VENEZUELA
Chávez, para nós e para os outros
‘As críticas ao comandante cabem, mas espanta é a incapacidade da mídia de encarar a personagem de um ponto de vista jornalístico
É perfeitamente admissível discordar de Hugo Chávez e desconfiar do seu ´socialismo do século XXI´, e estacionar entre a dúvida, a perplexidade, a suspeita e o repúdio. Difícil de digerir, para quem se empenha em praticar o jornalismo (não é preciso adjetivar, jornalismo é ou não é), o comportamento da mídia nativa em relação à derrota do presidente venezuelano no referendo de domingo passado.
O coro, como sempre, eleva-se em uníssono, e Chávez é a encarnação de Lúcifer. E como sempre, serpenteia nas raízes a subdolosa intenção de atingir o presidente Lula, réu por atribuir a Chávez um papel no projeto de juntar os cacos do subcontinente latino-americano e traçar um caminho próprio em vez de conformar-se com a condição de quintal dos Estados Unidos.
O maniqueísmo é uma forma de ignorância fatal e caracteriza os comportamentos midiáticos verde-amarelos, com lamentáveis resultados junto às classes A e B, leitores de cabresto, prontos a repetir lugares-comuns e a endossar a hipocrisia. Nos últimos dias, CartaCapital recebeu algumas cartas (de leitores?) que a acusam de ser chavista. Por quê? Simples, porque a reportagem de capa da última edição, de autoria de Cynara Menezes, enviada especial a Caracas, procura encarar a situação de um ângulo estritamente jornalístico, sem deixar de acentuar as dificuldades e as incongruências de Chávez.
Vamos definir as posições de CartaCapital em relação ao momento da Venezuela.
O ´socialismo do século XXI` é uma ideologia confusa, que pretende renovar idéias antigas e se parece, ao cabo, com algo similar ao sincretismo pronto a colocar Simón Bolívar ao lado dos heróis da santería, o candomblé local.
Nada de surpresas. O coronel pára-quedista é o fruto das circunstâncias, suas e do seu país, e os primeiros responsáveis por esta situação, a seu modo muito tormentosa, são os donos do poder venezuelano, aqueles que mandam por direito divino, as elites.
O plano do comandante é caudilhesco, mesmo porque ele não logra conceber outro. Sua pretensão é apresentar-se como herdeiro de Fidel Castro, cuja cabeceira de enfermo grave freqüenta com tal propósito. Seu egocentrismo é escancarado. O que poderá resultar desses intuitos para a América Latina não é previsível agora.
Seria bom para todos nós se ele soubesse tirar proveito da derrota para amadurecer politicamente e desistir de aventuras que confundem democracia conforme a definição de Sir Winston Churchill com democracia plebiscitária (sem exagerar na glorificação de Sir Winston). Se insistir, haverá riscos generalizados.
Algo está claro. Depois do revés, Chávez encolhe aos olhos dos colegas latino-americanos. Exagerou na aposta, subestimou a capacidade de mobilização dos estudantes e da classe média conservadora, e o erro custa e custará caro, de qualquer maneira. Seu peso político, na moldura latino-americana, diminui bastante. Na moldura mundial, também.
Nem por isso justifica-se desconhecer suas qualidades. Favorecido pela alavanca do petróleo em alta, ele se habilitou a desafiar o Bush júnior e, portanto, a estimular os nacionalismos latino-americanos. Do ponto de vista das políticas sociais, a Venezuela avançou, e até os seus opositores reconhecem.
Por último, não lhe faltam coragem e audácia. Nem sempre convêm ao jogo da política, mas são atributos que CartaCapital respeita e aprecia.’
DR. WEB
A medicina interativa chega à internet
‘O usuário poderá ter o controle do histórico médico e autorizar o acesso aos dados
A internet derrubou muitas barreiras e facilitou a utilização de vários serviços. É possível fazer check-in para um vôo sem passar pelo balcão da companhia aérea, realizar transferências bancárias independentemente do gerente ou pagar tributos, como o IPVA, sem passar por burocracias kafkianas. Com alguma paciência, é até viável registrar um boletim de ocorrência pela web.
Um setor que ainda resiste a esse avanço é a medicina. Uma boa razão é que a ciência requer um conhecimento muito profundo e os resultados de atitudes do tipo faça-você-mesmo não são animadores. Ninguém quer operar a própria apendicite ou remediar uma fratura exposta, mas não é bem esse o propósito da tecnologia. Ao combinar ferramentas de busca, recursos da internet e históricos médicos disponíveis em rede, o Google e a Microsoft querem que o poder na relação médico-paciente passe para o usuário.
Existe uma diferença entre procurar informações sobre uma doença e deixar todo um histórico com uma companhia de tecnologia. Por isso, a mudança não deve ser repentina, particularmente em países que ainda não informatizaram os dados sobre os pacientes. Mas, nos Estados Unidos, onde cerca de 20% da população tem registros digitais e o governo quer aumentar a rapidez da conversão para formatos chamados de sem papel, a revolução pode ser mais rápida. O usuário passará a ter controle do seu histórico médico. Não será mais preciso pedir que um médico passe as informações para outro, caso haja mudança de cidade. A posse dos dados será do indivíduo.
O serviço da Microsoft chama-se HealthVault (baú ou cofre da saúde) e pode ser acessado por qualquer usuário, embora ainda esteja em fase de testes (www.healthvault.com). A página de abertura oferece os compromissos da Microsoft aos usuários, entre eles, ´você decide quem pode ver ou usar sua informação caso a caso´. O usuário pode fazer buscas, digitar o histórico médico ou passar as informações por meio de fax, caso ainda estejam em papel, permitir que médicos acessem os dados, gerenciar prescrições e armazenar imagens, como raios X e tomografias.
O Google ainda não abriu ao público o Google Health, mas o objetivo do serviço é semelhante. ´Achamos que os pacientes deveriam ter o controle de seu histórico e que poderiam dar o acesso a seguradoras, familiares ou a quem quisesse. O Google Health foi criado para ir ao encontro dessa necessidade´, diz uma mensagem na página principal.
A infra-estrutura é montada lentamente, mas resta o problema de manter tantas informações pessoais em um ambiente pouco seguro, como a internet. Segundo fontes ouvidas pelo jornal The New York Times, as duas empresas entendem que os pacientes devem demorar a confiar no serviço e que a escolha das informações será totalmente individual. Podem começar por colocar a idade, o sexo e alguma condição especial, como ser portador de diabetes, e depois passar a inserir dados mais detalhados. No caso de dúvidas ou arrependimentos, tudo pode ser apagado com um simples clique.’
LITERATURA
Os engenhos de Zé Lins
‘Nos 50 anos da morte do escritor paraibano José Lins do Rego, um fime traz à tona suas histórias e lendas e um novo livro é posto no mercado pela editora José Olympio
Quando menino, o documentarista Vladimir Carvalho tinha mania de parar em frente ao espelho e, fios pra lá, fios pra cá, ajeitar o cabelo à José Lins do Rego. ´Eu me achava parecido com ele´, conta, entre risos, o diretor de O Engenho de Zé Lins (em cartaz nos cinemas de São Paulo, Rio e Brasília desde a sexta-feira 14), biscoito fino do cardápio de homenagens em torno dos 50 anos da morte do escritor.
Carvalho, diretor de O País de São Saruê (1971) e Barra 68 (2000), paraibano e flamenguista como seu personagem, foi ensinado a sonhar com Zé Lins. ´Meu pai freqüentou a mesma escola que ele e passou a vida contando histórias. Apesar de ser dez anos mais novo que o Zé Lins, ele falava como se tivessem convivido e descrevia coisas que só depois eu fui perceber que eram inventadas.´
E é assim, moldado por contadores de histórias, que o autor de Menino de Engenho (1932) e Fogo Morto (1943) ressurge no filme. Seja na verve de Ariano Suassuna, na emoção do poeta Thiago de Mello, no afeto das primas ou na memória de Rachel de Queiroz (que morreu pouco tempo após o depoimento), Zé Lins é desenhado como o escritor de talento nem sempre valorizado, o homem que balançava entre a alegria efusiva e a tristeza de doer e o torcedor para quem o Flamengo não era um time, mas ´um estado de espírito´.
Com o auxílio de cenas do longa-metragem Menino de Engenho (1965), de Walter Lima Jr., o diretor reconstitui ainda o Nordeste da cana-de-açúcar, tornado fantasma, ao mesmo tempo que tenta enlaçar o passado ao presente. ´Quando encontrei os sem-terra no Engenho Tapuá, me dei conta de que o Zé Lins se antecipou a tudo isso em Moleque Ricardo´, diz. Outra preciosidade é o único registro fonográfico do escritor, recuperado numa entrevista dada em Lisboa, em 1956.
E Zé Lins retorna também por meio de escritos inéditos. A editora José Olympio acaba de lançar Ligeiros Traços – escritos da juventude (304 págs., R$ 35), terceiro livro póstumo colocado nas prateleiras. ´Ele é um autor clássico da José Olympio. Está aqui desde 1934. Andou um período na Nova Fronteira, mas logo voltou´, diz a editora Maria Amélia Mello. ´Nós tentamos, a cada dois anos pelo menos, fazer algo que recupere a obra dele, abra novos espaços e crie novos leitores.` Documentário e livro nos mostram que nas tristezas e engenhos de Zé Lins está guardado um marcante pedaço do Brasil.’
Ana Luísa Vieira
A ´aposentadoria` de Kotscho
‘A julgar pelo imenso título de seu 19º livro, pode-se pensar que Ricardo Kotscho enveredou para o caminho da auto-ajuda. No entanto, em Uma Vida Nova e Feliz… sem poder, sem cargo, sem carteira assinada, sem crachá, sem secretária e sem sair do Brasil (Ediouro, 248 págs., R$ 39,90), o jornalista não escreve apenas sobre o que o levou, há três anos, a abandonar o árido dia-a-dia como secretário de imprensa do presidente Lula para se tornar autônomo. Ao substituir o lado repórter pela vertente cronista, Kotscho conta saborosas histórias dessa nova fase, publicadas originalmente no extinto site No Mínimo.
Em 40 anos de profissão, sempre com carteira assinada e sem nunca ter ficado desempregado, o autor passou pelos principais veículos da imprensa brasileira. Depois da passagem pela Presidência, decidiu, em novembro de 2004, ficar em casa. Ou melhor, trabalhar de casa. ´Descobri que o grande barato é aprender a viver com menos… Pena que a gente leve tanto tempo para aprender essas coisas´, diz. Não que o premiado jornalista tenha passado a ignorar as mazelas sociais, tema recorrente em sua carreira. Ao contrário: ele continua escrevendo para a revista mensal Brasileiros. Mas, nesta segunda vida, como define, há mais espaço para assuntos leves, como teatro e música e, principalmente, para o bom humor.’
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