Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Cassiano Elek Machado

"Maior crítico literário brasileiro, Antonio Candido, 86, falou ontem à Folha sobre a morte do escritor Fernando Sabino. Leia a seguir o seu depoimento.


‘Fiquei abalado e emocionado com a morte de Fernando Sabino, amigo há cerca de 60 anos. Quem me apresentou a ele foi Mario de Andrade, ali por 1943, no antigo bar Franciscano, rua Líbero Badaró, mas já tínhamos correspondência porque era colaborador da nossa revista ‘Clima’.


Naquela altura mostrou precocemente a sua força com a novela ‘A Marca’. Em seguida publicou um dos melhores romances de sua geração, ‘O Encontro Marcado’, e se tornou cronista de primeira ordem num gênero que contava com praticantes de alta qualidade, da qual nunca destoou. Fernando tinha um olhar infalível para os pormenores expressivos e uma capacidade prodigiosa de invenção verbal, dotes que partilhava com o grupo de amigos fraternos excepcionalmente bem dotados, que na juventude eram denominados em Belo Horizonte ‘Os Quatro Grandes’, isto é, além dele, Helio Pellegrino, Otto Lara Resende e Paulo Mendes, todos já falecidos.


É uma pena, mas o meu mundo está acabando."



Mario Cesar Carvalho


"Angústia marca obra, diz crítico", copyright Folha de S. Paulo, 12/10/04


"A imagem de leveza que foi colada na obra de Fernando Sabino é um equívoco -a angústia e a crise religiosa estão no cerne dos seus livros mais importantes. É isso que Guilherme Francesco Piacesi da Rocha quer comprovar na tese que desenvolve no mestrado da UERJ (Universidade Estadual do Rio de Janeiro).


‘A angústia humana e a busca por uma resposta que nunca virá são as questões de Sabino’, diz Rocha. O Sabino é tão intenso quanto Clarice Lispector quando foca as crises existenciais, afirma.


A imagem de escritor ‘fácil’ soterrou a do escritor existencialista porque as crônicas tornaram a logomarca de Sabino. Os críticos têm parte de culpa no processo, aponta Rocha, por ter ignorado praticamente a obra do escritor.


A exceção, de acordo com Rocha, é o crítico Fábio Lucas, autor de ‘A Ficção de Fernando Sabino e Autran Dourado’ (1983), livro editado de maneira artesanal (o ensaio sobre Sabino foi depois incorporado como prefácio de ‘Obra Reunida’ (Nova Aguilar).


Lucas concorda que há um viés existencial em Sabino: ‘Toda a obra dele é uma tentativa de construção do eu profundo, tem um forte cunho autobiográfico. Ela já indica a crise de representação do eu que há na literatura ocidental’.


O beco sem saída descrito por Jean-Paul Sarte em suas peças e ensaios filosóficos e o catolicismo agônico do escritor francês Georges Bernanos deixaram marcas na obra do escritor.


Há também uma dimensão reflexiva em Sabino que aparece ‘disfarçada’ em crônicas e contos, de acordo com Lucas. ‘Ele é um dos poucos escritores brasileiros que fala de outros escritores’.


Não foi nada ocasional, segundo o crítico, o fato de ter traduzido Gustave Flaubert e Henry James, escritores dos escritores."



Humberto Werneck


"É hora de reexaminar, sem ‘Zélias’, valor de sua literatura", copyright Folha de S. Paulo, 12/10/04


"Menino precoce que publicou o seu primeiro conto aos 12 anos de idade, Fernando Tavares Sabino conheceu muito cedo a notoriedade. Já era ganhador contumaz de concursos literários ao estrear em livro aos 17, com os contos de ‘Os Grilos Não Cantam Mais’. Aos 21, recebeu de Mario de Andrade, a quem enviara os originais da novela ‘A Marca’, um elogio de grosso calibre: ‘Você está escrevendo tão bem como Machado de Assis!’.


Pouco depois, ainda na faixa dos 20, começou a brilhar na crônica, gênero tipicamente brasileiro do qual viria a ser um dos mestres e renovadores, ao lado de Rubem Braga e Paulo Mendes Campos. Mal entrado nos 30, consagrou-se também como romancista, com aquele que seria o seu livro mais importante, ‘O Encontro Marcado’.


Amado pelos leitores e festejado pela crítica, inquilino freqüente das listas de mais vendidos, requisitado o tempo todo para falar de sua obra, nada indicava que a sorte de Fernando Sabino fosse mudar, como mudou, aos 68 anos.


Entrou em moda desancá-lo sem maior cerimônia, como escritor mas também como pessoa, tão logo chegou às livrarias, em 1991, o best-seller ‘Zélia, uma Paixão’, biografia autorizada de Zélia Cardoso de Mello, ex-ministra da Economia do governo Collor. ‘Mercenário’ foi o mínimo que se disse então de Sabino.


Não faltam defeitos pesados a ‘Zélia, uma Paixão’. Mal apurado, escrito às pressas e, sobretudo, parcial, por se tratar de biografia autorizada, é certamente o momento menos feliz da obra do escritor. Mas não foi por isso que ele foi tão malhado. Na balança preconceituosa da maioria dos críticos, poucos dos quais terão lido esse mau livro, pesou mais a escolha da personagem.


‘Zélia’ confiscou a poupança literária de Fernando. Desde então, o escritor praticamente desapareceu do circuito. Parou de dar entrevistas. Desistiu das noites de autógrafos.


Mas não parou de produzir, e começou a desovar o que, com bom humor, chamou de ‘obra póstuma antecipada’. Registrou em cartório sua vontade de que, uma vez morto, se publicasse apenas aquilo que ele em vida tivesse posto em livro.


Nessa cuidadosa limpeza de gaveta vieram a sua correspondência com Clarice Lispector, amiga de juventude, e as cartas a Mario de Andrade, além da deliciosa miscelânea de ‘Livro Aberto’, e, este ano, do romance inédito ‘Movimentos Simulados’, que ele havia escrito aos 22.


Publicou também uma seleta de suas cartas a Otto Lara Resende, Paulo Mendes Campos e Helio Pellegrino – o grupo que Otto batizou de ‘os quatro cavaleiros de um íntimo apocalipse’. A reclusão de Sabino, aliás, se explica também pela morte progressiva dos amigos: Helio em 88, Paulo em 91, Otto em 92. Desse quarteto mitológico, transparente na primeira parte de ‘O Encontro Marcado’, ficou todo um folclore – e um LP duplo, ‘Os 4 Mineiros’, gravado em 1980, que já seria hora de reeditar.


Seria hora, também, de reexaminar, sem Zélias nem paixões, o que foi a contribuição de Fernando Sabino para a literatura brasileira. Ele pode não estar na prateleira mais alta, habitada por Guimarães Rosa, Machado de Assis e outros raros exemplos – mas poucos terão sido, como ele, mestres na arte de contar histórias curtas. Exercitou-a em mais de uma dúzia de coletâneas, cujo ponto alto talvez esteja em ‘O Homem Nu’, de 1960.


Sua prosa sem enfeites, carregada de bom humor, capaz de dizer muito com um mínimo de meios, foi, é e continuará sendo uma escola magnífica para quem começa a escrever ficção ou jornalismo – além de prazer certo para quem busca uma boa história.


Há algo ainda melhor nas páginas de ‘O Encontro Marcado’. Romance de formação e obra-prima de Sabino, o livro atravessou quase meio século sem perder o viço e segue falando a sucessivas gerações.


Humberto Werneck, 58, é jornalista e escritor, autor do livro ‘O Desatino da Rapaziada’ (Companhia das Letras) e organizador do volume ‘Minérios Domados’ (Rocco), de Helio Pellegrino"



Luciana Nunes Leal, Fabiana Cimieri e Clarissa Thomé


"Morre no Rio o escritor Fernando Sabino", copyright O Estado de S. Paulo, 12/10/04


"Na véspera de completar 81 anos, o escritor Fernando Sabino morreu às 13 horas de ontem, em casa, em decorrência de complicações surgidas de um câncer no fígado. Do grupo de quatro mineiros e amigos inseparáveis que se destacaram na literatura durante mais de quatro décadas – Sabino, Otto Lara Resende, Paulo Mendes Campos e Hélio Pellegrino -, o autor de Encontro Marcado, O Grande Mentecapto e O Menino no Espelho, entre outros, era o único que ainda vivia.


Desde que a doença foi diagnosticada, há dois anos, Fernando Sabino pediu para ser tratado em casa. Segundo contaram ao Estado dois de seus seis filhos, Mariana e Bernardo, o escritor submeteu-se a um bem-sucedido tratamento de quimioterapia, mas há dois meses os médicos constaram uma metástase (proliferação do câncer). Mariana e Bernardo disseram que o pai sofreu muitas dores até quinta-feira, quando foi sedado e ficou inconsciente até a morte.


Os filhos revelaram que, antes do agravamento da doença, o pai estava trabalhando, mas mantinha segredo sobre o projeto, que não revelava nem para sua editora, a Record. O último lançamento, Os Movimentos Simulados, foi escrito quando tinha apenas 22 anos e morava em Nova York, mas chegou às livrarias somente este ano. Os filhos lembraram que o escritor não gostava de falar sobre o polêmico livro Zélia, Uma Paixão, em que contava de forma elogiosa a história da ex-ministra do governo Collor, Zélia Cardoso de Melo.


Sabino costumava dizer que perdera grandes amigos por causa da biografia de Zélia. Fernando Sabino insistia em um desejo: que não fossem lançadas obras póstumas.


Sabino vivia sozinho em seu apartamento na Rua Canning, em Ipanema, desde que se separou da mulher, Lígia Marina de Moraes, em 1994. Na hora da morte, estava cercado por todos os filhos, Bernardo, Mariana, Verônica, Pedro, Leonora e Eliana, pelo neto Alexandre, filho de Virgínia, já falecida, pelo irmão Antônio e pelas secretárias, Fabiana e Isabel. O corpo de Sabino será enterrado hoje às 11 horas, no cemitério São João Batista. O epitáfio é de autoria do próprio escritor: ‘Aqui jaz Fernando Sabino, nasceu homem, morreu menino.’"



Antonio Gonçalves Filho


"Autor deixa caminho aberto para outro ‘Encontro Marcado’", copyright O Estado de S. Paulo, 12/10/04


"No dia 12 de outubro do ano passado, quando completou 80 anos, o mineiro Fernando Sabino ficou longe das comemorações. Justificou o isolamento no litoral fluminense dizendo que preferia conviver com as lembranças em silêncio. No entanto, amigos comentaram que o autor escrevia uma nova história com o mesmo personagem do livro que o consagrou, O Encontro Marcado (1956). Não se sabe em que ponto o escritor retomou a história ou se ele, efetivamente, o fez. De qualquer forma, Sabino decidiu que nenhum texto inédito seria publicado após sua morte. Pena. Mais que um livro, O Encontro Marcado é a obra que melhor define a geração dos escritores do pós-guerra no Brasil. Merecia uma conclusão.


A história de Eduardo Marciano, que se passa nos anos 40, é um auto-retrato inacabado. Como Sabino, Eduardo foi nadador e decide ser escritor. Rebelde, depressivo, desafia as instituições, renega o mundo burguês e acaba perdendo tudo o que a vida lhe dá, de um amigo que se mata a outro que morre afogado, passando por outras mortes não menos trágicas. Ao fim de uma vida boêmia, Eduardo encontra-se com Eugênio, que virou frei, e, gradativamente, afasta-se das pessoas, desfazendo-se do apartamento, do emprego e dos livros.


Nessa viagem hesseniana de autoconhecimento, Sabino trilhou o caminho existencialista, tropeçou na política, topou com o cinema e até virou empresário, criando duas editoras (a Editora Do Autor e Sabiá) e uma produtora de cinema, a Bem-Te-Vi Filmes, com o cineasta David Neves.


Esboço autobiográfico, O Tabuleiro de Damas (Record, 1987) faz um balanço dessa experiência existencial. A conclusão do escritor não é otimista, mas não chega a ser pessimista. Esse tabuleiro não é um quadrado preto com outros pequenos quadrados brancos, nem o contrário. Há uma cor intermediária que Sabino sempre perseguiu e que esteve perto de descobrir em O Grande Mentecapto (1979), concluído após 37 anos de gestação.


Nesse romance de maturidade, um andarilho louco, erudito e idealista quer consertar o mundo, mas confunde os interlocutores com suas roupas de mendigo. No entanto, é a sociedade à sua volta que age de forma estranha e agressiva. Viramundo acaba como Cristo, pagando pelos pecados alheios.


Sabino sabia que a vida é em cores. Mas o preto-e-branco sempre lhe pareceu mais realista."



Luiz Carlos Merten


"Um cinéfilo de gostos muito pessoais", copyright O Estado de S. Paulo, 12/10/04


"Sua afinidade com o cinema ia muito além dos filmes adaptados da obra autoral que o consagrou – Crônica da Cidade Amada, as duas versões de O Homem Nu, O Grande Mentecapto e Faca de Dois Gumes, assinados por diretores como Fernando Santos e Hugo Carvana, Osvaldo Caldeira, Murilo Salles e Carlos Hugo Christensen. Houve também os textos de Fernando Sabino que ficaram pelo caminho – David Neves queria filmar Dry Martini; Nelson Pereira dos Santos chegou a namorar a idéia de adaptar O Bom Ladrão. O escritor que morreu ontem era um cinéfilo com padrões próprios. Não gostava de filmes experimentais nem expressionistas. Dizia que, em arte, não havia nada mais velho que o futurismo.


Fernando Sabino escreveu textos para cinejornais de Jean Manzon, naquele estilo grandiloqüente que rimava com as imagens oficiais do diretor. O governo era sempre dinâmico, a paisagem, telúrica. Começou assim e acabou como produtor de filmes institucionais para a Sudene e o Itamaraty. Ligou-se a David Neves, que dizia que teria de ser inventado, se já não existisse.


David deu-lhe a cozinha cinematográfica. Fizeram juntos uma série de dez retratos dedicada a grandes escritores brasileiros.


Seu filme preferido era Vidas Amargas, de Elia Kazan, mas também gostava de A Estrada da Vida, A Doce Vida e Amarcord, de Federico Fellini, que definia como um romancista que escrevia com a câmera. E também achava Minha Vida de Cachorro, de Lasse Hallstrom, uma obra-prima. Não gostava de ver filmes na TV – um pouco por não agüentar a mesma voz falando um dia como Barbara Stanwyck, no outro como Lauren Bacall; e também porque achava que a televisão ajuda a destruir mitos. Sempre acreditou que Assim Estava Escrito, de Vincente Minnelli, era um clássico, mas aí reviu o filme na TV e ficou persuadido de que era uma porcaria. Detestava o vídeo (‘que amesquinha a imagem’), mas sonhava com o dia em que poderia ver os filmes em casa como se fosse no cinema, sem perder nada do que se encontra nas salas. Seria como o prazer de ler um bom livro, imaginava.


Sabino considerava O Grande Mentecapto o melhor filme adaptado de sua obra.


Encantava-o a forma como o diretor Caldeira manteve a estrutura do romance.


E ele adorava a cena do cavalo falante, que achava muito divertida. Gostava talvez um pouco menos de Faca de Dois Gumes, mas entendia as mudanças que Murilo Salles fez na história. Tinha carinho por Iniciada a Peleja, com Jardel Filho e Ziembinski, uma das 11 histórias que compõem a Crônica da Cidade Amada, homenagem do argentino Christensen ao Rio que ambos tanto amavam (Sabino era mineiro). Surpreendentemente, não gostava muito do preferido pelos críticos. Dizia que teve um desencontro marcado com Roberto Santos porque o diretor fez O Homem Nu, a versão com Paulo José, a partir do primeiro roteiro que escreveu (e pretendia mudar). O filme ficou muito sério, reclamava, o que não o impede de dividir com o cineasta os créditos de roteirista e autor dos diálogos.


Mesmo quando os filmes se baseavam em suas histórias, Sabino reconhecia que não eram mais dele. ‘O filme é sempre do diretor. é uma contingência que eu tenho de aceitar’, afirmava. O respeito por O Grande Mentecapto vinha daí.


Achava que Osvaldo Caldeira reinventou seu livro, fazendo um filme comparável a O Incrível Exército Brancaleone. Dizia que uma história como aquela – uma guerra dos farrapos comandada por um louco – só podia ser contada como farsa e agradecia a Caldeira por havê-lo entendido. Claro, a comédia de Mario Monicelli com Vittorio Gassman era outro de seus filmes do coração."




Folha Online


‘Morre no Rio, aos 80 anos, o escritor Fernando Sabino’, copyright Folha Online (www.folha.com.br), 11/10/04


‘O escritor mineiro Fernando Sabino, 80, morreu às 13h de hoje em sua casa em Ipanema (zona sul no Rio de Janeiro), vítima de câncer no fígado. Sabino completaria amanhã 81 anos.

De acordo com Mariana, filha do escritor, Sabino tinha câncer havia cerca de dois anos e estava recebendo assistência médica em sua própria casa. Sedado havia cinco dias, o escritor sofreu metástase (disseminação de focos de câncer para outros órgãos) dois meses atrás.

O corpo do escritor será velado, a partir das 17h, no Cemitério São João Batista, em Botafogo (zona sul do Rio). O enterro acontece amanhã, às 11h, no mesmo cemitério.

Fernando Sabino foi internado em setembro na Casa de Saúde Pinheiro Machado, em Laranjeiras, para realizar exames e se reidratar.

Autor de livros como ‘O Encontro Marcado’, ‘O Grande Mentecapto’ e ‘O Homem Nu’, Fernando Tavares Sabino nasceu em Belo Horizonte (MG) em 12 de outubro de 1923.

Aos 17 anos, ao decidir ser gramático, escreveu um artigo de crítica sobre o dicionário de Laudelino Freire no jornal ‘Mensagem’, e publicou também artigos literários em ‘O Diário’, junto de Hélio Pellegrino, Otto Lara Resende e Paulo Mendes Campos.

No início da década de 1940, começou a cursar a Faculdade de Direito e ingressou no jornalismo como redator da ‘Folha de Minas’. Seu primeiro livro de contos, ‘Os Grilos não Cantam Mais’, foi publicado em 1941, no Rio.

Em junho deste ano, o escritor lançou um romance que deixara inédito por quase 60 anos: ‘Os Movimentos Simulados’. De acordo com entrevista divulgada pela editora Record, Sabino disse ter relido o livro ‘afogado em perdidas emoções’ e resolveu ‘publicá-lo tal e qual, sem tirar nem pôr’. Com informações de Janaina Lage, da Folha Online, no Rio

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‘Fernando Sabino teve vasta produção na literatura e no jornalismo’, copyright Folha Online (www.folha.com.br), 11/10/04

‘Fernando Tavares Sabino nasceu em 12 de outubro de 1923, em Belo Horizonte (MG), aprendendo a aprender a ler com a mãe, em 1930. Durante a adolescência, foi locutor de programa de rádio e começou a colaborar regularmente com artigos, crônicas e contos em revistas da cidade, conquistado prêmios em concursos.

Aos 17 anos decide ser gramático e escreve um artigo de crítica sobre o dicionário de Laudelino Freire no jornal ‘Mensagem’, publicando também artigos literários em ‘O Diário’, junto de Hélio Pellegrino, Otto Lara Resende e Paulo Mendes Campos.

Começa a cursar a Faculdade de Direito, no início da década de 1940, e ingressa no jornalismo como redator da ‘Folha de Minas’.

Publica no Rio seu primeiro livro de contos, ‘Os Grilos não Cantam Mais’, em 1941. Torna-se colaborador do jornal literário ‘Dom Casmurro’, da revista ‘Vamos Ler’ e do ‘Anuário Brasileiro de Literatura’.

Em 1942, começa a trabalhar na Secretaria de Finanças de Minas Gerais e leciona português no Instituto Padre Machado, nas horas vagas. No ano seguinte, é nomeado oficial de gabinete do secretário de Agricultura do Estado.

Torna-se colaborador regular do jornal ‘Correio da Manhã’, do Rio, onde conhece Vinicius de Moraes, de quem se tornaria amigo.

Muda-se para o Rio de Janeiro em meados da década de 1940, assumindo o cargo de Oficial do Registro de Interdições e Tutelas da Justiça do Distrito Federal.

Depois de se formar em Direito, licencia-se do cargo que exerce na Justiça e viaja com Vinícius de Moraes aos Estados Unidos, onde passa a residir em Nova York, trabalhando no Escritório Comercial do Brasil e no Consulado Brasileiro.

Em 1947, envia crônicas para serem publicadas em jornais como ‘Diário Carioca’ e ‘O Jornal’, do Rio, que são reproduzidas em vários veículos do Brasil. Começa a produzir os livros ‘Ponto de Partida’ e ‘Movimentos Simulados’ que, apesar de não serem concluídos, serão aproveitados em ‘O Encontro Marcado’.

Depois de voltar ao Brasil no ano seguinte, continua a colaborar com crônicas e artigos para jornais e revistas do país e publica ‘A Cidade Vazia’ e ‘A Vida Real’.

‘O Encontro Marcado’, uma de suas obras mais conhecidas, é lançada em 1956, ganhando edições até no exterior, além de ser adaptado para o teatro.

Sabino decide, em 1957, viver exclusivamente com produtor e jornalista depois de pedir exoneração do cargo de escrivão. Inicia uma produção diária de crônicas para o ‘Jornal do Brasil’, escrevendo mensalmente também para a revista ‘Senhor’.

Em 1960, Fernando Sabino publica o livro ‘O Homem Nu’ na Editora do Autor, fundada por ele, Rubem Braga e Walter Acosta.

Publica, em 1962, ‘A Mulher do Vizinho’, que recebe o Prêmio Cinaglia do Pen Club do Brasil.

É contratado, em 1964, durante o governo João Goulart, para exercer as funções de Adido Cultural junto à Embaixada do Brasil em Londres.

Em 1966, faz a cobertura da Copa do Mundo de Futebol para o ‘Jornal do Brasil’. Depois de desfazer a sociedade na Editora do Autor, funda, em 1967, em conjunto com Rubem Braga, a Editora Sabiá, onde publica livros de Vinicius de Moraes, Paulo Mendes Campos, Otto Lara Resende, Carlos Drummond de Andrade, Manuel Bandeira, Cecília Meireles e Clarice Lispector, entre outros.

Entre final dos anos 60 e início dos 70, viaja para diversas partes do mundo como correspondente de veículos brasileiros, produzindo reportagens sobre países como Alemanha, Portugal, Itália, França, Inglaterra, Estados Unidos e Argentina.

Termina o romance ‘O Grande Mentecapto’ em 1979, iniciado mais de 30 anos antes. A obra, que lhe rendeu o Prêmio Jabuti, acabaria sendo adaptada para o cinema e o teatro anos depois.

Em 1991, lança o livro ‘Zélia, Uma Paixão’, biografia autorizada de Zélia Cardoso de Mello com escândalos da vida privada da ex-ministra do governo Collor.

Em julho de 1999, recebe da Academia Brasileira de Letras o prêmio ‘Machado de Assis’ pelo conjunto de sua obra.

Publica em 2004 o romance ‘Os Movimentos Simulados’, da editora Record, totalizando uma produção literária de mais de quatro dezenas de obras em 80 anos de vida.’



MEMÓRIA / JACQUES DERRIDA
O Estado de S. Paulo

‘Morre Jacques Derrida, o teórico da desconstrução’, copyright O Estado de S. Paulo, 10/10/04

‘Não é só a França que acaba de perder um dos filósofos mais importantes da atualidade. Jacques Derrida, que morreu na madrugada de sexta-feira para sábado em um hospital de Paris, vítima de câncer no pâncreas, ganhou ao longo de seus 74 anos grande projeção internacional.

Nascido em El-Biar, na Argélia, em uma família de judeus, o filósofo ficou mundialmente conhecido por sua teoria da desconstrução, que parte do princípio da inexistência de uma verdade absoluta. De acordo com o método, os textos são decompostos de tal maneira que tornam impossível qualquer ‘interpretação verdadeira’.

Além do interesse pela filosofia, a poesia e a arquitetura também seduziram Derrida. Quanto aos ‘valores humanistas’, destacados pelo ministro da Cultura francês, Renaud Donnedieu de Vabres, o filósofo demonstrou, ao longo de sua trajetória, grande preocupação com a situação do povo palestino e sul-africano.

Autor de cerca de 80 obras, entre elas A Escritura e a Diferença, Heidegger e a Questão e Espectros de Marx, seu nome chegou a ser cogitado para o prêmio Nobel de Literatura, entregue esta semana a austríaca Elfriede Jelinek.

Pessoal e politicamente comprometido com idéias de esquerda, Derrida era o último sobrevivente dos ‘pensadores de 68’. Precursor de uma reflexão crítica sobre a instituição da filosofia e o ensino desta matéria, ele criou em Paris, na década de 80, o Colégio Internacional de Filosofia.

Professor de universidades americanas como Harvard e Yale, e da Sorbonne, de Paris, Derrida foi casado e teve um filho com o psicanalista Sylviane Agacinski, atual mulher do ex-primeiro-ministro francês, o socialista Lionel Jospin.

Cidadão do mundo – Ontem, o presidente da França, Jacques Chirac, homenageou o filósofo, a quem definiu como ‘pensador do universal e cidadão do mundo’. ‘Derrida era lido, admirado, traduzido, publicado, ensinado e discutido no mundo inteiro. Nunca se cansou de abraçar e questionar a tradição ocidental na diversidade de suas fontes’, destacou Chirac.

De Vabres também aproveitou para destacar o caráter humanista do filósofo, ‘preocupado particularmente com a relação entre a Europa e o Mediterrâneo’. Para o ex-ministro francês Jack Lang, o exigente filósofo ‘mudou profundamente o pensamento contemporâneo’. ‘Ele sabia como ninguém perseguir as incertezas do pensamento’, disse ele. Da mesma forma, o Partido Socialista saudou a memória de ‘um companheiro a serviço da esquerda’.

No Brasil – Em agosto, Jacques Derrida visitou o Brasil pela terceira vez, abrindo um debate internacional que levava seu nome. Durante o evento, no Rio, o filósofo aproveitou para lançar dois livros.

Na ocasião, Derrida falou sobre globalização e política mundial. Respondeu perguntas sobre os atentados de 11 de Setembro, tema de um dos seus trabalhos, e encontrou tempo para elogiar o Brasil. ‘A hospitalidade brasileira e a beleza desse país continuam intactas’, disse. ‘Os amigos que deixei aqui me fizeram voltar mesmo diante das dificuldades dessa viagem’, completou, referindo-se aos problemas de saúde que já o incomodavam.

São Paulo foi a primeira cidade brasileira que o filósofo conheceu no País. Em dezembro de 1995, Derrida apresentou a palestra História da Mentira no auditório do Masp, a convite da USP e da PUC. Em junho de 2001, o filósofo retornou ao País para fechar um ciclo de debates sobre psicanálise, no Rio. (Reuters e DPA)’



MEMÓRIA / PEDRO LUIZ JÚNIOR
José Paulo Lanyi

‘Pela amizade e por Pedro Luiz Júnior’, copyright Comunique-se (www.comuniquese.com.br), 8/10/04

‘O mistério da vida também se afirma nos absurdos. Como pode haver beleza na dor? Uma mensagem enviada de Londres para o Brasil revela o desespero de quem ama esta terra, insiste mas pouco consegue fazer por ela. A angústia de quem ama os seus amigos, mas não pode estar com eles, no transe de tantos infortúnios que assomam no desalento, no abandono do cotidiano de toda uma Nação.

Na terça-feira (05/10), três dias depois de mais um assassinato do que nos resta de esperança, a jornalista, colega e amiga Tônia Azevedo enviou-nos esta reflexão. Um desabafo. Um grito no nada do horizonte. Mas ele haverá de ecoar no coração e no futuro de um povo cansado de tanto dar de si para, um dia, ser feliz, enfim.

‘Amigos, desde que cheguei na Inglaterra tenho lutado para mostrar às pessoas que conheço daqui que o Brasil não é feito apenas de futebol, samba, bundas e violência. Faço propaganda das belezas naturais e da espontaneidade do povo para tentar equilibrar esse quadro.

Meu protesto solitário inclui um boicote a filmes como ‘Cidade de Deus’, ‘Carandiru’ e afins, altamente elogiados mas que, para mim, propagam a imagem de violência que já se tornou uma assinatura para o País. Até carta para uma revista daqui já escrevi, pedindo menos estereótipo e mais justiça.

Hoje, essa mesma violência que eu abomino me atingiu. Perdi um grande amigo no Brasil por causa da violência. O radialista Pedro Luiz Júnior, de 51 anos, com quem trabalhei em 1995/96 na Equipe de Esportes da Rádio Gazeta AM, foi assassinado com três tiros quando chegava em casa no ultimo sábado, em Campinas. Ao que tudo indica ele foi vítima de um assalto. Mesmo testemunhas afirmando que o Pedro não reagiu, o assaltante atirou e fugiu.

A dor é muito, muito forte. O Pedro foi muito importante na minha vida, tanto pela sua pessoa quanto pelo que o período na Gazeta representou para mim. Foi uma época em que tive grandes alegrias, conheci muitas pessoas mas também descobri algumas coisas a meu respeito que não gostei mas fui forçada a aceitar, e ele estava lá para participar desse processo. As pessoas que participaram daquela época ao meu lado podem imaginar o que estou sentindo.

O fato de estar longe, de não ter podido participar do sepultamento está tornando essa perda um pouco irreal. Eu não falava com o Pedro há mais de três anos (ele me ligou na véspera de eu viajar para cá) e desde o ano passado ele não me mandava nenhum e-mail. A última notícia que recebi dele foi de sua entrada na equipe da CBN Campinas.

Não tenho planos imediatos de voltar ao Brasil mas acredito que até o ano que vem devo estar por aí – se não definitivamente, porque ainda estou batalhando para conseguir ficar legalmente na Inglaterra e aproveitar as inúmeras oportunidades de crescimento profissional, pelo menos de férias, para rever família e amigos.

Uma das coisas que planejava fazer era voltar aos estádios, tentar reacender a paixão pelo futebol que anda bem apagada já há alguns anos. Agora, não sei se vou conseguir fazer isso. Cada estádio de São Paulo, cada cabine de transmissão vai me lembrar do Pedro.

Junto com a dor dessa perda veio uma constatação. Eu percebi que sou péssima para manter o contato com meus amigos. A culpa por ter me afastado do Pedro está tão forte quanto a dor da perda.

Sou egoísta o suficiente para admitir que não quero sentir essa culpa de novo. Entre os destinatários desse e-mail estão desde uma amiga de infância que conheci com seis anos de idade até amigos mais recentes, feitos na Inglaterra e que já voltaram para o Brasil. Tem gente para quem eu estou devendo respostas. Tem amigos de escola, faculdade e trabalho. Há pessoas que eu ‘roubei’ de e-mails recebidos de outros amigos e que até agora não tinham recebido nenhuma notícia minha- na maioria porque eu não tinha esses e-mails até recentemente. Para vocês, fica a promessa de eu escrever com mais detalhes, o mais breve possível.

Por favor, me ajudem a não perder o contato com vocês. Se eu demorar muito para escrever, me cutuquem. Amizade é uma das coisas da vida mais importantes para mim. Eu vou tentar ser mais constante.

E, se vocês souberem de alguém que deveria mas não está na lista, sintam-se livres para passar meu e-mail. Hoje estou me sentindo arrasada, terrivelmente sozinha e precisando ter certeza de que ainda tenho amigos, mesmo estando longe.

Grande beijo e muitas saudades,

Tônia’.’