sítio no início da noite. Havia, segundo Rayol, cerca de 200 pessoas no local, entre elas o publicitário e o vereador Jorge Babu (PT-RJ). Cada freqüentador pagou R$ 50 para entrar.

‘Os dois disseram ser sócios no negócio’, afirmou o delegado, titular da Delegacia de Meio Ambiente da superintendência, acrescentando que ficou surpreso com a presença de Duda no local.

O sítio Privê, onde as disputas ocorriam, fica em um local ermo do Recreio dos Bandeirantes. O acesso é por estradas de terra. Há no local uma arena grande, duas menores, viveiros com cerca de cem aves e até uma enfermaria para tratar os animais feridos.

Dentro do sítio, funcionava uma espécie de clube social, com churrasqueira e áreas de lazer.

A PF batizou a ação de Operação Rudis, em referência a uma espada que os gladiadores da Roma Antiga eram presenteados quando sobreviviam nas lutas realizadas em arenas.

O delegado disse que chegou ao sítio após denúncias apresentadas, há cerca de duas semanas, à PF por entidades de defesa dos animais. Até o fim da noite o delegado promovia uma triagem entre as pessoas flagradas no sítio.

Segundo Rayol, os cerca de 20 sócios do local poderão ser enquadrados por formação de quadrilha, crime inafiançável, com pena, segundo ele, de até seis anos de prisão em caso de condenação.

A quadrilha teria se formado com o objetivo de promover atos de crueldade contra os animais, crime previsto na Lei de Crimes Ambientais. ‘Isso é uma coisa que ainda estamos avaliando [indiciamento por formação de quadrilha]’, disse o delegado. Também deverão ser indiciados no artigo 32 da lei federal, que pune maus-tratos contra os animais com detenção de três meses a um ano.

Segundo a PF, cada briga movimentava cerca de R$ 50 mil em apostas. Ontem, havia dois carros novos que seriam dados aos donos de galos campeões.

A Secretaria de Imprensa da Presidência da República e a assessoria de Marta Suplicy não quiseram comentar o caso.’

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‘Publicitário é o marqueteiro do PT desde 2001’, copyright Folha de S. Paulo, 22/10/04

‘O publicitário Duda Mendonça é considerado um dos grandes responsáveis pela vitória do presidente Luiz Inácio Lula da Silva em 2002. Após aderir ao PT em 2001, o marqueteiro transformou Lula no ‘Lulinha Paz e Amor’ na corrida presidencial, mudando até mesmo o visual daquele que havia sido chamado de ‘sapo barbudo’ por Leonel Brizola.

Antes, Duda já colecionava vitórias eleitorais. Elegeu Paulo Maluf (PP), em 1992, e Celso Pitta, em 1996, prefeitos de São Paulo.

À frente da atual campanha de Marta Suplicy (PT) na capital paulista, o publicitário também venceu licitações para a propaganda oficial do governo federal.

No final de setembro, o contrato do governo com as três agências de publicidade responsáveis pela propaganda oficial foi renovado por mais um ano. Ou seja, a Duda Mendonça, a Lew Lara e a Matisse continuarão donas do contrato de R$ 150 milhões com o governo federal. As agências de publicidade dividem a conta, sendo que nenhuma pode ficar com menos de 15% do valor total.’