CRISE
A crise e os bodes, 7/11
‘O leitor que correr os olhos pelas capas da revista britânica The Economist dos últimos vinte meses terá o desprazer de observar uma crise anunciada, aliiás, repetidamente anunciada. Vejamos as manchetes: 24 de março de 2007 – ‘O problema com o mercado imobiliário americano’; 22 de setembro de 2007 – ‘A crise de crédito provocará uma recessão?’; 17 de novembro de 2007 – ‘A vulnerável economia americana’; 5 de abril de 2008 – ‘Concertando o mercado financeiro… e o risco de errar’. No segundo semestre de 2008, começa o mergulho: 20 de setembro, a imagem mostra um rodamoinho sugando Wall Street. Manchete: ‘O que virá a seguir?’ Em 4 de outubro, a capa traz uma figura humana, solitária, que observa o abismo à sua frente. Manchete: ‘O mundo no limite’.
O capitalismo sempre viveu aos trancos e barrancos. A períodos de grande crescimento seguem-se tempos de ajustes, freqüentemente marcados por recessões. O purgatório recentemente iniciado tem causas conhecidas e amplamente comentadas: dinheiro aos borbotões, vindo da Ásia e do Oriente Médio, apetite por riscos do lado de cá do Atlântico e controles que não acompanharam a imaginação dos magos financeiros.
Fruto das circunstâncias, a bolha da vez estourou, vitimando pessoas físicas e jurídicas. Como efeito colateral, entupiu as artérias vitais da economia, que provêem a força vital do planeta material: o crédito. Como se não bastasse, dinamitou a etérea base de confiança e fé que sustenta as atividades econômicas. Acordados de longo sono, os patrões de bancos centrais ensaiaram titubeante contra-ofensiva. Usaram armas bem conhecidas e outras ainda pouco testadas. O paciente tremeu, gemeu e esboçou alguns sinais vitais. Os familiares acompanham preocupados, alternando estados de desengano e alívio.
Enquanto isso, emergentes preparam-se para submergir, assistindo os bem-aventurados picos de otimismo se transformarem em vales de pessimismo. Diante das lentes e das telas, economistas maravilhosos exibem suas teorias voadoras. O que deu errado? O que fez mutuários, investidores e ingênuos de toda classe tomarem decisões insensatas e engrossarem a manada que levou o mundo às cordas?
Das explicações e evocações, uma fila de bodes expiatórios é empurrada cena adentro: primeiro, os vilões especuladores de Wall Street, de olhares circunspectos e gravatas irrepreensíveis; seguem-lhes os desatentos donos da política monetária, acossados, porém, ainda cheios de fleugma e perícia; logo atrás vêm os sonolentos legisladores, com ar atônico e retórica evasiva; e os chineses; e os árabes… haja palco para tanto bode. Observando o picadeiro, os nostálgicos entoam o clássico refrão ‘eu avisei’ e tacham o esquisito rebanho de chibarrada neoliberal. Pudera!
Atento à lotação caprina, o colunista David Brooks, do New York Times, quis logo adicionar seu próprio bode. E o fez com apuro: para Brooks, o culpado da grande celeuma não é outro senão o próprio homo economicus, o ser mítico da economia, o homem racional e perfeitamente informado que toma decisões analíticas para maximizar sua riqueza e minimizar seu esforço.
Brooks evoca as máximas do provocador Nassim Nicholas Taleb, professor da Universidade de Nova York e autor de textos visionários sobre a crise atual. Taleb sintetiza algumas décadas de reconhecimento sobre a racionalidade limitada do homo economicus e advoga que nossos cérebros não são mais capazes de dar conta da complexidade do ambiente.
Os fatos da vida: primeiro, damos mais atenção às informações que comprovam o que já sabemos do que àquelas que contradizem o que achamos. Segundo, ao olhar para o futuro, somos mais influenciados por eventos recentes do que por eventos ocorridos há mais tempo. Terceiro, gostamos de simplificar e torcer os fatos em torno de uma única causa. Quarto, tendemos a celebrar nossa suposta capacidade de decisão e ação, mesmo quando os resultados são apenas fruto da sorte. A estes, outros fatos da vida poderiam ser acrescentados: quinto, seguimos a turba, pois acreditamos que algo é melhor quando muita gente está fazendo. Sexto, damos maior peso para pequenos ganhos obtidos a curto prazo do que para maiores ganhos obtidos a longo prazo. Sétimo, confiamos excessivamente em nossas próprias previsões. Com tanto viés a turvar as decisões, não é difícil entender a celeuma atual, e fica fácil afirmar que outros abalos virão.
Em seu website, Taleb declara: ‘O meu maior hobby é provocar as pessoas que levam muito a sério a si mesmas e à qualidade de seu conhecimento, e que não têm coragem de dizer: Eu não sei…’ Entre economistas e executivos não lhe faltarão alvos.’
ELEIÇÕES NOS EUA
O jornalismo caubói, 7/11
‘O Marquês de Sade teria adorado assistir à madrugada eleitoral de quarta-feira sintonizado na Fox News.
A Fox News perdeu e foi uma delícia acompanhar as cenas de desolação explícita que emolduraram a amarga derrota, âncoras chorosos, repórteres inconsoláveis, comentaristas engasgados de dor.
O telejornalismo isento e imparcial de Rupert Murdoch, que faz escola no Brasil, está visivelmente de luto. Um negro, imaginem, e, pior ainda, um liberal, será o próximo presidente. A Fox News, quando usa a palavra liberal, é como que trouxesse junto um argh! de execração.
Murdoch, ele próprio, é um espertalhão. Embora coloque seu império midiático a serviço do que de pior e mais arcaico há na América, a ganância, o etnocentrismo, a agressividade, o triliardário australiano não é de rasgar dinheiro. Desta vez, sentindo a brisa que virou vendaval, botou um dos pés na canoa democrata.
Exibiu certa simpatia não por Barack Obama – nem pensar. Mas por Hillary Clinton.
A Fox News, não – para ela o mundo é um faroeste e o telejornalismo, o campo de batalha do bem contra o mal. Quando você vê alguém da Fox News em ação no Afeganistão, fica sem saber se ele é repórter ou marine. Está lá a Fox News lutando pela liberdade e quem aparece? Barack Obama.
Frágil cúmplice do terrorismo. Sujeito sofisticado, com jeitinho de esquerdista. A Fox News ecoa a ética bárbara daquela América que ainda acha que tem de sair pelo mundo ‘ensinando a eles uma lição’.
Na noite dos pesadelos eleitorais, enquanto ia ruindo, estado por estado, o dominó dos truculentos aliados de George Bush, quem é que vem para o fúnebre festim da Fox News? Karl Rove. Ele é o convidado de honra. Muito apropriado. Karl Rove, principal estrategista eleitoral de George Bush em 2000 e 2004, é um bruxo midiático. Amparado no telejornalismo da Fox News, mentiu sobre as tais armas de destruição em massa.
Disfarçando a contrariedade, o xodozinho rechonchudo dos eternos linchadores dá o tom do discurso da direitona fracassada. ‘Ele não é tão radical assim.’ ‘Só na América um fenômeno desses aconteceria.’ ‘A família (Obama) não é uma família negra; é uma família americana, com a (do seriado) de Bill Cosby.’ ‘A geração que elege Obama não é aquela do movimento dos Direitos Civis.’
Na esperta tentativa de diluir o significado político da goleada de Obama, a Fox News desconversa. Afinal, o que é raça? Existe isso? Até parece que a gente está ouvindo aquele outro Karl Rove, o que é mentor do telejornalismo da Globo.’
Luiz Carlos Azenha
Os novos eleitores, 7/11
‘Entre os slogans de campanha e a realidade do governo, os cartazes pregando ‘esperança’ e ‘mudança’ e um país em crise econômica envolvido em duas guerras, fica o território em que Barack Hussein Obama poderá se transformar num estadista como Franklin Roosevelt ou num presidente de um mandato só, como Jimmy Carter.
Se a campanha for prenúncio de organização administrativa, os democratas têm motivos para otimismo. De maneira metódica e inovadora, Obama construiu uma organização política que em dois anos atropelou o casal Clinton e encarou a temida máquina republicana, conhecida pela eficácia em destruir reputações e tirar os eleitores de casa.
O marketing político casou-se com o idealismo de jovens determinados a mudar o mundo. Vídeos disseminados no YouTube, notícias espalhadas pelos sites de relacionamento MySpace e Facebook, uma rede nacional de blogueiros e mensagens de texto para milhões de aparelhos celulares foram as novas ferramentas empregadas para organizar e motivar a militância.
Uma rede de cerca de 3 milhões de contribuintes, organizada na internet, permitiu ao candidato não depender apenas dos grandes financiadores de campanha. Obama arrecadou mais de 700 milhões de dólares e pela primeira vez um candidato democrata abriu mão do financiamento público de campanha e gastou muito mais do que um republicano para se eleger.
O resultado que emergiu das urnas é o redesenho, ainda que temporário, do mapa eleitoral dos Estados Unidos: o mais próximo que os democratas chegaram de uma coalizão de centro-esquerda assentada sobre os mais jovens (66% dos votos dos eleitores de até 29 anos de idade), os negros (95% do total) e os hispânicos (66% do total).
O voto dos latinos forneceu a Obama a margem para as vitórias fora do tradicional território democrata no Oeste – Colorado, Novo México e Nevada – e o apelo aos jovens e moderados permitiu o triunfo em bastiões tradicionais dos conservadores, como Virgínia, Ohio e Flórida.
Curiosamente, Obama garantiu a vitória atraindo os mais ricos e os mais pobres, os mais educados e os de menor instrução. Entre os eleitores pós-graduados, derrotou o republicano John McCain por 58% a 40%. Entre os que não completaram o segundo grau, ganhou por 63% a 35%.
*Confira a íntegra dessa reportagem na edição impressa’
CINEMA
Trapalhões sentimentais, 7/11
‘Depois de três produções inglesas (Match Point entre elas), Woody Allen dá prosseguimento à turnê européia com Vicky Cristina Barcelona, que estréia no Brasil na sexta-feira 14. Allen, que deixou de filmar na sua cidade-divã, Nova York, por não conseguir financiamento nos EUA, aterrissou em Barcelona como se fosse turista. As amigas Vicky (Rebecca Hall) e Cristina (Scarlett Johansson), norte-americanas que vão passar uma temporada na efervescente capital catalã, são as viajantes-clichê que o diretor seguirá em ritmo veloz, com humor afiadíssimo.
A arquitetura barroca da cidade servirá de cenário às peripécias sentimentais de figuras cheias de inconstâncias. Vicky, que fez mestrado em cultura catalã e ruma para um casamento ‘perfeito’, é cheia de certezas e seguranças. Cristina, que participou de um filme de 12 minutos, é a mulher afeita a amores aventurosos, defensora de uma vida ‘criativa’. No caminho das duas, surge o pintor Juan Antonio (Javier Bardem), sedutor infalível, eterno ex-marido de Maria Helena, vivida por uma Penelope Cruz de olhos esbugalhados e cabelo desgrenhado.
É com um cinismo travestido de romantismo que o narrador, em voz off, nos guiará por essa improvável viagem. Por meio do triângulo amoroso formado por Juan Antonio, Cristina e Maria Helena e do amor de Vicky por Juan Antonio, Allen nos atira à eterna luta entre segurança e paixão, freios e liberdade. Dentre as cenas passadas no leito anárquico de Juan Antonio, são impagáveis aquelas em que ele, aflito com as brigas que envolvem a americana, ordena para a ex: ‘Speak english, Maria Helena’. A frase vira quase um bordão. Em Vicky Cristina, Allen, longe de casa, e não sem certa melancolia, deixa de falar de si para falar de cada um de nós, personagens meio trapalhões desta vida.’
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