Thursday, 14 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1314

Clóvis Rossi

‘Que há ‘denuncismo’, não é preciso ser gênio para descobrir. Mas o presidente Luiz Inácio Lula da Silva é uma das últimas pessoas no Brasil com autoridade moral para criticá-lo.

Basta lembrar um só dos muitos ‘denuncismos’ dele próprio: a afirmação de que o Congresso Nacional abrigava ‘300 picaretas’.

Trata-se de um clássico do ‘denuncismo’ em três aspectos:

1 – Em vez de ‘investigar e apurar’, como pede agora o mesmo Lula, ele lançou a acusação sem investigação alguma, sem prova alguma.

2 – Não deu nomes, com o que estendeu a suspeição a todos os parlamentares, mesmo aos que ele próprio deveria considerar inocentes.

3 – Usou um conceito que é muito popular (a crítica aos políticos), com o que se travestia de voz do povo ante os poderosos.

A denúncia do ‘denuncismo’ na boca de Lula incorre em uma segunda inconsistência, ao menos ao atribuir às ‘manchetes de jornais’ o ‘massacre’ de ‘pessoas’.

A manchete desta Folha, ontem, tratava da quebra do sigilo fiscal de banqueiros e executivos de entidades financeiras (29 no total).

Quem determinou a quebra do sigilo fiscal deles todos não foi a Folha ou qualquer outro jornal, mas o relator de uma CPI, aliás deputado (José Mentor) que pertence ao partido do presidente. Mais: apesar de se tratar de assunto de maior gravidade, o deputado não tinha na memória as razões pelas quais solicitara tão dura providência.

Há, portanto, um fato real, gerado por uma respeitável instituição republicana. Se é fato, não é ‘denuncismo’, por definição. Não divulgar o fato é que seria crime de lesa-leitor. Causa problemas para os atingidos? Causa, claro. Mas o problema foi criado pela determinação da CPI. A manchete do jornal é o espelho. Quebrá-lo não mudaria a realidade que o espelho mostra.

O diabo é que todo governo, inclusive o do PT, gosta de quebrar espelhos em vez de tratar de modificar a realidade que eles mostram.’



Eliane Cantanhêde

‘Futricas’, copyright Folha de S. Paulo, 5/08/04

‘O que Zé Dirceu fez, Antonio Palocci agora tem de desfazer. E a duríssimas penas. Foi a Casa Civil que centralizou as escolhas a dedo dos petistas que compõem vice-presidências, diretorias, gerências e presidências da Previ, da Cassi, da Fundação BB. Que aparelhou o BB, enfim. Mas, quando os efeitos começam a aparecer em financiamentos mal-explicados de shows para angariar fundos ostensivamente para o PT, quem tem de apagar o incêndio é o ministro da Fazenda. Na semana passada, que tinha tudo para ser uma das mais tranqüilas do ano, Lula estava na África, Dirceu, em Cuba, e o coordenador político, Aldo Rebelo, na China. O mundo desabou. E quem definiu a estratégia de segurar Henrique Meirelles no Banco Central e Cássio Casseb no Banco do Brasil foi Palocci. Os dois são ‘homens de mercado’, atuaram durante muitos anos como executivos pagos a peso de ouro em instituições financeiras até internacionais e suspeitos de sonegação fiscal. Segundo a revista ‘Isto É’, Casseb tem contas em paraísos fiscais (obviamente não declaradas). Palocci, porém, reagiu como o frio e pragmático político que se revelou sobretudo no comando da política econômica. Convenceu Lula e Dirceu de que, dos males, o menor. Ou seja, é melhor segurar o tranco das denúncias e deixar a poeira baixar do que ver o BC e o BB caindo como castelos de cartas. Entre o ‘constrangimento’ de conviver com as denúncias e o ‘escândalo’ político que seria a queda dos dois presidentes, o governo preferiu ficar com o primeiro. Há dois temores: que ninguém explique nada convincentemente e que novas contas, fatos, histórias continuem surgindo no noticiário. Cadáveres insepultos são de assombrar qualquer governo.

Sabe o que a diretoria do BB analisava ontem? O patrocínio de um encontro internacional sobre… lavagem de dinheiro. Oportuno.’



Eduardo Scolese e Julia Duailibi

‘‘Intriga’ não vai barrar progresso, diz Lula’, copyright Folha de S. Paulo, 6/08/04

‘O presidente Luiz Inácio Lula da Silva atacou ontem a oposição ao afirmar não haver ‘intrigas’, ‘futricas’ e ‘eleição’ que possam impedir o desenvolvimento do país.

Seguiu a mesma linha de discurso adotada pelo ministro José Dirceu, anteontem, que deu um cunho eleitoral às denúncias que envolvem os presidentes do Banco Central, Henrique Meirelles, e do Banco do Brasil, Cássio Casseb.

A expressão ‘futrica’, dita pelo presidente ontem pela manhã, no Planalto, na abertura de reunião do Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social, foi usada em 15 de março de 2002 pelo ex-presidente Fernando Henrique Cardoso. Na ocasião, o tucano queixou-se de ‘tricas e futricas’ em referência à obstrução do PFL para a aprovação da CPMF.

Aos conselheiros, Lula falou por cerca de meia hora. Leu e improvisou o discurso. Disse que habitualmente vai às reuniões do conselho para ‘dar bronca’, mas que ontem estava ‘mais paz e amor do que nunca’. Assim como fizera em discursos recentes, Lula voltou a falar da necessidade de os brasileiros retomarem a ‘auto-estima’. E atacou: ‘Se todos nós formos tomados desse desejo e dessa força interior, certamente, não haverá intriga, não haverá futrica, não haverá eleição que possa brecar, frear o desenvolvimento que este país precisa e deve ter’.

Para Lula, com os indicadores de produção, emprego, exportações e renda já disponíveis ‘podemos dizer com razoável dose de consenso: o Brasil entrou na rota do desenvolvimento’. Anteontem, no Planalto, Dirceu afirmou que as denúncias contra os presidentes do BC e do BB ocorreram em razão do período eleitoral e do ‘inconformismo’ por parte da oposição diante dos sinais de avanços da economia brasileira.

No discurso, Lula aproveitou para justificar seus atritos com empresários e trabalhadores, setores representados no conselho: ‘Muitas vezes eu tenho sido duro; muitas vezes tenho cobrado pelos empresários; muitas vezes tenho sido duro com os meus companheiros trabalhadores. Mas a verdade é que não há espaço para política pequena neste momento’.

Em trecho do discurso preparado por sua assessoria, Lula afirmou que o governo está ‘avançando cada vez mais’ numa reforma agrária ‘tranqüila’ e ‘pacífica’ -o que não é confirmado por números oficiais.

Dados do Ministério do Desenvolvimento Agrário mostram que o governo Lula não cumpriu as metas de assentamentos de 2003 e do primeiro semestre deste ano e, desde o ano passado, acumula recordes de invasões de terra. ‘Eu não conheço ninguém que pense como o presidente. Eu estou morrendo de preocupação com as seguidas ondas de invasões’, afirmou Antônio Ernesto de Salvo, presidente da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil.

Hitler

Os líderes da oposição reagiram às afirmações do presidente de que eles querem tirar proveito eleitoral das acusações. ‘Esse rapaz [Cássio Casseb] e o [Henrique] Meirelles deveriam vir aqui para esganar a gente. Deveriam colocar uma barraca aqui na frente [do Senado] para limpar o nome deles, mas nesse governo tudo é pragmatismo. Estão beirando o cinismo’, disse o senador Arthur Virgílio (AM), líder do PSDB.

Sobre a declaração de que as acusações não passam de ‘futrica’, o deputado José Carlos Aleluia (BA), líder do PFL na Câmara, comparou Lula a Hitler. ‘O presidente deveria lembrar que futrica e intriga quem fazia era o PT na oposição. Nós fazemos oposição séria. Ele está usando a mesma tática que Hitler usou para mandar eliminar sumariamente os seus adversários’.

De acordo com o líder do PFL na Câmara, ‘Hitler, quando assumiu o poder, começou a desenvolver a idéia de que havia conspiração contra a economia alemã; com isso, mandou eliminar seus adversários sumariamente, através de sua polícia secreta’.’