Monday, 23 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

Carta Capital

FOTOGRAFIA
Rosane Pavam

Pelas lentes alheias

‘Rosely Nakagawa não sabe se é curadora ou editora de fotografia. Nas três últimas décadas de trabalho, sem se dar conta, cuidou igualmente de guardar as fotos com que os autores lhe presenteavam e em organizá-las nos volumes de pouca tiragem, além de levá-las aos museus, um espaço pouco a pouco conquistado para a arte no Brasil. Entrevistada no seu ateliê em Perdizes, bairro paulistano, a mulher do artista plástico Rubens Matuck define-se com um ato falho: ‘Eu traduzo’, ela diz.

Desde o curso na Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo, nos anos 70, Rosely talvez tenha feito sempre isto, traduzir em história a fotografia brasileira dos tempos recentes. Ela é uma editora singular, porque não está ocupada com as imagens de estúdio nem com as estritamente fotojornalísticas ou aquelas que evoquem as texturas das artes plásticas. As fotos de sua escolha mostram a rua.

A exposição que organiza a partir de um acervo de duas centenas de imagens, das quais extraiu 40 a serem exibidas, chega à Caixa Cultural na Sé, em São Paulo, no sábado 9, e ali permanece até 21 de junho, antes de percorrer o País, a demonstrar que a arte produzida em anos recentes merece um estudo de seus pormenores. Aos 55 anos, Rosely não é historiadora de ofício, mas de vocação. Enquanto lida com os artistas de forma a estimulá-los, também cuida de escrever sua trajetória, expondo-a com coerência.

‘O processo de criação do artista é o que me interessa’, diz a editora. ‘Quero saber como ele chega ao assunto, como o transforma em coisa concreta.’ Rosely foi a responsável por revelar três décadas atrás um Thomaz Farkas desconhecido, aquele que, além de exercer a poderosa função de dono da Fotoptica, também fotografava a arquitetura, os letreiros e os personagens do cotidiano de São Paulo.

*Confira a íntegra dessa reportagem na edição impressa’

 

CINEMA
Ana Paula Sousa

História

‘O Milagre em Santa Anna é daqueles filmes que, com o passar dos dias, melhora na lembrança de quem o viu. Algumas das qualidades do novo trabalho do diretor americano Spike Lee têm uma sutileza ideológica que nos escapa, enquanto desfrutamos do espetáculo da guerra promovido dentro do filme. Lee, urbano, ágil, militante, ocupa cenários estranhos à sua obra neste filme sobre os soldados negros que lutaram pelos Estados Unidos durante os conflitos transcorridos na Segunda Guerra Mundial.

Diretor hábil, Spike Lee sabe explorar a estética das batalhas e do horror. Faz seu espetáculo, mas sem esquecer pelo caminho a bandeira que há anos carrega. Se Milagre em Santa Anna melhora com os dias, é porque seus excessos diluem-se na nossa memória e resta do filme o essencial. Excessivas são as coincidências do roteiro e as histórias paralelas que o diretor Spike Lee se propõe a contar.

Essencial é o sentido do relato: os negros também lutaram na guerra e, mesmo no front, eram tratados

de maneira diferente pelos brancos, um fato que a história oficial seguidamente omite. Spike Lee há anos luta para transmitir informações melhores. Os quatro personagens centrais são os sobreviventes de uma infantaria quase toda dizimada na Toscana em 1944. O filme parte de um assassinato cometido na década de 1980, em Nova York, para reviver a passagem daqueles homens por um vilarejo italiano em meio à insanidade e aos afetos à flor da pele. Apesar de irregular, Milagre em Santa Anna encaixa-se à perfeição na carreira do diretor de Faça a Coisa Certa, Febre na Selva e Malcom X.’

 

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