‘O pavor de todo repórter inseguro, como é o meu caso, é o de não conseguir as informações necessárias para preparar seu texto corretamente. Pelo menos nos Estados Unidos, meu pânico é inverso: temo afogar-me na inacreditável quantidade de informações que brotam de todos os poros do gigante.
Agora, no entanto, está-se apresentado uma nova razão para pânico -e não é apenas nos Estados Unidos, mas no mundo todo (e, a bem da verdade, nem é tão recente): o ‘spin’. Vem a ser o velho (e mau) dourar a pílula, fazer algum evento parecer mais favorável do que de fato é.
Exemplos concretos de ‘spin’, ambos aliás fracassados: o pessoal de John Kerry continuar insistindo, na TV, que era possível ganhar a Flórida quando já haviam sido apurados 90% dos votos e a vantagem de Bush mantinha-se inalterada em quatro pontos percentuais havia horas.
Exemplo 2: a inacreditável teoria de gente do PT de que foi Eduardo Suplicy quem derrotou sua ex-mulher. É ‘spin’ tupiniquim: pobre, quase ridículo.
O problema não é o ‘spin’ em si. É o fato de que ele distorce o comportamento das fontes de informação. Antes, especialmente nos EUA, sempre havia alguém disposto a conversar com os jornalistas ou ‘off the records’ (sem que seu nome aparecesse) ou ‘background’ (apenas para informação do repórter).
Esse pessoal era movido, em geral, pela noção de ‘accountability’, ou seja, a compreensão de que políticos devem prestar contas ao público, sendo os jornalistas meros intermediários entre uns e outros (se honestos ou não, é outra discussão, que não cabe aqui e agora).
Com a disseminação do ‘spin’, a prestação de contas já vem enviesada e se torna muito mais complicado chegar ao xis da questão, seja qual for a questão.
O que o leitor tem a ver com isso? Tudo: no fim das contas, é ele o destinatário tanto da ‘accountability’ como do ‘spin’ e, portanto, tem, como o repórter, de navegar em águas nem sempre cristalinas.’
Ana Maria Bahiana
‘As duas Américas’, copyright Comunique-se (www.comuniquese.com.br), 4/11/04
‘(Antes de começar, um esclarecimento para acalmar os que facilmente se ofendem: a palavra ‘caipira’ está sendo empregada, aqui, em seu sentido metafórico, significando um estado de espírito de estreiteza, imobilidade e desconfiança que não tem necessariamente a ver com o local onde uma pessoa habita.)
E no fim tudo se resume ao Ohio, como nos anos 60, como na canção de Neil Young.
O paralelo é extraordinariamente exato: como há mais de três décadas uma guerra dúbia está polarizando os Estados Unidos, mostrando ao mundo as máscaras arquetípicas de suas duas faces.
De um lado, a nação de uma nova intelectualidade, de Thomas Jefferson, de John Coltrane, Robert Johnson, John Kennedy, Martin Luther King, Jackson Pollock, jazz, blues e rock ‘n roll, a nação que sonhou na realidade os ideais da Revolução Francesa, que projetou um país de liberdades individuais intocáveis. De outro lado, um país de caipiras carolas, movido essencialmente a medo: medo de terrorismo, medo de inimigos reais e imaginários, medo de gays, imigrantes, minorias raciais, medo dos ‘liberais’, dos ‘intelectuais’, do que é diferente, do que não é como eles mesmos. Pintores abstratos e cowboys. Improvisadores geniais e tropas imperiais. A guitarra e a arma de fogo. Todos são os Estados Unidos, todos povoam nossas memórias coletivas e todos têm um peso sobre nossas escolhas, inclusive e principalmente as culturais.
Quando escrevo este texto, os resultados das urnas de Ohio, Novo México e Iowa ainda estão indefinidos. Minha Califórnia fez o que devia, votou democrata apesar de seu governador, e nos meus momentos mais otimistas sonho que meu voto, enviado in absentia aqui do Brasil, contou para garantir esta vitória.
Fora isso, não sou muito mais otimista. Se estas eleições forem para o tapetão, os repulicanos ganham. Eles são muito melhores nisso, diabolicamente simples, eficientes e certeiros em sua obstinação (leia um excelente artigo da Slate sobre a perversa simplicidade republicana e como ela espelha os traços mais básicos os EUA conservador:. (Simple but Effective – Why you keep losing to… )
E mesmo que não chegue a isso, uma olhada no mapa eleitoral (voce pode vê-lo aqui: Los Angeles Times – latimes.com) cristaliza o que conheço muito bem: um estranho continente com três costas – o norte do Atlântico, o Pacífico e o redor dos Grandes Lagos, na fronteira com o Canadá – habitadas pela primeira nação que descrevi, a América Bonita. E, entre elas, um enorme bolsão daquele outro país, a América Feia.
Há quem acredite que as duas não são muito diferentes. Sinto muito: são, sim. E as faíscas dessa fulgurante contradição nos iluminam todos os dias.
Há apenas uma vantagem na vitória de Bush: a cultura americana vai ficar muito melhor. Nada como uma sacudidela dessas, nada como a pressão do salto da bota de um capira carola instalado na Casa Branca por mais quatro anos, nada como uma guerra feia, suja e despropositada para acordar a outra face, que dormia confortavelmente na complacência dos anos Clinton.
Para quem não viveu a era Vietnã (e eu me incluo nessa categoria), é um experimento interessantíssimo: até que ponto as semelhanças se manterão? Qual será o impacto de novos fatores, como a Internet e a digitalização da informação? Que novos interesses comuns criarão os mais eficientes pontos de resistência e oposição?
Lembrem-se de que foi sob a sombra da América Feia , do macartismo a Nixon, que se produziram as contribuições americanas à cultura contemporânea mais vitais e duradouras. Alguma coisa em nosso espírito pós-século 20 parece só ser capaz de voar realmente alto quando confrontado com a boca negra do abismo. Esperemos a revoada.’
Mario Lima Cavalcanti
‘Weblogs em épocas de eleição’, copyright Comunique-se (www.comuniquese.com.br), 5/11/04
‘Mesmo antes do término das eleições presidenciais norte-americanas, muitas publicações especializadas na análise da mídia começaram a postar balanços e opiniões sobre o desempenho de veículos que cobriram o evento.
Numa dessas análises, Steve Yelvington, blogueiro do E-Media Tidbits, alertou para uma lição que os weblogs especializados em política estão aprendendo e que consagrados sites de notícias já aprenderam nas últimas duas eleições presidenciais: se preparar para o grande tráfego que sempre ocorre por conseqüência de grandes eventos e não construir páginas de forma dinâmica. Principalmente em épocas de contagem de votos, os resultados mudam rapidamente.
Segundo Yelvington, nesta terça-feira, o tráfego parece ter derrubado um certo número de blogs políticos. O Wonkette, um desses weblogs, por exemplo, teve tanto acesso que deu um certo trabalho ao Hosting Matters, empresa que hospeda diversos blogs. Os weblogs hospedados afetados foram justos aqueles que cobriram as eleições, e incluiu também blogs não políticos, como o Buzzmachine, do jornalista Jeff Jarvis.
Blogs do ‘mainstream’
Editor do Poynter.org e também blogueiro do E-Media Tidbits, o jornalista Steve Outing alerta para outro fator importante para os weblogs que pensam em cobrir eventos de peso. E isto vale principalmente para os weblogs pertencentes aos grandes conglomerados de mídia. No caso das eleições, Outing sugere que o que sites de notícias podem fazer hoje é criar weblogs coletivos, onde os especializados em política vão poder postar seus pontos de vista, assim como notícias.
A meu ver, essa proposta, apesar de esbarrar com um possível dinamismo prejudicial, é muito boa, pois reúne em um só local opiniões dos especialistas da publicação e incentiva a participação dos leitores com comentários.
Outing cita como exemplo o ‘group blog’ Election Day 2004 criado pelo Milwaukee Journal-Sentinel. O weblog é atualizado várias vezes ao dia com um mix de notícias, notas curtas e opiniões. Dirigido por uma pessoa, conta com a participação de vários repórteres especializados.’