Thursday, 21 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Carta Capital

1984
Felipe Marra Mendonça

O Grande Irmão à espreita, 23/5

‘A distopia sombria, prevista por George Orwell no livro 1984, parece mais próxima de se tornar realidade no Reino Unido. O diário londrino Times revelou planos para a criação de uma base de dados com detalhes de todas as ligações telefônicas, mensagens eletrônicas e sites visitados por usuários britânicos. As informações seriam retidas por 12 meses e as autoridades poderiam consultá-las, mediante autorização judicial prévia.

Cerca de 57 bilhões de mensagens de texto foram enviadas a partir de celulares no Reino Unido em 2007. Além disso, mais de 3 bilhões de e-mails são recebidos no país a cada dia. Uma base que comportasse esse volume de dados seria um desafio de grandes proporções para o governo atual, notório pelo descuido com informações pessoais de usuários dos vários serviços públicos da Grã-Bretanha.

Em novembro de 2007, um funcionário da Receita Federal do país enviou, pelo correio, dois CDs com dados sobre famílias que recebiam auxílios financeiros para outra autarquia. O pacote nunca chegou ao destinatário. Os discos continham detalhes de 25 milhões de contribuintes, entre nomes, endereços, datas de nascimento e contas bancárias. Em outro exemplo, o Ministério da Defesa admitiu em janeiro que o laptop de um oficial da Marinha Real havia sido roubado na Escócia. O aparelho continha os dados de 600 mil cidadãos, com números de passaporte, do equivalente britânico do CPF e extratos bancários. Todos eram de indivíduos que tinham se interessado por carreiras na Marinha e na Força Aérea reais. A primeira crítica veio da agência independente criada pelo governo para proteger informações pessoais, o Information Commissioner’s Office. O vice-presidente da organização, Jonathan Bamford, disse que ‘se a intenção é trazer todos os registros de celulares e internet sob um só sistema, ela causa sérias preocupações e pode ser um passo além do necessário. Estamos lentamente criando uma sociedade-patrulha’.

O governo rebateu a acusação, ao sustentar que o plano facilitaria o acesso das autoridades a informações. Os dados ficariam numa base única e seria desnecessário abordar centenas de provedores, pois cada um exige um mandado de busca individual.

Até agora, os detalhes do plano só foram discutidos com companhias e provedores, como parte do preparo do discurso anual feito pela rainha, durante a abertura oficial do Parlamento britânico, que ocorre em novembro.

Já nos Estados Unidos, o estado da Virgínia pode se tornar o primeiro a instaurar nos currículos escolares aulas sobre segurança na internet. O objetivo é proteger as crianças do contato com pedófilos ou criminosos.

O vice-procurador do estado, Gene Fishel, explicou a necessidade da iniciativa em palestra recente para estudantes. Mostrou o perfil de uma menina de 15 anos no Facebook. Muitos dos presentes disseram que não teriam problemas em adicionar a menina aos seus contatos. Depois, Fishel revelou que a jovem era, na verdade, um homem de 31 anos, condenado a 45 anos de prisão por abusar sexualmente de 11 crianças que tinha conhecido pela internet. Cerca de 13% de americanos, com idade entre 10 e 17 anos, admitiram ter recebido mensagens com conteúdo sexual em pesquisa publicada em 2006.’

 

DE VOLTA AO PASSADO
Cynara Menezes

Anos 80, a revanche, 23/5

‘‘Os anos 80 foram diferentes’, suspirou Barack Obama em entrevista ao jornal Reno Gazette, de Nevada, em janeiro. Mas a que exatamente o pré-candidato democrata à Presidência dos Estados Unidos se referia ao relembrar aquela era com tanto saudosismo? Às ombreiras dos blazers? Ao corte de cabelo mullet? Aos games do Atari? Não, senhores, a Ronald Reagan. Como um pesadelo que sempre volta para nos assombrar com mais um pecadilho fashion ou musical, a nostalgia dos 80 chegou à política. E (tudo a ver com Reagan) com conexões no cinema.

Radical. Ou, como diriam as Tartarugas Ninja, ‘rad’. Ao lado de Rocky Balboa, as quelônias adolescentes foram as primeiras a reaparecer na telona, em 2007, seguidas por Duro de Matar 4 e Transformers. Sylvester Stallone ressuscitou o veterano de guerra Rambo, símbolo-mor da América oitentista. Agora, Indiana Jones tira a poeira do chapéu.

Em 2009, vêm Smurfs e as seqüências de O Cristal Encantado (1982) e O Exterminador do Futuro. Sem o governador da Califórnia no elenco, claro, pois Arnold Schwarzenegger deu hasta la vista, baby ao físico de aço já nos anos 90. Este mês, o produtor de MacGyver, Lee David Zlotoff, anunciou que pretende fazer um filme da popular série de tevê.

Que tempos são estes, em que sentimos saudade de detetives trambiqueiros, gnomos azuis misóginos, brucutus aposentados e atores canastrões transformados em presidentes da República? ‘É que na verdade nada muda’, explica John Rambo, em seu mais recente filme.

Não é bem assim. O mercenário Rambo já lutou ao lado dos afegãos contra os soviéticos e agora enfrenta a guerra civil em Mianmar. As marcas de tantas batalhas contra a idade renderam a Stallone o apelido de Rambotox. Bruce Willis, de Duro de Matar, tinha até topete nos 80.

‘Talvez as pessoas estejam com carência de heróis’, tenta elucidar o fenômeno o jornalista Luiz André Alzer, que, com Mariana Claudino, escreveu o Almanaque dos Anos 80 (Ediouro), com mais de 140 mil exemplares vendidos no Brasil. Para Alzer, a geração 80, tida como superficial, não tem nada de perdida. ‘Isso é preconceito. O diferencial para as gerações anteriores é a liberdade. As pessoas deixaram de ter uma bandeira para carregar e assim podiam brincar mais. Daí a saudade’, diz.

A falta de heróis também explicaria a nostalgia da era Reagan expressada pelo democrata Obama e boa parte dos republicanos, sedentos por reencarnar o astro do faroeste e da guerra nas estrelas – o programa militar, não o filme. ‘Reagan mudou a América de um modo que Nixon não fez, nem Clinton’, elogiou o senador democrata. ‘Ele captou o sentimento geral, que era ‘queremos clareza, otimismo, retorno ao senso de dinamismo e empreendedorismo’.’

Um sentimento que, acreditam analistas, se repete no país: os Estados Unidos estão com a auto-estima baixa e necessitam de uma mensagem de mudança, personificada por um líder carismático, messiânico até, como foi Reagan. Em 1979, pouco antes de a era Reagan começar, faltava gasolina nos postos, havia inflação. Os gringos estavam na pior.

Por isso o surgimento, na ficção, de redentores como Rambo. Há quem avalie agora que a eleição do ator republicano foi menos uma guinada à direita do que sedução pela mensagem de esperança que ele transmitia. Assim como uma opção por Obama seria menos uma guinada à esquerda do que a vitória do otimismo diante dos desastres da administração Bush.

Ou talvez tudo se explique porque, sendo George W. Bush um horror, o passado pareça ótimo, filmes inclusive. ‘Desde quando Reagan deixou de ser uma porcaria?’, pergunta-se Louis Bayard, articulista da revista eletrônica Salon, num questionamento que poderia se aplicar a Rambo e a Duro de Matar. Ou aos anos 80 como um todo, para ser francos. ‘Odiar Reagan era uma profissão de fé, tanto quanto é odiar Bush’, diz Bayard em artigo publicado na terça-feira 13. ‘Mas temos de admitir que Reagan… não… era… tão ruim.’

‘Não, pelo amor de Deus’, reage o diretor-geral da Columbia-BuenaVista no Brasil, Rodrigo Saturnino Braga, diante da possibilidade de o revival cultural e comportamental dos anos 80 estar conectado a uma certa nostalgia da era Reagan. Mas admite a afluência de ícones oitentistas no cinema como repetição do desejo de um modelo vingador de herói. ‘Há uma intolerância na sociedade em geral, uma admiração pelo cara que resolve tudo, à margem da Justiça’, diz Braga, colocando no mesmo caldeirão Rambo e o Capitão Nascimento, de Tropa de Elite.

O executivo explica que chegou ao poder nos estúdios cinematográficos uma nova geração, crescida nos anos 80. ‘Os caras têm entre 35 e 45 anos, ou seja, é gente que cultuava Rambo, Rocky.’ Conta que em 2006, em uma convenção em Orlando, havia um frisson enorme entre executivos em torno do novo filme de Rocky.

Os músculos de Rocky, Rambo ou do Duro de Matar Bruce Willis não foram páreo para a varinha mágica de Harry Potter e a Ordem da Fênix, que faturou quatro vezes mais do que cada um desses blockbusters da época das calças baggy. Com Rambo, a surra foi tremenda. Enquanto a última aventura do mágico levou 4 milhões de espectadores ao cinema só no Brasil, Rambo não atraiu nem 400 mil. Aí se chega ao xis da questão: esse tipo de filme é capaz de atrair o público jovem? ‘É o que nos perguntamos em relação a Indiana Jones’, diz Braga. ‘Vai haver uma fila de tiozinhos na porta do cinema’, ri Alzer.

Quem estrela o novo Indiana Jones ao lado de Harrison Ford é Shia LaBeouf, nascido em 1986, cinco anos depois da estréia de Os Caçadores da Arca Perdida. O jovem ator também foi o protagonista de Transformers, outro filme sobre algo que ele nem tinha sido concebido quando surgiu. LaBeouf nunca chegou a brincar com os carrinhos que se transformavam em robôs, sucesso em 1984.

O diretor-geral da Paramount no Brasil, Cesar Silva, que lança o novo Indiana Jones, aposta que os fãs coroas vão impulsionar a bilheteria, levando filhos pequenos. ‘O público adolescente vai ser mais difícil de atrair’, reconhece. Em junho, será a vez de O Incrível Hulk, mais inspirado na série dos 80 do que o primeiro filme, justamente para conquistar os nostálgicos.

Pelo menos na tela grande, Anos 80 – O Retorno parece servir melhor à geração Obama, que já tinha 20 anos quando a primeira aventura de Indiana Jones foi lançada e provavelmente vai amar revê-lo. Indiana, aliás, declarou voto no democrata. Como todo ex-veterano do Vietnã que se preza, Rambo prefere John McCain. Ambos sob os auspícios do saudoso cowboy, o presidente teflon, o marido de Nancy. Quem diria.

E, a propósito, em novembro tem show de Cyndi Lauper no Brasil. Rad!’

 

TELEVISÃO
Nirlando Beirão

Juvenal, um brasileiro, 23/5

‘Se alguém quiser entender o verdadeiro sentido da palavra populista, basta ligar a TV Globo naquela novela das 8 que começa às 9. Populista é o jeito que as pessoas com ódio do populacho encontraram para se referir a alguém que é popular, que – horror! – fala a língua e conhece a alma do povo.

Eis que pontifica por lá, no horário paradoxalmente nobre, o extrovertido Juvenal Antena. Ele é o líder da Portelinha – uma favela plana que tem muito mais cara de subúrbio. Juvenal é o populista clássico, já que é extremamente popular. Leva a vida com a intensidade do linguajar trôpego e das emoções sinceras. Tem uma filha moreninha e namoradas sapecas. É roliço, falastrão, torrado de sol – um cativante personagem dos trópicos.

É como se Lula e Antonio Carlos Magalhães tivessem tido um filho juntos, como se Zeca Pagodinho se encontrasse com Macunaíma não no bar, mas numa sessão do Senado em que estivesse presente o impoluto Agripino Maia, o apologista dos torturadores.

Juvenal preside um confessionário para a massa, uma espécie de Casas Bahia do sentimento, com farto crediário e intrínseca credibilidade. Dirime pendengas, fornece benesses, administra justiça – a seu jeito, bem entendido. Assiste os pobres, paterno e paternalista. É um coronel do asfalto, mestre naquela política que dá pão e samba e cobra o beija-mão. Está em campanha, acuado por um adversário new face. Vai perder – está escrito. Mas também dá para adivinhar que Aguinaldo Silva vai deixar no ar aquela suspeita de que plus ça chance, plus c’est la même chose.’

 

 

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Folha de S. Paulo – 1

Folha de S. Paulo – 2

O Estado de S. Paulo – 1

O Estado de S. Paulo – 2

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