ECONOMIA
Remédio contra azia editorial, 1/12
‘Nos tempos de crise deve-se prestar atenção aos comentaristas de economia. Assim como as manhãs de primavera são ideais para observar pássaros, a crise é o melhor momento para apanhar de calças curtas certos impostores da mídia. Na adversidade econômica a realidade se impõe de forma contundente e inibe a palpitaria irresponsável. Sobretudo numa turbulência econômica como a atual, com fatos negativos a nos surpreender todos os dias. A certeza de ontem vira dúvida hoje, e mesmo duvidar torna-se um atributo mais seletivo.
A atual conjuntura trouxe confusão ao clubinho liberal da mídia nacional. Os países que sempre lhes inspiraram a doutrina agora estão puxando a procissão da crise e enviando sinais contraditórios. Washington passou a sinalizar protecionismo, aumento descontrolado de gasto público, nacionalização empresas e bancos falidos e outras velhas proibições, deixando de calças curtas os invertebrados comentaristas dos meios de divulgação econômica.
Por outro lado, há uma injustificável excitação na mídia com a possibilidade do abutre da recessão que sobrevoa o hemisfério Norte cruzar a linha do Equador e pousar em Brasília. Embora os números da economia não tenham confirmado esse pessimismo, os editoriais tendenciosos já não conseguem disfarçar suas expectativas e funcionam como uma campanha pela recessão. Faz parte do estado de chantagem permanente que os controladores da mídia propõem, de forma seletiva, em seu jogo de interesses políticos.
Apesar dos alarmes falsos do noticiário, o brasileiro vai se informando como pode. Vai se desviando do estilo tendencioso e deformador dos comentaristas nativos e percebendo a conjuntura econômica em seu contato com a economia real, e não somente pelo telejornal. Felizmente, a capacidade de reação da economia nacional diante da crise mundial tem demonstrado que o país não foi contaminado pelo pessimismo. A despeito da má-vontade dos meios noticiosos, as adversidades têm sido enfrentadas pelas armas de política econômica de que o governo dispõe, sem lançar mão de planos ou medidas econômicas de exceção, tão comuns nos governos anteriores que contavam com o apoio da mídia. E é sempre bom constatar que nossa batalha econômica preserva os valores democráticos, como a liberdade de expressão. Nem todos os países têm esse privilégio.
Enquanto isso, na Rússia…
Chegam-nos notícias da Rússia, país onde o governo busca atenuar os efeitos da crise econômica constrangendo os órgãos de imprensa a não publicar notícias desfavoráveis. O controle dos principais meios de comunicação é somente um dos velhos vícios soviéticos re-introduzidos na Rússia pela casta subterrânea que governa o país em favor de grupos de interesse privado e com crescente intolerância às liberdades de expressão e de organização política. A Rússia é tão miserável em matéria de democracia, que tem o condão de nos conformar aqui com nossas próprias insuficiências democráticas, tais como a irresponsabilidade de nossa mídia.
Na semana passada, uma polêmica envolveu o diário econômico russo Vedomosti, que foi advertido pelo Serviço Federal de Controle dos Meios de Comunicação para a necessidade de cumprimento à ‘Lei de Combate ao Extremismo’. A motivação foi um artigo de autoria do politólogo Evgueny Gontmaher, da Academia de Ciências da Rússia, analisando possíveis conseqüências sociais da atual crise econômica no país. O conteúdo que teria desagradado às autoridades foi uma comparação que Gontmaher fez com os acontecimento de 1962, na cidade russa de Novotcherkass, onde um movimento popular por melhores condições de trabalho e de vida foi sufocado com violência pelas autoridades soviéticas. É um daqueles capítulos da história da URSS velados em silêncio até os dias atuais.
Ao referir-se a um tema histórico tão sensível, Gontmaher resvalou para o fatalismo com uma dose de inconseqüência incomum para um acadêmico de sua reputação. Mas a reação do governo da Rússia extrapola o episódio e expõe um autoritarismo que desmoraliza ainda mais o já suspeito disfarce democrático do país. A comunicação oficial ao jornal Vedomosti buscou justificar-se como um lembrete para o cumprimento da lei, que deveria ser aceito com normalidade até porque, dizia, somente neste ano, outros 30 veículos de imprensa já receberam semelhante notificação. A lei de imprensa russa prevê que as autoridades podem pedir a suspensão de uma publicação após duas comunicações como essa.
Enquanto na Rússia os meios de comunicação se submetem ao controle oficial para difundir um cenário fictício de normalidade na economia, aqui as expectativas econômicas dançam nas manchetes e no horário nobre de acordo com os suspeitos interesses dos controladores da mídia. Felizmente, tanto aqui como lá, a internet tem funcionado como uma redentora alternativa de informação. Nossas manchetes irresponsáveis não passam impunes pelo debate de idéias na rede, cada vez mais intenso e qualificado. E lá na Rússia, mesmo com todo controle governamental da grande mídia impressa e televisiva, o episódio Gontmaher foi discutido na internet com ampla repercussão, com críticas tanto para o apocalípitico acadêmico, quanto para os autoritários métodos do governo. A controvérsia gerada pelo episódio permitiu um franco debate sobre o estado da economia e as restrições à liberdade de expressão no país. A internet funciona como um remédio contra sufocamento democrático e azia editorial.’
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