Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Carta Capital

LEI DE IMPRENSA
Redação CartaCapital

Um entulho a menos

‘Taís Gasparian, sócia do escritório Rodrigues Barbosa, Mac Dowell de Figueiredo, Gasparian Advogados, tem uma longa trajetória na defesa dos meios de comunicação. Ela acompanhou de perto o julgamento do Supremo Tribunal Federal que revogou a Lei de Imprensa, criada na ditadura. A seguir, a advogada comenta a decisão do STF.

CartaCapital: O que a senhora achou da revogação da Lei de Imprensa?

Taís Gasparian: Foi uma ótima notícia. Não foi exatamente uma novidade, pois já se esperava que fosse acontecer. Até por conta da liminar concedida pelo Supremo Tribunal Federal.

CC: Por que é uma ótima notícia?

TG: Foi uma boa notícia não só por terem revogado uma lei da época da ditadura, mas principalmente por causa dos pronunciamentos dos ministros do Supremo a favor da imprensa livre. As declarações foram muito bonitas na defesa da liberdade de imprensa.

CC: Muitos ministros se mostraram preocupados com alguns vácuos que o fim da lei deixará. O direito de resposta, por exemplo. Como a senhora vê essa preocupação?

TG: Acho que este passa a ser o grande problema. Não em relação ao mérito do direito de resposta, porque está na Constituição Federal. Mas uma questão foi colocada com muita propriedade pelo ministro Gilmar Mendes: o procedimento do direito de resposta. Algumas questões deverão ser decididas pela jurisprudência. E se formos analisar como anda a jurisprudência no Brasil, haverá uma definição sobre o tema daqui a uns seis anos. Vai demorar para chegar ao Supremo, para as decisões ocorrerem, para haver uma uniformização. Há um risco de, com o fim da Lei de Imprensa, serem aplicados alguns dispositivos do Código Civil que poderiam resultar em decisões muitos desfavoráveis à liberdade de imprensa. Por exemplo, o artigo 20 afirma: ‘Salvo se autorizadas, a divulgação de escritos, a transmissão da palavra, a exposição ou utilização da imagem de uma pessoa poderão ser proibidas’. É um problema. Isso daria espaço à censura judicial, às proibições de publicação de reportagens. Já o artigo 17 diz: ‘O nome da pessoa não pode ser empregado por outra em publicações que a exponham ao desprezo público’. Uma notícia pode expor uma pessoa ao desprezo público, eventualmente.

CC: Deixa ver se entendi: uma reportagem que traga a declaração de, por exemplo, uma ex-mulher sobre atos ilícitos do antigo marido poderia ser proibida?

TG: Não acredito que o artigo 17 possa ser aplicado à imprensa, justamente por haver um princípio maior que a rege, a liberdade de manifestação do pensamento. Sem qualquer tipo de censura. O pleno exercício da liberdade está assegurado não só pela Constituição, como também pelos depoimentos de todos os ministros do Supremo. Então, acho que esses artigos não se aplicam. Mas poderá ter alguém que interprete de outra forma.

CC: Qual é o ideal? Ter uma lei específica e modernizada?

TG: Acho necessário uma diferenciação entre a imprensa e o resto das manifestações feitas por cidadãos na internet, por exemplo. Ainda mais hoje em dia, com a voga da ideia de ‘jornalismo cidadão’. Pressupõe-se que a imprensa tenha uma cultura e uma ética específicas. Então, ela deve ser analisada pelo Judiciário por uma ótica diversa da de qualquer pessoa que poste em um blog qualquer coisa. Tem de se diferenciar o divulgado pela imprensa, que diz respeito ao direito de informar e de ser informado do cidadão, da liberdade de manifestação do pensamento, de coisas que se podem fazer por aí. É necessária não uma lei para coibir a imprensa como a que acaba de ser revogada, mas uma para assegurar essa liberdade. Vemos todo o tempo ações de indenização propostas. O crescimento de ações contra a imprensa nos últimos vinte anos foi enorme.

CC: Essa litigância ameaça a liberdade de imprensa?

TG: Ameaçar não, mas a liberdade de imprensa fica arranhada de algum modo. É uma brecha. Existem casos de jornais que tiveram de fechar por não terem dinheiro para pagar indenizações altíssimas. Isso também, eventualmente, deve ser tratado. Quais são os critérios de fixação de uma indenização?

CC: Estou enganado, ou aqui no Brasil funciona quase de maneira inversa aos Estados Unidos? Aqui as grandes empresas levam multas irrisórias, enquanto pequenos jornais do interior acabam sendo obrigados a fechar por causa do excesso no valor das indenizações.

TG: Não é uma regra, mas, de qualquer jeito, faltam critérios. Nos últimos tempos, o STJ tem chamado para si a quantificação da indenização por danos morais.’

 

POPULARIDADE
Mino Carta

Brasil 10 x Itália 0

‘Ocorre-me às vezes que a torcida canarinho, ou seja, o Brasil em peso, não consegue digerir a derrota do Sarriá.. Aquele 3 a 2 imposto à seleção brasileira pela Itália de Paolo Rossi no Mundial de 1982. É conta aberta com a azzurra. Que, aliás, poderia ser pentacampeã em lugar do Brasil se Roberto Baggio tivesse acertado aquele pênalti em 1994.

Ressalvo que o futebol não tem para mim a importância que assume aos olhos da maioria dos patrícios, embora goste de assisti-lo, quando bem jogado, no meu entendimento. (Como brasileiro, considero-me especialista.) Nasce aí uma espécie de contencioso com a Itália que transcende as dimensões do gramado. Acho motivo miúdo para tantos ressentimentos pretensamente escondidos.

Muito mais importante, sempre no meu entendimento, é outra situação, a exibir neste exato instante uma clara vantagem brasileira. Trata-se de comparar a popularidade do presidente Lula com aquela do premier Silvio Berlusconi, herói de mais um episódio de repercussão mundial que CartaCapital ilustra nesta edição, à página 44.

Onde se origina a aprovação maciça a Lula? Para desespero da mídia nativa, na identificação entre o presidente e seu povo, encantado com a ascensão de um igual, o ex-torneiro mecânico dotado de avassaladora simpatia.

Onde se origina a popularidade de Berlusconi, por ora assentada por volta de 75%? A Itália de hoje é um dos sete países mais ricos do mundo e deste ponto de vista as comparações com o Brasil não cabem. Nem por isso se observa qualquer ponto a favor da Península. Muito pelo contrário.

Ódio de classe, por aqui, é próprio da minoria. E que a maioria enxergue em Lula seu melhor representante é absolutamente natural. Já na Itália, com seus 3 mil anos de história, a larga maioria ocupa o espaço da camada que chamaríamos de classe média, algo em torno de 70% da população. Donde a gravidade.

Pois a maioria dos italianos identifica-se com um político que governa em causa própria e com o cidadão mais rico do país, empresário sem escrúpulos, submetido a inúmeros processos dos quais se safa graças às leis promulgadas em seu proveito e no dos seus apaniguados. Sem acrescentar seu exibicionismo de novo-rico metido a casanova, suas gafes internacionais, seus comportamentos constrangedores em todas as circunstâncias. Neste gramado, o Brasil de Lula ganha de 10 a 0.’

 

GRIPE SUÍNA
Redação CartaCapital

Pandemia de bobagens

‘O governo do México amenizou as restrições a atividades públicas, reabriu escolas, lugares públicos e restaurantes (com a obrigação de se lavar as mãos à entrada, com sabonete antibacteriano) e deu a entender que o pior passou. Já no resto do mundo, a preocupação cresceu.

A OMS informa que foi comprovada em laboratório a presença do vírus H1N1 em 46 mortes (44 no México e 2 no Texas) e mais de 2 mil casos na América do Norte, Europa, Nova Zelândia, América Central, Colômbia e Extremo Oriente. O maior rigor no acompanhamento dos casos parece indicar que a letalidade do vírus foi inicialmente superestimada. Ao menos fora do México, não parece superior à de um surto sazonal de rotina. Mesmo assim, algumas cenas fizeram lembrar o Ensaio Sobre a Cegueira, de Saramago.

Escaldada pela Sars e pela gripe aviária, a China, ao descobrir um mexicano doente, pôs em sete dias de quarentena obrigatória todas as 350 pessoas presentes no hotel e todos os 70 mexicanos no país. Houve proibições de importação de carne suína por vários países, o extermínio de porcos pelo Egito, restrições a atletas mexicanos e suspensão de voos para o México em vários países sul-americanos.

Nos EUA, radialistas conservadores chamam o surto de ‘gripe da fajita’ (embora o prato mexicano seja feito de carne de vaca) e pregam evitar restaurantes atendidos por mexicanos e expulsar os imigrantes ilegais como medida de prevenção. Em São Paulo, o governador, embora palmeirense, orienta a população: ‘A providência elementar é não ficar perto de porquinho nenhum’.

Se o vírus de fato se mostrar menos perigoso do que parecia de início, talvez seja preciso agradecer-lhe por nos revelar a falta de preparo de autoridades e comunicadores para lidar com epidemias e, quem sabe, vaciná-los contra a repetição dos mesmos erros.’

 

LITERATURA
Rosane Pavam

O carnaval dos juristas

‘A década de predileção de Boris Fausto retorna em seu novo livro, O Crime do Restaurante Chinês – Carnaval, futebol e justiça na São Paulo dos Anos 30 (Companhia das Letras, 248 págs., R$ 45). Não se trata mais de analisar a revolução que alçou Getúlio Vargas ao poder. Agora é hora de mergulhar na micro-história para entender como o racismo, a justiça positivista e as elites determinaram a investigação de um crime na São Paulo moderna.

Os donos de um restaurante chinês e dois de seus funcionários são mortos violentamente no carnaval de 1938. De imediato, motivados pela reputação dos chineses como avaros e por sua imagem de vilões em filmes, a polícia, a imprensa e a sociedade suspeitam de um acerto de contas entre os imigrantes. Mas, logo, um personagem distante deles se desenha mais propenso à autoria.

Ele é negro, forte, algo estúpido, ex-funcionário dos chineses, mas, na atualidade, sem emprego fixo. E ele também se parece com o jogador de futebol Leônidas da Silva, que rompe a cortina racial durante a Copa do Mundo da França. Em 1938, igualmente, realiza-se na avenida São João paulistana uma festa carnavalesca de que Boris Fausto ainda se recorda. O suspeito do crime talvez tenha respirado a magia que o historiador experimentou. O moço dançou no tablado contra a determinação de seus antigos patrões.

Integrante da Academia Brasileira de Ciências, Boris Fausto anuncia uma correlação entre o carnaval, o futebol e o crime atribuído ao negro Arias de Oliveira. Se Fausto vê as relações, ele as constrói. Escreve sob o ideal do historiador, com a pena do romancista. O livro vai muito bem, especialmente no início, como se revivêssemos a época abordada, em seus modos e arquitetura.

O relato prossegue, mostrando de que modo a Justiça estabeleceu critérios baseados em psicanálise para determinar as culpas. A avaliação psiquiátrica valeria mais do que as confissões ou os sistemas de identificação consagrados. Os juízes positivistas contrariavam os policiais, que buscavam a verdade pela agressão aos acusados. O suspeito daquele crime não sofreu violência física para assinar sua confissão. Mas, antes de assiná-la, ficou preso, forçado a responder a testes. Um advogado da comunidade negra, por conta desta que também considerou uma violência, defendeu Arias e o libertou.

Nota Boris Fausto que a culpa de Arias seria estabelecida sem demora, não tivessem os juristas usado o caso para travar uma disputa conceitual. O pesquisador crê que o réu, ao lembrar Leônidas, tenha sido favorecido em sua aura de vítima. E indica que a necessidade de brincar o carnaval possa ter constituído uma motivação para o crime. Estas duas insinuações não têm provas, apenas sugestões no livro, que por isso lembra uma novela instigante. A pergunta a ser colocada é quando, ou se, a história poderá desvencilhar-se daquele que a narra.’

 

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