Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Carta Capital

TELEVISÃO
Thomaz Wood Jr.

Os cavernícolas, 12/9

‘Em meados de agosto, o Conselho Superior do Audiovisual (CSA) francês anunciou que proximamente os canais de tevê das terras de Voltaire não poderão mais exibir programas com a indicação de que são destinados a crianças com menos de 3 anos de idade. Haviam causado irritação nos franceses as declarações veiculadas por dois canais – Baby TV, lançado na França em 2005, e Baby First, criado em 2007, com emissões a partir da Grã-Bretanha – de que a programação para a audiência infantil traria supostos benefícios. Segundo o jornal Le Monde, especialistas consultados pela CSA avaliaram que a tevê representa uma ameaça ao desenvolvimento de crianças com menos de três anos de idade. Assistir à tevê favorece a passividade, provoca agitação, gera problemas de sono, dificulta a concentração e retarda o desenvolvimento da linguagem.

Na França e em outros países, a tevê é há muito tempo objeto de preocupação para educadores, psicólogos e formuladores de políticas públicas. No Brasil, as crianças de 4 a 11 anos de idade passam quase cinco horas por dia diante da tevê, mais tempo do que convivendo com a família ou na escola. A informação é assinada por Ana Lucia Villela, presidente do Instituto Alana, uma organização sem fins lucrativos, no website www.alana.org.br.

O Instituto Alana desenvolve, desde 2005, o Projeto Criança e Consumo, que tem como objetivo fomentar ‘a consciência crítica da sociedade brasileira a respeito das práticas de consumo de produtos e serviços por crianças e adolescentes’. A mercantilização da infância e da juventude, o consumismo, a erotização precoce, a obesidade infantil, a violência na juventude, o materialismo excessivo e o desgaste das relações sociais são os temas prioritários do projeto. Ele visa disseminar a informação e apoiar a educação, porém sua equipe também realiza uma ação direta de denúncia contra abusos dos meios de comunicação. Basta ligar a tevê para confirmar que crianças são alvos costumeiros de publicitários e profissionais de marketing.

Significativamente, o website do Instituto Alana registra dezenas de notificações e ações jurídicas contra empresas que endereçam mensagens publicitárias a crianças. A lista inclui pesos pesados do cenário corporativo local, tais como C&A, CadBury Adams, Cartoon Network, Coca-Cola, Editora Abril, Kellogg’ s, Nestlé, Sadia e Unilever. Muitas das empresas mencionadas possuem listas de valores e códigos de ética, mas parecem ignorar ou interpretar de forma ‘peculiar’ o Estatuto da Criança e do Adolescente e outros instrumentos legais que tratam da matéria.

As peças relacionadas no website revelam um quadro triste da ‘criação’ publicitária. Uma peça para tevê mostra o DVD de bordo do Renault Scénic como a solução perfeita para ‘disciplinar’ crianças em uma suposta viagem de férias. O próximo passo talvez seja promover diretamente pílulas tranqüilizantes para crianças ativas. Comerciais de sandálias Havaianas e de serviços telefônicos da Claro projetam jogos sensuais, próprios dos adultos, em grupos de crianças de 6 ou 7 anos de idade. O que deveria ser visto como constrangedor torna-se ‘engraçadinho’. A Mattel coloca suas tradicionais Barbies a serviço do consumismo kitsch e do mau gosto, enquanto a Candide persegue o mesmo fim, porém usando uma personagem mais ou menos real: a apresentadora Xuxa.

Alguns publicitários e seus pares dos domínios mercadológicos parecem ter enveredado pelo século XXI como cavernícolas do século XX, herdeiros do laissez-faire de outras eras. Assemelham-se aos prisioneiros da célebre caverna de Platão, acorrentados ao chão e impossibilitados de sair. Seguem a interpretar o mundo segundo as sombras projetadas na parede à frente.

Caso deixassem a caverna, iriam se espantar com um mundo exterior cheio de implicações e conseqüências. Borboletas batem asas na Amazônia e já se forma um tornado no Texas. Talvez se surpreendessem ao saber que fumar causa danos à saúde, que dirigir alcoolizado provoca acidentes e que fixar outdoors emporcalha a cidade.

Quiçá até notassem que os ursos polares andam reclamando do calor e que ‘tirar vantagem de tudo’ não é mais o lema de algumas profissões.

No entanto, a vida segue tranqüila dentro da caverna. Na caverna não há borboletas amazônicas, ameaça à camada de ozônio, aquecimento global, infância roubada, consumismo e outros temas aborrecidos da vida real. Na caverna, a conversa gira em torno de insights geniais, campanhas criativas, verbas espetaculares e platéias deslumbradas com tanta criatividade. Não há crise de consciência, porque não há consciência. Não há crise moral, porque não há moral. Na caverna, há somente cavernícolas, muitos deles.’

 

 

PUBLICIDADE
Nirlando Beirão

Propaganda dá saúde, 12/9

Carros que aceleram, celulares que dançam, sofás-camas que esgoelam, geladeiras que faíscam, morenas que rebolam por uma cervejinha. Espirros, catarro e pílulas que operam milagres. Conversinhas de comadre: minha aspirina é melhor do que a sua. Cosméticos que deslizam pela pele, apregoando uma beleza sem rugas. Pôr-do-sol à beira-mar – claro, deve ser anúncio de absorvente feminino.

O que terá acontecido com a propaganda na tevê? Já houve época, sim, em que o dito intervalo comercial era o esperado refresco para a tortura mediocrizante dos telejornais e das telenovelas. Quantas vezes a gente não esperava pelo Carlinhos Moreno para gargalhar com ele no novo comercial da Bom Bril?

Tudo hoje é tão literal, tão ilustrativo como aquelas legendas da Folha de S. Paulo que contam para você o que você está vendo na foto. Aonde foram parar a graça, a ironia, a sutileza?

Dizem que Washington Olivetto é da velha guarda porque ele, embora cada vez mais contemporâneo, insiste no valor simbólico de uma publicidade que use a cabeça. Não tem nenhum constrangimento em fazer de seu ofício, ainda hoje, um compromisso de humor, delicadeza e surpresas requintadas. Deve se sentir meio isolado, às vezes. Mas, naquela sua generosidade disfarçada em informalidade, Washington Olivetto sempre dá um jeito de achar que o que vem aí é sempre melhor do que o que já se viu.

Por expressa culpa dele, não dá para não ter saudade daquele erotismo enevoado, elegante, que faz da primeira campanha da Valisère, by Rosset, uma peça indispensável a todos os museus da melhor propaganda, com direito até a Leão de Ouro em Cannes – e, agora também, a um livro escrito a muitas e prendadas mãos, com sabor de reminiscências (O primeiro a gente nunca esquece, Planeta, 365 págs., R$ 80).

Daquele filme de 1987 – ‘O primeiro Valisère a gente nunca esquece’ – recende uma sensualidade suave que celebra o despertar de uma mulher. Ajudou muito a serenidade madura da miniatriz Patrícia Lucchesi, que tinha 11 anos à época e nunca usara sutiã – sustentando à frente da câmera de Júlio Xavier da Silveira uma alternância de olhares e gestos que transitam da timidez à mais orgulhosa confiança.

Nada que exercite o voyeurismo truculento, tão assíduo em certos comerciais de hoje em dia. Washington Olivetto, ele não – Washington jamais há de ser acusado, ao contrário daquele Humbert Humbert de Nabokov, de se prevalecer de uma ninfeta.’

 

 

IMAGEM
Nirlando Beirão

Ícone sob medida, 12/9

‘A gente pode passar o resto do dia discutindo quem é que merece o holofote de top nº 1, se a Gisele Bündchen ou se a Kate Moss, mas o certo é que a inglesa, aos 34 anos, já ensaia os primeiros passos para ser tombada, em vida, como monumento da humanidade.

Quer dizer, Ms. Moss começa a se esgueirar para um lugarzinho de honra na iconografia de supermulheres a quem uma aura luminosa de encantamento não abandona mesmo após elas se despedirem da glória efêmera de suas respectivas passarelas.

Ícone quem é? Marilyn Monroe foi ícone, Madonna é. Evita Perón, sem dúvida. E Maria Callas. Jacqueline Kennedy, também, assim como a infeliz princesa Diana. Figuras de pele, osso, espírito geralmente irrequieto e alma quase sempre atormentada, a quem a posteridade agrega o valor das atenções coletivas e das representações simbólicas. O símbolo é um dos degraus até o mito.

Ao contrário de Gisele, que só abre sua privacidade quando lhe intere$$a, Kate Moss se expõe a uma permanente devassa pública, caos íntimo a serviço de reiterados escândalos a mobilizarem – e deliciarem – o frenético enxame de paparazzi. Celebridade de tablóide, está o tempo todo às voltas com o que uma crise de imagem. Namorado problemático. Flagra de cocaína. Rusgas de bastidores. De que matéria é feita, senão dessa, uma diva pop?

Com uma mãozinha de amigos influentes – e quem sabe de algum marqueteiro –, Kate Moss retrata-se para o futuro. É como aquelas efígies de Luís XIV, feitas para fascinar e impor respeito. Ela caiu no gosto dos criadores de posteridade. Não só dos que clicam capas de revistas, mas daqueles que forjam as Monas Lisas.

Há de se ter muita coragem, de fato, para se deixar desenhar, grávida e nua, reclinada num catre, pelo cruel Lucian Freud, neto do homem e retratista de mão cheia. Outros fizeram fila, pintores, escultores e assemelhados. Com Alex Katz, Chuck Close, Gary Hume, Bansky, Kate trafegou do realismo ou abstrato, do naïf ao pastiche (o grafiteiro Bansky cita um, digamos, clássico de Andy Warhol).

Ninguém parece ter se apaixonado tanto por sua modelo quanto Marc Quinn. Depois de explorar a esguia silhueta dela em múltiplas contorsões em bronze pintado de branco (Esfinge, de 2006), o escultor volta à carga com uma Kate Moss de 50 quilos, em ouro maciço, a ser exposta a partir de outubro no British Museum de Londres. Sim: ela virou peça de museu. Por ora, Quinn revelou apenas um detalhe de sua Sereia.

A top ainda não é mito, mas seus preços no mundo da arte já são míticos. A escultura em ouro que ninguém ainda viu já está avaliada em 2,8 milhões de dólares. O nu de Lucian Freud foi adquirido em leilão da Christie’s, em 2005, por 7,2 milhões de dólares.’

 

 

 

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Clique nos links abaixo para acessar os textos do final de semana selecionados para a seção Entre Aspas.

Folha de S. Paulo – 1

Folha de S. Paulo – 2

O Estado de S. Paulo – 1

O Estado de S. Paulo – 2

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