Monday, 04 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1312

Carta Capital

CASO DANIEL DANTAS
Mino Carta

Onde fica a famosa verdade?, 25/07

‘O mundo, como sempre, curva-se diante do Brasil. O enredo a seguir talvez pareça paradoxal. Não é. Os advogados de Daniel Dantas e a mídia aborígine trombeteiam que o banqueiro orelhudo conta com uma reviravolta no processo em andamento, graças à Operação Satiagraha, urdido com o sinistro propósito de colocá-lo em maus lençóis.

Viriam da Itália, da primeira para a última flor do Lácio, as informações destinadas a provar que o nosso DD é vítima em lugar de vilão. O Estadão, por exemplo, publica, na terça 22, imponente reportagem para revelar que espiões da Telecom Italia, a security comandada por Giuliano Tavaroli, montaram um esquema destinado a invadir a privacidade do banqueiro e do seu Opportunity. A Procuradoria de Milão, conta o jornal, denunciou a operação e incriminou 34 pessoas, a começar por Tavaroli.

Maçã da discórdia, obviamente, o controle da Brasil Telecom. Ocorre, porém, que a verdade factual só dá mão do lado oposto. A Procuradoria de Milão visou apenas a espionagem na Itália e limitou-se a reconhecer que os 007 italianos tiveram excelente aprendizado no Brasil. Eis aí mais um capítulo de uma história cômica outrora de grande popularidade, Spy vs. Spy.

Dantas convoca a Kroll para desvendar os segredos da Telecom Italia e esta, ao se perceber espionada, recorre a Tavaroli e sua turma. Mais talentosos no mister, os italianos não somente capturam o arquivo da Kroll, mas também a rica documentação em poder de Carla Cico, conterrânea a serviço do Opportunity.

Inspirados pela ginga nativa, aspiram-lhe, literalmente, a extraordinária capacidade de tecer ardis, minar terrenos, arquitetar tocaias, vasculhar vidas privadas. Enfim, aspiram-lhe as manhas. Donde, a afirmação inicial. Tavaroli e sua turma cursaram com diligência invejável a escola brasileira e superaram os mestres, assim como os nossos torturadores, em outros tempos, conseguiram apurar as técnicas apreendidas com os especialistas da CIA. Certo é que neste cenário não há bala perdida.

Na quarta 23 o próprio Estadão tenta, se bem entendi, corrigir o efeito da reportagem da terça. Os defensores de Dantas é que esperam aproveitar-se dos resultados da apuração milanesa. Nem sempre fica claro, porém, até onde vão as esperanças dos advogados e onde começam aquelas da mídia. Por isso, pergunto amiúde aos meus perplexos botões o porquê desta situação no mínimo ambígua.

Por que a mídia evita evocar o passado do Opportunity, que de banco do PFL passou-se ao PSDB e floresceu à sombra do pássaro que não voa? Por que a mídia não contempla, em nome da verdade que enfaticamente afirma motivá-la, o papel do banco na duvidosa operação das privatizações? Por que a mídia insiste em circunscrever o caso ao escândalo do chamado mensalão como se os alvos, muito antes de Dantas, fossem o próprio presidente Lula, seu governo e o PT?

Abundam os porquês sem resposta. Por exemplo: por que a Folha de S.Paulo publicou em abril passado reportagem de Andréa Michael que deixou Dantas e Cia. de sobreaviso quanto aos rumos da operação do delegado Protógenes? É possível imaginar que o chefe de Andréa, o chefe do chefe, e o chefe de todos os chefes não tenham percebido a importância das informações trazidas pela repórter? Ou que tenham permitido a publicação sem sua autorização?

Não é possível dizer que o primeiro relatório do delegado Protógenes seja convincente nas passagens que dizem respeito à mídia. Falta substância, já foi escrito aqui. Sobra a impressão de que o policial não conhece os meandros desse labirinto. O comportamento midiático não deixa, entretanto, de ser estranho. Muito estranho.’

 

 

TELEVISÃO
Ana Paula Sousa

Uma luz rara na tevê, 25/07

‘Duas luzes únicas se encontraram na televisão. O raio de sol que atravessa a cena no quadro Vocação de São Mateus ganhou intérprete à altura na série Caravaggio. A fotografia da superprodução italiana coube a Vittorio Storaro, o dono da luz de Apocalipse Now, do Novecento de Bernardo Bertolucci e de outra dezena de filmes. Dividida em duas partes, a série sobre o revolucionário pintor, que estréia no Brasil, no canal pago MGM, no domingo 27, às 22 horas, é o feliz resultado desse encontro atemporal.

Storaro, um pensador dos sentidos da luz, não temeu as limitações da tevê por ser o personagem quem era. Ele sabia que, para contar a vida de Michelangelo Merisi (1571-1610), o Caravaggio, seria preciso tratar a luz quase como narradora. ‘Não há dúvida de que Caravaggio é um dos principais protagonistas da relação entre luz e sombra nas artes figurativas. Me baseei nisso para restituir visualmente sua vida, sua atividade sacra’, disse Storaro, de 68 anos, em entrevista reproduzida pela Folha de S.Paulo.

É, no fim, mais de sombras que se faz a série dirigida por Angelo Longoni. A vida aventurosa do artista é reconstituída a partir do turbulento período em que viveu. Logo no início, no ano de 1577, vê-se, num plano aberto, a devastação causada pela peste, os corpos queimados. O menino que assistira àquilo diria mais tarde: ‘Para pintar a morte, tenho de recordar como ela é. A morte não é bela como a pintam hoje’.

Vivido pelo ator Alessio Boni, Merisi é retratado como artista genial, nada disposto a concessões, sempre pronto a empunhar uma espada e envolvido em amores tumultuados, como a paixão pela cortesã Fillide Melandroni (Claire Keim).

Os acontecimentos e personagens se sucedem ao ritmo televisivo. Às vezes atordoante. Há, também, a simplificação de fatos históricos, de inventos técnicos e uma certa romantização da briga que o levou à cadeia. Mas o tom levemente didático nem sempre cai mal. São divertidas certas conversas como aquela em que um fidalgo pede que pinte margaridas amarelas para a esposa e o pintor retruca: ‘Mas elas não são amarelas’.

As discussões de salão – sobre escultura e pintura, representação e verdade -, as cenas com os modelos enquadrados e, claro, o momento da descoberta do efeito da luz diagonal, que entra pela fenda do teto, estão entre os pontos altos. Mas o que fica mesmo é a fotografia de Storaro, primeiro difusa, depois com um fundo marcadamente negro, sempre enlaçada à evolução do artista.

Produzida pelo departamento de ficção da RAI e co-produzida por França, Espanha e Alemanha, Caravaggio é um desses biscoitos finos que a tevê vez por outra oferece. Mesmo que acomodada a certas fórmulas de diálogos e ao viés melodramático, a série apresenta ao público leigo os mistérios da arte. Os mistérios de um gênio que viveu 39 anos e mudou para sempre a pintura.

XXX

Renato é um luxo

25/07/2008 15:47:40

Nirlando Beirão

Renato Machado, o provisório, anda – andou? – conferindo ao Jornal Nacional um realce de elegância com a qual William Bonner, o titular, com aquela sobriedade asseadinha de editor que não edita, nunca será capaz de competir.

Mesmo quando imerso naquele banho de sangue dos eventos da cidade, impávido ante o transtorno desalinhado dos meliantes de colarinho-branco, incólume às trapalhadas parlamentares, Renato Machado conserva aquilo que os ingleses chamam de attitude. Sim, os empertigados súditos da rainha – afinal, é bom a gente ter alguém em quem se espelhar.

Surpreendi-o, uma noite dessas, a bordo de um blazer caramelo, com textura suave de alpaca, camisa azul-cobalto, gravata regimental e um delicado lenço no bolsinho – vermelho, sem nenhuma pretensão, comme il faut, de buscar a combinação com o restante dos acessórios.

É óbvio que, naquele figurino de quem está a caminho de um garden party em Ascot, Renato Machado não teve de passar pelo crivo do Cerimonial da TV Globo – aquela corte de figurinistas e cenógrafos para quem a idéia de finesse consiste em fazer os figurantes das novelas chacoalharem, com o dedo, as pedras do uisquinho.

A gente olha o Renato Machado, instalado em sua interinidade, e é como se de repente as notícias da noite ganhassem uma incomum compostura, resultado do visível distanciamento crítico de um âncora que deixa claro, claríssimo, que está aqui pelos trópicos só de passagem.

Não por acaso há momentos em que, em Renato Machado, palavras e lábios parecem se distanciar irremediavelmente.

A impressão é de que ele está dublando a si mesmo, traduzindo para o português banal do telenoticiário da Globo o que, no original, teria para ele a inconfundível ressonância do inglês de Shakespeare.

Para se ressarcir desse prejuízo, o lado dândi de Renato Machado exsuda de euforia quando ele pode sair pelo mundo em Menu Confiança (GNT, às segundas-feiras) – exibindo, além do Panamá Montecatini de mil dólares e das écharpes tricotées do Charvet da Place Vendôme, toda sua erudição geográfica e muito de sua sensibilidade gastronômica.

Sim, Renato Machado é do tipo que sente, no vinho maduro, todos aqueles amores de frutas vermelhas. Fora de casa, ele sempre está em casa. Em duo, então, com o chef Claude Troisgros, palmilhando os vinhedos e as cantinas de Montalcino, torna irremediável a pergunta: por que aquele Peter Mayle chegou primeiro?

Ele exprime tal savoir-faire em sua body language de cidadão do mundo, esgrime tanto conhecimento no que diz e saboreia tamanho prazer naquilo que faz a gente se indaga como é que, no mesmo vídeo, podem conviver um Renato Machado e aquela tribo mal-ajambrada dos debates de futebol.’

 

 

DIREITOS AUTORAIS
Felipe Marra Mendonça

As fitas cassete são os hits das prisões, 25/07

‘A indústria fonográfica reclama dos tempos modernos, da internet e de usuários que só sabem baixar discos inteiros. Esquece-se, porém, de uma parcela do público fiel a ela por não ter escolha. Trata-se da população carcerária dos Estados Unidos, que sustenta um pequeno grupo de comerciantes que ainda vendem fitas cassete. CDs são proibidos, segundo as autoridades americanas, porque podem ser convertidos em armas pontiagudas.

Um desses fornecedores é Bob Paris, entrevistado pela agência Reuters(http://www.reuters.com/article/musicNews/idUSN1945795120080720) e dono da Pack Central, uma distribuidora de Los Angeles. ‘Acharam que eu era maluco de gastar uma montanha de dinheiro em música analógica e pré-gravada em fitas’, disse.

O que parecia maluquice revelou-se um bom faro. Existem 2,3 milhões de cidadãos presos nos Estados Unidos, nos níveis federal, estadual e municipal. Cerca de 50 mil usam o serviço de comércio postal da Pack Central para conseguir as fitas, de um catálogo de 5 mil títulos. Paris diz que as fitas representam mais de 60% das vendas.

É preciso fazer uma modificação importante, antes de mandar o novo hit de Mariah Carey para a cadeia: retirar os parafusos dos chassis. Entre os novos lançamentos mais vendidos também estão os álbuns de Lil’ Wayne, Usher, Rihanna, Nickelback, Leona Lewis e Lyfe Jennings. Os favoritos, no entanto, são os clássicos de Al Green e Pink Floyd.

Paris tem medo do futuro, por conta da tecnologia que supostamente vai liquidar a indústria fonográfica? ‘Eu escapei de tudo o que dizimou a maioria das lojas que vendiam música. Não me preocupo com downloads, tanto legais quanto ilegais. Os prisioneiros nunca terão acesso à internet.

A saga da perda de dados confidenciais pelo governo britânico continua, agora em diferentes mídias. Antes eram laptops roubados e CDs enviados e perdidos pelo Correio Real. A mídia escolhida hoje são os pen drives. Mais de uma centena deles, alguns com informações secretas, foram perdidos por oficiais do governo ou roubados desde 2004, segundo o Ministério da Defesa. As autoridades afirmam não saber quando, onde ou como houve o extravio.

Somente em 2008 foram perdidos 26 pen drives, dos quais três tinham informações classificadas como ‘secretas’ e outros dezenove com conteúdo ‘restrito’. Uma porta-voz da Defesa disse à BBC que ‘um recente estudo apontou que a política e o procedimento que seguimos são adequados, mas também identificou algumas áreas em que o ministério precisa melhorar a proteção de dados’.

Uma delas é assegurar que os dados contidos em laptops, CDs ou pen drives sejam criptografados. O governo criptografou mais de 20 mil laptops desde junho. Uma boa idéia, visto que 658 foram roubados ou perdidos desde 2004.’

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Clique nos links abaixo para acessar os textos do final de semana selecionados para a seção Entre Aspas.

Folha de S. Paulo – 1

Folha de S. Paulo – 2

O Estado de S. Paulo – 1

O Estado de S. Paulo – 2

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