Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Carta Capital

ANTÔNIA
Carta Capital

As meninas da periferia

‘Uma conversa com as protagonistas de Antônia sobre racismo, machismo e superação

CartaCapital: O filme Antônia fala sobre o dia-a-dia na periferia. Que importância dão a essa questão, e como o filme transformou a vida de vocês? O que é periferia?

Quelynah: Periferia é um lugar longe da cidade. Fala-se periferia, mas sou da favela. Não moro mais lá, mas sou de Heliópolis. Estou na música desde os 13 anos. Tive passagem por igreja, aos 15 ouvi hip-hop pela primeira vez e me identifiquei. Por quase dez anos, fui casada com Thaíde, um dos precursores do hip-hop no Brasil. Ele me ensinou muita coisa, me ensinou o que é hip-hop. Fui finalista do reality show Pop Star, do SBT, do qual saiu o grupo Rouge. Fiz backing vocal para Alexandre Pires. Antônia foi meu maior trabalho até agora. (A cineasta) Tata Amaral foi muito respeitosa com a gente. Respeitou nosso dialeto, nosso jeito, nossa cultura. E o filme abordou, além do hip-hop, a mulher que enfrenta os obstáculos, o machismo e vários outros preconceitos.

Cindy Mendes: A Tata trouxe a figura da mulher na sociedade, mas também dentro do hip-hop. A mulher que não tem força e originalidade não consegue nem sair do primeiro palquinho, morre ali mesmo. O cenário de Antônia é a periferia, e a Tata mostrou que lá existem garotas bonitas, que cantam bem…

Q: Mostrou o talento, não só a violência.

CM: Hoje se tornou chique falar de periferia. Está na moda ser negro e do hip-hop.

Q: O glamour do morro, a favela chique.

Leilah Moreno: Na verdade, só conheci a realidade das periferias e visitei favelas quando fui fazer Antônia. Vim do interior, de São José dos Campos, e lá praticamente não tem periferia. Mas venho de uma família humilde, tive mais uma vida interiorana, de roça, de área rural. Antes de mudar para São Paulo, já estudava aqui. Fazia Universidade Livre de Música, acabei participando do programa do Raul Gil, fiquei dois anos contratada pela Record, gravei dois discos. Não terminei o curso, faltando quatro meses para me formar, parei, não tinha grana para pegar ônibus todos os dias de São José para cá. Mas tenho vontade de fazer faculdade de cinema. Vontade, não, eu vou fazer.

Negra Li: Lembro de viver na Vila Brasilândia sem muita perspectiva, de ficar na rua o dia inteiro com minhas amigas e sentir agonia porque sempre quis ser cantora, e pensava: ‘Será que não vou sair daqui?’, ‘como vou fazer para começar?’ Você não sabe por onde começar, onde se oferecer para cantar. Mas tive uma família maravilhosa. Minha mãe conseguiu botar os cinco filhos numa escola particular, com bolsa de estudos. Hoje estudo música na escola Groove. Estou lá firme e forte, no final do ano tem apresentação, vou cantar três músicas da Elis Regina. Nunca ninguém me apresentou nem me ensinou a ouvir MPB, meus pais não tinham bagagem musical, não tinham discos porque são evangélicos. Meu pai era, minha mãe é. Eu sempre fui. Estou aprendendo agora a ouvir Baden Powell, Gilberto Gil, Jorge Ben. E estou adorando.’

 

VIDA DIGITAL
Sílvio Meira

Nasce o homem algorítmico

‘A digitalização é um dos principais fundamentos da nova economia criativa. quanto mais conectado, mais habilitado se está para os embates do presente e do futuro

Pedro está colado no celular de Mano jogando alguma coisa cuja trilha sonora é de tirar o juízo de qualquer um que não tenha anos de meditação. De repente, pára e pede: ‘Mami, diga xis!’ A mãe, no banco da frente, diz. Pedro retruca: ‘Olhando pra cá, né, mami?’ Todo mundo ri. Pedro, 6 anos, e Mano, 10, estão explorando um dos 120 milhões de celulares existentes no País, muitos deles nas mãos dos ‘manos’ de 10 anos.

Taperoá não tem internet. Não uma internet pra botar em casa ou nas lojas. Mas Taperoá, a do Cariri da Paraíba, tem uma lan house que, não descobri como, tem internet. E os freqüentadores (meninas, na maioria) estão o tempo quase todo num chat com alguém de longe ou no Orkut de suas vidas (e dos outros). Se a comunidade Taperoá do Orkut fosse só de gente que mora lá, equivaleria a mais de 10% da população da cidade. Comparativamente, a galera do ‘Recife’ teria mais de 300 mil pessoas. Taperoá também está no YouTube e, como não poderia deixar de ser, em taperoa.com. E Taperoá não tem telefone celular. Ainda.

Tropa de Elite é um grande sucesso de bilheteria. E de pirataria. A bilheteria tem muito a ver com a pirataria. E a pirataria tem tudo a ver com o suporte digital para a mídia, que permitiu copiar o filme, sem perda de qualidade, a custo perto de zero. Nos velhos rolos de filme, naquelas latas grandonas e com projetores quase do tamanho de uma geladeira, como no Cine Rio Branco lá em Arcoverde, não dava pra piratear nada. Muito menos pra fazer marketing viral (boca a boca, rápido) que levasse tanta gente ao cinema, em tão pouco tempo, em todo o Brasil. Sem falar que o filme, em sua versão ‘livre’, já rodou o mundo inteiro. Via DVD e internet.

* Silvio Meira, engenheiro formado pelo ITA, é professor titular de engenharia de software do centro de informática da Universidade Federal de Pernambuco e cientista-chefe do Centro de Estudos e Sistemas Avançados do Recife (C.E.S.A.R).’

 

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