Monday, 23 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

Carlos Heitor Cony

‘Há indignação nos meios especializados contra a indicação de ‘Dois filhos de Francisco’ para concorrer ao prêmio de melhor filme estrangeiro na próxima entrega dos Oscars, que acredito seja em março do ano que vem.


Não é novidade a constatação de que tais indicações e tais premiações são geralmente arrancadas a fórceps pelas pressões do marketing, que envolvem dinheiro; e pela mídia, que tem seus eleitos de carteirinha.


Uma vez indicado, se não me engano por uma comissão do Itamaraty, há que montar formidável marketing lá fora, para fazer o representante de nossas cores um dos favoritos e, se possível, o vencedor. Impressionante como, todos os anos, com o mesmo espalhafato, com os mesmos números de criticas favoráveis e os mesmos aplausos das platéias internacionais, a turma trombeteia a vitória prévia do produto nacional. Às vésperas da premiação, manchetes colossais garantem que, desta vez, o Brasil imitará Lula: chegará lá.


A decepção posterior é exaustivamente explicada nos dias seguintes: interferência do poder econômico, dos mercados internos dos países mais ricos etc.


Artistas equilibrados, como Fernanda Montenegro, que bateu na trave com uma de suas atuações (e bem que merecia o Oscar), compreendem aquilo que se pode chamar de ‘sistema mundial da cinematografia’. Outros, nem sempre os produtores, diretores e atores, mas os torcedores da mídia, entregam-se ao choro e ranger de dentes. Denunciam tramóias, subornos, alcovas e camas que determinaram o vencedor e prejudicaram o filme nacional -promovido a pedra angular da arte universal.


O filme indicado para o ano que vem parece que pertence ao baixo clero do cinema nacional. Mandaram-me um DVD, que minha secretária adorou e dele se apoderou, na suposição de que eu detestaria o filme. Não ficarei surpreendido se desta vez ganharmos finalmente o Oscar.’




Monica Bergamo


‘Prece atendida 1’, copyright Folha de S. Paulo, 24/9/05


‘O cantor Zezé di Camargo tem um juramento a pagar. Ele e sua assessora de imprensa, Arleyde Caldi, prometeram que, se o filme ‘2 Filhos de Francisco’ fosse o indicado brasileiro ao Oscar, cada um distribuiria 500 imagens da santa Fortunata.


Zezé é devoto da santa desde 1987, quando tentava a carreira em SP e rezava para que ela o abençoasse. Estourou nas paradas anos depois e até hoje carrega um folheto com a imagem e uma oração junto à carteira de motorista. O irmão de Zezé, Luciano, que é evangélico, também rezou pelo filme.


PRECE ATENDIDA 2


A dupla, aliás, soube da indicação a caminho de um hotel, em Curitiba. O diretor Breno Silveira ligou para o celular de Zezé, que abriu a janela do carro para gritar a notícia para Luciano, que seguia em outro automóvel. ‘Isso é uma história de fé!’, bradava Luciano. ‘É melhor do que um orgasmo’, gritava Zezé. Os motoristas aproximaram os carros e os dois deram as mãos.’




CINEMA EGÍPCIO
Michael Slackman


‘Novo filme do Egito faz graça de conflito’, copyright Folha de S. Paulo, 24/9/05


‘O público cinematográfico do Egito não está acostumado a rir sobre o conflito árabe com Israel, nem a ver diplomatas israelenses retratados como ‘gente como a gente’. Entretanto, no filme ‘The Embassy Is in the Building’ (a embaixada fica no prédio), sucesso de bilheteria no Egito, o diretor Amro Arafa utiliza o humor para tentar levar os espectadores egípcios a refletir sobre uma questão de suma seriedade: que a paz com Israel é do interesse do Egito.


‘Assinamos a paz com esse país’, diz um agente de segurança do Estado em uma cena crucial do filme. ‘Essa é a política de nosso país, e é interesse nosso. Você quer ser contra os interesses nacionais?’ O agente, que também fala da necessidade de ‘convivência pacífica’, está conversando com um personagem representado por Adel Imam, o mais famoso ator cômico do Egito.


‘The Embassy Is in the Building’, que continua em cartaz no Egito, foi o filme egípcio que teve a segunda maior bilheteria nos cinemas do país neste ano, tendo arrecadado quase US$ 3 milhões até agora. O filme mostra a sociedade egípcia sob uma ótica irônica. Seu personagem central vive em Dubai e tem pendor por mulheres belas e casadas. Ele é demitido depois de ter um caso com a mulher de seu chefe e retorna ao Egito, onde descobre que o embaixador israelense, David Cohen, se mudou para seu edifício.


O filme zomba dos esquerdistas que ainda se apegam ao nacionalismo pan-árabe e do poeta nacionalista Amal Donqol, que escreveu um poema dizendo que Egito e Israel jamais poderão ter relações normais. Mostra fundamentalistas islâmicos como homens bizarros e armados, e ridiculariza o canal de TV Al Jazira.


Mas ‘The Embassy Is in the Building’ não quer apenas provocar risos. Segundo os críticos, observadores políticos e o próprio diretor, o filme é um esforço, embora desajeitado, de utilizar o cinema para levar os espectadores a levar em conta ao menos a idéia de que a paz com Israel pode ser boa para o país, mesmo que Israel siga objeto do ódio egípcio.


‘Não temos um problema com os israelenses ou os judeus, e sim com o governo israelense’, disse o diretor Amro Arafa, repetindo uma distinção semântica que, no passado, era comumente traçada no Egito, mas que caiu em desuso desde que a segunda Intifada ganhou força, em 2000. ‘Esse é o primeiro filme a tratar diretamente do problema de ‘por que odiamos o governo israelense’.’


Uma pessoa não familiarizada com o conflito dificilmente sairia do cinema com a impressão de que o filme faz qualquer espécie de gesto conciliatório. Durante o filme inteiro os personagens carregam nas expressões de sentimento antiisraelense. A história termina com um garoto palestino bonito e heróico sendo morto por israelenses e com cenas de uma manifestação diante da embaixada israelense no Egito sob gritos de ‘abaixo a ocupação israelense! Abaixo os assassinos de crianças! Abaixo os inimigos da paz! Abaixo os assentamentos!’.


Mas é interessante analisar como o filme é visto por algumas pessoas que sobreviveram ao caos e ao ódio que há tantos anos consomem o Oriente Médio.


‘Quando vejo o filme com calma, depois de assentada a poeira, enxergo algumas coisas boas’, disse Jacob Setti, adido de imprensa da embaixada israelense no Cairo. ‘É o primeiro filme que vejo que trata a embaixada israelense como algo normal. Ela fica no Cairo e funciona como qualquer outro lugar. Outro ponto é que o filme mostra o embaixador israelense como alguém que está fazendo seu trabalho e que fala árabe, como falam muitos embaixadores. A terceira questão é que até mesmo o filme admite que existe um bom nível de relacionamento entre os dois governos, e acho que, no futuro, veremos esse relacionamento se desenvolver.’


O crítico de cinema Tarek El Shenawy disse que a última cena de protesto do filme reflete uma nova perspectiva, na medida em que os manifestantes não pedem que a embaixada deixe o Cairo nem reivindicam o fim das relações com Israel. ‘O filme transmite uma mensagem do governo: ‘Não odeie Israel, não ame Israel -apenas esqueça-o’, disse ele.


Para analistas, ‘The Embassy Is in the Building’ é fruto de uma transformação mais ampla que está acontecendo na sociedade egípcia. No passado, o governo não permitia qualquer crítica ao presidente ou a sua política.


As passeatas de protesto contra a política doméstica podem não ter desencadeado um movimento oposicionista amplo, mas assinalam uma mudança de foco da minoria que se manifesta, e que, em lugar de política externa, passou a criticar a política interna. A primeira campanha eleitoral para a Presidência contando com mais de um candidato terminou neste mês e foi criticada por ser curta -durou apenas 19 dias-, mas os candidatos oposicionistas percorreram o país discursando sobre questões internas, sendo que o tema de Israel apareceu poucas vezes durante a campanha.


Que Imam faz o público rir não está em dúvida. Mas as opiniões ainda se dividem quanto a se sua comédia pode ou não ajudar a promover uma visão mais moderada das relações com Israel.


‘Adorei o filme’, disse Reem Abdel Nasser, 19, quando saiu do cinema na semana passada. ‘Ele trata dos problemas e das questões que nos preocupam e nos deixam confusos. E ele apresenta uma solução diplomática para o problema israelo-árabe, uma opção com a qual eu concordo. Precisamos conviver com eles. Não precisamos ser amigos, mas tampouco temos que ser inimigos. Só precisamos conviver.’


Mas não foi essa a opinião de seu pai, Gamal Abdel Nasser. ‘O filme passa a mensagem de que as pessoas devem acordar e compreender Israel. É um problema muito difícil de resolver, e a única maneira de resolvê-lo é pela força. Aquilo que foi tirado pela força deve ser restaurado pela força.’ [Tradução de Clara Allain]’




CINEMA FRANCÊS
Folha de S. Paulo


‘Cinemateca francesa reabre com os Renoir’, copyright Folha de S. Paulo, 26/9/05


‘A Cinemateca francesa, uma das principais instituições do patrimônio cinematográfico mundial, abre um novo edifício em Paris com uma exposição em homenagem a Pierre-Auguste Renoir (1841-1919) e Jean Renoir (1894-1979), pai e filho, em forma de deslumbrante confronto entre o mestre do impressionismo e o diretor de ‘A Grande Ilusão’.


O prédio, que será inaugurado hoje, com a presença do premiê francês, Dominique de Villepin, foi desenhado pelo arquiteto norte-americano Frank Gehry e abrigava originalmente o Centro Americano. Foi totalmente reestruturado para suas novas funções pelo francês Dominique Brard.


A Cinemateca francesa, que completará 70 anos em 2006, tem agora quatro salas de projeção, uma sala de exposições, uma biblioteca cinematográfica, uma midiateca, uma livraria e um restaurante.


Evento da inauguração, a mostra ‘Renoir/Renoir’, organizada conjuntamente com o Museu D’Orsay, apresenta 30 telas de Pierre-Auguste Renoir em 650 m2, entre os quais o célebre ‘Le Moulin de la Galette’, exposto junto a cenas emblemáticas de filmes de Jean Renoir.


A mostra se organiza ao redor de temáticas privilegiadas pelos dois artistas, como os auto-retratos, os retratos familiares e a influência da natureza.


Com o objetivo de reforçar os diálogos entre as obras dos dois, os diferentes assuntos são apresentados de forma paralela: a cada tela corresponde uma cena.


Essa proximidade permite ‘constatar tudo o que Jean Renoir deve à obra do pai’, assinala o presidente do Orsay, Serge Lemoine. Por exemplo, pode ser estabelecido um paralelo entre ‘Le Déjeuner sur L’Herbe’, de Jean, e ‘Torso Nu ao Sol’, pintado por Pierre-Auguste.


Dedicada às grandes composições, a última parte da exposição é voltada à festa e ao teatro. Frente a frente, podem ser admiradas as célebres telas ‘Le Moulin de la Gallete’, ‘Baile no Campo’, ‘Baile na Cidade’) e os filmes ‘belle-époque’ de Jean (‘French Cancan’ e ‘As Estranhas Coisas de Paris’).


A Cinemateca terá uma exposição permanente, intitulada ‘Cine Paixão’, na qual é possível admirar tesouros que estavam guardados na reserva técnica da instituição, além de objetos pertencentes ao Centro Nacional de Cinematografia.


Entre as principais peças a serem expostas, estão o robô de ‘Metrópolis’, a cabeça do cadáver de ‘Psicose’, de Alfred Hitchcock, jóias da atriz Louise Brooks e o vestido que Isabelle Adjani vestiu em ‘A Rainha Margot’.


A Cinemateca francesa -agora instalada na rua Bercy, no 12º distrito de Paris-, foi fundada em 1936 com o objetivo de colocar à disposição do público o patrimônio cinematográfico mundial em todas suas formas.’