Monday, 04 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1312

Cassiano Elek Machado

‘No próximo dia 26, quando boa parte do globo ainda estiver lutando para assimilar os assados da véspera, um americano estará começando uma tarefa bem mais indigesta. Nesse dia Jon Lee Anderson embarca para o Iraque.

Não será a primeira, a segunda nem a 20ª vez. O escritor e jornalista conhece cada minarete de Bagdá e adjacências, área que tem visitado sistematicamente desde 2000 pela revista ‘New Yorker’, da qual é velho combatente.

Para essa mesma publicação, Anderson passou 21 meses chafurdando as poucas entranhas visíveis do regime linha dura de Saddam Hussein.

E no meio do caminho havia uma guerra. E o já experimentado narrador de conflitos como a Guerra do Afeganistão agarrou-se a ela da primeira granada até a captura em uma toca do desgrenhado ditador iraquiano.

As notícias bem particulares dessa guerra Anderson acondicionou no volume ‘A Queda de Bagdá’, que chega agora ao Brasil.

A narrativa humana e quase literária que o jornalista faz da experiência, centrada não nas questões políticas, mas no cotidiano dos iraquianos, inaugura a coleção Jornalismo de Guerra, da editora Objetiva (cujo diretor, Roberto Feith, teve boa experiência na cobertura, como jornalista de televisão, de conflitos armados nos anos 70 e 80).

A série de livros, que tem como consultores o repórter especial da Folha Sérgio Dávila e o diretor de jornalismo do iG, Leão Serva, publicará em 2005 relatos de grandes nomes da reportagem de trincheiras, como Michael Herr, Martha Gellhorn e Joel Silveira.

Lee Anderson, que já tem publicada no Brasil sua minuciosa biografia de Che Guevarra (‘Che – Uma Biografia’), vem no pelotão de frente. Leia a seguir trechos de entrevista com o soldado Jon.

Folha – O sr. esteve em Bagdá muitas vezes depois da queda de Saddam. Quais foram, visualmente, as maiores mudanças por lá?

Jon Lee Anderson – A geografia política de Bagdá tem sido muito mudada pelos americanos. Eles interromperam estradas, instalaram barreiras, mudaram o sentido do tráfego em muitos pontos. Antes da guerra, havia muito poucos carros. Com as fronteiras abertas e a suspensão de taxas de importação, centenas de milhares de carros inundaram o país.

Antes a figura de Saddam, o único humano que podia ser representado em estátuas, estava em todas as partes. Hoje não existe uma imagem dele no país.

A cidade era limpa, havia muitos varredores e o lixo era recolhido sempre. Agora está bem suja.

Folha – De que forma o sr. acha que os últimos desenvolvimentos tecnológicos mudaram o modo de cobrir uma guerra?

Anderson – De repente tudo ficou mais instantâneo e mais competitivo também. A transmissão quase instantânea de notícias e o impacto político que isso gera no mundo todo fizeram com que a importância da mídia nesses conflitos crescesse até um nível que não se imaginava. Com isso, a imprensa passou inclusive a ser alvo -seqüestrada, assassinada.

Folha – Evelyn Waugh contou no romance ‘Furo’ (1938) a história de repórteres que faziam coberturas ‘falsas’ de guerra. Hoje existem Jayson Blairs de trincheiras?

Anderson – As guerras e suas coberturas ficaram ultimamente tão grandiosas que a ‘fabricação’ de notícias ficou mais difícil. Mas ainda existem, e sempre existirão, jornalistas que manipulam ou falsificam totalmente notícias. Além, claro, de alguns repórteres que sentam no lobby do hotel e conseguem suas matérias ouvindo fofocas alheias.

Folha – O sr. usa muito a ironia e relata vários ‘causos’ engraçados do cotidiano de Bagdá. Como se divertir no meio de uma guerra?

Anderson – Humor é muito importante durante tempos difíceis. Geralmente nesses casos o humor fica nas pequenas coisas. Havia, por exemplo, um repórter italiano chamado Lorenzo que era viciado por fitness. Durante a guerra, ele subia e descia loucamente as escadarias do hotel Palestine, 16 andares, todos os dias. Isso era gozado.

Folha – De seus 21 meses de Iraque quais foram os momentos em que o sr. sentiu mais medo?

Anderson – A maioria dos momentos de medo mais agudo aconteceram depois da invasão da cidade, em 2003.

Para mim, porém, os piores momentos que vivi no Iraque não foram os de perigo ou medo. Nada foi pior do que as visitas às salas de emergência dos hospitais de Bagdá durante os bombardeios, do que ver pessoas descobrindo que seus entes mais queridos haviam morrido. Nada do que eu escrever poderá dar conta do horror, do desespero e da vergonha que senti em momentos assim.

Folha – O escritor mexicano Carlos Fuentes disse recentemente à Folha que estimava que a guerra não acabaria em menos de dez anos. Como o sr. imagina que este conflito todo vai terminar?

Anderson – Não imagino que o conflito demore tanto para acabar, mas, assim como Fuentes, eu suspeito que os americanos ainda ficarão por lá bastante tempo. O principal problema que eles vão enfrentar é a rejeição à presença deles como uma Força Armada em solo iraquiano. Acho que só algo próximo a um milagre, seja no campo de batalha, seja nas eleições que vêm por aí, poderia mudar a visão deles sobre os EUA.

Folha – De que forma a experiência de estudar a vida de um líder como Che Guevara ajudou o sr. a compreender Saddam?

Anderson – Mais do que meu estudo da vida de Che a experiência de viver na Cuba de Fidel foi muito importante para a compreensão do Iraque de Saddam. Encontrei inúmeros paralelos entre o Iraque e Cuba, embora Fidel seja um ditador ‘light’ em comparação com seu par iraquiano.

A diferença está essencialmente nos tipos de ferramentas de repressão usadas por ambos. As pessoas obedecem a Fidel por medo de perderem o trabalho ou de acabarem na prisão, mas as execuções políticas têm sido raras.

Havia alguns contrastes. Na Cuba de Fidel, por exemplo, ele está em todas as partes e em nenhuma ao mesmo tempo -não há um culto de personalidade óbvio, com esculturas e pinturas.

A QUEDA DE BAGDÁ. Autor: Jon Lee Anderson. Editora: Objetiva. Tradução: Alda Porto. Quanto: R$ 49,90 (387 págs.). Leia a íntegra da entrevista na Folha Online (www.folha.com.br/043521)’



Catharina Epprecht

‘Entre o jornalismo e a literatura’, copyright Jornal do Brasil, 20/12/04

‘Tentar entender uma sociedade parece estar acima de qualquer regra de jornalismo no trabalho de Jon Lee Anderson. Questões espinhosas no meio, como o debate sobre ser mais objetivo ou subjetivo, ganham ares muito simples quando ele diz que se alguém trabalha honestamente ‘isso é o mais perto que se pode chegar da objetividade’. Esse e outros temas são levados ao extremo quando se trata de reportar uma guerra. Em especial a do Iraque, bombardeada por muitas polêmicas sobre a verdade dos fatos apresentados à opinião pública. Sucesso editorial com sua biografia de Che Guevara (um calhamaço de quase mil páginas) e colaborador da revista New Yorker, Anderson foi várias vezes ao Oriente Médio para cobrir a invasão americana que depôs o ditador Saddam Hussein. Daí nasceu o livro A queda de Bagdá, primeiro da série Jornalismo de guerra, da Objetiva, editora que lançou no Brasil Che: uma biografia, em 1997.

– Como as pessoas reagem à violência? Seguem vivendo suas vidas ou não? Como são suas casa, ruas, a comida que preparam? De que cor são as flores de seus jardins? De que filmes gostam? Essas são coisas universais. Isso pode ser literatura, mas não é menos objetivo. Criar um contexto sensorial para os leitores até aumenta sua compreensão da situação. No fim das contas, é claro, é quem escreve que decide o que chegará ao leitor – defende Anderson, em e-mail ao Jornal do Brasil.

A decisão sobre o que escrever pode não ser tão fácil assim. Mas o jornalista, que entre Havana e Bagdá lançou um livro sobre guerrilhas e outro sobre o Afeganistão, mais uma vez resolve o problema com tranqüilidade:

– Se estou na sala de emergência de um hospital, como estive na queda de Bagdá, e vejo crianças feridas ou morrendo, devo descrever a cor do seu sangue? Descrever os lamentos de seus parentes em dor? Será que minha descrição toma partido de um dos lados do conflito? Mas se for, que seja. É muito fácil para pessoas a milhares de milhas de distância serem apáticas aos custos humanos de uma guerra.

Para exercer sua profissão honestamente, o jornalista ainda acredita na importância da imersão naquilo sobre o que escreve.

– Trabalhar em sociedades fechadas ensinou-me a ter paciência e aumentou meu senso de intuição. O que aprendi em Cuba me ajudou no Iraque e me fez ter mais consciência da necessidade de se ter uma perspectiva mais profunda, a fim de obter o que vem do coração das pessoas, mais do que o que passa pelos seus lábios.

Acontece que essa imersão nem sempre é possível, sobretudo no jornalismo diário. Perguntado sobre a chamada informação em tempo real, Jon Lee Anderson diz que, a princípio, ela é um avanço. Mas que com muita freqüência, ‘a correria sem fim da imprensa, e particularmente da TV, também diminui a habilidade de processar informações ou colocá-las dentro de um contexto’. O autor afirma que a forma do texto é importante para esta contextualização, em especial quando se escreve sobre algo que tem cobertura da televisão, do rádio e do jornal.

– Com freqüência, essas mídias não têm tempo ou inclinação para fazer muito mais que ‘entregar’ a mensagem. Há pouco esforço para tentar fazer o leitor se sentir lá – diz.

Para ele cabe aos editores e aos repórteres aprender como melhor contextualizar as notícias que transmitem:

– E a razão para fazerem isso é a competição pelos leitores e espectadores. Com mais fontes de informação, as pessoas se tornam mais seletivas.

Anderson, que agora escreve um livro sobre Cuba, onde a vida das pessoas ‘foi modificada, de um jeito ou de outro, por um homem’, conta que a escolha dos temas de seus livros não tem necessariamente a ver com uma crítica à política externa americana:

– Sou levado a lugares em que a história está sendo feita e onde meu país passou a exercer uma influência preponderante. Prefiro pensar que é minha obrigação como um americano que viveu a maior parte de sua vida fora. Quase me vejo como um mediador, um tradutor de realidades opostas. Algumas vezes sou muito crítico sobre como a política externa dos EUA é mal aplicada. Como jornalista, a única coisa que posso fazer é comunicar o que vejo de maneira que as pessoas saibam o que sei.

Anderson vai além:

– Também fui levado a esses países porque gosto das pessoas de lá. Foi assim com Cuba e com o Iraque. Gostaria que mais americanos gostassem dessas pessoas como eu pude gostar.’



Folha de S. Paulo

‘Al Manar, TV do Hizbollah, é considerada terrorista’, copyright Folha de S. Paulo, 18/12/04

‘O Departamento de Estado americano anunciou ontem o enquadramento do canal de TV árabe Al Manar entre as organizações terroristas. A emissora, baseada no Líbano e ligada ao grupo islâmico Hizbollah, já havia sido proibida na França pelo conteúdo anti-semita de seu noticiário. A decisão dos EUA inviabiliza qualquer cooperação de americanos com a emissora.’