REINO UNIDO
Felipe Marra Mendonça
A força política da web
‘O Reino Unido deve ir às urnas em pouco mais de um mês e as últimas pesquisas mostram um eleitorado dividido entre a manutenção do poder em mãos trabalhistas ou a volta dos conservadores ao governo depois de 13 anos na oposição. Um dos principais obstáculos a ser enfrentado pelos conservadores é a imagem elitista associada ao partido, uma impressão reforçada pelos 11 anos de Margaret Thatcher e os excessos de uma geração de yuppies que adorava ostentar sua riqueza diante de uma classe trabalhadora implacavelmente tolhida e reprimida durante o mesmo período.
Essa divisão de classes persiste e é uma das maiores manchas de um país que se julga moderno. A equipe do atual líder conservador, David Cameron, acredita: a internet pode ser a solução para convencer uma geração que tem uma vaga lembrança dos anos Thatcher de que o partido conservador progrediu, um conceito um tanto paradoxal.
Parte dessa esperança é fruto do que Barack Obama conseguiu ao utilizar a internet para arrecadar fundos de campanha, permitindo-o passar ao largo da base tradicional do partido democrata que apoiava Hillary Clinton e mobilizar um sem-número de voluntários dispostos a percorrer os Estados Unidos e encampar mais votos para a sua base. A versão britânica da tática foi pensada por um ex-funcionário do Google, Sam Roake, e o ponto central dela é o WebCameron (http://www.conservatives.com/Video/Webcameron.aspx).
Atualmente a página mantém as cores tradicionalmente associadas ao conservadorismo britânico, principalmente o azul. À época do seu lançamento, o WebCameron era um festival de tons em rosa e violeta com objetivo de fazer o visitante esquecer que o homem mostrado nos vídeos era o líder dos conservadores, fruto de uma vida privilegiada e uma educação elitista em escolas privadas e depois em Oxford. O vídeo de abertura mostrava Cameron lavando louças, enquanto sua família tomava o café da manhã. Com o olhar fixo na câmera e pratos nem tão fixos em mãos, Cameron dizia que ‘queria falar para você um pouco do que os conservadores estão fazendo, o que minha equipe está fazendo, dar a você o acesso por-trás-das-câmeras para que você veja as políticas que estamos desenvolvendo’. A surpreendente união entre lavar pratos e o discurso político deu resultados positivos. O site conseguiu mais de 1,2 milhão de acessos únicos em seis meses e mais de um terço dos visitantes voltava a acessar a página depois da primeira visita.
O sucesso levou o partido conservador a abrir grupos em redes sociais como Facebook e Twitter. Isso acontece também do lado trabalhista e por todo o espectro político no Reino Unido, mas esse é o primeiro ciclo eleitoral no pós-guerra em que os partidos tiraram definitivamente da mídia o controle do que é ou não é notícia e o monopólio da atenção dos eleitores. Se antes a batalha entre os partidos se dava por programas de governo debatidos nas diferentes mídias, a internet acabou com a distância entre o político e os eleitores. Isso pode ser positivo, mas o outro lado da moeda também tem atingido David Cameron. Os pôsteres da sua campanha eleitoral têm sido modificados pelos blogueiros do MyDavidCameron (www.mydavidcameron.com) e os resultados são excelentes. Um deles resume o que os conservadores adorariam poder dizer, sobreposto a um retrato sério de Cameron: ‘Alguns dos meus melhores amigos são pobres’.’
ARMANDO NOGUEIRA
A poesia exata do futebol
‘Se pelé não fosse gente, teria nascido bola’, escreveu, certa vez, o jornalista Armando Nogueira, morto, segunda-feira 29, de câncer. A frase sintética definia o talento de Edson Arantes. O jornalista tinha dessas coisas. Herdara, de algum modo, a crônica esportiva poética de Nelson Rodrigues, mas dele fora um herdeiro torto, incapaz de despejar ironias quando em jogo estava a objetividade futebolística. A poesia de Armando Nogueira buscava a exatidão, a definição das coisas do futebol, enquanto Nelson usava o esporte para elucidar ora a graça, ora a tragédia do Brasil.
Botafoguense, nascido em Xapuri, a terra acriana de Chico Mendes, há 83 anos, Nogueira não se envergonhava de tratar as coisas da bola com tanta poesia. ‘Para Garrincha, o espaço de um lençol era um latifúndio’, ele dizia, e quem negaria a verdade que há nisso? De frase em frase, o jornalista colocava a bola no lugar.
Nos últimos tempos, as palavras do jornalista talvez soassem excessivas aos ouvidos televisivos, exigentes de rápidas interjeições e gracejos. Mas era tarde, e desnecessário que ele mudasse. Como acontecera ao goleiro Barbosa, a quem era atribuída a responsabilidade pela derrota do Brasil em 1950, nos últimos anos Armando Nogueira se defendia da edição global do debate televisivo que tirou, de Lula, as chances de vencer a eleição presidencial de 1989. A culpa não fora dele, garantia, mas do juiz da partida, o diretor de jornalismo da TV Globo de então, Alberico Souza Cruz.’
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