INTERNET
Navegar é preciso
‘O Chrome foi lançado pelo Google em setembro de 2008 como um navegador melhor e mais eficiente do que as alternativas existentes, principalmente o Internet Explorer, da Microsoft, o Safari, da Apple, e o Firefox, da Mozilla. Mesmo que seja de fato mais avançado, mais estável e mais rápido que os concorrentes, o Chrome ainda não conseguiu atingir uma massa crítica de usuários. Hoje, possui cerca de 3% do mercado de navegadores, um número baixíssimo se comparado à aceitação de outros produtos e serviços disponibilizados pelo Google, como o Google Mail.
O problema é que o consumidor tende a usar o navegador que encontra mais facilmente no sistema operacional. No caso de compradores de PCs, o sistema operacional predominante é o Windows e a Microsoft embute na instalação o Internet Explorer – exceto na Europa, onde a empresa foi alvo de uma ação antitruste. Se a escolha é um Macintosh, o navegador disponível é o Safari. Quando o usuário se propõe a encontrar uma alternativa, o natural é que ele pense em usar o Firefox, baseado no conceito de software livre. O Chrome, para azar do Google, ainda é relativamente novo e pouco utilizado fora do círculo dos usuários mais interessados em novas tecnologias. A solução seria conseguir que o navegador viesse pré-instalado, de fábrica, como uma alternativa fácil ao Internet Explorer.
Foi isso o que ela conseguiu no começo da semana, quando anunciou que tinha chegado a um acordo com a Sony para pré-instalar o Chrome em alguns modelos da linha Vaio. Mesmo que a Sony não chegue perto da fatia de mercado de PCs mantida por líderes como a Dell ou a Toshiba, é um primeiro passo que pode levar o navegador a ser pré-instalado em computadores de outros fabricantes. A partir daí, é um passo para que o aplicativo se torne uma verdadeira ameaça à posição de liderança mantida no setor pela Microsoft, principalmente na União Europeia. Um porta-voz da Microsoft -ouvido pelo Wall Street Journal disse que ‘a competição no mercado é boa e as pessoas têm o direito de escolher o navegador que for melhor para elas’.’
MARVEL
Mickey manda, Hulk obedece
‘Os irmãos metralha deram uma carteirada no Homem-Aranha. O Mickey Mouse, com a providencial ajuda do Tio Patinhas, arrematou, com um único lance, os direitos de uso do Wolverine (e todos os X-Men), do Thor, do Capitão América, do Homem de Ferro e do Hulk, entre outros 7 mil personagens. Por 4 bilhões de dólares a Walt Disney Company comprou, na segunda-feira 31 de agosto, a Marvel Entertainment, em um negócio que pegou de surpresa especialistas de mercado e gurus do mundo do entretenimento, impressionados com a agressividade da empresa voltada para produtos-família, como as grifes Hannah Montana e High School Musical.
Com um impressionante catálogo de desenhos animados – de destaques do cinema no século XX, como Fantasia, a novas produções, via Pixar, como o delicado Up – Altas Aventuras, passado na Amazônia, que estreia neste fim de semana no Brasil –, a Disney é uma das mais importantes corporações de mídia do planeta, dissecada nos anos 70 pelo sociólogo belga Armand Mattelart e o escritor chileno Ariel Dorfman no clássico Para Ler o Pato Donald, em que era apresentada como ponta de lança da propaganda imperialista durante a Guerra Fria. Mais: a dupla denunciava o caráter assexuado dos personagens das histórias em quadrinhos. Nada mais distante da Marvel, com personagens das mais variadas etnias, dependentes químicos e sexualidade pouco convencional.
Em artigo para a Salon, o crítico Andrew O’Hehir lembra que em sua adolescência, quando ia comprar gibis, Marvel e Disney faziam parte de universos completamente diversos. Os quadrinhos do Pato Donald e de seus sobrinhos Huguinho, Zezinho e Luizinho ficavam na vitrine. Os deuses supermasculinizados da Marvel permaneciam escondidos no fim da loja. ‘A lição central dessa aquisição é a mudança radical de nossa cultura de-massas, de minha infância em Berkeley para hoje. Já imaginou os Jonas Brothers no lugar do Homem de Ferro ou do Wolverine? Ou a Pixar produzindo a batalha entre Os Incríveis e O Incrível Hulk?’, sugere.
Para Ted Magder, diretor do Conselho de Mídia e Cultura da Universidade de Nova York (NYU) e autor de Franchising the Candy Store, focado em disputas comerciais na era da globalização, não há possibilidade de a Disney infantilizar ainda mais os personagens da Marvel. Fãs, afinal, já reclamam de excessos como a adaptação do Homem-Aranha, a máxima criação de Stan Lee, para a Broadway.. ‘Não podemos esquecer que a Disney é a dona da Miramax. Os super-heróis da Marvel não serão ‘disneyficados’ em termos de moral ou valores pessoais. Mas se submeterão à estratégia de marketing da Disney.’
Magder afirma que a aquisição do controle da Marvel pela Disney, garantida com um pagamento de 50 dólares por ação, em uma valorização de 29% do preço real, depois de três meses de negociações secretas, revela um desejo sintomático, neste momento de crise financeira global, dos grandes conglomerados de mídia norte-americanos de reduzirem os riscos criativos ao máximo. ‘ADisney, com longa história de produzir conteúdo próprio, saiu às compras para adquirir algo já formatado.’
Nos últimos anos, a Marvel se transformou em um estúdio de cinema, explorando seus personagens em diversos meios. Não apenas em campeões de bilheteria, que teriam totalizado 4,5 bilhões de dólares nos cinemas de todo o planeta, mas também em jogos de videogame. ‘A marca Marvel e seu conteúdo, que é um tesouro, só serão beneficiados por nossa extraordinária capacidade de distribuição e produção’, disse Robert A. Iger, o principal executivo da Disney, em entrevista na segunda-feira.
Magder lembra que o poder de multiplicação dos peixes é o fator mais atraente para a Marvel em sua decisão de ser englobada pelo castelo de Mickey. ‘A Marvel tem uma biblioteca de personagens que podem ser transformados em filmes, videogame, brinquedos, qualquer tipo de merchandising, até em parques temáticos’, diz.
Bob Iger, por sua vez, combate os que acreditam ter sido um passo em falso da Disney arrematar a gigante dos gibis em um momento de especial preocupação para a indústria de cultura de massas norte-americana, com estúdios cortando custos e índices de leitura despencando todos os meses: ‘Nós pagamos um preço que reflete o valor agregado pela Marvel e o potencial que podemos criar juntos. É o que chamo de preço total, mas é um preço justo’.
Os leitores atentos de Mattelart e Dorf-man não se surpreendem com o fato de a Disney pretender integrar de imediato alguns dos personagens da Marvel em seus parques na Califórnia, na França e em Hong Kong.. A exceção é o Disney World em Miami, por conta de um direito de exclusividade com a Universal, que em seu parque em Orlando conta com atrações como a The Amazing Adventures of Spider-Man e a The Incredible Hulk Coaster. De todo modo, os estúdios que fecharam parcerias com a Marvel antes da aquisição da Disney (como a Fox com o X-Men, a Sony com o Homem-Aranha, a Universal com o Hulk e a Paramount com o Homem de Ferro) seguem com o direito de exclusividade de produção e distribuição desses personagens no cinema. Por isso, críticos da tacada de Iger apontam para os riscos da saturação da Marvel no mercado.
Nikki Finke, do Deadline Hollywood, foi o primeiro a revelar as ligações do comandante da Disney com o mundo dos quadrinhos. O tio de Iger, Jerry, criou, nos anos 30, juntamente com o adolescente Will Eisner, um escritório especializado na produção de gibis. Anos mais tarde, Eisner criaria personagens como The Spirit. O primeiro funcionário contratado por Iger e Eisner foi Jack Kirby, o ‘pai’ do Capitão América.
Finke conta que, desde os anos 90, Bob Iger comandava discussões para a aquisição da Marvel, mas enfrentava resistências de executivos que a consideravam ‘pouco Disney’. Depois de se tornar o CEO da empresa, e de adquirir em 2006 a Pixar por 7,4 bilhões de dólares, seu sonho voltaria à tona. Em junho, teria voado para Nova York com o objetivo de conversar com Ike Perlmutter, que comprou a Marvel há uma década, quando em crise, e a transformou em máquina de fazer dinheiro. Como Perlmutter controla 37% das ações da Marvel, estima-se que ele tenha embolsado algo como 1,5 bilhão de dólares com a venda, ao mesmo tempo que teria garantido a independência da empresa no mesmo estilo da Miramax durante o período em que os irmãos Weinstein comandavam o estúdio, responsável por sucessos como O Paciente Inglês, Chicago e Shakespeare Apaixonado.
O casamento Disney-Marvel sintetizaria uma realidade em tempos de vacas magras: quem tem capital engloba empresas com potencial, mas sem possibilidade de alçar maiores voos com investimento próprio. A Marvel estaria com problemas para financiar a adaptação de filmes, pois teria de arcar com um terço das despesas de produção. Com a Disney, tudo ficará mais fácil. Analistas lembram ainda que a união é perfeita, pois, enquanto os personagens da Marvel são mais populares com meninos, produtos da Disney como A Pequena Sereia, Jonas Brothers e Hannah Montana recebem mais atenção das meninas. Uma exceção seria o mega-hit Piratas do Caribe.
Um dos poucos na mídia a não se impressionar com o negócio foi o experiente Jeffrey Wells, com passagens pela Entertainment Weekly, People, Los Angeles Times e The New York Times. Wells, há uma década o oráculo por trás do site Hollywood Elsewhere, diz que, quando uma corporação engloba outra, as mudanças são pouco significativas. Para Wells, no século XXI, todas as corporações de mídia estão viciadas nas adaptações de histórias de super-heróis para a tela grande.
‘Concordo com ele apenas em parte. O conteúdo produzido pela Marvel é importantíssimo para a Disney, exatamente porque não se trata de coisas como A Pequena Sereia ou Mickey Mouse. A Disney precisava incrementar seu modelo de negócios e este é, a meu ver, um belo gol. Wells não leva em conta a extensão com que a Disney, mestre em ganhar cada dólar com a exploração de seus personagens, pretende usar os símbolos maiores da Marvel. Você já pode esperar pelo Quarteto Fantástico Adventure Weekend Park no que hoje é um estacionamento vazio em uma cidade perto de sua casa!’, diz Magder.
Não deve ser mera obra do acaso a revelação mais interessante de Nikki Finke: Bob Iger teria passado os dois últimos meses lendo sem parar a Enciclopédia Marvel, estudando com devoção exemplar cada aspecto das histórias dos personagens da máquina de sonhos dos quadrinhos.’
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