Sunday, 22 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

Carta Capital

RECESSÃO
Márcia Pinheiro

A culpa é do David Bowie, 23/1

‘Em meio ao noticiário de que o desemprego na Espanha atingiu 13,9% no quarto trimestre de 2008, o maior nível em nove anos, e que o PIB da Grã-Bretanha caiu 1,2% no mesmo período, com o país imerso na primeira recessão desde 1991, surgem histórias curiosas. O Guardian noticia uma análise hilária.

Diz a publicação que o jornalista Evan Davis, da BBC, culpa a crise internacional por uma estripulia feita pelo cantor pop David Bowie em 1997. O astro, então, estava em maus lençóis e precisava recomprar do antigo empresário os direitos de suas canções, avaliados em 55 milhões de libras. Com a ajuda do financista David Pullman, ele criou os Bowie bonds, que prometiam régias quantias, em dez anos, a quem neles investisse. Os títulos foram negociados pela Prudential Insurance Company.

Não deu certo. Em 2004, as vendas dos discos de Bowie registraram queda vertiginosa e os papéis emitidos tornaram-se o que em economia se chama de junk bonds, ou lixo. Viraram pó e os fãs que apostaram na carreira do cantor ficaram de mãos abanando.

Segundo o jornalista da BBC, Bowie foi o precursor de uma operação denominada securitização, na qual os riscos seriam diluídos, com a expectativa de receita futura. Barco furado, que teria sido a gênese da atual crise. Como sabemos, houve a proliferação de toda a espécie de fundos malucos e irresponsáveis, cujo lastro são as dívidas impagáveis das hipotecas americanas.

Em síntese, não vá reclamar ao bispo pela recessão mundial e pelo desemprego. Call David Bowie. Pelo jeito, rir continua a ser o melhor remédio.’

 

 

ESPORTE
Fabio Kadow

A rede do tênis, 23/1

‘Está no ar a tennistv.com, uma nova ferramenta de televisão na internet. Promete conquistar fãs do esporte pelo mundo todo, com aumento considerável da audiência e dos valores dos contratos. A página foi desenvolvida pela Associação dos Tenistas Profissionais (ATP) e pela Associação de Tênis Feminino (WTA). Tem o aval das duas maiores entidades mundiais da modalidade e dará visibilidade aos principais torneios e atletas.

Haverá cobertura de 41 eventos em 2009. O assinante poderá acompanhar mais de 700 horas de vídeo de alta qualidade, com transmissões ao vivo, reprises, clipes com os melhores momentos, entrevistas exclusivas, bastidores e notícias diárias. Foram criados alguns tipos de pacotes, para que o público escolha se quer seguir um campeonato específico, o circuito todo masculino, o feminino ou ambos.

Foi anunciado o novo patrocinador do tradicional torneio de Indian Wells, a ser disputado em março na Califórnia. É o banco francês BNP Paribas, que também investe em Roland Garros, na Copa Davis e na Fed Cup. O contrato terá duração de cinco anos.’

 

 

RÚSSIA
Redação CartaCapital

Esqueletos no armário de Putin, 23/1

‘Na tarde de 19 de janeiro, o advogado e ativista Stanislav Markelov falou à imprensa como advogado da família de uma jovem chechena sequestrada, violentada e estrangulada por soldados russos em março de 2000. O coronel Yuri Budanov, líder do crime, foi condenado e preso há cinco anos, mas acabara de receber liberdade condicional depois de cumprir metade da sentença. Markelov explicou que a família fazia objeções à libertação.

Ao sair da conferência e dirigir-se para seu carro, acompanhado por Anastasia Barburova, jornalista estagiária da Novaya Gazeta que cobria o caso, Markelov foi morto com um tiro na nuca. O pistoleiro fugiu, a jornalista tentou correr atrás dele e foi também abatida, com um tiro na cabeça.

Markelov foi advogado de Anna Politkovskaya, jornalista da mesma gazeta que ficou conhecida por criticar Vladimir Putin e denunciar crimes de guerra russos na Chechênia. Ela foi assassinada em 7 de outubro de 2006, aniversário de Vladimir Putin, no elevador no seu prédio de apartamentos.

Em dez anos de poder de Putin, a contar de sua elevação à chefia da KGB, rebatizada FSB em setembro de 1998, Markelov é o nono crítico proeminente do poder russo, entre parlamentares, jornalistas, altos funcionários, ex-agentes da KGB e defensores dos direitos humanos, a ser vítima de assassinos que o homem forte do Kremlin pouco se esforçou para identificar e punir, apesar de se queixar da ‘má publicidade’ para o país. Enquanto isso, mais de 300 jornalistas foram processados criminalmente pelo Estado. Putin trata os porões do regime com a mesma complacência da ditadura militar brasileira em seus piores dias.’

 

 

EUA
Felipe Marra Mendonça

A tecnologia na era Barack Obama, 23/1

‘A posse de Barack Obama na Presidência dos Estados Unidos teve uma cobertura diferente das anteriores. A tecnologia não estava presente só na profusão de telões espalhados pelo National Mall em Washington. A cerimônia foi transmitida pela televisão em definição padrão e alta. Foi mostrada ainda em vídeos em sites de hospedagem, fotos, imagens de satélite em tempo real e atualizações em blogs.

A CNN usou telões sensíveis ao toque para que seus apresentadores pudessem mostrar cada detalhe da festa aos telespectadores. Munidos de mapas e estatísticas, os âncoras fizeram gestos rápidos, aumentaram e diminuíram as imagens. Especularam sobre o número provável de cidadãos presentes ao longo do percurso da parada e deixaram zonzos os telespectadores pelo frenesi com que os fatos voavam na tela. Foi tudo impressionante, mas confuso.

A velocidade das informações é um trailer do tipo de cobertura que o governo Obama deve ter nos próximos anos. É sintomático que o próprio presidente tenha lutado tanto contra as tradições da Casa Branca, a ponto de conseguir manter seu BlackBerry. O governo precisará responder à mídia tradicional, mas também a blogs e sites de forma muito mais célere. É curioso notar que até hoje nenhum presidente americano teve um computador em sua mesa.

A rapidez dos novos tempos foi compreendida pela equipe de transição e o novo site da Casa Branca (Internotas) estava no ar poucos minutos depois da posse. ‘Assim como seu novo governo, o whitehouse.gov e o restante dos programas on-line da administração Obama têm por meta colocar os cidadãos em primeiro lugar’, escreveu Macon Phillips, diretor de novas mídias do governo, num dos primeiros posts do blog do site. Phillips acrescentou um detalhe interessante do processo de consulta popular que o novo presidente pretende implantar antes de assinar leis. ‘Uma novidade significativa no site reflete a promessa de campanha feita pelo presidente: publicaremos todos os projetos de lei não emergenciais, por cinco dias, para que o público possa ler e comentar antes de o presidente assiná-los’, explicou o diretor.

Resta conferir se toda essa acolhida às novas mídias se manterá depois do entusiasmo inicial, mesmo que o governo seja duramente criticado por um eventual passo em falso. As primeiras iniciativas foram promissoras.’

 

 

FRANÇA
Gianni Carta

O novo Napoleão, 23/1

‘Nicolas Sarkozy seria o novo Napoleão Bonaparte, como a imprensa européia tem dito, quase sempre de forma caricatural? Pela primeira vez, um livro lançado neste mês, intitulado La Marche Consulaire, do jornalista francês Alain Duhamel, cataloga as semelhanças entre os dois. A lista é, de fato, infindável, embora várias comparações sejam conhecidas até pelos paralelepípedos da Place de la Concorde.

Napoleão e Sarkozy são apresentados como homens irrequietos, temperamentais, teatrais, com rasgos de afetação. Sarkozy teria quase o 1,68 metro de Napoleão. No início do século XIX, era uma estatura razoável, mas foi reduzida por hábeis caricaturistas britânicos, responsáveis pela afirmação do que hoje é conhecido como ‘complexo de Napoleão’. Contudo, não sejamos revisionistas, relevantes são as imagens que atravessam os séculos.

Além da estatura semelhante, Napoleão e Sarkozy são filhos de pequenos (não necessariamente em altura) nobres estrangeiros, portanto, totais outsiders na alta sociedade francesa. Donde o pendor, cultivado por ambos, pelo kitsch, somado à terrível veneração por dinheiro e uma irrefreável ostentação.

Impaciente, Napoleão tirou, em 1804, a coroa das mãos de Pio VII na Catedral de Notre-Dame e se autocoroou imperador. Em seguida, coroou sua mulher, Josefina. Enquanto pouco mais da metade do povo jubilava com sua vitória nas presidenciais de 2007, Sarko comemorou com seus amigos ricaços no Le Fouquet’s, um dos restaurantes mais caros de Paris.

Tendo em vista essa obsessão em controlar suas próprias imagens, Napoleão criou dois jornais, fundamentais para exaltar suas campanhas militares. Por sua vez, Sarkozy corteja e manipula os barões da mídia, e encontra grande prazer em posar para as revistas encontradas em cabeleireiros, como o semanário Paris Match. Na mesma publicação, o vimos na EuroDisney com sua futura mulher, la bella Carla Bruni, antes das núpcias.

Claro, mulheres, tanto no caso do imperador francês Bonaparte quanto no do atual presidente, foram instrumentais no processo de ascensão ao poder. E atingidas suas metas, Napoleão e Sarkozy se separaram, por motivos diferentes. Josefina, consta, teria ficado estéril, sem poder dar à França um herdeiro. A segunda mulher do imperador, Maria Luisa da Áustria, pôs no mundo um filho, Napoleão II, que faleceu criança.

Já Cécilia, a segunda mulher de Sarkozy, parecia cultivar outros interesses em Nova York. Entra em cena Carla Bruni, ex-modelo e filha de endinheirada família italiana. Foi criticada pela society que Sarko tanto preza, devido ao fato de ser italiana, ter um filho e vivido casos com uma série de celebridades. Mas Carla Bruni-Sarkozy, por sua beleza, elegância e francês impecável conquistou o país.

Duhamel, o autor do livro, restringe as semelhanças entre o jovem Bonaparte da época do estabelecimento do Consulado, primeira fase do governo de Napoleão como Primeiro-cônsul (1799-1804), e os vinte meses iniciais de Sarkozy na Presidência.

O jornalista evita assim comparações entre o imperador Napoleão (1804-1815), quando este tornou-se um tirano derrotado na Batalha de Waterloo, e Sarkozy. O Napoleão em evidência é aquele que lançou as sementes do moderno Estado francês: Código Civil, o franco, escolas públicas e colégios para formar elites.

A França do Primeiro-cônsul era um centro de tensão entre a burguesia insatisfeita com os processos dos jacobinos. Ao mesmo tempo era temida por monarquias européias, receosas do surgimento de movimentos semelhantes ao da revolução de 1789 em seus reinados.

Duhamel sustenta que Napoleão reconciliou a ordem apreciada pelos roialistas e conservadores e, ao mesmo tempo, modernizou a França, atendendo, assim, a um pedido das esquerdas. Da mesma forma, Sarkozy seria original por pretender manter a ordem e modernizar uma economia pouco flexível. Mas a promessa-chave de Sarko nas eleições – aumentar o poder aquisitivo – é irrealizável, ao menos até o final do mandato, dentro de três anos.

O livro de Duhamel compara, de forma positiva, os dois homens. Duhamel não pode fazer prognósticos sobre o legado de Sarkozy. Isso, claro, seria mergulhar num mar de surrealismos. Mas o jornalista, um ser conservador, é político. Quer, mesmo pela caricatura, agradar a Sarkozy. Eis outra demonstração do poder do atual presidente francês.’

 

 

TELEVISÃO
Nirlando Beirão

Macarronada completa, 23/1

‘Lá pelo meio da quarta temporada de Família Soprano (The Sopranos, nos Estados Unidos), Carmela tenta persuadir Tony Soprano, o páter-famílias e capo mafia, a mudar de vida, resguardando o futuro de seus entes queridos, graças a algum trabalho mais promissor, tipo agente imobiliário. Tony reluta e a mulher exaspera-se: ‘Deixa eu te dizer uma coisa. Tudo um dia acaba’.

Encerrado, em 2007, o último episódio daquele que Norman Mailer considerou ‘a obra da cultura pop mais próxima do Grande Romance Americano’ e que o crítico da revista Vanity Fair chamou de ‘o melhor seriado de tevê de todos os tempos’, há sérios indícios de que nem tudo chega ao fim.

Os Sopranos deixaram o palco, mas a sopranomania ainda impera nos Estados Unidos e nos países que tiveram o privilégio de conviver, por seis temporadas, com aquelas charmosas, ainda que confusas, famiglie (no caso do Brasil, privilégio ao pé da letra, já que os mafiosos se evadiram para o esconderijo do canal HBO, inacessível sequer ao mais diligente Eliot Ness).

Enquanto a paixão bandida é requentada pelos rumores de que os Sopranos podem voltar à ação, sai da clandestinidade uma caixa com a íntegra dos seriados. As seis temporadas em 28 discos de DVD, distribuídos pela Warner Video (33, na versão americana, com vários adendos). Carmela enganou-se: os Sopranos, com seu charme meio abrutalhado e uma ironia recoberta de sangue, são para sempre.

David Chase, criador e diretor esporádico (houve outros, como o premiado Peter Bogdanovich), pegou

o espectador pelas entranhas já no capítulo 1, ao transportar para o divã freudiano da – a princípio – sisuda Dra. Jennifer Melfi (Lorraine Bracco) as dúvidas existenciais do chefão (James Gandolfini), além daqueles pesadelos em que a ereção fraqueja.

A graça dos Sopranos é que, ao contrário do que acontece nas telenovelas à brasileira, com seu culto à redundância e sua subserviência à caricatura, os personagens se submetem ao desígnio superior da dramaturgia. Ou seja, eles se transformam, ao sabor dos acontecimentos. A possibilidade de trilhar toda a sequência deliciosa, hilariante da série é convite tão irrecusável como para a pastasciutta da nonna.’

 

 

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