Saturday, 23 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Carta Capital

DEMISSÃO
Mino Carta

Solidário com Paulo Henrique, 20/3

‘Ao batuque da minha Olivetti, tenho um blog no iG. Ou melhor, tinha. Hoje foi ao ar o meu último post. Acostumei-me com estas expressões, mas confesso desabridamente ter medo do computador, tenho certeza de que ele me engolirá caso me aproxime demais. De sorte que resisto no comando da minha vetusta máquina de escrever.

Assim diz a minha derradeira manifestação: ‘Meu blog no iG acaba com este post. Solidarizo-me com Paulo Henrique Amorim por razões que transcendem a nossa amizade de 41 anos. O abrupto rompimento do contrato que ligava o jornalista ao portal ecoa situações inaceitáveis que tanto Paulo Henrique quanto eu conhecemos de sobejo, de sorte a lhes entender os motivos em um piscar de olhos. Não me permitirei conjecturas em relação ao poder mais alto que se alevanta e exige o afastamento. O leque das possibilidades não é, porém, muito amplo. Basta averiguar quais foram os alvos das críticas negativas de Paulo Henrique neste tempo de Conversa Afiada’.

As razões alegadas oficialmente pelo portal não convencem sequer o mundo mineral. Fala-se, porém, de uma pendência pessoal entre o diretor-presidente do iG, Caio Túlio Costa, e Paulo Henrique. Certo é que o jornalista recebeu uma lacônica e inesperada notificação de que seu contrato estava rompido. Invocava-se ali um artigo do mesmo, pelo qual qualquer uma das partes pode denunciá-lo com 60 dias de aviso prévio.

Não somente esta determinação do tal artigo não foi cumprida, mas também Paulo Henrique foi informado a respeito da decisão do iG quando Conversa Afiada já fora tirada do ar. Sua equipe tivera cancelado o crachá de entrada na sede do portal e o computador sofrera o vexame final de ser lacrado.

Se havia desentendimentos pessoais entre o diretor-presidente e o jornalista, quem sabe pudessem ser dirimidos de outra maneira. O tratamento reservado a um profissional honrado e competente como Paulo Henrique é inadmissível. Contudo, e infelizmente, a situação justifica a forte impressão de que houve razões mais fortes, a significar censura.’

 

ELEIÇÕES NOS EUA
Rosane Pavam

Presidente negra, 20/3

‘Por sugestão da leitora Carmen Lucia de Azevedo, percorri O Presidente Negro, de Monteiro Lobato, livro que não lera na infância ou na adolescência. E não o lera depois porque me parecera difícil, a certa altura

da vida, aceitar que escrevesse com linguagem empolada um autor despachado nas intenções. Simplifiquei os diálogos de A Reforma da Natureza no momento em que os li para meus filhos pequenos; se não fizesse isto deixaria de ressaltar a inventividade do autor sob a poeira de artefatos.

Habituada às leituras concisas modernas, julgara Lobato intragável por anos, mais ainda quando, diante do ofício de traduzir Jack London, decidira confrontar a versão que ele dera para um conto do americano. O que fizera Lobato naquele trabalho fora perturbador, invasivo… lobatiano demais. Mas este escritor brasileiro, à moda dos modernos com quem vivia às turras, carregava o humor, a expressividade e a ousadia no uso de termos coloquiais em sua própria ficção.

Lobato, o Livre. Mais me vinha isto à mente enquanto lia O Presidente Negro. O livro, escrito em 1926, faz referência ao separatismo racial americano antes que o autor visitasse os Estados Unidos pela primeira vez. E é uma ficção científica, gênero que no Brasil sofre também de separatismo, sem que qualquer escola se apresse em adotar livros de autores do gênero, como André Carneiro.

O Presidente Negro é uma ficção científica datada, como são estas ficções que, com a desculpa de imaginar o futuro, referem-se a um presente que angustia. Mas talvez o futuro imaginado pelo escritor corresponda em alguma medida ao que de fato veio a acontecer.

O presente em que Lobato escreve é um início de século impregnado pela idéia de progresso científico e pelas definições de territórios nacionais europeus. Foi preciso criar uma falsa ciência no Primeiro Mundo para fechar as portas das nações européias aos outros. A eugenia serviu à ambição política de limitar as nacionalidades, como se alguém dissesse: ‘A minha raça é superior e forma uma nação, e a sua, inferior segundo prova eugênica, deve ser expulsa dela.’

O escritor procurava entender os americanos contra o senso comum europeu que via neles aproveitadores amantes do dinheiro. Lobato já os admirava, mas sem deixar de enxergar um passado eugênico na nação cujo lema se tornara a Eficiência (contra a Tradição inglesa, a Organização alemã ou o Fatalismo oriental).

No livro, um professor de nome Benson constrói uma máquina capaz de ler o que ocorre na Terra até o ano 3 mil. Ele tem uma filha inteligente, loira de olhos azuis. A moça inebria o narrador, financista subalterno que vai parar no castelo dos Benson, em Nova Friburgo, após sofrer um acidente com seu Ford. Quando morrem o inventor e o invento, cabe a este jovem apatetado escrever um livro em que as descobertas apareçam relatadas.

O que a máquina de Benson vê é que, no ano 2228, está em curso uma eleição nos Estados Unidos na qual três grupos decidem a presidência. Os grupos são as mulheres brancas, os homens brancos… e os negros, reunidos estes em uma única turma e isolados na disputa, apenas servindo de fiéis numa balança de dois pratos. Os americanos do século 23 vivem sob lei seletiva, que busca apagar os traços negróides daqueles de origem africana. Os negros se tornam esbranquiçados, mas o cabelo ‘carapinha’ ainda os identifica.

O líder dos homens e mulheres negros, Jim Roy, surpreende ao se candidatar presidente e ganhar a eleição. Ele deseja cindir a América em duas _ uma para cada ‘raça’. Mas os brancos (mulheres feministas e machos supremos) unem-se em um estratagema, sob o princípio do macho. E tudo fica acertado entre eles para que a ameaça negra seja afastada.

Extrovertida personalidade emilista, Monteiro Lobato desafia o senso comum. As idéias não são novas ou velhas: as idéias são as idéias de Lobato. Está clara a mensagem para quem lê o livro. Os Estados Unidos se tornaram uma grande nação no século 23 porque praticaram o extermínio de uma população indesejada _ mas assim é a vida, e vamos seguindo.

O aspecto da disputa presidencial na ficção de Lobato em muito se parece, é claro, com a corrida atual às definições dos candidatos dos dois partidos americanos. Mas, nesta atualidade não ficcional, quem precisa por ora se unir contra o inimigo são uma mulher branca, Hillary Clinton, e um homem negro, Barack Obama. Contra os dois, sorrindo como o Charles Chaplin rotundo de cãs, está o candidato republicano definido, John McCain.

Enquanto brigam Obama e Hillary, é de suspeitar que a nação americana volte os olhos para o novo Chaplin de braços dados com a mãe. Ele é, por assim dizer, uma alternativa branca e não culpada para este tumulto entre mulher branca que é negra e homem negro que é branco. Sim, porque Hillary a cada dia se enegrece, ‘negra do mundo’ como na canção de John Lennon, diminuída pelo pragmatismo de suas propostas. E Obama não registra o passado escravista que faz de um negro, um americano. Se seus fãs só querem ouvir discursos, não propostas, é porque falta a ele alguma coisa, coisa esta que o americano inconscientemente deve esperar a cada novo discurso.

A nação cindida de Lobato! Podemos imaginar agora que Obama é uma aposta certa entre os dois, embora não seja difícil que perca no final para McCain… Mas esta é só uma impressão, reforçada talvez pela leitura que o escritor brasileiro faz da nação inflexível. O fato é que os democratas, exibindo dois candidatos tidos por bons, ainda não têm um. Penso que o verdadeiro candidato democrata do inconsciente nacional mostra seu rosto todo dia na televisão para 30 milhões de americanos. Este americano é a senhora cujo prenome encerra um anagrama de Harpo, Oprah Winfrey.

Mulher e negra, sendo mais rígida do que uma e também menos negra a cada dia, Oprah promove em seu programa desfiles de sutiãs e dicas de saúde, exibições de deformidades físicas e descrições de assassinatos e estupros, além de muitas visitas de celebridades que varrem seu sofá batista entre o choro e o êxtase. Seu programa expiatório está entre o púlpito e o clube de mulheres, e pode ser visto como uma janela para a América.

A apresentadora prega a validade do sonho americano em formato sensacionalmente ‘realista’. Ela transforma sua trajetória _ menina pobre molestada sexualmente que se tornou estrela bilionária do show business _ em inspiração. Todos querem o que ela conseguiu, mas é claro que, por lei matemática, bem poucos o terão, já que a existência de uma só Oprah supõe a supressão de outros sucessos particulares.

Barack Obama disse isto a ela quando esteve no programa no ano passado: ‘Por que eu seria candidato e não você? Por que você deseja todo este problema para mim?’ Nesse momento histórico em que Oprah se esquivou da ambição política e pediu que o senador primeiro anunciasse a candidatura em seu

sofá, Michelle, a esposa inteligente de Obama contou, sobre o marido: ‘Ele me liga falando das coisas grandes do Senado quando nossa cozinha está cheia de formigas.’

Oprah talvez se pareça com a melhor alternativa à presidência porque, além de contar com amigos influentes como os da família Kennedy, saberia ler textos motivadores e ajudar o público a exterminar os insetos de todo dia. E o que mais esperar de um presidente? Que ele não pregue a discórdia para resolver as pendências entre brancos e negros, agora finalmente admitidas por Obama.

Depois de vinte anos televisivos, Oprah deu aos compatriotas, como Reagan outrora, a ilusão de que o acesso à riqueza e ao poder é permitido e até autorizado biblicamente. Ela é o ‘negro esbranquiçado’, incansável ao pedir a seus telespectadores que sejam mais do que donas de casa, sem, contudo,

abandonar tal condição; que larguem o cigarro para que a vida lhe dê tempo de ser, como ela, a representação rara e feliz de um sonho do capital.

Se você reparar bem, verá que Obama ainda não diz tudo isto aos americanos e americanas. Por enquanto, ele é só um menino bom.’

 

TELEVISÃO
Nirlando Beirão

Meu ódio será tua herança, 20/3

‘Courteney Cox, a Mônica de Friends, é agora uma Anna Wintour que em vez de editar moda revolve o lixo. O diabo, desta vez, chama-se Lucy Spiller e trocou a Prada pelos vestidinhos de 200 dólares da C&C California, de Beverly Hills.

Lucy/Courteney edita a revista Dirt (Sujeira) e, não por acaso, este é o título do seriado que, em produção sua e do maridão, David Arquette, estreou nos Estados Unidos, em 2007 – e chegou ao Brasil, via People & Arts (canal 52 na Net), neste domingo 16. O título já sugere quase uma declaração de guerra, vendetta contra o jornalismo de tablóide que fareja furos e escândalos naquele mundinho por si só já muito escandaloso e muito indiscreto de Hollywood. Courteney, claro, já sentiu na pele, ela também, o assédio viscoso dos paparazzi. E saiu para acertar as contas.

Produziu – e estrela – não um seriado, mas um emaranhado de clichês. Seu fotógrafo de predileção, Don Konkey (Ian Hart), é um celerado esquizofrênico sempre entrincheirado atrás de árvores, que tem em seus delírios a trilha estridente de celos e violinos e só guarda um fiapo de sentimento humano em relação a seu gatinho dodói. Don é a própria encarnação do mal, tão insensível que nem sequer se dá conta de sua intrínseca perversidade.

Lucy, ela, executiva tão amoral que poderia estar na capa de Você S.A., é, em sua anorexia física e amorosa, a criatura odiosa por excelência, incapaz de qualquer escrúpulo – ou tenta ser, o que evidentemente fica difícil, inverossímil, quando a câmera enquadra, em close, os olhos de profundo azul daquela que foi a mais bobinha, a mais ingênua, do sexteto de Friends.

A cultura celebrity, a gente sabe, não tem barreiras, é louca por sangue e esperma, preza a traição e a intriga e, por isso mesmo, sofre o repúdio maniqueísta de quem ainda acredita que há fronteira entre o bem e o mal. Hollywood é um mêlée só, o sucesso cobra seu preço na cama e o charlatanismo é sempre de mão dupla.

Muito além de Hollywood, nos descaminhos noir de Nova York, o Burt Lancaster/J. J. Hunsecker de Sweet Smell of Success (no Brasil, A Embriaguez do Sucesso) foi imprimindo nas tintas frescas de sua coluna matutina, com a prestimosa ajuda de um assessor de imprensa pilantra, o odor pútrido de suas chantagens. O filme, de 1957, dirigido por Alexander Mackendrick, é uma obra-prima. Perto dele, Dirt é besteirol. Em tempo: coincidentemente, o jornal para o qual J. J. trabalhava chamava-se The Globe.’

 

 

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Folha de S. Paulo – 1

Folha de S. Paulo – 2

O Estado de S. Paulo – 1

O Estado de S. Paulo – 2

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