POLÍTICA
Nos bastidores das telecomunicações
‘Nos últimos três anos, a advogada Flávia Lèfevre acompanhou de perto o surgimento das novas regras do setor de telecomunicações que permitiram, entre outras novidades, a compra da Brasil Telecom pela Oi, como desejava o governo federal. Nesse período, Flávia fez parte do Conselho Consultivo da Anatel, um órgão de aconselhamento da direção da agência, sem poder deliberativo. Foi para o conselho, composto por 12 integrantes, em uma das duas vagas destinadas aos representantes dos usuários.
Antes de deixar o conselho, como representante da Pro Teste, uma associação de defesa dos direitos dos consumidores sediada em São Paulo, Flávia abriu um processo contra a Anatel. Segundo a advogada, a agência agiu inconstitucionalmente ao fechar um acordo de troca de metas com as concessionárias de telefonia fixa do País. Pelo acordo, ficou acertado que as operadoras terão de levar banda larga a todas as cidades onde atuam. ‘Isso é totalmente ilegal. Elas não podem usar receitas da telefonia fixa para investir em um negócio em regime privado, como é o da banda larga’, afirma. Além disso, Flávia critica a exclusão de uma cláusula que garantia o retorno à União, ao fim da concessão, da infraestrutura que terão de construir até 2010.
A Justiça federal concedeu liminar a favor da Pro Teste. Na sentença, a juíza Maria Cecília de Marco Rocha considerou que a retirada da cláusula abriu margem para futuras ações judiciais das operadoras. ‘Infere-se que houve vício de motivação, já que se consignou a reversibilidade e acolheram-se os argumentos em sentido contrário, calcados na tese de que o backhaul não é essencial ao Serviço Telefônico Fixo Comutado (STFC). Conclui-se, ademais, que o vício abriu margem para que as concessionárias do STFC questionem, no futuro, a reversibilidade do backhaul’, anota a juíza. No dia 14 de janeiro, o desembargador Antônio Ezequiel da Silva confirmou a liminar.
A reversibilidade do backhaul à União, como é chamada a infraestrutura de banda larga, foi retirada da minuta do contrato, de acordo com a Anatel, por ser ‘redundante’. A agência afirma que essa condição já está prevista no contrato original de concessão. Na entrevista a seguir, a advogada comenta a disputa jurídica com a Anatel e outros lances das telecomunicações do País.
CartaCapital: No ano passado, a Anatel alterou o marco regulatório para permitir a compra da Brasil Telecom pela Oi. Em seguida, trocou as metas das concessionárias de telefonia fixa, que terão 2010 para construir o chamado backhaul, a infraestrutura necessária para a internet em alta velocidade, em todos os municípios das concessões. Como a senhora avaliou essas mudanças?
Flávia Lèfevre: A alteração da Lei Geral de Outorgas para viabilizar o negócio entre a Brasil Telecom e a Oi vai significar um impacto violento na possibilidade de se acirrar a competição. Se somarmos a essa alteração, a troca de metas do Plano Geral de Universalização das Metas (PGMU), quando o governo pretendeu que as concessionárias implantassem a rede para comunicação de dados, chamada pela Anatel de Serviço de Comunicação Multimídia (SCM), veremos a repetição do que acontece hoje com a telefonia fixa. A telefonia fixa é concentrada nas mãos das concessionárias e cartelizada, uma não atua na região da outra, quando elas já poderiam estar fazendo isso. A Oi poderia atuar em São Paulo, a Telefônica na região da Brasil Telecom, por exemplo.
CC: Por que a senhora votou contra a troca de metas no conselho consultivo da Anatel?
FL: O backhaul é o fio de uma meada que cada vez conseguimos puxar mais. Fui relatora da troca de metas no Conselho Consultivo, e fui voto vencido por 10 votos contra 2. Só que a Pro Teste, por entender que o backhaul é ilegal, foi para a Justiça. As metas de universalização que são essenciais para a telefonia fixa já foram cumpridas. Elas estavam no primeiro decreto que estabeleceu as metas, e em dezembro de 2005, quando venceu a primeira fase da privatização, era condição sine qua non, de acordo com a Lei Geral das Telecomunicações (LGT), que as metas deveriam ter sido cumpridas para permitir a renovação das concessões.
CC: E elas foram de fato cumpridas?
FL: Sem entrar no mérito se foram cumpridas ou não, o fato é que a Anatel certificou o cumprimento das metas, tanto que prorrogou os contratos por mais 20 anos, era condição para a prorrogação. As próprias concessionárias afirmam que 100% das metas relativas à universalização foram cumpridas. Ou seja, em qualquer localidade do País, o usuário tem condições de solicitar a instalação de um telefone fixo. Além disso, 100% da rede foi digitalizada, outra meta. A pergunta então é por que temos uma penetração de STFC tão baixa, com uma média de menos de 21 telefones a cada 100 habitantes, sendo que em alguns estados não chega a oito? Porque as pessoas não têm dinheiro para pagar a assinatura básica, não por falta de infraestrutura.Considerando isso, não queremos as PSTs das metas antigas, mas sim a redução das tarifas.
CC: O governo argumenta que a troca de metas tem o objetivo de fomentar a expansão da banda larga, como parte de uma política de inclusão digital.
FL: Dizem que o backhaul é importante para a expansão da banda larga, ótimo, também achamos, só que a LGT é clara neste ponto. A LGT diz que não serão deixados à exploração exclusiva do regime privado os serviços considerados essenciais. Se o governo acha que a banda larga é tão importante assim, e nós achamos também, deveria usar a sua atribuição constitucional e baixar um regulamento geral de serviços, coloque lá Serviço de Telefonia Fixa Comutada, Serviço de Comunicação de Dados e fale: esses serviços serão explorados no regime público e no privado. Então se o governo reputa a banda larga como algo tão importante, ele que faça isso. Na verdade, o governo não tem alternativa de acordo com a Lei Geral. A LGT diz que, para cada modalidade de serviço, haverá um contrato específico. E fala expressamente que é proibido o subsídio entre as diferentes modalidades de serviços. Se o backhaul é uma rede IP de acesso à internet em banda larga, como a própria Anatel falou, como é possível incluir no contrato de serviço de telefonia fixa uma meta de universalização para a implantação de uma rede que atenderá um outro serviço? Com isso, oneram-se as tarifas da telefonia fixa. É importante investir na inclusão digital, mas não pode fazer subsídio cruzado nem dar de presente para as concessionárias, sem licitação, a implantação dessa rede. Isso é totalmente ilegal, além de socialmente injusto porque já pagamos a implantação da rede do STFC. Qual a justificativa para onerar o contrato de concessão para criar um subsídio para um serviço prestado no regime privado?
CC: O consumidor pagará a conta desse investimento?
FL: Pela lei, a receita para o cumprimento de metas é proveniente da exploração eficiente do serviço. Ora, se as empresas assumem o compromisso de implantar uma infraestrutura e a receita tem de vir dali, quando fizer uma revisão de tarifa, as concessionárias irão argumentar que não poderão reduzir as tarifas porque têm todas essas metas a cumprir. E a tarifa não irá baixar. Considerando que essa rede não é essencial ao STFC, isso representa um descumprimento do princípio da modicidade tarifária. E isso porque o serviço público essencial tem de gerar lucro para a concessionária, mas o menor lucro possível, já que o objetivo principal é ampliar o acesso do serviço. E para tanto é necessária uma tarifa módica, caso contrário a infraestrutura estará em todo o País, mas não será utilizada.
CC: Daí a decisão de ir à Justiça.
FL: Entramos com a ação civil pública no dia 11 de abril do ano passado, alguns dias após a assinatura dos aditivos aos contratos de concessão para a troca de metas. A princípio, a juíza da primeira instância não concedeu a liminar. Como eu estava no conselho consultivo da Anatel, continuei acompanhando o caso. E pedi para a Anatel a cópia dos aditivos para juntar aos processos. Quando me mandaram o contrato, levei um susto ao perceber que havia sumido uma cláusula, a que deixava expresso que a rede do backhaul era resersível, ou seja, que ao final da concessão seria devolvido à União. Imediatamente informei à juíza. E falei na Anatel, já que era preciso um processo administrativo interno para justificar a retirada da cláusula, já que havia passado por consulta pública, e durante a consulta o documento que foi finalizado para a análise do Conselho Consultivo, trazia uma minuta com cláusula da reversibilidade. E no dia 29, quando fui ver, tiraram a cláusula. A primeira irregularidade é que a mudança da cláusula estava sendo discutida dentro da agência concomitantemente à discussão no Conselho Consultivo, que não foi informado sobre o que se passava. Não foi dada nenhuma publicidade a essa mudança.
CC: Como se deu a retirada da cláusula?
FL: A retirada da cláusula se deu por um procedimento interno da Anatel chamado circuito deliberativo. O decreto foi editado dia 7 de abril, os aditivos foram assinados dia 8 de abril. A cláusula foi retirada do dia 7 para o dia 8, apoiada em um parecer da Procuradoria da Anatel, segundo o qual a cláusula seria irrelevante porque, como se trata de uma meta de universalização, estaria subentendida ser reversível, conforme justificativa número 30 da consulta pública. E abre aspas como se uma das empresas que participaram da consulta pública tivessem concordado com o fato de que a rede seria naturalmente reversível. Fui conferir as contribuições das empresas durante a consulta pública, e quase caí para trás. Em primeiro lugar, porque o texto entre aspas no parecer simplesmente não existe. E não só não existe, como o que todas as empresas dizem nessas contribuições é justamente o contrário. Segundo elas, como essa rede não é essencial para o STFC e será usada para a banda larga, estaríamos abrindo um precedente ruim de colocá-lo como um bem reversível, já que ele não é reversível. A Oi, a CTBC e a Telefônica afirmaram isso, como justificativa para a retirada da cláusula. A Anatel e a União entraram com um recurso para suspender a liminar, perderam e o presidente do TRF negou, mantendo a liminar. Com isso, os aditivos do backhaul estão suspensos. Diante disso, a Anatel, que sempre disse que a cláusula era desnecessária, chamou as concessionárias de volta, para incluir novamente a cláusula, com um prazo de 48 horas. Daí a Oi, a Brasil Telecom e a Telefônica disseram que não irão assinar. Só a Sercontel e a CTBC toparam, e isso porque elas têm zero de backhaul para construir, inclusive porque tem área de concessão muito pequena. Depois, o presidente da Telefônica afirmou que assinará, desde que a Anatel deixe claro o que é exatamente o backhaul. Agora, é muito estranho, porque isso significa que as concessionárias assinaram um contrato sem saber a que ele se referia.
CC: A senhora considera que o governo está equivocado na condução da política nacional de telecomunicações?
FL: O governo quis modificar o cenário das telecomunicações no País, mas não quis enfrentar o caminho democrático para fazer essa mudança. Em primeiro lugar, seria preciso ter mudado a LGT, já que várias coisas que estão sendo feitas são contra a lei. O mesmo no caso do backhaul, e neste caso até aqui a Justiça tem sido favorável à minha tese.’
Paulo Cezar da Rosa
Guerra no Rio Grande do Sul
‘Dez sindicatos de servidores estaduais, liderados pelo Centro dos Professores do Estado do Rio Grande do Sul (CPERS Sindicato), desencadearam em janeiro uma campanha publicitária contra a governadora Yeda Crusius (PSDB). Outdoors espalhados por todo o estado anunciavam: ‘Dia 12/02 conheça a face do autoritarismo, da corrupção, do arrocho salarial’ etc. Cada tabuleta trabalhava um conceito negativo ao lado de um rosto coberto por uma máscara. Antes mesmo do dia 12, o governo do Estado e a governadora reagiram solicitando suspensão judicial da campanha por ameaça à honra de Yeda Crusius. Os cartazes com a face de Yeda colados na madrugada foram cobertos pela manhã. Na imprensa, Yeda Crusius já posava de vítima e a direção do CPERS fazia o papel de algoz.
Não foi feita (ainda) nenhuma pesquisa, que seja de conhecimento público, sobre a opinião dos professores e servidores a respeito da atitude das suas direções, mas é perceptível que a sociedade gaúcha, assim como rechaça o governo tucano, também não apoia a linha adotada. O CPERS hoje é dominado por uma auto-intitulada ‘esquerda sindical’ composta por militantes da Conlutas, Intersindical e CSD (CUT Socialista e Democrática, ligada à DS, uma das correntes mais fortes do PT gaúcho). A CUT, o PT, o PCdoB e outros setores que apoiam o governo Lula foram alijados da direção da entidade. Entretanto, para o grande público o CPERS ainda é uma entidade ligada ao PT e à oposição ao governo Yeda. Na opinião pública, a disputa entre o CPERS e o governo é vista como uma guerra entre os petistas e os tucanos.
Uma das consequências da precipitação e agressividade dos sindicalistas está sendo o coesionamento da base governista na Assembléia Legislativa do Estado. Deputados que haviam votado por não haver desconto dos dias parados em uma greve realizada semestre passado, agora já se manifestam a favor da posição do governo. Pela primeira vez, os partidos da base do governo saíram a público em ‘ordem unida’ defendendo Yeda Crusius. O líder do governo, deputado Pedro Westphalen(PP), chegou a afirmar que a agressividade da campanha conseguiu algo que ele não imaginava possível, em termos de união da base governista.
Em ano pré-eleitoral, na prática os tucanos e as corporações sindicais, mesmo que não tenham essa intenção, preparam uma vitória do PMDB no pleito de 2010. No conflito entre um lado e outro (no caso, é difícil falar em direita e esquerda), mais uma vez a tendência é que o PMDB gaúcho apareça como o partido pacificador, ético e defensor dos verdadeiros valores do Rio Grande. O PMDB só não definiu ainda quem será o seu candidato a governador, se o prefeito da capital José Fogaça ou o ex-governador Germano Rigotto ou ainda um nome novo.
É verdade que tudo isso são impressões do momento. Afinal, 2009 de fato não começou, e tudo que é feito no verão acaba na conta das paixões. Mas, se depois do carnaval a guerra continuar como está, o PMDB do senador Pedro Simon caminha a passos largos para a recuperação do governo gaúcho.’
ECONOMIA
A internet avança nas redações
‘A relação entre o jornalismo impresso e a internet continua a render histórias interessantes. A Editor & Publisher, revista americana especializada em mídia, informou que o Wall Street Journal decidiu fechar a biblioteca interna de pesquisas e demitir os funcionários que cuidavam da operação.
A dupla responsável pelos arquivos realizava toda a pesquisa dos jornalistas da casa. Leslie Norman, demitida, acredita que a decisão pode ter reflexos negativos na qualidade dos textos. ‘Quando perguntei quem faria a pesquisa para os repórteres, disseram-me que ninguém. Eles agora passarão a utilizar as bases de dados on-line, como o Lexis-Nexis’, afirmou. Ela argumentou ainda não acreditar que ‘o conhecimento sobre métodos de pesquisa e todos os truques que aprendemos ao longo dos anos’ possam ser substituídos e que ‘os repórteres provavelmente vão gastar dez vezes mais dinheiro com serviços que tentam se aproximar do que fazíamos’.
Um executivo do WSJ respondeu à Editor & Publisher que ‘é triste, mas nossos repórteres têm acesso a múltiplas bases de dados, incluindo a Factiva, e a migração para fontes digitais acontece há muitos anos’. Talvez um ou outro leitor se espante com a existência de um departamento de pesquisas para dar suporte ao trabalho de jornalistas, mas a sua extinção é preocupante.
Os repórteres do WSJ conseguirão manter a qualidade dos textos, sem os bibliotecários e o arquivo que geriam? A resposta talvez tenha sido dada na Suécia, pelo jornal Sydsvenskan, de forma bem radical. A editoria de Cultura decidiu escrever um extenso artigo sobre o Pirate Bay, site de troca de arquivos hospedado na Suécia, que enfrenta um processo no país. Antes da publicação na edição impressa, os editores decidiram colocar uma versão beta do texto no Pirate Bay, como relataram no blog do jornal.
O arquivo tornou-se um dos mais baixados e gerou uma onda de comentários, com correções e ideias para mais uma série de matérias. Os editores receberam também uma avalanche de críticas por terem postado o texto no site e supostamente legitimado a pirataria on-line.
O sucesso da tentativa do Sydsvenskan não acaba com os argumentos dos bibliotecários do WSJ. Abrir a criação de textos e tornar o processo coletivo e participativo talvez seja radical demais, mas é evidente que mesmo os jornalistas mais cuidadosos podem encontrar um meio-termo e fazer um bom trabalho de pesquisa com as ferramentas disponíveis na internet. É também claro que a perda do conhecimento adquirido por pessoas como a bibliotecária Leslie é desagradável, mas um sinal dos tempos.’
DIRCEU
Caso Battisti
‘O correspondente do jornal La Stampa de Turim, um dos três mais importantes diários italianos, Paolo Manzo, que também colabora com CartaCapital, entrevistou José Dirceu a respeito do Caso Battisti. Como todos os defensores do asilo político, Dirceu repetiu os argumentos já conhecidos, gravemente ofensivos para o Estado italiano: cometem clamorosas inverdades históricas, permitem-se contestar sentença passada em julgado em país democrático e amigo e afirmam que um Estado de Direito como a Itália não garante a devida proteção a Battisti, caso extraditado.
O jornal turinês recusou-se a publicar a entrevista. Conclusão de Paolo Manzo. ‘O que Dirceu e os amigos brasileiros de Battisti não dizem é que nenhum país concedeu asilo político a qualquer ex-terrorista italiano, inclusive a França, onde vigora uma situação de fato, jamais sancionada juridicamente. Tanto que a Justiça francesa extraditou Battisti depois de ter submetido o caso à Corte Europeia, a qual não somente se manifestou sobre a legitimidade do processo e da condenação imposta, mas também sobre a regularidade do processo de extradição.’
Ao se referir a uma das respostas de Dirceu, Manzo acentua: ‘Quando o entrevistado diz que a França e países amigos deram asilo político a Battisti e outros condenados pela Itália, mente de caso pensado: Battisti está no Brasil porque a França o extraditou’.’
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