Sunday, 24 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Carta Capital

INTERNET
Felipe Marra Mendonça

Controle na rede

‘Alguns governos, como o britânico, parecem convictos de que todo usuário de internet em seus territórios é pirata. Outros, como o chinês, bloqueiam o acesso a sites por acreditar ser um meio importante de controle social. Agora, a Turquia quer inaugurar uma nova categoria de controle da atividade on-line ao lançar dois serviços distintos.

O primeiro é uma ferramenta de buscas. Tayfun Acarer, presidente do Comitê da Tecnologia da Informação e das Comunicações (BTK) da Turquia, disse, no sábado 28, que ‘toda comunicação de dados na internet vai para países estrangeiros e depois volta. Essa atividade tem um aspecto de segurança’. A declaração é deliciosamente vaga, mas tem o propósito de aliar a ferramenta de buscas turca a uma questão de segurança nacional. Acarer acredita que as ferramentas atuais não atendem às sensibilidades turcas e que o governo certamente teria um ‘juízo editorial’ muito melhor do que companhias estrangeiras. Leia-se que o governo teria facilidade em censurar o resultado das buscas, coisa que companhias como Yahoo!, Google e Microsoft não fazem.

A segunda parte do plano turco consegue deixar até o Grande Irmão da obra 1984, de George Orwell, para trás. Batizado de Anaposta (certamente uma junção de Anatólia, nome antigo do país, com posta, correio), o projeto consiste em dar a cada um dos mais de 70 milhões de cidadãos turcos seu próprio endereço eletrônico. O que parece uma inócua proposta de inclusão digital é, na verdade, o modo que o governo encontrou de eliminar o anonimato na internet por completo.

‘Cada criança terá um endereço de e-mail escrito no seu registro de identidade desde o nascimento’, explicou Acarer. ‘Assim, teremos uma rede móvel que pode ser usada graças ao número de RG e as redes estrangeiras, como Yahoo!, Gmail ou Hotmail, deixarão de ser utilizadas.’ Isso quer dizer que o governo turco seria capaz de monitorar todas as comunicações feitas dentro da Turquia, já que o governo seria o único provedor de e-mail no país. O presidente da autarquia turca não explicou a possível punição a quem escolhesse não utilizar o serviço estatal após a inauguração, mas o futuro da livre expressão na Turquia, ao menos no âmbito digital, parece estar ameaçado.

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O governo britânico, mencionado acima, tem planos de cortar a conexão de internet de usuários que forem descobertos compartilhando arquivos piratas. O interessante é que um dos provedores de internet do país, a TalkTalk (www.talktalk.co.uk), decidiu proteger seus usuários e processar o governo, caso seja instruído a cortar o acesso de qualquer um deles.

Andrew Heaney, diretor-executivo de estratégia e direito da empresa, disse ao Guardian que ‘a abordagem é baseada no princípio de ‘culpado até provado inocente’ e isso substitui completamente o processo de direito’.

Heaney conclui que tal atitude pode acabar em ‘acusações errôneas’. A atitude do provedor é corajosa, mas o governo esclareceu que os cortes só terão inicio em julho de 2011, depois do envio de cartas de aviso aos usuários suspeitos de pirataria. Se esses não interromperem o download de arquivos ilegais, o governo pedirá o corte de suas conexões à internet. Aí veremos se a TalkTalk vai mesmo proteger seus assinantes.’

 

QUADRINHOS
Rosane Pavam

O artista desde seu início

‘O desenhista americano Art Spiegelman, de 61 anos, faz quadrinhos, mas nem tanto, e literatura, mais do que conseguiria admitir. Desde que encenou a experiência do pai em um campo de concentração na densa e linear história Maus, de 1986, ele tornou os gibis sérios. Ninguém brinca com Art Spiegelman. Ninguém ri.

O artista expressa seu pensamento neste admirável Breakdowns (Companhia das Letras, 312 págs., R$ 79), um livro como um surto, reunião de histórias editada pela Nostalgia Press, em 1978, e acrescida de uma introdução tão grande quanto o volume original. Ali está o Maus pioneiro, três páginas de 1972 que originaram o clássico, um pesadelo real que o pai conta ao filho na hora de dormir.

A imaginação explosiva desse artista de todas as técnicas exclui o humor aberto, mas não a explicação sobre ele, já que a personalidade certeira de Spiegelman é sempre a do crítico extremado, a do intelectual.

Desconstruindo Piadas, de 1975, mostra por que o incomoda a necessidade de fazer rir. A graça, ele entende, dança perigosamente entre a tragédia e o insulto. ‘Ainda rimos dos desafortunados, dos deformados e dos loucos’, escreve em um quadro, ao analisar uma piada de psicanalista. ‘Mas, para evitar um sentimento de culpa capaz de impedir os prazeres do riso, deve haver um equilíbrio habilidoso entre agressão e afeto’, ensina.

No dia em que Spiegelman descobriu que os cartuns não nasciam em árvores, quis ser um daqueles que os faziam. Ser um cartunista equivaleu a uma salvação pessoal, ele que fora internado em hospital psiquiátrico e sofrera horrores com o suicídio da mãe. Mas haveria muitos obstáculos à realização dessas pequenas peças cômicas, como lhe ensinaria Chris Ware. ‘Quando você não entende uma pintura, você acha que é burro. Quando não entende uma história em quadrinhos, acha que o cartunista é burro.’

Robert Crumb o libertou da necessidade de ser popular nos anos 70. Justin Green ensinou-lhe que um artista dos quadrinhos poderia falar da própria vida. Ken Jacobs o fez olhar para a arte. Na vanguarda do pensamento artístico do século XX, ele encontrou uma explicação para seu desejo de experimentar nos quadrinhos. Consagrado, Spiegelman ainda, e estranhamente, persegue o passe para a ousadia.

‘A arte existe para que se possa recupe-rar a sensação da vida. Ela existe para te fazer sentir’, diz Victor Shklovsky em A Arte como Técnica, de 1917, que o desenhista ilustra ao fim de sua introdução. ‘A técnica da arte é tornar os objetos estranhos, dificultar as formas, aumentar a dificuldade e a duração da percepção’, ensinou-lhe o teórico russo. ‘A arte é uma forma de experimentar o artifício de um objeto. O objeto não é importante.’’

 

GILMAR MENDES
Mino Carta

O STF não é um clube recreativo

‘CartaCapital já foi muito crítica em relação a certos comportamentos do ministro Gilmar Mendes, presidente do Supremo Tribunal Federal. Desta vez, louva-lhe a atuação no julgamento do Caso Battisti, de saída pelo voto de aprovação à impecável decisão do relator Cezar Peluso, e agora em virtu-de de uma entrevista à TV Educativa do Paraná que foi ao ar nestes dias.

Vale acentuar a importância deste momento, a se levar em conta a incerteza que envolve o destino do ex-terrorista italiano, por ora entregue à decisão final do presidente Lula. Entrevistado pelo jornalista Carlos Chagas no programa Falando Francamente, o presidente do STF mostrou-se à altura do cargo. Um ponto crucial do seu depoimento está na seguinte afirmação: ‘Não se ocupa um tribunal da seriedade do STF para que se converta em um clube litero-poético-recreativo. Não podemos nos debruçar sobre um tema de tal gravidade para dizer depois: ‘Não, desculpem, nós nos enganamos’.

Outra passagem importante diz respeito aos limites impostos pelo tratado de extradição em vigor entre Itália e Brasil. ‘As condições são essas’, diz Gilmar Mendes, ‘a discrição se dá nesses limites. Por isso, usando expressão do nosso linguajar jurídico, o tribunal nunca condenou o presidente a extraditar, sempre se entendeu que é consequência natural.’

Dois os aspectos relevantes. Primeiro, o tratado. O artigo 3º trata dos casos em que a extradição não será concedida. Letra F: ‘Se a parte requerida tiver razões ponderáveis para supor que a pessoa reclamada será submetida a atos de perseguição e discriminação por motivo de raça, religião, sexo, nacionalidade, língua, opinião política, condição social ou pessoal; ou que sua situação possa ser agravada por um dos elementos antes mencionados’.

Fosse tal a razão para negar a extradição, seria o mesmo que acusar o Estado italiano de não ser capaz de garantir aos seus presos a incolumidade e a segurança devidas. Daí, por que selar um tratado com um Estado inconfiável? Ou a Itália seria igual a Darfur? E quais seriam as consequências de um gesto desses? Não parece restar alternativa: significaria rasgar o tratado.

Segundo aspecto. A discricionariedade concedida ao presidente Lula, com voto vencido tanto do relator Peluso quanto do presidente Mendes. Como entende o ministro Gilmar, esta condição especial tem de ser sempre balizada por lei ou tratado. Na entrevista à Educativa do Paraná, Mendes introduz, porém, uma insinuação: se o ato final do presidente da República contrariar o tratado, ou for ilegal, a Itália poderá ingressar com nova ação no STF.

O Supremo reconheceu a ilegalidade da primeira decisão do ministro Tarso. Não pode Lula, dotado de poder discricionário mas não arbitrário, repeti-la. Se o fizer, abre a porta para nova ação. De resto, admitida como possível pelo próprio Mendes, em entrevista dada no dia seguinte ao julgamento.

Tempo antes, após o primeiro ato do enredo, o presidente Lula declarou que acataria a decisão do STF, o qual, por obra e graça de quem andou na contramão de Gilmar Mendes e Cezar Peluso, passou-lhe a bola ao acatar a tese da discricionariedade. Cabe perguntar aos botões eventualmente interessados no assunto por que o governo brasileiro não indeferiu de pronto o pedido de extradição. Por que permitiu o encarceramento de Battisti? Por que entregou o caso ao STF?

A jurista Mirtô Fraga, já citada durante o julgamento por Gilmar Mendes, acentua que o perigo aventado de perseguição do ex-terrorista se devolvido à Itália não subsiste, segundo o próprio Supremo. Donde, diz a jurista, ‘não haver outra saída se não a entrega do italiano’.

Como sabemos, outros ministros não concordam, com destaque para Eros Grau, o mesmo que batalhou para que Roseana Sarney assumisse a governança do Maranhão com a cassação de Jackson Lago, embora derrotada nas eleições. Coisas de constranger a lei e o arco-da-velha.

Ao conversar com um jornalista italiano, Paolo Manzo, correspondente de importantes diários peninsulares e colaborador de CartaCapital, a escritora francesa Fred Vargas, Ninfa Egéria da campanha pró-Battisti, não hesitou em divulgar sua simpatia pelo ministro Grau, salvo melhor juízo recíproca.

A conversa informal se deu no fim de janeiro deste ano na antessala do gabinete senatorial de Eduardo Suplicy e a escritora, instada pelo jornalista, analisou, voto a voto, as possibilidades do resultado do julgamento do STF. Ao citar Eros Grau, não se permitiu dúvidas: ‘Contra a extradição, está claro, ele é um amigo’. Sempre é possível que Fred Vargas se engane quanto ao grau das suas amizades.’

 

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