Monday, 23 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

Carta Capital

DOSSIÊ
Mino Carta

Ave emplumada estraga-prazeres, 7/4

‘A mídia nativa empenhou-se a fundo para transformar o dossiê dos gastos presidenciais de Fernando Henrique Cardoso e família na principal preocupação da opinião pública. As razões do esforço concentrado, conduzido como de hábito em perfeita sintonia entre os diversos órgãos midiáticos, saltam à percepção até do mundo mineral. Colocar sob suspeição o governo e lançar torpedos preventivos contra uma eventual candidatura da ministra Dilma Rousseff à Presidência da República.

O dossiê tornou-se assunto candente e freqüentadíssimo. E eis que o senador Álvaro Dias, tucano emérito, surge em cena de abrupto e arca com o papel de estraga-prazeres. Não é que lhe falte talento para desempenhá-lo a contento, mas colheu a mídia no contrapé. Se foi uma das aves emplumadas da política verde-amarela responsável pelo vazamento em lugar de assessores da ministra, quando não ela própria, tanto empenho foi em vão.

Difícil para os patrões da mídia e seu exército de sabujos admitir o passo em falso. Difícil? Impossível, por razões orgânicas. Como Mussolini, os jornalistas nativos jamais se enganam. Na quinta 3, os jornalões ofereciam o enésimo exemplo de como a imprensa sabe portar-se em ocasiões como esta para levar na conversa seus leitores.

O Estadão e O Globo noticiam a entrada de Álvaro Dias na ribalta com títulos mínimos na primeira página, a Folha nem chega a tanto. Em páginas internas, todos informam que o senador nega ter sido o autor do vazamento. Ocorre que, no fim da tarde do dia 2, o próprio admitia sua responsabilidade.

Em compensação, é comovedor o denodo com que se aplicam para não perder a parada. O jornal global avisa que ‘a mãe do PAC está na berlinda’, em lugar do tucanato. A Folha oferece espaço a quem acusa a ministra da Casa Civil de ser ‘a galinha cacarejadora do governo’ e a compara nada mais, nada menos, a Joseph Goebbels, ministro da propaganda de Hitler. O Estadão descobre, com visível espanto crítico, que os governistas pretendem aproveitar-se da situação e partir para o contra-ataque. Será que deveriam ficar na defensiva?’

 

Cynara Menezes

O dossiê virou complô, 4/4

‘A oposição ainda espumava em direção ao Palácio do Planalto, mas até o final da semana um único nome tinha vindo à tona como responsável pelo vazamento de informações sigilosas, no caso do suposto dossiê que o governo teria preparado para ameaçar a oposição na CPI dos Cartões Corporativos. O nome é de um tucano, o senador Álvaro Dias, do Paraná, que admitiu ter sido uma das fontes de informação da revista Veja, na reportagem divulgada em 26 de março, na qual o governo Lula era acusado de ‘chantagear’ o PSDB com uma compilação de gastos do primeiro escalão do governo FHC.

O cenário que se descortinava, ao contrário de um dossiê governista, era o de um complô montado pelos oposicionistas para atingir a pré-candidata de Lula à Presidência, a ministra da Casa Civil, Dilma Rousseff. Um complô no qual estavam não somente políticos, como a mídia em peso.

A mistura entre política rasteira e mau jornalismo resultou numa trama rocambolesca, em que várias perguntas ficaram no ar, sem respostas convincentes. Quem ou quais foram os autores, dentro do governo, da tal chantagem? A revista que publicou a denúncia não deu nomes. Muito menos seu informante, o senador tucano.

Existe relação entre a ministra e o vazamento das informações? A Folha de S.Paulo de sexta-feira 28 de março afirmou em manchete que o braço direito de Dilma, Erenice Guerra, secretária-executiva da Casa Civil, teria sido a responsável pelo suposto dossiê, mas não apresentou nenhuma prova contra a funcionária. E, por último, o mais relevante: quem pinçou as informações sobre os gastos de Fernando Henrique Cardoso e de sua mulher, dona Ruth, do banco de dados da Casa Civil? Ou seja, se existe um dossiê, quem o fabricou?

Os próprios petistas, conhecedores dos embates internos de sua legenda, não descartavam a possibilidade de ‘fogo amigo’. Alguém do partido interessado em empanar a candidatura da ministra. Diante da confissão do envolvimento do senador tucano Álvaro Dias no episódio, essa versão perdeu força, ao mesmo tempo que uma segunda hipótese ganhava terreno: a de que existe um espião da oposição dentro do Palácio do Planalto, pronto a prestar auxílio aos inimigos.

‘Está claro o objetivo de atingir a ministra. O que a princípio parecia ser um vazamento de informações, está se configurando como espionagem’, afirma o líder do governo no Senado, Romero Jucá (PMDB-RR). ‘Vejo três vítimas do tal dossiê até agora: o governo como um todo, a ministra Dilma e o casal Fernando Henrique e Ruth Cardoso. O PSDB vazou informações sem se preocupar em nenhum momento em resguardar o ex-presidente e sua mulher, como se qualquer meio valesse a pena para atingir a ministra Dilma.’

Na quinta-feira 3, Jucá tentava reverter a derrota sofrida para a oposição, que conseguiu aprovar a convocação da titular da Casa Civil para depor na Comissão Permanente de Infra-Estrutura do Senado. Será a oportunidade que a oposição tanto buscava para manter de pé o assunto. Antes disso, tucanos e demos haviam sido derrotados em suas tentativas de convocar a ministra na CPI Mista dos Cartões Corporativos.

No corredor da ala das comissões, o líder do PSDB, Arthur Virgílio, fazia a festa com a vinda da ministra. ‘Vou perguntar o que quiser, até mesmo onde ela comprou o vestido que porventura estiver usando. Nada me impede’, provocou o senador.

Enquanto isso, na reunião da CPI, o embate entre governistas e oposicionistas pegava fogo. Álvaro Dias era colocado contra a parede por parlamentares que exigiam explicações sobre sua real participação no episódio. ‘O senador foi o atravessador de um produto criminoso’, acusou a deputada Perpétua Almeida (PCdoB-AC). Um dos mais agressivos, o deputado Silvio Costa, do PMN de Pernambuco, chegou a insinuar que Dias se tornara ‘o Cabo Anselmo da CPI’, em referência ao famoso agente duplo e delator de guerrilheiros na época da ditadura militar.

Alvo de especulações da mídia durante as últimas duas semanas, a existência do dossiê sempre foi negada pelo governo, que também apontava desde o princípio, nos bastidores, para a possibilidade de terem sido os próprios tucanos os autores do documento. Mesmo porque, durante a semana, foi revelado na CPI que o senador Arthur Virgílio sabia da existência de um banco de dados sobre os cartões corporativos na Casa Civil desde 2005, quando fez um requerimento pedindo informações sobre os gastos de dois ocupantes da pasta durante o governo Fernando Henrique, Clóvis Carvalho e Pedro Parente, que chefiaram a Casa Civil no período.

Curiosamente, os jornalistas que acompanharam de perto a cobertura do caso não cuidaram de averiguar se poderia haver alguma ligação com os tucanos. Não seria algo descabido, longe disso. O suposto dossiê, em última instância, prejudicaria muito mais o governo do que a oposição.

A versão que ameaçou colocar o governo contra as cordas veio abaixo quando o blog do jornalista Ricardo Noblat divulgou, na quarta-feira 2, o envolvimento do senador. Noblat veiculou a íntegra do pseudodossiê, contendo 12 páginas, onde aparecem despesas diversas do alto escalão do governo Fernando Henrique, incluindo itens como aluguel de carros, compra de bebidas, de frutos do mar e até de artigos exóticos como unhas postiças e fechos para sutiã. Miudezas similares às que apareceram no escândalo dos cartões corporativos do governo Lula, revelado em janeiro. Esmiuçando a relação de gastos, é possível ao cidadão comum ter uma idéia dos hábitos dos governantes: os tucanos, por exemplo, pelo visto não metiam a mão nos próprios bolsos para nada, nem mesmo ao comprar ingressos para o cinema e o jardim zoológico. Mais uma vez, quem teve de se explicar foram, porém, os integrantes do atual governo, não do anterior.

Antes que a oportunidade fosse perdida, o senador José Agripino (RN), líder dos Democratas, esticou até onde pôde sua retórica. No dia anterior, declarara em plenário não estar interessado ‘no vôo do papel, mas no que está escrito’. Acrescentou que ‘não interessa quem vazou, mas quem fez’. E sugeriu a Noblat que revelasse quem lhe repassou o relatório. O jornalista se recusou.

Um dos poucos a questionar o papel da imprensa no episódio do suposto dossiê foi o ombudsman da Folha, Mário Magalhães, que, na crítica interna de segunda-feira 31, apontou diversas falhas na apuração feita pelo próprio diário. Sob o título ‘Um dossiê e muitas incertezas’, Magalhães listava suas dúvidas, a primeira delas a falta de provas contra Erenice Guerra, a secretária da Casa Civil apontada pelo próprio jornal como criadora do dossiê. A oposição não conseguiu convocar a funcionária a depor na CPI.

Faltou dizer que, como secretária-executiva da Casa Civil, caberia a ela organizar o banco de dados cuja existência foi confirmada por mais de um integrante do governo, inclusive a ministra Dilma.

O ombudsman também questionava os repórteres do jornal por terem escrito, sem comprovação, que houve uma reunião na Casa Civil para criar uma ‘força-tarefa encarregada de desarquivar documentos referentes aos gastos do governo anterior a partir da rubrica suprimento de fundos, que incluiu cartões corporativos e contas ‘tipo B’. Houve, inclusive, nota oficial negando que tal reunião tivesse acontecido. E perguntou: como um dossiê tão fajuto, que não continha nada de fato comprometedor, poderia ser utilizado contra os tucanos? ‘Quem tinha muito a perder, por rigorosamente nada em troca, seria a ministra da Casa Civil’, escreveu Magalhães. Fez uso de um raciocínio elementar que parece ter sido deixado de lado pela mídia nativa.

Ganhador, entre outros, dos prêmios Esso, da Sociedade Interamericana de Imprensa e do Vladimir Herzog, Magalhães fez, como se costuma dizer no jargão jornalístico, o dever de casa. Apontou lacunas na cobertura do assunto mais comentado do momento, seu dever como crítico do jornal onde trabalha. Foi o que bastou para que um dos cérberos da oposição eletrônica o acusasse de ‘alinhamento ideológico’ com o governo Lula.

Em entrevista no Palácio do Planalto, Lula afirmou que a ministra da Casa Civil fora vítima de ‘chantagem política’. E atacou os criadores do suposto dossiê. ‘Alguém encontrou um osso de galinha e tentou vender para a imprensa que tinha encontrado uma ossada de dinossauro. Na hora que foi montar para saber o tamanho do dinossauro, percebeu que era um franguinho’, ironizou o presidente.

O primeiro caminhão trazendo 75 caixas de documentos requisitados pela CPI com os gastos feitos por integrantes dos governos FHC e Lula com cartões corporativos e contas do tipo B já chegou ao Congresso. Mas as investigações sobre o autor do suposto dossiê ainda continuam. As últimas hipóteses sobre a origem do papelório tiravam da mira o Planalto e tinham como alvo o Tribunal de Contas da União (TCU). Por ter acesso aos dados sigilosos, um técnico requisitado ao tribunal pelo senador Dias, com o objetivo de auxiliá-lo nas investigações da CPI das ONGs, era apontado como o principal suspeito de ter coletado as informações. Por ora, são apenas especulações. E especulação não é notícia.

Fato é que a CPI dos Cartões Corporativos, convocada inicialmente para investigar os gastos do governo Lula, está deixando os tucanos em polvorosa, por estar cada vez mais voltada para as contas do período FHC. ‘O feitiço virou contra o feiticeiro. A grande auditoria que será feita pela CPI é a do governo Fernando Henrique. Até porque o que tinha de sair sobre os integrantes do governo Lula já saiu. Por isso eles insistem tanto em abrir os dados sigilosos da Presidência’, explica um dos membros da comissão, o deputado Paulo Teixeira (PT-SP).

A prova da insatisfação da oposição ficou flagrante na atitude tomada pelos líderes Virgílio e Agripino. Ambos exigiram a instalação de outra CPI exclusiva do Senado. Onde, possivelmente, poderão investigar somente o que lhes convém.’

 

ELEIÇÕES
Mino Carta

A The Economist não aprende, 4/4

‘O semanário inglês humilhado por nossa Veja, superior em tiragem e quarta maior do mundo, acaba de revelar um dos seus futuros desatinos, típicos de sua tradição. Trata-se, obviamente, da The Economist, modesta publicação que expõe seu escasso talento jornalístico ao publicar textos rebuscados demais, a ponto de serem os preferidos de primeiros-ministros, empresários de ponta, economistas pluripremiados, figuras carimbadas dos círculos políticos e culturais de todo o mundo, sem contar o papa.

Quanto ao desatino, preparem seu espanto. O editor de Política Exterior do semanário anunciou, no decorrer de uma reunião com seus pares na área de comunicações realizada dias atrás, que The Economist não hesitará em apoiar um dos candidatos nas próximas eleições italianas, marcadas para 13 e 14 deste mês. Lembrou o jornalista que há dois anos a revista manifestou-se a favor do candidato de centro-esquerda Romano Prodi, contra Silvio Berlusconi.

Desta vez parece improvável que The Economist reformule sua posição em relação ao homem mais rico da Itália. E mais arrogante e inoportuno. De sorte que valeria apostar na sua preferência por Walter Veltroni, líder do Partido Democrático. Resta observar o quanto há de ser deplorável, aos olhos dos mestres do jornalismo nativo, o apoio dado pela revista britânica a um candidato em terra estrangeira, se já é condenável quando proporcionado em pátria. O mundo deveria aprender com os sólidos princípios que regem nossa mídia, pronta a afirmar, sempre e sempre, pluralismos, eqüidistância, isenção, imparcialidade. Ou por outra, sua magnífica hipocrisia.’

 

EXUBERÂNCIA INTELECTUAL
Thomaz Wood Jr.

Homo ignobilis, 28/3

‘Circulam freqüentemente pela internet listas de atrocidades lingüísticas cometidas por estudantes em exames vestibulares. Há alguns anos, uma safra auspiciosa, embalada por questões ambientais, produziu impagáveis reflexões sobre a ‘dificuldade de achar os pandas na Amazônia’, a ‘extinção do micro-leão dourado’ e a poluição das ‘bacias esferográficas’. Muito antes de Al Gore, nossos jovens já haviam chegado à conclusão de que a questão ambiental ‘é um problema de muita gravidez’ e que, para resolvê-lo, não se deve preservar ‘apenas o meio ambiente, e sim todo ele’. Em suma, como bem sumariou um luminar: ‘Vamos deixar de sermos egoístas e pensarmos um pouco em nós mesmos’. Sejam verdadeiras ou apenas fruto de algum malicioso bem-humorado, o fato é que tais pérolas bem representam a condição educacional das hordas locais.

Diante de tais manifestações de ‘exuberância intelectual’, conservadores e nostálgicos costumam deplorar a degradação do ensino público e relembrar momentos passados, não tão soturnos, da educação pindoramense. Os lamentadores bem poderiam se associar aos vizinhos do Norte. Lá, como cá, a tendência para a lamúria é perene, a cruzar gerações e a produzir reflexões e provocações.

Em 1963, Richard Hofstadter publicou sua seminal obra Anti-intellectualism in American Life, relacionando a tendência antiintelectual da sociedade à ação dos religiosos, dos políticos e dos empresários. Segundo o autor, tais atores envolvem sua retórica com conceitos como moralidade, democracia, utilidade e praticidade para fomentar nos indivíduos desconfiança e ressentimento contra o mundo da mente e a vida intelectual.

Allan David Bloom lançou, em 1987, Closing of the American Mind. A obra trazia uma crítica da universidade contemporânea e da sociedade centrada no interesse individual. Bloom lamentava a desvalorização dos grandes livros do pensamento ocidental e a emergência de uma cultura popular que embalava os novos estudantes, incapazes de buscar um sentido filosófico para a vida e movidos apenas pela satisfação de desejos imediatos de reconhecimento e sucesso comercial.

Vinte anos depois, uma nova obra, The Age of American Unreason, de Susan Jacoby, faz eco às duas primeiras. Em declarações sobre o livro, a autora se mostra assustada com demonstrações de ignorância na mídia e na vida cotidiana. Ainda pior é o que percebe como uma hostilidade geral ao conhecimento, uma mistura catastrófica que combina antiintelectualismo – a percepção de que muito conhecimento pode ser algo perigoso – e anti-racionalismo – que reflete o primado da opinião sobre os fatos e as evidências. Segundo declarou ao jornal The New York Times, os cidadãos de hoje não são apenas ignorantes sobre conhecimento científico, cívico e cultural, como não acreditam que tal conhecimento tenha alguma importância. A tenebrosa frase ‘não sei, não quero saber e tenho raiva de quem sabe’ nunca foi tão popular.

Jacoby alinha três causas para o estado das coisas. Primeiro, as deficiências do sistema educacional, que segue prolongando os anos de escolaridade, porém, não gera evidências de que os estudantes estejam aprendendo mais. Segundo, a força do fundamentalismo religioso, com sua antipatia pela ciência. E terceiro, a influência dos liberals (esquerdistas) norte-americanos sobre as universidades, a promover a cultura pop, e a tornar trivial e superficial o aprendizado no ensino superior.

Em um artigo recentemente publicado no jornal The Washington Post, a própria Jacoby condena o inexorável movimento ladeira abaixo, catalisado pela superação da cultura escrita pela cultura do vídeo. A autora relaciona a popularização do uso desse tipo de tecnologia ao decréscimo da capacidade de concentração por períodos mais longos de tempo. A onipresença da mídia eletrônica e visual estimula a cultura da distração, e avança contra indivíduos susceptíveis, sem defesas. Conforme o público se torna mais impaciente com o processo de conseguir informação por meio da linguagem escrita, aceleram-se os processos de comunicação, o que contribui para a erosão do conhecimento geral. Enquanto as taxas de leitura declinam, o uso de computadores, de internet e de videogames sobe.

Em um mundo cada vez mais dependente do conhecimento, é paradoxal que o reconhecimento da importância da educação e do intelecto conviva com o antiintelectualismo, com o obscurantismo corporativo ou religioso e com celebrações sem pudor da mais pura ignorância. É como se inexoráveis forças ambientais induzissem os indivíduos a um novo tipo de patologia: a anorexia intelectual.’

 

LIVRARIA
André Siqueira

Leitura concentrada, 4/4

‘Os clientes das livrarias Siciliano vão notar, nas próximas semanas, mudanças nada sutis nas prateleiras das lojas da rede, adquirida em março pela concorrente Saraiva, por 60 milhões de reais. Aos poucos, CDs e DVDs começarão a dividir espaço com os livros. O acervo, aliás, vai aumentar. E isso é só o começo. Dos 52 pontos-de-venda da tradicional marca, ao menos 17 devem virar megastores, com a bandeira da ex-rival. Em vez de um prelúdio para a morte do nome Siciliano, as alterações representam o início de um ajuste de rotas entre os dois grupos familiares, que seguiram caminhos diferentes na disputa pelo mercado editorial brasileiro.

‘Não acreditamos no modelo de entregar só livros, embora eles sejam o nosso principal negócio’, afirma o presidente da Livraria Saraiva, Marcílio Pousada. ‘Queremos levar ao cliente, onde ele estiver, qualquer produto relacionado a entretenimento, cultura e lazer.’ A essa visão da atividade o executivo atribui a diferença de aproveitamento nas lojas da Saraiva e da Siciliano. Nas primeiras, as vendas atingiram 14,8 mil reais por metro quadrado em 2007, ante 9 mil reais nas unidades da antiga concorrente. De acordo com Pousada, ampliar o mix de produtos ofertados nas livrarias é a chave para melhorar as vendas da Siciliano.

Antes de reforçar o abastecimento das marcas, a primeira ação da compradora foi quitar a dívida de 11 milhões que engessava as compras, outro fator que fez a diferença entre as livrarias. Enquanto a Saraiva negocia diretamente com cerca de 2 mil fornecedores, a Siciliano adquire produtos de não mais que 200 revendas.

Com a aquisição, a Saraiva mais do que dobrou, em um primeiro momento, o tamanho da rede. De 36 lojas, sendo 20 megastores, passou a deter 88 unidades, além de 11 franquias da Siciliano. Embora comemore a complementaridade entre as redes, que permitirá ampliar a presença física do grupo de nove para 15 estados, ainda não está definido o destino das 15 livrarias de pequeno porte (com menos de 500 metros quadrados), menos alinhadas aos padrões do grupo.

Ao mesmo tempo que assimila a compra da rival, o que inclui treinar funcionários e padronizar o atendimento, a Saraiva pretende sustentar a política de expansão prevista para o biênio 2007-2008. No ano passado, foram inauguradas sete lojas. Outros quatro pontos-de-venda serão abertos em Minas Gerais (abril), São Paulo (junho) e no Rio Grande do Sul (também no primeiro semestre). A unidade restante está em fase de contratação.

Nos últimos dois anos, os livros representaram pouco mais da metade das vendas, enquanto os produtos de informática alcançaram os CDs e DVDs e foram responsáveis por cerca de 17% do faturamento. O site – canal de vendas que mais cresceu em 2007, em torno de 60% – respondeu por quase um terço da receita do varejo. Mesmo assim, o faturamento na internet, de 42 milhões de reais, continua muito distante, por exemplo, dos 800 milhões de reais registrados pelo principal concorrente no varejo on-line, a B2W, dona do Submarino e da Americanas.com.

Além da maioria das lojas físicas, os sites de vendas também terão vida independente. As mudanças mais significativas vão ocorrer atrás dos balcões e das home pages, ou seja, fora dos olhares do público. Os depósitos serão unificados e as estruturas financeira, de recursos humanos, de tecnologia e jurídica serão as mesmas já compartilhadas pela Editora e a Livraria Saraiva, que operam como empresas independentes, sob a holding Saraiva S.A. Livreiros e Editores.

A mesma estratégia deverá valer para a publicação de livros pelas companhias. Segundo o presidente da Editora Saraiva, José Luiz Próspero, os selos e áreas de atuação dos dois grupos sempre tiveram perfis distintos. Enquanto a Saraiva tem mais títulos nas áreas técnica, jurídica e didática, a Siciliano detém revistas, obras literárias, de interesse geral e infantis. ‘Vamos compartilhar uma rede de distribuição inigualável no mercado, com 12 filiais no País’, diz o executivo.

A área editorial, independentemente da aquisição da Siciliano, tem um papel fundamental para o grupo. Embora seja menor do que a livraria em receita bruta, com 37% do total, a atividade trabalha com margens maiores e responde por 64% da geração de caixa (lucros antes de juros, impostos, depreciações e amortizações). Em dezembro, a Saraiva adquiriu a Pigmento Editorial, dona do Sistema Ético de Ensino.

Também firmou parceria com a Houghton Mifflin Hartcourt International Publishers, uma das maiores fabricantes internacionais de softwares educacionais, para produzir conteúdo digital multimídia. A idéia é ingressar no mercado de sistemas de educação, que a empresa estima em 500 milhões de reais ao ano.

Embora aposte em todos os canais para propagar a leitura, a companhia registrou aumentos expressivos nas vendas de livros em 2007. O aumento foi de 33,4% nas livrarias e 24,8% na editora. ‘Poucas empresas conseguem esse nível de crescimento em uma categoria de produtos tão antiga’, ressalta o diretor-financeiro e de relações com investidores do grupo, João Luís Hopp. É munido de indicadores como esses que ele tem tentado convencer os analistas a recomendar a compra das ações da empresa, em queda no atual período de volatilidade no mercado financeiro.

Em 2008, os papéis da empresa caíram 20%, ante uma queda de 2% no principal índice da Bovespa. A explicação, como confirma Hopp, é que a Saraiva, com uma receita de 780 milhões de reais, em 2007, e lucros na ordem de 70 milhões de reais, é o que os investidores internacionais chamam de small cap, uma companhia com papéis de baixa capitalização e circulação no mercado. Como a liquidez vira prioridade em momentos de incerteza, todo o interesse recai sobre ações de empresas de maior porte e projeção internacional.

Para o analista da Fator Corretora, Renato Prado, o porte da Saraiva, pequeno mesmo diante de outras companhias do varejo brasileiro, não é a única explicação para os papéis sofrerem mais no período de instabilidade internacional. Ele avalia que a demora em fechar a aquisição da Siciliano, um negócio esperado pelo mercado por mais de seis meses antes de a transação se concretizar, amenizou o impacto positivo que a compra da concorrente poderia ter causado sobre a avaliação da empresa.

‘Em 2006, a companhia fez uma grande chamada de capitais (vendeu ações e elevou o caixa a 100 milhões de reais) e criou uma grande expectativa quanto a novos negócios, que demoraram a ser anunciados’, lembra o analista. Prado avalia que a melhora na cotação dos papéis dependerá diretamente da capacidade dos executivos da Saraiva mostrar, nos próximos relatórios financeiros, os frutos da operação em conjunto com a Siciliano.

Ou seja, o alinhamento das operações das duas mais tradicionais livrarias nacionais é tarefa para ontem. Ainda que exija impor à Siciliano, fundada em 1928 como uma pequena loja de jornais e revistas em São Paulo, a cultura da Saraiva, criada em 1914 por Joaquim Ignácio, o conselheiro Saraiva, primeiro livreiro a vender obras a prazo no Brasil. Ao caminharem juntas, as duas empresas aumentam as chances de ditar os rumos do mercado editorial e do comércio de livros no País.’

 

CINEMA
Mariane Morisawa

A hora de João Miguel, 4/4

‘Desde que interpretou o sertanejo Ranulpho, em Cinema, Aspirinas e Urubus (2005), João Miguel tornou-se um dos atores mais requisitados do cinema brasileiro, principalmente pelos novos diretores. Além de Marcelo Gomes, trabalhou com Sergio Machado em Cidade Baixa, Edgard Navarro em Eu Me Lembro, Paulo Caldas em Deserto Feliz, Sandra Kogut em Mutum. ‘Acho ótimo ser colaborador, poder opinar e descobrir o filme junto’, diz, sobre os novos cineastas. É pelas mãos de um estreante, Marcos Jorge, que volta a arrebatar, em Estômago, estréia da sexta-feira 11.

Premiado nos festivais do Rio e de Punta del Este, João é o pilar que sustenta essa ‘fábula nada infantil sobre poder, sexo e culinária’. Não fosse ele o ator sutil que é, o resultado poderia ser bem outro. Interpreta Raimundo Nonato, que migra do interior do Nordeste para São Paulo. O início é terrível. Sem ter onde morar, trabalha em troca de comida e abrigo num boteco de quinta no centro da cidade. Mas ele tem dom para cozinhar ou, como se diz, ‘mão boa’, e o lugar fica famoso por causa das coxinhas que faz. Assim começa sua ascensão.

Raimundo vai parar na prisão (o suspense é descobrir por que), e usa a comida para conquistar algumas regalias. ‘O personagem é um sobrevivente, uma metáfora universal. Na trajetória, é colonizado pelos patrões, mas seu talento na cozinha faz com que engula os colonizadores’, explica o ator de 38 anos.

João Miguel tem quatro longas-metragens para estrear: Deserto Feliz, de Paulo Caldas, Jardim das Folhas Sagradas, de Pola Ribeiro, Se Nada Mais Der Certo, de José Eduardo Belmonte, e Hotel Atlântico, de Suzana Amaral. E acaba de rodar Bonitinha, Mas Ordinária, de Moacyr Góes, uma experiência um pouco diversa em seu currículo. ‘É uma produção maior, o que representa um desafio diferente’, diz, sobre o filme de 3,5 milhões de reais.

Neste ano, o ator nascido em Salvador ainda deverá estar ao lado dos conterrâneos Wagner Moura e Lázaro Ramos em Quincas Berro D’Água, dirigido pelo também baiano Sergio Machado. Além disso, se aventura num roteiro, baseado numa história autobiográfica. E pensar que, até rodar Cinema, Aspirinas e Urubus, em 2003, ele nunca havia feito cinema, apesar de estar no teatro desde os 9 anos de idade. ‘Mesmo como ator de teatro, acho que tinha lógica cinematográfica, de pensar nos detalhes’, afirma. É a minúcia que o torna um dos atores mais interessantes de se ver atualmente.’

 

 

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O Estado de S. Paulo – 1

O Estado de S. Paulo – 2

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