"É incompleta a informação do secretário de Imprensa da Presidência, Ricardo Kotscho, segundo quem o projeto do Conselho Federal de Jornalismo é uma ‘reivindicação desta categoria profissional’ (a dos jornalistas), conforme a nota que Kotscho emitiu para rebater texto do jornal The New York Times.
A ABI (Associação Brasileira de Imprensa) também representa os jornalistas, mas é contra o projeto. E a ABI tem mais história que a Fenaj (Federação Nacional dos Jornalistas), que lançou a idéia. Não é demérito da Fenaj, mas fato da vida.
Tanto é assim que, quando precisou, o PT (e demais forças de oposição ao governo Fernando Collor) recorreu à ABI para liderar o movimento pelo impeachment.
Vê-se, pois, que o projeto do CFJ não é ‘da categoria’, mas de parte dela apenas.
Aliás, seria curioso saber por que o governo ‘comprou’ esse projeto, de apenas parte de uma categoria, quando, pouco antes, se opôs ferozmente a um aumento maior do salário mínimo, este, sim, proposto por TODO o movimento sindical.
Está igualmente imprecisa a avaliação de Luís Nassif de que a onda verde-e-amarela nas praias italianas neste verão seria decorrência do fato de que o Brasil é ‘o país mais amado do mundo’.
A onda verde-e-amarela na Europa vem de alguns meses, mas está determinada por um modismo de cores que se revezam ciclicamente nas lojas, de acordo com a criatividade (ou falta dela) dos desenhistas.
Enquete pessoal, feita nos cinco meses que passei na Europa neste ano, mostra que a maior parte dos que usam verde-e-amarelo nem sabe que são as cores do Brasil.
Claro que há (sempre houve) carinho pelo país tropical, mesmo desconhecendo-o, porque, afinal, nunca fez mal a ninguém (a não ser a seus próprios filhos e aos paraguaios no século retrasado).
A onda atual tem muito mais a ver com cor do que com amor ao Brasil. É bom do mesmo jeito, mas não convém perder a perspectiva."
Gabriela Guerreiro "New York Times não deve publicar carta do governo brasileiro, avalia embaixada", copyright Radiobrás, 9/09/04
"A Embaixada do Brasil nos Estados Unidos confirmou hoje que encaminhou ao jornal The New York Times, na última terça-feira, cópia da carta enviada pelo secretário de Imprensa da Presidência da República, Ricardo Kotscho, na qual pede esclarecimentos sobre a matéria do correspondente Larry Rother a respeito da criação do Conselho Federal de Jornalismo.
Segundo o secretário-executivo da Embaixada, Carlos Villanova, a carta foi traduzida e encaminhada para o jornal, e o seu recebimento foi confirmado pelo New York Times.
A expectativa da Embaixada é que o jornal não publique a cópia da carta uma vez que o New York Times não veicula cartas ou artigos já publicados anteriormente em outros meios de comunicação. Alguns jornais brasileiros e agências de notícias publicaram a carta na íntegra quando foi divulgada no início desta semana pelo governo.
É a segunda vez este ano que o governo brasileiro questiona uma reportagem do correspondente Larry Rother. Em maio, o jornalista teve seu visto cancelado após publicação de matéria sobre um suposto envolvimento do presidente Luiz Inácio Lula da Silva com bebidas alcoólicas. O governo considerou a reportagem ofensiva à honra do presidente, com grave prejuízo à imagem do país no exterior. O governo reconsiderou a decisão dias depois diante das explicações de Rohter, que alegou não ter tido intenção de ofender a honra do presidente.
O jornal ainda não se pronunciou a respeito da matéria sobre o Conselho Federal de Jornalismo."
O Globo "‘Miami Herald’ critica Conselho de Jornalismo", copyright O Globo, 10/09/04
"O jornal americano ‘The Miami Herald’ atacou ontem, em editorial, a criação do Conselho Federal de Jornalismo, proposta em projeto de lei enviado pelo governo ao Congresso Nacional. Sob o título ‘Por uma imprensa independente’, o editorial explica, em linhas gerais, o propósito do conselho e afirma que órgãos do gênero ‘são instrumentos de intimidação e censura mais populares em democracias repressoras, tais como Venezuela e no regime totalitário de Cuba’. O texto faz referência a ‘questões críveis’ do comportamento do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, abordadas pela imprensa, mas não as explicita.
O editorial atribui o impulso de criação do conselho ao presidente Lula: ‘Uma imprensa livre deveria ser um bem cuidado pilar de qualquer democracia. É por isso que o esforço do presidente de regulamentar e, potencialmente, amordaçar as organizações noticiosas é tão perturbador’, afirma o editorial.
Editorial diz que iniciativa parece vingança
‘O governo de Lula diz que a proposta levaria a mídia a adotar uma ‘agenda positiva’ sobre como ela cobre os assuntos de Estado’, diz o texto. No entanto, segundo o editorial, a iniciativa parece mais uma ‘aposta pesada e vingativa para controlar quais notícias o público consome’. Pois ‘o governo tem estado sob intenso escrutínio da mídia e vem perdendo a estima popular’, segundo o jornal, que menciona o fato de o governo estar sendo ‘forçado a enfrentar alegações de corrupção e incompetência. Também o presidente tem de responder a questões críveis sobre seu comportamento pessoal’.
Jornal duvida da eficácia de um conselho de jornalismo
Pode ser que Lula ‘veja num conselho autoritário, ou colégio, um modo de polir a imagem de seu governo’, afirma o ‘Miami Herald’. ‘É provável que não funcione. Colégios são instrumentos de intimidação e censura mais populares em democracias repressoras, tais como Venezuela e no regime totalitário de Cuba’. E foram banidos por tribunais, diz o jornal, nas últimas duas décadas. ‘Em 1985, o Tribunal Interamericano de Direitos Humanos decidiu que permissão obrigatória para (trabalho) de jornalistas violava a liberdade de expressão da imprensa’.
Desde então, diversos países latino-americanos, como o Chile, derrubaram os conselhos de jornalismo. ‘Estas decisões afirmam que a liberdade de expressão é um direito fundamental – e que conselhos de jornalismo são um conceito sem valor que o Brasil deveria rejeitar’."
O Estado de S. Paulo
"O novo caso Rohter", copyright O Estado de S. Paulo, 11/09/04
"Desta vez, o governo federal poupou a Nação do constrangimento a que a submeteu em maio ao cancelar o visto de permanência do correspondente do New York Times no País, Larry Rohter, por causa de uma reportagem sobre a repercussão negativa de eventuais excessos alcoólicos do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Foi, então, o vexame de tais dimensões que o governo desistiu de expulsar o jornalista, aceitando a saída honrosa negociada pelo ministro da Justiça, Márcio Thomaz Bastos. Mas de novo está tendo reação despropositada a outra reportagem do mesmo autor, no mesmo jornal, sobre o repúdio nos meios de comunicação, órgãos da sociedade civil e muitas parcelas da população à proposta de criação de um tal Conselh/o Federal de Jornalismo (CFJ).
Em nota distribuída na véspera do feriado do Dia da Independência, o secretário de Imprensa da Presidência da República, Ricardo Kotscho, exigiu do autor do texto – publicado no Estado de terça-feira – a reprodução da versão que ele mesmo divulgara, segundo a qual a proposta infeliz não é do governo, mas da Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj). Segundo essa versão, que Rohter não registrou, ‘o pedido formal para a criação do conselho foi feito ao senhor presidente em audiência pública, no último mês de abril, conforme publicado pela imprensa brasileira na época’.
Isso, de acordo com o secretário, bastaria para transferir a autoria do projeto autoritário do governo para o órgão que as autoridades, em nome das quais fala, consideram representativo da ‘categoria’. No entanto, sua reclamação não procede. Primeiramente, porque o projeto criando o Conselho Federal de Jornalismo foi encaminhado pelo Planalto ao Congresso, o que configura patrocínio suficiente para torná-lo oficial. E, em segundo lugar, porque, conforme foi também fartamente noticiado pela imprensa na ocasião, a proposta original da Fenaj foi substancialmente alterada – e, pior que isso, tornada ainda mais autoritária – ao passar pelo crivo da Casa Civil.
Por último, mas não menos importante, o presidente da República em pessoa reforçou essa natureza oficial do texto, ao condicionar, aparentemente brincando, no Paraguai, suas entrevistas ao apoio da proposta pelo repórter solicitante. E chamou de ‘covardes’ os jornalistas que cobriam sua visita à República Dominicana, por não terem coragem de enfrentar seus patrões, que seriam, a seu ver, os únicos contrariados com a idéia de ‘orientar, disciplinar e monitorar’ o trabalho dos jornalistas, submetendo-o à censura de um órgão burocrático. Tudo isso com o claro objetivo de intimidar indiretamente os jornalistas, uma vez que o tal conselho (soviete, em russo) poderia cassar o registro profissional de críticos recalcitrantes no Ministério do Trabalho. Prova maior do interesse do governo na aprovação do projeto é que o mantém no Congresso, apesar do protesto quase unânime da sociedade, ao qual se somaram manifestações contrárias de aliados confiáveis no Planalto, tais como os presidentes da Câmara dos Deputados, João Paulo Cunha (PT-SP), e do PT, José Genoino, que, em artigo neste jornal, estranhou o fato de o governo se deixar desgastar politicamente por uma proposta que nega ter sido produzida por ele.
Tal como o anterior, o texto que produziu a nova discórdia entre o governo brasileiro e o mais influente jornal americano não é uma obra-prima, mas também não pode ser acusado de parcialidade. Nele são citadas frases do presidente nacional do PT, José Genoino, do chefe da Casa Civil, José Dirceu, do secretário da Comunicação, Luiz Gushiken, e dos ministros da Justiça, Márcio Thomas Bastos, e da Cultura, Gilberto Gil, além de Lula e do indignado secretário de imprensa, Ricardo Kotscho.
Este, contudo, reclamou: ‘O senhor Rohter, na verdade, parece não ter ouvido ninguém para escrever sua matéria, como é habitual em seus despachos:
limitou-se a reproduzir declarações de pessoas que se opõem ao projeto, já publicadas pela imprensa brasileira.’ Como apenas duas críticas, de um anônimo líder oposicionista e da Associação Nacional dos Magistrados, foram nela citadas, contra sete membros da cúpula governista, fica a impressão de que o autor da nota pretende estender os tentáculos do CFJ para além de nossas fronteiras."