Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Cláudia Trevisan

‘O jornalista chinês Zhao Yan, que trabalha como repórter no escritório do ‘New York Times’ em Pequim, foi preso pela polícia local sob a acusação de revelar segredos de Estado a estrangeiros, crime que pode ser punido com prisão perpétua.

Até ontem, Zhao estava incomunicável e mesmo seu advogado, Mo Shaoping, não tinha certeza sobre qual fato provocou a detenção.

Uma das hipóteses é a publicação de reportagem pelo ‘Times’, em 7 de setembro, segundo a qual o ex-presidente Jiang Zemin iria renunciar ao posto de comandante militar do país, o que de fato ocorreu.

‘Nós podemos afirmar de maneira categórica que o sr. Zhao não revelou nenhum segredo de Estado a nosso jornal’, declarou Susan Chira, editora de assuntos internacionais.

Ela acrescentou que Zhao não escrevia reportagens para o jornal. A maioria dos jornais estrangeiros na China contrata pessoas para trabalhar como intérpretes ou realizar pesquisas de apoio às reportagens, caso de Zhao.

Antes de começar a trabalhar no ‘Times’, há quatro meses, o jornalista escrevia para a a publicação ‘China Reform’, onde se notabilizou por posições críticas ao governo. Zhao também passou três anos na prisão por integrar o grupo que tentou criar um partido de oposição.

Intervenção da Casa Branca

O advogado Mo Shaoping disse à Folha que o caso ainda está na fase de investigação pela polícia, que vai determinar se a acusação de revelar segredo de Estado tem fundamento ou não. Só depois disso, Mo terá autorização para falar com seu cliente.

Segundo reportagem de ontem do ‘Times’, o editor-chefe do jornal, Bill Keller, pediu intervenção da Casa Branca no caso e entrou em contato com o governo chinês. ‘Nós estamos muito, muito preocupados’, disse Chira.

O jornalista foi preso no dia 17 de setembro e sua família só foi notificada no dia 21. A detenção ocorreu no segundo dos quatro dias de reunião do Comitê Central do Partido Comunista que consolidou a transição de poder iniciada em novembro de 2002, quando Hu Jintao substituiu Jiang Zemin na Secretaria Geral do partido. O processo continuou em março de 2003, com a sucessão de Jiang por Hu na Presidência da China. O último passo foi a transferência do comando militar, no domingo.’



MÍDIA & PARAOLIMPÍADAS
Marcelo Russio

‘Paraolimpíadas recebem a cobertura devida…’, copyright Comunique-se (www.comuniquese.com.br), 20/09/04

‘Olá, amigos. No embalo das Olimpíadas de Atenas 2004, o SporTV 2 transmite as Paraolimpíadas ao vivo diariamente das 3h às 18h, ininterruptamente. Do ponto de vista comercial, pode ser uma decisão complicada, já que o evento em si não atrai patrocinadores ou audiência no Brasil, justamente por não termos a tradição de acompanhar as provas paraolímpicas e de conhecer os atletas brasileiros que se destacam nessa competição.

Nesta segunda-feira o Brasil conquistou quatro ouros no judô e no atletismo, além da prata na natação. Temos hoje em Ádria dos Santos a nossa maior medalhista paraolímpica (10 medalhas, sendo quatro ouros e seis pratas), e um tricampeão olímpico no judô para atletas com deficiência visual (Antônio Tenório, ouro em Atlanta, Sydney e, agora, em Atenas). Nesta segunda-feira o Brasil atingiu a sexta colocação geral no quadro de medalhas, à frente de EUA, Japão, Canadá, Rússia, Itália e outras grandes potências esportivas.

Tudo isso justifica a cobertura do evento por emissoras de TV aberta e fechada. Até agora, apesar de haver repórteres de algumas das principais redes de TV aberta do Brasil, nada é transmitido ao vivo. Apenas a TV Cultura e o SporTV se mobilizaram para a Paraolimpíada.

Entretanto, do ponto de vista jornalístico, as Paraolimpíadas dão ao brasileiro o que ele mais gosta, que é ganhar. Somos hoje realmente uma potência paraolímpica, e esta condição pode criar ídolos mesmo entre aqueles que não possuem qualquer deficiência física. Portanto, por que não dedicar alguns minutos para a transmissão ao vivo de uma final de judô ou dos 100m rasos com Ádria dos Santos? ‘Time is money’, dirão os mais diretos. ‘Se não há cotas compradas, não há transmissão.’

Mas será que 10 segundos, ou mesmo três minutos de interrupção na grade da Globo, a título de informação jornalística, não valem a pena? Será um prejuízo tão grande interromper um desenho ou qualquer outra atração gravada para mostrar ao vivo a conquista de um tricampeonato paraolímpico inédito, ou a conquista da décima medalha paraolímpica por uma atleta brasileira?

Por trás disso, a meu ver, está a pouca importância a um evento jornalístico importante, que mostra brasileiros vencendo em uma competição de nível mundial, fazendo história e escrevendo em letras douradas o nome do país na elite de uma categoria esportiva que, mais que qualquer uma, faz valer os ideais de superação que tanto são citados em uma Olimpíada.

A cobertura até o momento está sendo politicamente correta. Mas está longe da que é merecida pelos atletas brasileiros, que não contam com qualquer apoio, mas que conquistam seu lugar na elite mundial de seus esportes. E, além disso, tiram do público brasileiro em geral belas imagens e histórias deliciosas de superação e de lições de vida.’



ENTREVISTA / CARLOS FUENTES
Ubiratan Brasil

‘‘A imprensa pede perdão por ser pouco crítica’’, copyright O Estado de S. Paulo, 26/09/04

‘As críticas à inépcia política de George W. Bush dominam todas as declarações do escritor mexicano Carlos Fuentes, um dos intelectuais mais engajados na luta contra a reeleição do presidente americano. ‘Se isso acontecer, pode-se esperar pelo pior’, comentou ele ao Estado, em entrevista feita por telefone, a partir de Londres.

Estado – Apesar das inúmeras manifestações mundiais (e mesmo nos EUA), George W. Bush continua liderando as pesquisas eleitorais contra John Kerry.

O que o senhor pensa disso?

Carlos Fuentes – O que acontece é que a convenção do Partido Democrata foi extremamente débil: falou-se muito no passado, como a Guerra do Vietnã, e não se atacou a fundo os problemas da atualidade. Já na convenção republicana, Bush encontrou duas bandeiras nas quais se enrolou e se vangloriou: o emprego e o patriotismo. Mas ainda faltam seis semanas para a eleição e esse tempo é uma eternidade em política. Teremos ainda os debates entre os candidatos, quando Kerry deverá demonstrar que é muito melhor.

Aliás, o democrata já critica as medidas que resultaram no conflito do Iraque, se atrevendo a assumir um papel antiguerra que relutara antes.

Estado – O senhor acredita que o eleitor americano tem consciência dos problemas da guerra e, por isso, pode não reeleger Bush?

Fuentes – O eleitorado ainda está muito dividido, com 45% apoiando Bush e a guerra e outros 45% na oposição. Restam esses 10% de indecisos, que vão decidir a eleição. Mas, note que os Estados Unidos não são um país, mas um universo, pois existe um público mais liberal e bem informado nas costas do Pacífico e do Atlântico, mas no interior, em cidades como Kansas City e Saint Louis, existem pequenos jornais, de apenas quatro páginas, em que não há nenhuma informação internacional – o que aquelas pessoas sabem vem dos cinco minutos dedicados a esse assunto nos telejornais noturnos. Ou seja, trata-se de um país extraordinariamente mal informado.

Estado – Por falar em informação, causaram polêmica suas declarações na semana passada em Barcelona, onde o senhor comparou Bush a Hitler e Stalin.

Fuentes – Na verdade, eu não disse bem isso, pois Hitler e Stalin foram mais inteligentes que Bush (risos). O que acontece é que Hitler e Stalin tiveram opositores muito fortes, ao contrário de Bush, que não enfrenta nenhum adversário de peso internacionalmente. Isso não acontece desde o Império Romano: Napoleão foi derrotado na Rússia e Espanha e teve de lutar contra a Inglaterra; Hitler teve de combater duas frentes, a Rússia e os EUA; Stalin enfrentou os americanos. Assim, é a primeira vez, desde os imperadores romanos, que um país pode dizer que é imperial sem oposição alguma no mundo.

Isso sim é grave. Mas a democracia americana é forte o suficiente para resistir aos instintos totalitários de pessoas como o vice-presidente Dick Cheney e recuperar o sentido liberal que marca o país desde sua fundação. Ou seja, a presença de Bush no cenário político é uma aberração.

Estado – Mas o que se pode esperar em caso de uma reeleição de Bush?

Fuentes – O pior. Ele já foi eleito com apenas um voto na Suprema Corte depois de ter perdido no voto popular. Assim, se Bush consegue agora uma autorização majoritária, ele vai se sentir totalmente autorizado a continuar com suas funestas políticas imperialistas. Afinal, ele já afirmou, certa vez, que os países deveriam se posicionar contra ele ou a favor dele.

Portanto, devemos nos posicionar contra ele e a favor da legalidade internacional proposta pelas Nações Unidas e recuperar a ordem jurídica internacional que foi pisada por Bush.

Estado – Como o senhor que vive na Inglaterra observa o acompanhamento europeu em relação à eleição americana?

Fuentes – Há pelo menos 75% da população mundial que se opõe a George W.

Bush. E os maiores opositores, segundo pesquisas, estão na Europa: Alemanha em primeiro, seguido da França. Em terceiro, vem o México. A Inglaterra aparece em quinto ou sexto lugar e a oposição aqui é muito grande. O que acontece é que Tony Blair é muito inteligente e sabe manipular os assuntos a seu favor, convertendo-os em méritos políticos. Mas, hoje, a Europa está muito distante dos Estados Unidos, o que é muito grave, tanto em matéria econômica, cultural, social. É preciso romper essa barreira estabelecida no Atlântico e evitada antes no governo de Bill Clinton, que tomava a prudente medida de escutar seus aliados sempre que necessário.

Estado – E a cobertura de imprensa, especialmente nos Estados Unidos, lhe agrada?

Fuentes – Finalmente, acontece uma mudança. Antes, havia muito medo, especialmente por conta do terrorismo, mas agora a imprensa está praticamente pedindo perdão por ter tomado uma posição tão pouco crítica em relação ao governo Bush a partir dos ataques ocorridos em 11 de setembro de 2001 e a conseqüente guerra contra o Iraque. Jornais como Los Angeles Times, New York Times, Washington Post ocupam-se agora com críticas severas, investigações que apontam irregularidades inegáveis – basta ver o que aconteceu na prisão de Abu Ghraib, uma verdadeira violação aos direitos humanos cometida pelo exército americano. É curioso observar também que hoje até senadores republicanos criticam a desastrosa ocupação americana no Iraque.

Estado – O senhor faz questão de afirmar que não há um sentimento antiamericano na América Latina Fuentes – Isso é importante: o que acontece é uma oposição ao atual governo de George W. Bush, um governo fictício como disse Michael Moore na entrega do Oscar. E isso não se confunde com a nação como um todo, que é dona de uma cultura, uma democracia e uma tradição admiráveis. Em diversas oportunidades, os Estados Unidos demonstraram sua capacidade de propagar a paz mundial e isso não pode ser esquecido.

Estado – Seu livro será publicado nos Estados Unidos?

Fuentes – Não. E a justificativa que me disseram é que há livro demais contra Bush (risos).’