Monday, 23 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

Carta Capital

KAKÁ
Carta Capital

Quem mente é a Renascer, 7/3

‘Os representantes da Igreja Renascer, cujos fundadores cumprem pena de prisão nos Estados Unidos, iniciaram uma nova ofensiva para tentar desqualificar a reportagem de capa de CartaCapital da edição 478, de 16 de janeiro de 2008.

O texto, do jornalista Paolo Manzo, revelava o interesse do promotor Marcelo Mendroni, do Ministério Público de São Paulo, de entender as relações do jogador de futebol Kaká com a Igreja.

Os advogados e a assessoria do apóstolo Hernandes e da bispa Sônia, que enfrentam vários processos no Brasil, acusaram CartaCapital de basear-se em documentos falsos, em evidente tentativa de intimidação.

A revista obteve a seguinte confirmação do Ministério da Justiça: o documento publicado na edição 478 é verdadeiro e foi encaminhado ao Departamento de Recuperação de Ativos e Cooperação Internacional do Ministério pelo promotor Marcelo Mendroni.

Uma primeira versão dos documentos com as perguntas de Kaká foi remetida em setembro do ano passado, mas em português. O ministério solicitou ao MP a tradução para o italiano. Feitas as correções, o material foi reenviado em fevereiro último. Como não havia nenhum obstáculo, o Ministério da Justiça já enviou as questões à Itália. Ou seja, a qualquer momento, Kaká pode ser chamado a responder às perguntas.

CartaCapital, diante dos fatos, irá tomar as medidas cabíveis contra quem a acusa de mentir e dar guarida a documentos falsos.’

 

MULHER NA MÍDIA
Phydia de Athayde

Comigo não, violão, 7/3

‘´Comigo não, violão. Na cara que mamãe beijou, Zé Ruela nenhum bota a mão´, canta a sambista Alcione, na música Maria da Penha, batizada com o nome da lei que pune com mais rigor a violência doméstica contra mulheres. Sancionada em 2006, a lei representou um passo importante na luta pelos direitos das mulheres. Este ano, porém, o avanço se dará em uma seara mais sutil e extremamente poderosa: a mídia.

O governo federal acaba de apresentar o novo plano de políticas para as mulheres e, ao lado de temas históricos como inclusão social, educação, saúde, combate à violência e à segregação, figura pela primeira vez o item ´cultura, comunicação e mídia democráticas e não-discriminatórias´. Não é pouco. A própria Alcione, em entrevista a CartaCapital, prevê que a nova posição do governo renderá ´uma briga muito grande´. Ela menciona, sabiamente, o cerne da questão: ´As emissoras de tevê abusam, o pessoal da propaganda também. A desvalorização do sexo feminino vem daí´.

Não é de hoje que tanto grupos organizados de mulheres como as próprias, individualmente, não se sentem bem representadas na tevê, nos outdoors e nas rádios. ´O tema mídia sempre foi caro ao movimento de mulheres. Agora essa discussão está em um patamar muito amadurecido´, avalia a ministra Nilcéa Freire, da Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres (SPM). Ela anuncia, em primeira mão, a criação de um observatório nacional da mídia, ainda este ano, para tratar do tema.

´Vamos monitorar sistematicamente a imagem da mulher na mídia, numa ação conjunta com a sociedade civil. A sociedade tem o direito de opinar, de discutir e de solicitar a retirada de algo que não esteja de acordo com padrões éticos do que somos e do que queremos construir. Vamos criar esse diálogo.` A ministra destaca a necessidade de se desenvolver uma metodologia para tanto, e diz que tomará como base o Observatório Maria da Penha, com trabalho ainda incipiente.

Criado em setembro de 2007 para verificar o cumprimento da lei, o Maria da Penha recebeu 800 mil reais para os dois primeiros anos de trabalho. ´Em abril, testaremos os indicadores que estamos construindo e, até o final do semestre, colocaremos nosso site no ar. A intenção é criar mecanismos que possam ser replicados´, diz Sílvia de Aquino, professora da Universidade Federal da Bahia (UFBA) e uma das coordenadoras nacionais do grupo, que reúne cerca de 10 organizações feministas.

A Ouvidoria da SPM recebe todo o tipo de denúncias, desde casos de violência contra a mulher como, também, de programação televisiva ou publicidade abusivas. Neste último, o Conselho Nacional de Auto-Regulamentação Publicitária (Conar) mantém diálogo com a secretaria. O trabalho, porém, não é abrangente por tratar apenas de denúncias pontuais.

Por sua vez, as entidades ligadas ao movimento de mulheres dificilmente são atendidas em suas queixas a anunciantes ou emissoras de tevê. Um caso envolvendo a cervejaria Skol e a ONG Observatório da Mulher exemplifica a situação. Em 2006, na campanha publicitária ´Musa do Verão` amplamente divulgada na televisão, uma mulher loura e magra, de biquíni, era clonada e distribuída, como uma garrafa de cerveja, para homens. A ONG protestou ao Ministério Público de São Paulo, que instaurou um Inquérito Civil Público. A Ambev (detentora da Skol) acenou positivamente a um Termo de Ajustamento de Conduta, mas não houve acordo sobre os termos e a empresa abandonou o diálogo. O caso está sob os cuidados do Ministério Público Federal e a ONG informa que entrará com uma Ação Civil Pública, agora na Justiça Federal. Procuradas por CartaCapital, a Ambev e a Skol preferiram não se manifestar sobre o assunto.

Em um caso com desfecho diferente, denunciado em 2003 pelo Cladem-Brasil, uma rede latino-americana de ONGs, a cervejaria Kaiser colocou em circulação as bolachas de chope que diziam ´Mulher e Kaiser: especialidades da casa´. Por força de um Termo de Ajuste de Conduta com a Promotoria de Defesa do Consumidor de São Paulo, teve de fazer anúncios de contra-propaganda em jornal e revista, além de financiar seminários em cinco regiões do País para reparar os danos à imagem da mulher.

Aos poucos, a luta dos movimentos sociais para colocar o comportamento da mídia em xeque alcançou resultados mais sólidos. Em abril do ano passado, uma audiência pública no Ministério Público Federal colocou pela primeira vez frente a frente diretores das principais emissoras de tevê do País e entidades de mulheres, que exigiam direito de resposta ante do tratamento dado a elas na programação. A audiência resultou na criação de um grupo de trabalho que peregrinou em reuniões com as emissoras, até que representantes da Associação Brasileira de Rádio e Televisão (Abert) e da Associação Brasileira de Radiodifusores (Abra) anunciaram o encerramento do diálogo. O direito de resposta, acordado na audiência, não seria concedido.

O presidente da Abert, Daniel Pimentel Slavieiro disse a CartaCapital não iria se manifestar sobre o assunto.

´Vimos um duplo discurso, e percebemos que esbarramos nas limitações das emissoras´, entende Rachel Moreno, que integra a Articulação Mulher e Mídia, grupo de cerca de 20 entidades ligadas à questão feminina. Ela provoca: ´Somos 52% da população, somos a maioria das telespectadoras, decidimos 80% do consumo. Não convém brigar com as mulheres, convém contemplá-las, respeitá-las´. A psicóloga e pesquisadora da ONG Observatório da Mulher diz que, fora algumas exceções, os programas de maior audiência da tevê difundem valores do século passado. ´O prêmio para a mulher é casar, os conflitos de classe se resolvem na cama, os modelos de comportamento são conservadores e o estereótipo da beleza é opressor´.

Apesar disso, Rachel confia que 2008 será um ano decisivo na relação entre as mulheres e a mídia. ´Queremos realizar um seminário nacional, em conjunto com a secretaria, para discutir monitoramento social e formar núcleos de acompanhamento da mídia em todos os cantos do País´, diz ela, com a experiência de quem atuou na Campanha Contra a Baixaria na tevê (iniciativa que tirou do ar o apelativo programa de João Kléber).

Rachel estima que até o fim deste ano o monitoramento poderá estar acontecendo. ´Comunicação tem duas mãos. Controle social não é censura, é diálogo. Queremos ser bem representadas e ser tratadas com respeito pelos os veículos de comunicação.`

Bem longe da imagem de uma feminista, a atriz Preta Gil está no meio de uma batalha que reúne os mesmos argumentos de Rachel e da ministra Nilcéa. No início do ano, ela foi à praia no Rio de Janeiro, tomou um caldo no mar, depois tomou uma ducha. Bastou para se tornar alvo de chacota e brincadeiras grosseiras, como uma representação feita pelo humorístico Pânico na TV, em que uma atriz era puxada do mar com cordas, como uma baleia atolada. ´Foi um exagero, um desrespeito total´, diz Preta.

Desde o lançamento de seu primeiro CD, em 2003, em que aparecia nua no encarte, Preta Gil foi tomada como ´a gordinha bem resolvida´. Ela confessa que era ´desavisada` na época e que nunca quis essa bandeira. ´Acho chato ter de ficar me enquadrando em um determinado julgamento. É claro que a forma física não deixa de ser uma questão em minha vida, tanto que estou me cuidando mais, para preservar a minha saúde´, diz, e conclui: ´A bandeira que eu levanto é a mulher ser feliz do jeito que é, buscar a auto-estima. Acho importante que a sociedade tenha seu espelho na mídia.´’

 

NASSIF vs. VEJA
Mino Carta

Luis Nassif e o Dossiê Veja, 7/3

‘O estudo das atividades político-comerciais da revista Veja, que seu autor, Luis Nassif, batizou dossiê, causa a repercussão merecida. Antes de mais nada, porque Nassif pertence à restrita categoria dos jornalistas habilitados a diferenciar a verdade factual das suas opiniões e venetas de cada dia.

Ou por outra: bem ao contrário de alguns freqüentadores das páginas da semanal da Editora Abril, Nassif não acusa sem prova e muito menos calunia. No canto oposto, está uma publicação que se esmera em comportamentos reacionários de extrema agressividade, mascarada de denúncia das mazelas do mundo, a transitar, de fato, entre o provincianismo do falso intelectual e o furor do recalcado.

Veja porta-se como se estivesse acima da verdade factual. Quem sabe, Roberto Civita seja tentado a dizer, com a candura de quem alimenta apenas certezas, ´a verdade sou eu´. Mas o dossiê de Luis Nassif desfia tramas variadas, urdidas pela Editora Abril a serviço de insondáveis cruzadas contra o senso comum, a inteligência e a ética. E a própria história (com H grande).

Há algo de insano nas atitudes de Veja. Certo é, porém, que Luis Nassif não precisa de apoio para conduzir seu estudo. Trata-se de um profissional talentoso, competente, responsável e de estilo próprio. De minha parte, limito-me a lamentar a parábola da revista, esta frase descendente a mirar no fundo do poço. Haverá quem alegue sua elevadíssima tiragem para demonstrar-lhe o êxito. No entanto, cabe outro ponto de vista: demonstra a confusão reinante na chamada classe média brasileira.

Neste sentido, a mídia nativa, rosto tradicional do poder, continua empenhada na permanência das coisas como estão para ver como ficam. Quem milita do lado contrário é posto em questão. Uma nota na coluna social do Estadão de quarta 5 chamou-me a atenção. Fala-se ali, neste espaço destinado a contar as pífias aventuras de um punhado de pessoas, sempre e sempre as mesmas, de uma reunião que se daria em São Paulo, no sábado 8, entre figuras do jornalismo alternativo ( a palavra é esta) para debater a formação de uma ´frente única´.

Frente de qual guerra? A coluna bondosamente me inclui entre os participantes, e tudo foi surpresas para mim. Nada sei de reunião e de frente única, e estou longe de ser ´alternativo´, como não o são os demais citados, entre eles os professores Emir Sader e Luiz Gonzaga Belluzzo, e jornalistas do porte de Raimundo Pereira e Luis Nassif. Não exageremos, porém, em espantos. Coluna social sumiu da imprensa contemporânea do mundo faz mais de cem anos. O provincianismo, na sua manifestação mais medíocre, ou mesmo ridícula, impera nestes espaços indestrutíveis em jornalões e revistas especializadas, bem como nas páginas de Veja.’

 

ESQUECIMENTO
Emiliano José

Chico Pinto e a amnésia da imprensa, 4/3

‘Eu fico impressionado com a memória de nossa imprensa. Roberto Darnton, no precioso O Beijo de Lamourette, editado pela Companhia das Letras, lembrou um dia uma fórmula preciosa do jornalismo: ´Tudo que couber, a gente publica´. Por tudo que couber entenda-se aquilo que é selecionado – e a seleção sempre observa critérios, por mais que haja a aparência de que há descontrole. Não há. Ou explícita ou implicitamente, quem seleciona tem um programa a cumprir. Inclui-se ou exclui-se a partir de pontos de vista e também de acordo com interesses a preservar ou a atacar.

Digo isso a propósito de Chico Pinto, que morreu muito recentemente – no dia 19 de fevereiro deste ano. Por que a imprensa brasileira – salvo os jornais da Bahia e o Terra Magazine – ignoraram a morte de um dos mais importantes políticos brasileiros das últimas décadas? Não, não imaginem que há qualquer exagero nisso. E faço logo o alerta porque admito que as gerações mais novas de jornalistas talvez não tenham informações suficientes sobre Chico, e possam considerar, assim, que estou forçando a barra. Não estou. Ele teve grande importância em nossa história.

Chico Pinto merecia mais atenção. Foi um apaixonado. A paixão é própria dos grandes políticos, daqueles que têm sentido de missão, que cultivam o espírito público. Era um apaixonado pela liberdade. Tinha ódio às tiranias. Lutou bravamente contra a ditadura militar, sem nunca transigir. Até o fim foi conseqüente, para lembrar frase recente de um de seus heróis, Fidel Castro. Era um gentleman. Polido, educado, falava baixo, acendia um cigarro no outro, ouvia seus interlocutores com toda atenção. Era um homem da civilização, da política.

Ser da política, no entanto, tinha, em Chico Pinto, um significado claro: defendia idéias. Talvez pudesse repetir, com Gramsci, ser um homem comum de convicções profundas. Sim, homem comum porque embora fosse do teatro da política, ocupasse as tribunas, não era do espetáculo gratuito ou da encenação hipócrita. Era um homem verdadeiro. E carregava consigo, com absoluta naturalidade, aquilo que Hannah Arendt considerava a principal virtude de um político: a coragem.

Foi vereador e prefeito de Feira de Santana, sua cidade. E em 1964 foi preso e teve cassado o mandato de prefeito. Sua primeira prisão. Em 1970, torna-se deputado federal e se notabiliza pelo seu combate à ditadura e ao coronel da política baiana de então, Antonio Carlos Magalhães. Foram vários mandatos de deputado federal. Foi a principal liderança do grupo autêntico do MDB/PMDB, que conseguiu forçar o partido-frente a tomar posições mais aguerridas.

Em 1974, na posse do ditador Ernesto Geisel, protagoniza um de seus muitos episódios plenos de coragem e ousadia. Augusto Pinochet, então ditador chileno, esteve presente. Chico não contou conversa: fez um discurso duríssimo contra a ditadura do país vizinho e contra Pinochet. Foi cassado e condenado a seis meses de prisão. Quando Geisel quis indultá-lo, fez questão de recusar. Não aceitava nenhum favor de ditadores. Cumpriu a pena e em 1978 teve votação consagradora para deputado federal, novamente. Era assim o Chico.

Era homem de diálogo, da política. Conversava demoradamente com Tancredo, com Ulysses, com radicais e moderados. Não se esqueça, no entanto, de outra faceta de Chico: extraordinário orador. Quando no palanque, especialmente nos comícios, se transformava. As ruas, o povo o modificavam. Não poupava os generais, nem a corrupção da ditadura, e falava das tempestades revolucionárias que estavam a caminho, para recuperar uma das muitas imagens que gostava de utilizar. Suas metáforas tinham uma natureza revolucionária, panfletária, e aqui no melhor sentido da expressão.

Participou diretamente da operação que levou Theodomiro Romeiro dos Santos à Nunciatura Apostólica em Brasília. Theodomiro havia fugido da Penitenciária Lemos Brito às vésperas da anistia, em 1979. Ficou algum tempo na clandestinidade até se asilar na Nunciatura. E Chico levou o então clandestino Theodomiro à representação diplomática do Vaticano e teve um duro diálogo com o núncio apostólico, que terminou por aceitar que Theodomiro se asilasse. De lá, Theodomiro foi para o México, depois para Paris, para só voltar em 1985, quando a ditadura terminou. Para quem não sabe, Theodomiro foi condenado à morte pela ditadura. Depois, a sentença foi revista. Chico Pinto era assim: sempre disposto a correr riscos.

E aos que não sabem, enveredou pela imprensa alternativa. Especialmente, dedicou-se ao jornal ´Movimento´, que durante anos exerceu um papel fundamental na luta contra a ditadura, evidenciando as fragilidades de nossa grande imprensa de então. Cultivou a crença, durante a ditadura, que era possível contar com uma parte da oficialidade do Exército – a chamada área nacionalista. É claro que isso não deu certo, mas se trata de um equívoco menor diante de tantos méritos na luta contra o regime de terror iniciado em 1964.

Será que um homem como esse não merecia umas tantas linhas? Os editores devem ter decidido que não. Talvez porque sequer conheçam nossa história. Ou, quem sabe, porque conhecendo-a, não quiseram revelar os méritos de um político tão cheio de carisma, dignidade, coragem e ética.’

 

CINEMA
Ivana Bentes

Chamem a juíza Karam!!!, 5/3

‘Assistir Meu Nome Não é Johnny depois de Tropa de Elite é ótimo para perceber os discursos estéticos e políticos que atravessam os filmes e seus personagens frente a questão das drogas e da violência: de um lado o mais novo herói brasileiro, o garoto propaganda da cerveja turbinado como Capitão Nascimento e defendendo a ´moral da tropa´, a ´boa` policia que destila ódio e ressentimento contra Ongs de ´menininhas bonitas bem intencionadas´, demoniza jovens que fumam maconha (´quantas crianças vão para o tráfico para esse cara fumar um baseado´) , e rotula todos com a mesma insígnia de ´inimigos públicos número 1´: consumidores, traficantes, policia corrupta, ongs, todos merecem um ´corretivo` dos camisas-preta.

O filme e o personagem não criam nenhuma brecha para qualquer questionamento, a ação arrasta o espectador para um discurso regressivo e vingativo, bastante popular, de culpabilização, moralismo e terror, sintetizados na cena em que o Capitão Nascimento, enfia a cara de um consumidor num cadáver ensangüentado berrando ´veado, maconheiro é você que financia essa merda!!!`

O prazer, o gozo regressivo do personagem em estado de excitação vai produzindo uma comoção fácil na platéia, a verdade da fúria santa e da ´indignação´, o mesmo tipo de denuncismo e indignados que a mídia não cessa de repercutir e incensar, com a propagação de idéias e slogans simplórios, ´contra a corrupção´, ´contra dar dinheiro aos pobres´, contra qualquer política que crie uma real ruptura no estado das coisas.

Narrados na primeira pessoa, os dois filmes constroem uma identificação imediata, cinematográfica, entre o espectador e os personagens-narradores a partir desses momentos de catarse. O Capitão Nascimento excitando nosso devir-fascista, com sua ´expertise´, frases-feitas, camisa-preta e apologia da tortura, do extermínio e celebração da morte. Ou seja, o terror de Estado legitimado cinematograficamente e socialmente. E, de outro lado, o narrador-experimentador, João Estrela, também falando na primeira pessoa do singular e partilhando seu devir-consumidor, devir-traficante, devir-família, devir-presidiário, devir-careta, sem que nada disso seja ´incompossível´, nem tenha que ser demonizado e negado.

A primeira vítima da narrativa de Tropa da Elite é portando o espectador, tornado refém da lógica do Capitão Nascimento e de Matias, aspirante a Capitão, que só têm um devir: virarem assassinos fardados e arrastar o espectador no gozo regressivo da repressão, da tortura, e da infantilização, o Bope é o ´bicho papão` de preto e caveira, fantasia carnavalesca que as crianças adotaram no Rio de Janeiro, ´e que vai pegar você´.

O filme cola nesse discurso de tal forma que é impossível não querer o que ele quer e não justificar suas ações. O espectador se torna refém. Não é coincidência que o símbolo do Bope é a mesma caveira-símbolo dos esquadrões da morte. A pulsão de morte e a adrenalina, o gozo imperativo e soberano em ver, infligir e se expor a violência está presente em todo o cinema de ação comercial, numa regressão planetária que reafirma a ´autoridade absoluta´, o poder que normalizaria o caos e regraria a catástrofe, mesmo que utilize para isso a violência e arbitrariedade máximas. Toda a ideologia Bush, anti-terrorista, cabe aí. É o mesmíssimo discurso! A guerra infinita, a guerra total permanente.

O dualismo e pragmatismo do personagem do Capitão se repetem em cenas catárticas em que esculacha e sufoca com um saco plástico gosmento de sangue um garoto do tráfico, chutado, espancado, torturado, para passar mais informações. O filme justifica a tortura da ´boa` policia como parte de sua expertise e eficiência. A tortura é apenas mais uma ´tecnologia´, como o Caveirão, totalmente justificada, ´moralmente` e cinematograficamente, como num ´institucional do Bope´, como já disseram.

Meu nome não é Johnny aposta num anti-Capitão Nascimento, um anti-herói hedonista e sedutor, ´no stress´, que cheira para se divertir, para amar, sem deixar de ser afetuoso, família, amigo, amante. A figura não-clichê de João Estrela sugere que o pressuposto de ´um mundo sem drogas` é no mínimo hipócrita, e não leva em consideração a cultura e o desejo humano e um componente importante no cenário contemporânea, o risco assumido e livre. Como a gordura trans e o álcool, qualquer droga seria um ´direito` do consumidor contemporâneo. Por que não?

É sabido que o consumo de drogas não fere nem ameaça a rede social, é uma decisão, um risco individual. O consumo de drogas não seria menos epidêmico e arriscado que o consumo de gorduras, aditivos cancerígenos, miríades de estimulantes, calmantes, excitantes e no máximo poderia ser um caso de saúde pública, não um caso de polícia se não houvesse a ilegalidade na produção e consumo.

É a ilegalidade e o proibicionismo que levam a criação de sistemas violentos para assegurar a produção e comércio das drogas. Grupos armados e para-militares para assegurar a produção e venda e defender o negócio da polícia e de outros concorrentes, acertos de contas internos, zonas de controle de territórios pela violência armada, corrupção, subornos, assassinatos para assegurar a lavagem de dinheiro, cultura da delação e da traição, delação premiada, produzindo ódio, desconfiança e vingança generalizados.

Sobre a legalização das drogas, o Capitão Nascimento age como uma toupeira. Essa hipótese não existe para o personagem, nem para o filme, dramaturgicamente. Em Meu Nome não é Johnny a questão aparece de forma mais interessante e complexa, mas não faz parte do mundo mental ou social dos personagens.

As hipóteses e explicações nos filmes patinam em clichês já sabidos (mas não custa repetir, Meu Nome não é Johnny é muito mais sofisticado e sutil).

Afinal, por quê não circulam outros discursos sobre as drogas, como os da juíza de direito Maria Lúcia Karam ou do advogado carioca André Barros, que defendem e militam pela descriminalização, a medicalização e a legalização das drogas, com avanços gradativos?

O usuário podendo fazer uso de consumo individual, freqüentar salas de consumo, ter acompanhamento médico e controle da qualidade do produto, até chegarmos a legalização e controle do comércio de drogas, seja por empresas privadas ou pelo estado.

Legalizar, defende a juíza, é quebrar o ciclo da violência das armas, da corrupção (da policia, de políticos, de empresários), da guetificação da violência e da repressão policial infringida às favelas e aos pobres, do uso e extermínio da mão de obra infantil e de jovens, da degradação da saúde, através do uso seguro, é romper um ciclo vicioso de violência já instalado.

Legalizar é acabar com a hipocrisia e combater a violência extrema e o regime de exceção e arbitrariedade legitimados pelo Estado, pela polícia, pela sociedade-anti-pobres e pelo tráfico, sócios na produção da atual barbárie.

Nem corrupção, nem omissão, nem guerra. A questão é de guerrilha, é não ficar refém do Capitão Nascimento, é minar os clichês e discursos conservadores. Chega de vingança regressiva, chamem a juíza Karam!’

 

BOICOTE
Wálter Fanganiello Maierovitch

Irã boicota Feira do Livro em Paris, 5/3

‘A tradicional e sempre concorrida Feira do Livro de Paris terá início no dia 13 de março próximo (quinta-feira).

Como é da tradição, todos os anos a Feira do Livro de Paris homenageia um país. Neste ano de 2008 será Israel, com a presença do seu presidente, Shimon Peres, que estará na abertura ao lado de Nicolas Sarkozy.

Antes de começar a feira, no entanto, já começaram os boicotes.

O ministro da Cultura do Irã, em comunicado publicado em jornal, informou que os escritores e os editores iranianos não participarão da feira e nem darão autorização para a exposição das suas obras. Motivo: ter sido Israel escolhido como hóspede de honra.

Como se percebe, o ministro dá ordens sem consultar editores e escritores. Eventuais contratos internacionais, muito comuns nas traduções, não contam para o refiro ministro-ayatolá. Isso acontece nos estados teocráticos, como no Irã dos fundamentalistas xiitas.

Hoje, Arábia Saudita e Síria, diante da desproporcional reação de Israel (atacada na região de fronteira com a Faixa de Gaza por foguetes katiucia e mísseis iranianos disparados por simpatizantes do Hamas) que culminou com a invasão parcial da Faixa de Gaza, com 100 mortos e dentre eles cinco crianças, informaram o mesmo que o Irã. Ou seja, também boicotarão a Feira do Livro por não aceitarem Israel como país homenageado.

O ayatolá no cargo de ministro da Cultura apresentou uma pérola de justificativa: ´Não participamos de jogos desportivos porque nossos atletas refutam disputar com os israelenses. Também os nossos escritores e editores se recusam a participar de manifestações culturais com um país-agressor na condição de hóspede de honra´.

Já confirmaram presença na feira os três escritores israelenses mais lidos na França: Amos Oz, David Grossman e Abraham Yehoshua.

PANO RÁPIDO. Nos estados laicos, desde criancinha, se apreende que as iniciativas voltadas ao incentivo do conhecimento de diferentes culturas enriquecem, favorecem o diálogo e criam o respeito pelas diferenças.’

 

 

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Folha de S. Paulo – 1

Folha de S. Paulo – 2

O Estado de S. Paulo – 1

O Estado de S. Paulo – 2

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