Sunday, 22 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

Cláudia Lamego


‘Sem citar nomes, Frei Betto, ex-assessor e amigo do presidente Lula, classificou a crise política de tragédia grega e criticou o núcleo de dirigentes petistas que a desencadearam e, em conseqüência, desmoralizaram a esquerda no país. Ex-coordenador do Fome Zero, Frei Betto disse ter deixado o governo, em dezembro de 2004, por discordar da política econômica, mas frisou que, se tivesse tomado conhecimento dos fatos agora divulgados pela imprensa, teria saído antes.


– A direita brasileira não conseguiu em décadas o que um pequeno núcleo de dirigentes petistas conseguiu em poucos anos: desmoralizar a esquerda. Nem na ditadura se conseguiu desmoralizar a esquerda. Nós, que passamos pela prisão, saímos de cabeça erguida, porque a gente tem o santo orgulho de ter lutado, enfrentado e ajudado a resgatar a democracia no país. Depois de trabalhar junto aos movimentos populares para construir uma nova proposta ao país, um pequeno grupo de dirigentes vem, atola pé e alma na corrupção, comprometendo todo um projeto – afirmou Frei Betto, em entrevista durante a 11 Jornada Nacional de Literatura, em Passo Fundo, no Rio Grande do Sul, onde anteontem o cantor Chico Buarque também dera entrevista e dissera que a alma do país está ferida por causa da crise política.


Desencantado, mas não abatido


Apesar de se confessar desencantado, Frei Betto garantiu não estar abatido pela crise, mesmo sendo muito ligado ao presidente Lula. Ele disse ter força espiritual para enfrentar adversidades, já que tem fé em Jesus, que chamou de fracassado.


– Insisto em ser um teimoso homem de esperança. Eu costumo dizer que isso tem a ver com minha espiritualidade, afinal, eu creio num fracassado, Jesus, que morreu abandonado até pelos discípulos. Então acho que a dimensão aparentemente fracassada da minha fé, ajuda a manter a convicção de que a vitória está garantida. Nos últimos anos passei pela queda do Muro de Berlim, derrota da Revolução Sandinista e agora estou passando por este desencanto com o processo político brasileiro, agravado pela desmoralização da esquerda brasileira – concluiu.


Para Frei Betto, apesar de o momento ser grave, o PT vai conseguir sair da crise e se reerguer:


– Creio que vamos sair disso, primeiro porque o PT é maior que tudo isso e, segundo, porque o que justifica a nossa luta é a existência da miséria.


O religioso afirmou que ficou surpreso ao ver as denúncias na TV e frisou que deixou o PT por divergências e para ter liberdade para criticar a condução da economia e dos projetos sociais.


– As razões que me levaram a deixar o governo foram duas: eu queria recuperar minha liberdade intelectual, até de poder criticar o governo, embora considere o governo Lula muito melhor do que governos anteriores e ainda acredito que o Brasil é melhor com Lula do que sem Lula. A outra é por discordar da política econômica. Ela é boa para os banqueiros, exportadores, agronegócio, grandes empresários, mas eu estou interessado nos 53 milhões de pobres. Embora o Bolsa Família beneficie sete milhões de famílias, o que é um avanço, mas estamos falando de um contingente muito maior de pessoas que precisam ser incluídas socialmente.’



Sueli Cotta


‘Chico Oliveira: ‘Intelectual não pode se calar’’, copyright O Globo, 25/08/05


‘Os intelectuais brasileiros têm obrigação de falar, de fazer uma crítica permanente. O intelectual não tem outro papel na sociedade. A posição é do sociólogo Francisco de Oliveira, que participou da fundação do PT e se tornou seu mais incisivo dissidente no meio intelectual. Essa posição é oposta, segundo ele mesmo, à apresentada pela filósofa Marilena Chauí, que decidiu se calar diante da crise política do governo Lula e do PT. Afastado do partido desde 2003, Oliveira disse em Belo Horizonte, onde participou do seminário ‘O silêncio dos intelectuais’, que o intelectual não pode ser complacente:


– O intelectual não tem o direito de se calar. Ao contrário, ele não pode ser otimista, ele é por definição um pessimista – disse o sociólogo, conhecido como Chico Oliveira.


O grande erro da cúpula do PT foi o de promover, segundo Oliveira, o que ele chama de virada à direita e ter se descolado das bases, da militância do partido. Um erro fatal, segundo ele, em qualquer partido de esquerda porque ganha-se autonomia e faz-se ‘o que dá na telha’, como aconteceu. O PT adotou a tese do adversário, lamentou.


– Do ponto de vista do partido, foi um grande erro. Do ponto de vista do governo foi maior ainda, porque em nome da governabilidade ampliou suas alianças a ponto de descaracterizar-se – disse.


Desgaste deixa o PT sem ter o que dizer ao eleitor


Ele concorda com o ex-ministro Tarso Genro, quando ele diz que não sabe o que dizer ao eleitor para votar no PT. Usando como exemplo o que aconteceu com o Partido Comunista no Leste Europeu, Oliveira disse que ninguém lá tem coragem de pedir para se votar atualmente no Partido Comunista. Com o escândalo envolvendo a cúpula do partido, Oliveira questiona com que cara os dirigentes irão se dirigir ao eleitor.


A queda-de-braço entre o deputado José Dirceu (PT-SP) e Tarso Genro no partido pode piorar a situação do partido, analisa Oliveira, que vê na disputa uma coisa mortífera por não se tratar de uma luta de idéias, mas uma briga de facções. Isto, na avaliação dele, torna o partido inviável.


– O partido não é feito de anjos, tinha muitos patifes que nem sabíamos que tínhamos. O partido como um todo se equivocou. O PT entrou pensando que era capaz de controlar os outros partidos, as outras personalidades, e isto é história de aprendiz de feiticeiro. Do jeito que está hoje, o PT é uma legenda como outra qualquer.’



Luiz Fernando Vianna


‘‘Gangues’ podem dominar PT, diz sociólogo ‘, copyright Folha de S. Paulo, 25/08/05


‘Dissociar o ‘petismo’ do ‘lulismo’ e afastar do comando do partido os dirigentes responsáveis pela crise atual são as únicas saídas para o PT continuar existindo. Foi o que afirmou o sociólogo Francisco de Oliveira ontem em palestra, em Belo Horizonte, dentro do seminário ‘O Silêncio dos Intelectuais’.


Oliveira, que rompeu ruidosamente com o PT em 2003, ainda no início do governo Lula, disse que a legenda corre o risco de se transformar em um ‘partido de gangues’.


‘É a gangue do ex-tesoureiro, do ex-secretário-geral, dos publicitários. Seria uma tragédia se isso acontecesse’, disse ele, acrescentando que, ‘no limite, o PT pode até desaparecer’. ‘Não é o meu desejo, mas, se continuar com esse tipo de conduta, corre risco de desaparecer.’


Para o sociólogo, um péssimo futuro para o PT seria repetir o que houve com o peronismo na Argentina. ‘Morreu o líder carismático, a cúpula se desligou das bases e virou um vale-tudo. O PT já parece uma luta de vale-tudo.’


Ele ressaltou que não espera um expurgo do grupo de José Dirceu, pois é ‘coisa medieval’, mas que os militantes mudem o comando do partido nas próximas eleições internas, programadas para o mês que vem.


Oliveira foi irônico ao falar sobre a responsabilidade de Lula nos casos de corrupção no governo. ‘Só ele não sabia que membros do PT roubavam? Muita gente sabia e ele não? Ah, não vai dar uma de Adão: ‘foi Eva’.’


Segundo Oliveira, já está na hora de os intelectuais deixarem de ser complacentes com Lula por causa de sua origem operária. ‘Os únicos erros permitidos em razão dessa origem são os de português. Ele é um homem de Estado, tem 25 anos de PT, não pode dar uma de inocente’, declarou.


Esse comentário sucedeu à crítica que Oliveira fez à filósofa Marilena Chaui, expoente da intelectualidade do PT que, na abertura do seminário, segunda-feira, no Rio, disse que há momentos em que o silêncio é o dever de um intelectual, para que não seja irresponsável e leviano.


‘Ele [o intelectual] não tem o direito de se calar. Não pode ser inocente útil. Não pode desconsiderar a pesada dívida do século 20. Não estou dizendo que este governo poderá produzir um desastre semelhante ao que outros produziram, mas a tarefa do intelectual é pôr o dedo na ferida’, disse Oliveira.


Para ele, a ‘Carta ao Povo Brasileiro’, produzida pela campanha de Lula em junho de 2002, já era um aviso de que o PT viraria um ‘partido da iniqüidade’. ‘Não é possível pagar o que se paga de juros da dívida pública e da dívida externa’, afirmou, referindo-se a duas promessas da carta.


Oliveira disse que foi o PT quem levantou a bandeira da ética na política e seria ‘uma grande perda’ se isso fosse derrotado pela crise. Mas ele acredita ser possível o contrário: ‘Talvez algo de bom seja a retomada do clamor popular pela ética na política.’


Segundo o sociólogo, seu ex-amigo Fernando Henrique Cardoso é o ‘grande vitorioso’ da política brasileira nos últimos anos, já que ‘o PT adotou como suas as teses do cardosismo das quais era crítico tenaz’.


Mesmo ressaltando que é o ‘movimento social mais importante do país’, Oliveira ainda declarou que o MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra) não tem futuro.


‘A reforma agrária não vai mudar o sistema. Não haverá uma re-ruralização do país. Isso é impossível e até indesejável. Os dirigentes do MST sabem disso, o que eles buscam é uma interlocução com movimentos sociais urbanos. Vejo chance nesse diálogo.’’



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‘Sociólogo afirma que PT expressa nova classe social ‘, copyright Folha de S. Paulo, 25/08/05


‘‘O Ornitorrinco’ foi lançado em 2003 por Francisco de Oliveira como posfácio da reedição de ‘Crítica da Razão Dualista’, de 1972. Nele Oliveira argumenta que a elite sindical do país -cuja expressão política é o PT- converteu-se numa nova classe social ao ocupar cargos de direção no BNDES e nos fundos de pensão.


Inspirado no marxismo, Oliveira procura explicar as transformações políticas a partir das relações de classe. O que caracteriza a história recente do Brasil é o fato de que os sindicalistas tornaram-se capitalistas sem capital: deixaram de ser trabalhadores sem terem se convertido em empresários. Eles não são burgueses porque não têm a propriedade das empresas, mas controlam os recursos públicos que o capital precisa para sobreviver.


A evolução do país acabou assim numa nação anômala, que não é mais subdesenvolvida, pois conseguiu se industrializar, mas não chegou a ser desenvolvida, pois só consegue acumular capital sugando recursos públicos. Para explicar o monstrengo social resultante dessa ‘acumulação truncada’ é que Oliveira usou a imagem do ornitorrinco, mamífero com bico de pato e que põe ovos.


Como explicou Oliveira em entrevista à Folha (22/9/ 2003), a meta dessa nova classe social não é a ampliação dos direitos trabalhistas, mas uma boa gestão financeira, pois ‘o que está em jogo é a aposentadoria deles’. São esses administradores de fundos que definiram a política econômica conservadora do governo Lula, que não só manteve o programa de FHC, mas o radicalizou.


As políticas do PT e do PSDB são convergentes porque ambos expressam essa mesma classe, que se estrutura sobre ‘técnicos e intelectuais ‘doublés’ de banqueiros, núcleo duro do PSDB, e operários transformados em operadores de fundos de previdência, núcleo duro do PT’. Na entrevista de 2003, Oliveira citou Delúbio Soares como típico representante da nova classe -muito antes do escândalo.’



Antônio Gois


‘Para Fernando Haddad, inovação tecnológica amplia desigualdade ‘, copyright Folha de S. Paulo, 25/08/05


‘Em sua palestra ontem no ciclo de conferência ‘O Silêncio dos Intelectuais’, o ministro da Educação, Fernando Haddad, sugeriu que parte desse silêncio pode ser fruto do surgimento de uma nova classe social após 1968. Essa classe, composta pelos que dominam o processo de inovação do conhecimento, não poderia ser enquadrada, a partir da análise marxista nem como proletariado nem como burguesia.


O tema de sua conferência era ‘Novo Intelectual, Nova Classe?’. O organizador do evento, Adauto Novaes, explicou que Haddad foi convidado a falar não como ministro da Educação, mas como intelectual que se dedicou a esse tema durante sua trajetória acadêmica na USP. Para Haddad, o ano que delimita com mais clareza o surgimento dessa nova classe formada pelos intelectuais é 1968, por coincidir com a terceira revolução tecnológica.


‘Até então, a perspectiva dos membros desse sistema de inovação não era diferente da perspectiva dos trabalhadores. Em 1968, os membros dessa nova camada tomam a dianteira do movimento social (…), mas, para surpresa deles, quem acaba recuando por ocasião da greve geral é o proletariado, que aceita os termos da proposta dos patrões. A partir daí, eu diria que não houve mais situação em que esses grupos históricos se aproximassem mais.’


Segundo Haddad, a partir desse momento de distanciamento, essa nova classe social detentora da capacidade de inovação aumentou e passou a agir como um instrumento de aumento da desigualdade social. ‘Essa classe criativa passa a ser também parte da explicação da piora dos indicadores de desigualdade nos últimos 20 anos. Ela não produz mercadorias, mas seu processo de inovação dá ensejo a um lucro extraordinário que é repartido entre ela e os detentores dos meios de produção. Portanto, não é uma classe propriamente explorada, como é o trabalhador tradicional, mas não deixa de ser alienada de sua produção intelectual.’


Ele concluiu explicando os significados do silêncio dessa nova classe. ‘O silêncio pode vir dessa tradição de que pessoas com capacidade criativa operam estruturas dentro das empresas, do Estado ou de universidades e, portanto, em silêncio para o público. Mas pode significar também que estejam assim porque, apesar de ainda olharem esse processo com distanciamento crítico e até com certa repugnância, ainda não sabem o que dizer.’


Sociólogo vê ‘falsa universalidade’ da esquerda atual


Citando o PT como exemplo, o sociólogo Marcelo Coelho, colunista da Folha, criticou ontem o que considera ser uma ‘falsa universalidade’ da esquerda. O discurso, feito em São Paulo, foi parte do evento ‘O Silêncio dos Intelectuais’.


Segundo o sociólogo, de vocação classista, inclusive pelo nome, o PT foi agrupando bandeiras como as das feministas, dos jovens e do ambiente até se tornar o ‘partido dos movimentos sociais’. Com esse rótulo, segundo ele, a sigla encontrou na busca pelo poder a maneira de cuidar de todas essas bandeiras, o que representa, na opinião dele, ‘uma falsa universalidade’.


‘A instituição capaz de cuidar de todas as bandeiras é o Estado. (…) Correr atrás do poder é correr atrás de Roberto Jefferson, do PP, do Duda Mendonça’, criticou.’



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‘Intelectuais rejeitam ‘silêncio’ de filósofa ‘, copyright Folha de S. Paulo, 25/08/05


‘As teses da filósofa Marilena Chaui no ciclo de palestras ‘O Silêncio dos Intelectuais’ dividiram opiniões no meio acadêmico. Ela justificou o silêncio dos intelectuais sobre a crise política e contrastou ‘intelectuais’ e ‘ideólogos’. A professora disse que a discussão política da crise está sendo pautada pelos tucanos, os ‘ideólogos’, que estão ‘cada vez mais tagarelas’. A Folha ouviu cientistas políticos sobre essas idéias.


‘Eu acho o silêncio dos intelectuais de esquerda muito triste’, diz José Luciano Dias, pesquisador do Ibep (Instituto Brasileiro de Pesquisas Políticas). Para ele, isso ‘é mais uma comprovação de uma tendência antiga de não condenar suas lideranças quando elas são pegas na prática de atos os mais condenáveis’. ‘Como não conseguem dizer que o [deputado do PTB] Roberto Jefferson é um cara da oposição, que o Delúbio [Soares, ex-tesoureiro do PT] é um cara da oposição, eles não conseguem reagir a isso’.


Leôncio Martins Rodrigues, professor aposentado da Unicamp, disse que os intelectuais de esquerda já cometeram muitos erros, como ‘o apoio servil a regimes totalitários’, e para evitar novos erros ‘é bom mesmo que se calem. Ou que só se pronunciem sobre sua especialidade. Mas, aí, deixariam de ser intelectuais’.


A professora do Departamento de Ciência Política da Unicamp Raquel Meneguello critica a tese do silêncio. ‘É nosso dever de ofício ajudar a compreender a situação atual, os meandros da crise’.


Renato Lessa, professor do Iuperj (Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro), discorda. ‘Mais grave que o silêncio é o dogmatismo, a não-autenticidade, os que denunciam discursos como errados.’


O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso ironizou anteontem Chaui, que disse que o governo do PT ‘caiu em uma armadilha tucana de que os petistas não se deram conta’. Ele respondeu: ‘Ela tem um belo trabalho sobre Espinoza. Se vocês me perguntarem alguma coisa sobre Espinoza, vou dizer: ‘eu não sei’. Acho que ela deve ter a humildade de dizer ‘não entendo de política’.’



Ana Paula Scinocca


‘‘O PT morreu, e de morte fulminante’, diz dissidente ‘, copyright O Estado de S. Paulo, 25/08/05


‘Em pleno Fórum Social Mundial, no início do ano, o professor de economia da Unicamp, Plínio de Arruda Sampaio Jr., coordenou um processo de desfiliação coletiva do PT. Filho de um dos candidatos à presidência do partido, Plínio de Arruda Sampaio, ontem ele não demonstrou arrependimento. Ao contrário. Ao participar de debate sobre ‘A crise política e os desafios da esquerda’, na Universidade de São Paulo (USP), Plininho, como é chamado, disse que o ‘PT morreu, e de morte fulminante’.


E prosseguiu: ‘O PT desmoronou e refundar o PT seria como imaginar que o Sérgio Naya (ex-deputado,cassado) pudesse levantar agora o prédio (Palace II, construído pela Sersan, de Naya) que desabou no Rio. Seria como imaginar que as torres gêmeas (destruídas no atentado de 11 de setembro) pudessem ressurgir.’


Ao lado do filósofo Paulo Eduardo Arantes – os dois fizeram com que mais de uma centena de alunos debatessem a crise política no auditório do Departamento de História da USP ontem à noite -, Plininho criticou ainda a postura do presidente interino do PT, Tarso Genro. Argumentou que ‘falta sinceridade’ ao ex-ministro da Educação quando ele sugere que o deputado José Dirceu (PT-SP) retire seu nome da chapa do Campo Majoritário, que disputa as eleições internas da legenda, em setembro próximo.


‘O Tarso recomenda que o Dirceu saia como se isso bastasse; quando, na verdade, 70% da chapa é composta por gente do Zé Dirceu. Isso sem falar no bando do Lula’, disse, ironizando a tentativa de Tarso de refundar o PT.


Na opinião do ex-petista, a crise não é apenas do PT, mas também da esquerda, dos movimentos sociais, estudantis e até do Movimento dos Sem-Terra (MST). ‘O miolo da crise é que o Brasil precisa mudar. O PT chegou ao governo sem força política para cumprir os compromissos que assumiu. Como o PT não mudou, o Brasil mudou o PT.’’



Eduardo Kattah


‘Para Chico de Oliveira, luta interna é ‘guerra de gangues’ ‘, copyright O Estado de S. Paulo, 25/08/05


‘A disputa entre o presidente interino do PT, Tarso Genro, e o deputado José Dirceu (SP) pelo comando do partido se assemelha a ‘uma guerra de gangues’ e ‘tem tudo para dar errado’. A opinião foi expressada pelo sociólogo e professor da Universidade de São Paulo (USP) Francisco de Oliveira, em palestra na noite de ontem. Ao abrir o ciclo de conferências ‘O silêncio dos intelectuais’, em Belo Horizonte, Oliveira – que é fundador do PT, mas se desligou da legenda em 2003 – fez previsões pessimistas sobre o partido. ‘O PT está se aproximando, perigosamente, de uma luta de vale-tudo. Vale qualquer coisa desde que seja para eliminar o adversário. É um perigo. Com esse núcleo dirigente, o PT pode desaparecer.’


Para uma platéia de cerca de 170 pessoas, que lotou o Centro Cultural da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), o sociólogo chegou a dizer que o seu objetivo não era ‘discutir muito o governo’. Mas ao responder à pergunta de um espectador – se há saída para a crise do PT com a manutenção do comando do partido com o Campo Majoritário -, ele foi direto. ‘Só se eu fosse tolo de pensar que, com o núcleo dirigente que fez o que fez, tem saída par o PT. Evidentemente não tem.’


‘Tem tudo para dar errado. Tem tudo para transformar o PT num partido de gangues. O que seria uma tragédia não só para o partido, mas para a sociedade brasileira’, observou. ‘Não estou exagerando, tem a gangue do ex-tesoureiro, a gangue do ex-secretário, a gangue do publicitário’, disse, arrancando risos dos presentes. Na sua avaliação, a eleição para o novo Diretório Nacional é a chance de a militância petista tirar a atual direção. Para ele, nos últimos anos o PT se afastou de sua base e se aproxima e se compara ao peronismo.


O professor da USP destacou que uma das grandes ‘novidades’ do PT para a política brasileira foi a campanha pela ética, uma ‘contribuição original’, que teve influência na proximidade com a chamada ala progressista da Igreja Católica.


‘É por aí que veio essa influência, essa exigência de transparência e rigor, da qual o PT foi nos anos da democratização o maior arauto’, disse Oliveira. ‘Será uma perda se isso submergir na crise.’


INTELECTUAIS


Oliveira comentou, em entrevista antes da palestra, que o partido do presidente Lula trocou um projeto de nação por um de poder. Afirmou que o ‘grande erro’ da cúpula partidária foi promover uma virada à direita e ‘descolar-se das bases’. Para ele, é um comportamento ‘fatal’ para um partido de esquerda.


O PT, segundo Oliveira ‘adotou as teses do adversário’. ‘Em determinado momento, o partido faz uma virada e estrutura-se para um projeto de poder. E no governo só mira isso’, anotou. O professor da USP defendeu o papel dos intelectuais brasileiros no processo histórico da política nacional.


Na sua opinião é equivocada a afirmação de que os intelectuais estão calados no atual momento de crise política. ‘Existe uma intensa movimentação hoje. O que faz falta, na verdade, é uma nova idéia central’, ressaltou.


Oliveira acrescentou que não concorda com a declaração da filósofa Marilena Chaui, que, no Rio, na abertura do mesmo ciclo de palestras, defendeu o direito dos intelectuais ao silêncio em tempos de crise. ‘Estou do lado oposto. Os intelectuais têm obrigação de falar’, provocou. ‘O dever deles é falar, é fazer a crítica permanentemente, justamente agora’.’



Ubiratan Brasil e Roldão Arruda


‘Frei Betto: direção atolou pé na lama ‘, copyright O Estado de S. Paulo, 25/08/05


‘A direita brasileira não conseguiu em décadas o que um pequeno núcleo de dirigentes petistas conseguiu em poucos anos: desmoralizar a esquerda. O comentário partiu do escritor Carlos Alberto Libânio Christo, o Frei Betto, que participou ontem da 11.ª Jornada Nacional de Literatura de Passo Fundo. Convidado para o debate A Sublimação do Homem pela Estética e Espiritualidade, disse, em entrevista coletiva, que não pretendia tratar de política, mas acabou falando abertamente de sua decepção com o sistema político.


‘Depois de trabalhar com os movimentos populares para construir uma nova proposta ao País, um pequeno grupo de dirigentes vem, atola pé e alma na corrupção, comprometendo todo um projeto’, afirmou o frade dominicano. Mais tarde, em conversa telefônica com a reportagem do Estado, enfatizou: ‘Nem sob os anos da ditadura a direita conseguiu desmoralizar a esquerda como esse núcleo petista fez em tão pouco tempo. Na ditadura, apesar de todo sofrimento, perseguições, prisões, assassinatos, saímos de cabeça erguida e certos de que tínhamos contribuído para a redemocratização do País. Agora, não; esses dirigentes desmoralizaram o partido e respingaram lama por toda a esquerda brasileira.’


Na opinião de Frei Betto, o impacto é ‘tremendo’, porque atinge uma das bandeiras mais caras dos grupos de esquerda: ‘A esquerda pode perder tudo, até a vida, mas não a moral.’


Frei Betto é amigo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva desde que ele era líder sindical na região do ABC Paulista. Chegou a escondê-lo quando foi perseguido pela polícia política sob a acusação de subversão. Sempre apoiou o PT e com a vitória do partido em 2002 foi chamado para trabalhar no Palácio do Planalto, como assessor especial da Presidência da República. Mas ficou lá só um ano.


Ontem ele não quis nomear o núcleo petista ao qual se referia, mas insistiu que o PT deve agir com firmeza, para identificar os responsáveis e puni-los. Se não fizer, a desmoralização será maior.


‘Não me atrevo a prejulgar ninguém’, afirmou. ‘Mas já temos dois réus confessos, o Delúbio Soares e o Silvio Pereira, cabendo agora ao partido aprofundar o trabalho de investigação para apurar toda a corrupção, ao lado das CPIs, do Ministério Público e da Polícia Federal. Não adianta tentar jogar as coisas para debaixo do tapete. O eleitorado, especialmente o eleitor mais jovem, vai cobrar caro por esse estrago.’


Ele explicou que se desligou do governo porque desejava preservar a liberdade intelectual e discordava da política econômica do ministro Antonio Palocci. Também disse que quando estava no Planalto não soube nada sobre o mensalão. ‘Nunca tive a mínima idéia da existência desse esquema. Se tivesse percebido teria saído antes.’


RENOVAÇÃO


Apesar da decepção, Frei Betto não desistiu do PT. Embora não seja oficialmente filiado, defende o voto no ex-deputado Plínio de Arruda Sampaio, na eleição para a escolha da nova direção petista, dia 18 de setembro. Plínio representa parte das tendências de esquerda e se opõe ao Campo Majoritário, o grupo moderado que hoje controla a direção nacional e do qual fazem parte o ex-ministro José Dirceu, Lula e Palocci. ‘É preciso renovar urgentemente a direção do PT’, afirma o escritor.


Ele também reafirmou confiança na reorganização da esquerda. ‘Estou ajardinando minha esperança. Vamos sair dessa, porque a desigualdade social, que estão no centro de nossas lutas, ainda persistem, infelizmente. Não posso perder a esperança, porque seria trair a causa dos pobres.’’