Thursday, 19 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1318

Código da Vinci e insegurança
paulista dominam o noticiário


Leia abaixo os textos de segunda-feira selecionados para a seção Entre Aspas.


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Folha de S. Paulo


Segunda-feira, 22 de maio de 2006


SP SOB ATAQUE
Nelson Ascher


A luta de classes em Sampa


‘O CRIME, como se sabe, resulta da desigualdade. Uma vez que há muitas espécies de desigualdade, talvez valha a pena investigar quais seriam as mais ‘criminogênicas’.


Pois, se é verdade que alguns possuem mais disso ou daquilo e alguns, menos, salta aos olhos que uma das grandes desigualdades sociais é a da posse de armas. Os delinqüentes têm mais do que os cidadãos comuns e, provavelmente, mais (e melhores) do que a polícia. Armas são máquinas e, para os facínoras, além de simples propriedade privada, são bens de capital.


O virtual controle criminoso dos meios de produção de cadáveres é a desigualdade que se encontra na base de seu negócio. Elite ascendente que são, os celerados se beneficiam, como outrora a aristocracia, de dois códigos legais diferentes.


Existe um que, incluindo de fato a pena capital, propicia-lhes ampla liberdade de ação. (A despeito das ilusões de ótica, a pena de morte é aplicada liberalmente no Brasil: quem desafie ou cruze o caminho do PCC saberá disso, se bem que por pouco tempo.).


O outro código foi como que talhado sob medida para, com a desculpa esfarrapada de circunscrever uma ‘civilização’ que apenas seus advogados auto-selecionados sabem o que é, impedir a sociedade de se proteger.


Como foi que, demograficamente minoritários, os facínoras impuseram condições que os favorecem? Tal qual as demais vanguardas revolucionárias através da história, eles contam com uma organização superior e uma ideologia que serve a seus interesses. O crime organizado nada mais faz que seguir os passos dos antigos opressores: nobres feudais, mercadores, barões de indústria, burocratas estatais.


A história da humanidade é, decerto, a da luta de classes e, no mundo inteiro, sob nomes distintos, ocultando-se com sua retórica atrás de causas (esquerdistas, direitistas, confessionais, n.d.a.) enganosamente justas, os criminosos estão agora se convertendo numa nova classe dominante.


Nossos observadores esclarecidos andaram ditando aos concidadãos o que fazer ou deixar de fazer. Segundo eles, nunca se deve ceder ao medo, por mais adequado que este seja.


Tolamente, ao não lhes dar ouvidos, a população recorreu à greve geral. Ocorre que a greve só é ‘legítima’ se desencadeada por minorias com o intuito de chantagear a maioria. Caso se interrompa o trânsito da cidade e se promova um quebra-quebra, tanto melhor. Extrair privilégios setoriais é bom; zelar pela própria vida, ruim. E os cidadãos que protestam ou param, exigindo condições decentes de segurança, agem, como afirmaram os analistas, reacionária ou covardemente. Requer-se deles que sejam heróicos, apesar de o Galileu brechtiano ter lamentado a sorte de uma nação que precise de heróis.


O presidente, por seu turno, propôs, à guisa de solução, a construção de escolas em vez de presídios. Boa idéia. Afinal, o próprio PCC vem investindo em educação e, com mais escolas, teremos no futuro delinqüentes mais informados, preparados e eficazes. O que é um batedor de carteira analfabeto perto de um assaltante pós-graduado? Já os colegas de nosso amado líder (Chávez, Morales, Fidel) gostarão de saber que, depois de depostos, o que os aguarda é não a prisão, mas a sala de aula. Não fosse Lula quem é, conviria, no entanto, pressupor que nem ele ignora dispormos de um sistema educacional capaz de emburrecer até os celerados.


A proposta mais brilhante partiu, contudo, de onde se esperava e foi a seguinte: dado que, detendo o monopólio da violência real, os criminosos desejam se apropriar dos bens do resto da população, por que não converter seus objetivos em programa de governo? Apoiado na desculpa falida do igualitarismo, o Estado poderia, portanto, roubar o que os cidadãos possuem.


Brecht, que um dia indagou ‘o que é assaltar um banco comparado a abrir um banco?’, hoje perguntaria: ‘O que é abrir um banco comparado a formular uma ideologia, fundar um partido e tomar o poder?’ Quanto a nós, pobres mortais covardes, resta-nos somente torcer para que o sucesso do PCC estimule a concorrência de modo a que, no futuro, possamos ao menos optar entre o PCC, o PCCB, o PCC do B e assim por diante.’


CRÔNICA
Carlos Heitor Cony


Assunto sem assunto


‘RIO DE JANEIRO – Abro o notebook para a crônica diária e descubro que estou sem assunto.


Li os jornais, tiro os noves fora e não desencavo um tema que valha a pena, embora não use mais pena, mas, como disse acima, um notebook de geração jovem.


Deve ser crise passageira que se prolonga há alguns anos -desde que comecei a escrever, no século passado. Especializei-me na falta de assunto. No fundo, não deixa de ser um assunto, por acaso muito bom.


Falar mal de Bush, de Chávez, da Bolívia, do Lula (falar bem dá no mesmo, não mudaria Bush, nem Chávez, nem a Bolívia nem muito menos o Lula); o cavalo que foi trocado pelo Acre, a onda de violência que explodiu em São Paulo; espinafrar o Freud, que estaria fazendo 150 anos (nunca dei bola para ele e não daria agora); alertar sobre o otimismo em relação à Copa do Mundo que vem por aí.


Nada disso me emociona.


Pior mesmo é pensar na sucessão presidencial e tirar conclusões metafísicas sobre a reeleição de Lula e a recusa do PMDB em ter candidato próprio. São assuntos que saturam o saco de todos, embora nem todos percebam que estão com os respectivos sacos saturados.


Uso o ‘saturado’ para evitar o ‘cheio’. Outro dia, falei em ‘saco cheio’ e fui advertido por uma leitora -eu estava usando imagens vulgares. Daí que mudei o adjetivo, preservando o saco, o substantivo é o que importa.


Peguei um jornal e tentei ler a notícia de uma licitação, na certa catimbada, cheia de códigos legais. Deve ter mutretas as mais variadas, que podem dar bolo, segundo o rodar da carruagem e dos instintos investigativos da mídia.


Taí. Poderia ter encontrado um assunto, mas é tarde: o assunto e o espaço acabaram.’


IMPRENSA LIVRE ATACADA
Adriana Chaves


Para editor-chefe, denúncias motivaram ataque ao jornal


‘O editor-chefe do ‘Imprensa Livre’, Igor Veltman, 48, relacionou o ataque à gráfica e à redação do jornal, sofrido na madrugada da última quinta, em São Sebastião (litoral norte de SP), a denúncias veiculadas nos últimos meses de supostas irregularidades envolvendo a administração municipal.


Veltman voltou a descartar que o ataque tenha sido feito por integrantes da facção criminosa PCC.


Na ação, ao menos três homens encapuzados e armados destruíram parte da edição e queimaram uma das máquinas de impressão.


Outro lado


A Prefeitura de São Sebastião informou que não se manifestará em relação às declarações do editor-chefe do jornal ‘Imprensa Livre’. Segundo a assessoria, o editor está ‘jogando no campo das suposições, de forma leviana, e reforçando sua característica de jornal de oposição’.’


TODA MÍDIA
Nelson de Sá


Arma política


‘Na segunda manchete do ‘JN’ de sábado:


– Depois da crise, a arte: São Paulo tem 24 horas de espetáculos na Virada Cultural…


Para o ‘JN’, ‘um grito contra a violência’. Também na primeira manchete do ‘SBT Brasil’:


– São Paulo tenta vencer o medo com uma arma poderosa, a arte: uma Virada Cultural…


Foi assim do ‘SPTV’ à Jovem Pan. Pouco importou Tom Zé avisar, segundo o site Vermelho, que ‘a classe artística, que não começou esta guerra’, não devia ser usada como instrumento.


Do compositor de ‘São São Paulo’:


– O governo simplesmente quer botar a gente como isca, para ajudar a resolver o problema dele.


Fim de domingo e, após a semana de silêncio notada até por Lúcia Hippólito, da CBN, o ex-prefeito José Serra apareceu para dizer nos sites que a Virada foi uma ‘reação’ de São Paulo:


– A cidade pertence às pessoas, não aos bandidos.


Segundo a Jovem Pan, ele ‘criticou o uso da onda de violência como arma política’.


Para registro, o principal destaque na Folha Online para o evento:


– Fora do centro, medo esvazia a Virada Cultural.


Em Guaianazes, zona leste, o paulistano foi ‘mais cedo para casa’. Em Campo Limpo, zona sul, ‘shows da noite e madrugada foram desmarcados por decisão do subprefeito, junto com a PM’.


Para o ‘Fantástico’, por outro lado, ‘depois de se esconder, paulistano volta às ruas para dançar e cantar’.


OS CORPOS


De um lado se saúda ‘a arte’, de outro se contam os mortos, no Instituto Médico Legal. Na manchete da Folha Online, quase o dia todo, ‘Defensoria Pública monitora trabalho de legistas’. Os corpos continuam chegando. Num registro da Globo News, ‘na região norte de São Paulo, três homens trocaram tiros com a polícia e morreram’.


No site Carta Maior, rios de sangue. No Nomínimo, o blog de Xico Sá postou às 9h: Quem mora nos arredores do IML já reclama do mau cheiro que exala do prédio onde se despejaram as 152 vítimas.


NA DOUTOR ARNALDO


Segundo o ‘Washington Post’ de domingo, ‘a polícia respondeu em gênero, lançando duas noites de incursões através da cidade’. Noites em que, ‘irritados e humilhados pelos levantes, os policiais perambularam pelos bairros com suas armas desembainhadas, matando mais de 100’. O ‘Le Monde’ relatou, na mesma direção, que ‘a avenida Paulista recuperou sua animação, mas no IML, na avenida Doutor Arnaldo, os cadáveres de ‘suspeitos’ se acumulam’. O espanhol ‘El País’ fez o mesmo sob o enunciado ‘Polícia de SP acusada de lançar represálias contra a população’.


OUTROS ÁRABES


Entra e sai semana e jornais ao norte saúdam o etanol e o Brasil como as alternativas para o petróleo.


Ontem a pressão chegou às montadoras. ‘The Observer’ e ‘Washington Post’ deram longas reportagens de teste com veículos ‘flex’ da GM brasileira, em Indaiatuba. Em meio aos elogios, o segundo cobrou, da GM americana, a abertura de importação dos modelos brasileiros.


De quebra, o ‘WP’ noticiou que, em Iowa, os produtores de etanol de milho, animados, já se dizem ‘os árabes do Meio-Oeste’.


GOOGLE ENTRE NÓS


Noticiada pelo ‘Valor’, a ameaça do Ministério Público Federal de ‘requisitar a desconstituição’ do Google no Brasil ecoou pela blogosfera. Até nos EUA, segundo o blog de Tiago Dória. Entre outros, deram destaque o ValleyMag, de fofocas do Vale do Silício, Google Blogoscoped e Search Engine Watch -segundo o qual o Google não tem mesmo sorte no Brasil.


Em tempo, a ameaça do MPF se deve à resistência do serviço em quebrar o ‘sigilo telemático’ de criadores de páginas ilegais no Orkut. Na China foi bem diferente.’


TELEVISÃO
Daniel Castro


Ignorância digital frustra sorteio da Globo


‘Há um mês no ar, a promoção ‘Seleção do Faustão’, promovida pela Globo, já atingiu a casa das 10 milhões de ligações telefônicas, mas esse número ainda está longe da meta da emissora, que pretende chegar a 40 milhões até o fim da Copa.


A Globo detectou que o principal obstáculo para o sucesso de seu telessorteio é o ‘analfabetismo digital’. É que, para participar dos sorteios pela TV e concorrer a 2.006 prêmios (pagando R$ 4 mais impostos), o telespectador tem de mandar uma mensagem curta de texto (SMS) pelo telefone celular. A Globo constatou que a grande maioria dos usuários de celular não sabe fazer isso.


A emissora tem feito uma divulgação maciça da promoção, com sorteios apresentados por Fausto Silva nos intervalos do horário nobre, todos os dias. A Globo até se esforçou em ensinar o usuário a mandar SMS (o que teria utilidade pública), mas a variedade de modelos de telefones e os diferentes tipos de confecção de mensagens dificultam ações mais didáticas.


Mesmo assim, o tráfego de mensagens via celular teria aumentado 80% no último mês graças à campanha da Globo.


A ‘Seleção do Faustão’ é uma reedição dentro das normas legais dos telessorteios via 0900, proibidos pela Justiça em 1998. Mas participar dela não é tão simples como no 0900 (no qual bastava digitar números em telefones fixos). O objetivo da promoção é aumentar as receitas da Globo com a Copa do Mundo.


OUTRO CANAL


Agora é guerra


Os recentes ataques do PCC assustaram as redações das TVs. Na última sexta, chegaram à Band oito coletes à prova de bala, iguais aos da polícia, para serem usados pelos jornalistas que cobrem violência nas ruas.


Batviatura


Já a Globo está reforçando sua frota de carros blindados à disposição de jornalistas.


Pegadinha 1


Há uma nova armadilha eletrônica na praça. Na última quinta-feira, começou a circular um e-mail ‘incentivando’ telespectadores a se inscreverem em todos os quadros do ‘Caldeirão do Huck’.


Pegadinha 2


O e-mail é falso e leva a páginas inseguras na internet. O programa da Globo não usa e-mails para atrair personagens.


Nocaute 1


Autor de ‘Belíssima’, Silvio de Abreu só concluiu sábado o capítulo que vai ao ar hoje. Teve de arranjar uma solução urgente para o desaparecimento de Seu Quiqui (Serafim Gonzalez), justamente numa semana importante para o personagem.


Nocaute 2


O ator, de 72 anos, está internado desde a semana passada, tratando de uma infecção pulmonar. Deve ter alta na quarta.


Nocaute 3


Originalmente, Quiqui sumiria após revelar pontos sobre o cadáver de Valdete (Leona Cavalli) estar no túmulo de Bia (Fernanda Montenegro). Agora, ele desaparece antes. Para justificar o sumiço, Gonzalez grava hoje, no hospital, o áudio de uma discussão por telefone com André (Marcello Antony).’


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O Estado de S. Paulo


Segunda-feira, 22 de maio de 2006


SP SOB ATAQUE
Editorial


Sabem e não agem?!


‘A divulgação parcial do depoimento secreto que deram na quarta-feira à CPI do Tráfico de Armas, o diretor do Departamento Estadual de Investigações sobre o Crime Organizado (Deic), Godofredo Bittencourt Filho, e o delegado Ruy Ferraz Fontes, deixou surpreendentemente claro pelo menos um ponto no vasto e sangrento confronto entre as forças de segurança do Estado e o crime organizado. Ao contrário do que muitos supunham, não foi a deficiência dos serviços policiais de inteligência que levou a esse trágico estado de coisas, visto que os órgãos incumbidos da segurança pública acompanharam, em pormenores, o crescimento, o aperfeiçoamento organizacional e a sofisticação do modus operandi de facções criminosas, como o PCC. Na verdade, aqueles depoentes deram informações sobre o funcionamento da entidade delinqüencial com uma riqueza de detalhes, de fato, impressionante.


O diretor e o delegado admitiram que o PCC se espalhou pelo País por um erro cometido pelo governo de São Paulo, que ‘transferiu os bandidos mais perigosos’ do grupo para prisões de outros Estados, plantando assim a ‘sementinha’ da organização pelo País afora. Confessou Ferraz que ‘está muito difícil desmontar essa estrutura’. Vejamos que estrutura é esta: o PCC é composto de um formidável exército de 140 mil filiados nos presídios e mais 500 mil (ou mais) do lado de fora, incluindo os parentes. Arrecada do tráfico em diversos pontos-de-venda de drogas, R$ 550,00 de seus sócios ou associados que estão na rua e R$ 50,00 de quem está na cadeia. Segundo dados de oito meses atrás (obtidos com a prisão de seu tesoureiro) sua receita bruta mensal seria de R$ 750 mil – parte destinada a empréstimos e financiamento de assaltos de grupos filiados ao ‘partido’.


A contabilidade da facção criminosa é perfeita, segundo aqueles agentes da polícia: nela estão registrados, por exemplo, os empréstimos, o roubo a que se destinam, o valor da quitação destes – com juros e correção monetária – e mais, o pagamento dos ônibus para as visitas, o custeio das armas compradas (com especificação da arma e do nome de quem a detém), etc. É por isso que o delegado demonstra o maior desânimo: ‘A organização é muito séria mesmo e a tendência é crescer, porque a gente acaba não tendo como, não conseguindo atingir o objetivo principal, que é desmontá-la.’


Explicando a estrutura da organização do PCC, o delegado afirmou que seu principal líder, Marcos Willians Herbas Camacho, o Marcola, elegeu um representante em cada região de São Paulo, passando a ter poder sobre ela. A capital foi dividida em quatro áreas de influência, numa descentralização que dá poderes ao representante para decidir sobre tudo o que ocorre em sua área. Determina, por exemplo, de quem é ou como vão ser comercializadas as drogas, qual a parte que cabe ao PCC em cada crime, incumbe seus representantes da arrecadação e da administração da tesouraria (para não facilitar o trabalho da polícia em perseguir uma tesouraria única, como antes).


O diretor do Deic afirmou que mais de 70% das extorsões mediante seqüestro, em São Paulo, são comandadas da cadeia, pelo celular. ‘Nós temos uma luta muito grande com as operadoras para que isso (uso de celulares) não venha a ocorrer. Não estamos conseguindo êxito nisso.’ Disse ele que os aparelhos chegam às penitenciárias pelos advogados e parentes dos presos – e em outro tópico afiança que são os advogados (e não os celulares) o elo principal de transmissão de informações, nas operações comandadas pela facção criminosa.


O que mais causa perplexidade é o sentimento de impotência revelado pelas autoridades incumbidas de combater o crime organizado, pois, apesar de tudo (ou quase tudo) saberem sobre o funcionamento deste – o que desmente a hipótese de o problema maior ser a deficiência do setor da inteligência policial – , algo misterioso parece impedi-los de agir, de traçar planos consistentes de desmantelamento do estado-maior das quadrilhas. Falta de recursos humanos, materiais, tecnológicos? Falta de competência administrativa de comando? Falta da famosa ‘vontade política’? Ou falta de tudo isso e muito mais? A descoberta das verdadeiras carências nessa área é condição para evitar novas tragédias.’


Ricardo Anderaos


Pânico em SP


‘Às 2 da manhã do sábado, 13 de maio, o telefone tocou na casa daquele bombeiro. Os ataques do PCC haviam começado horas antes. Os oficiais das forças de segurança pública do Estado estavam sendo chamados às pressas para os quartéis.


A esposa pediu explicações. Ele deu um beijo nas crianças. Antes de sair, o telefone tocou de novo: ele não devia sair de casa de jeito nenhum.


‘Por que a mudança?’, perguntou. Os bandidos anteciparam os movimentos da polícia. Sabiam que, após os primeiros ataques, haveria uma convocação geral. Ficaram de tocaia nas redondezas de alguns quartéis e abateram como moscas os militares que corriam para atender o chamado.


O amadorismo foi a marca da atuação dos órgãos públicos nessa crise. Já o PCC foi superprofissional e eficiente. A começar pela espionagem no Congresso Nacional. Parece piada o chefe de uma organização criminosa receber, no interior de uma prisão, um CD com o depoimento do Diretor de Investigações sobre o Crime Organizado numa CPI sobre o tráfico de armas.


Mas o PCC se superou mesmo foi na utilização de tecnologias modernas e baratas. Sua principal arma não foram revólveres nem coquetéis molotov, mas telefones pré-pagos.


Às 10 da manhã da segunda, dia 15, eu chegava a São Paulo pela Marginal do Tietê, vindo de Ilhabela. O trânsito estava carregado como de costume. De repente, cinco viaturas da PM passaram zunindo entre as fileiras de carros.


Menos de 50 metros adiante pararam e fecharam a via. Uns 20 policiais desceram e vieram correndo entre os carros, armas em punho, apontando para tudo e para todos.


Tive vontade de abaixar para me proteger, mas pensei que algum guarda poderia achar que eu ia pegar uma arma. Fiquei duro no banco.


Os policiais arrancam alguns motoristas de dentro de seus carros. As revistas foram truculentas. Depois de dez minutos sob a mira das armas, fomos autorizados a prosseguir.


Ao longo dessa segunda-feira fatídica, ações policiais espalhafatosas e muitas vezes inócuas se multiplicaram pela cidade. A irresponsabilidade de alguns órgãos de imprensa completou o quadro.


O resultado foi a histeria coletiva. O sistema telefônico não agüentou o tranco. Até a internet ficou lenta. As pessoas abandonaram seus escritórios e escolas ao mesmo tempo, entupindo as ruas no meio da tarde. Ficou todo mundo atolado no pior congestionamento da história da cidade. Se houvesse real perigo de ataques, essa seria a coisa mais estúpida a fazer.


Todos esses acontecimentos foram previstos em 1982, com impressionante nível de detalhe, pela banda punk Inocentes. Naquela época eu tinha 20 anos, comprava minhas roupas de milico na Avenida Tiradentes e dançava me jogando contra outros iguais numa casa noturna chamada Napalm. Abaixo, reproduzo o hit da época, a canção profética intitulada Pânico em SP:


As sirenes tocaram / As rádios avisaram / Que era pra correr / As pessoas assustadas / mal informadas / Puseram a fugir… sem saber por que / Pânico em SP, pânico em SP, pânico em SP.


O jornal, a rádio, a televisão / Todos os meios de comunicação / Neles estavam estampados / O rosto de medo da população / Pânico em SP, pânico em SP, pânico em SP.


Chamaram os bombeiros / Chamaram o Exército / Chamaram a Polícia Militar / Todos armados / até os dentes / Todos prontos para atirar / havia o quê / Pânico em SP, pânico em SP, pânico em SP/


Mas o que eles não sabiam / Aliás o que ninguém sabia / Era o que estava acontecendo / Ou que realmente acontecia / Pânico em SP, pânico em SP, pânico em SP.’


IGREJA vs. DA VINCI
Maev Kennedy


O autor que contestou Dan Brown


‘THE GUARDIAN LONDRES – Michael Baigent carregará uma cruz pelo resto da vida com inscrição dizendo: ‘O homem que processou Dan Brown – e perdeu.’ O extraordinário é sua animação. Está cansado do trabalho de promoção editorial. Acaba de voltar da Alemanha e da terceira visita aos Estados Unidos em um mês e está a caminho da Irlanda para promover o novo livro, The Jesus Papers (Os documentos de Jesus). Mesmo assim, Baigent é quase irreconhecível aos olhos de qualquer um que o tenha visto numa tormentosa semana de março na Alta Corte de Londres. Há uma alegria em seus olhos, um riso inesperado quando ele recorda seus dias de juventude na Nova Zelândia – onde nasceu em 1948 – como o pior caminhoneiro do mundo. Ao contrário das reportagens sobre sua derrota, ele não teve de vender sua bela casa em Winchester, Inglaterra.


O caso virou um circo internacional por causa das aparições diárias do recluso Dan Brown no tribunal. Outro aspecto pitoresco era que Baigent e Richard Leigh, co-autores (com Henry Lincoln, que não fez parte da ação judicial) de O Santo Graal e a Linhagem Sagrada,na verdade processavam não Brown, e sim seus próprios editores, por violação de direitos autorais. Depois de uma série de aquisições no setor editorial, a Random House ficou com O Santo Graal – e mais oito livros de Baigent – e também com o fenômeno mundial O Código Da Vinci, o livro, camiseta, livro falado e filme de Hollywood. Ambos os livros – um supostamente factual, o outro supostamente ficcional, separados por 20 anos – apóiam-se na trama segundo a qual Cristo se casou com Maria Madalena e teve pelo menos um filho com ela, verdade suprimida pela Igreja Católica.


Baigent foi interrogado por John Baldwin, advogado da Random, por quase uma semana. Um homem sendo esfolado vivo. Dia após dia, Baigent parecia mais fraco e pálido, buscando as respostas em silêncios angustiantes. Numa ocasião, quando teve de apontar num trecho de O Código Da Vinci quais palavras comprovavam o plágio de seu livro, o silêncio durou dois minutos e 30 segundos.


Parecia que Baigent estava num filme de horror. Ele enfim suspirou e olhou para o juiz: ‘Você está certo. Não está aqui.’ O parecer final do juiz Peter Smith foi tão brutal para Baigent quanto o julgamento: ‘O senhor Baigent era uma testemunha fraca. Estas são as palavras do seu advogado. Suas evidências foram completamente destruídas.’ Baigent lembra esses momentos com um calafrio: ‘Foi uma das piores experiências de minha vida. Esperava que fosse difícil, mas não estava preparado para a intensidade, a ferocidade e o caráter pessoal do ataque. Houve dias em que tive de lutar contra o impulso de sair do tribunal.’ O custo para Baigent e Richard Leigh – todas as suas despesas legais e 80% das despesas da riquíssima Random House – é de 1,8 milhão de libras esterlinas (cerca de US$ 3,4 milhões). Os dois tentam transformar ativos em dinheiro para fazer o primeiro pagamento de US$ 650 mil.


Por que, em nome dos triângulos místicos formados pelo cálice e a espada, eles fizeram isso? ‘Porque tínhamos de fazer. Parecia um caso simples.


Nunca planejamos ir ao tribunal. Pensamos que apontaríamos algo que parecia óbvio, receberíamos o reconhecimento adequado de nosso trabalho e ponto final. Mas nem sequer conseguimos fazê-los falar conosco. Assim, fomos obrigados a agir. Concluímos que poderíamos arcar com isso, então tivemos de fazê-lo.’ Ele esperava que outros escritores e jornalistas concluíssem que o caso tratava dos direitos autorais de seu próprio trabalho e oferecessem apoio. O silêncio ensurdecedor o surpreendeu e entristeceu.


VELAS


‘Não tentávamos apenas tirar dinheiro de Dan Brown. E certamente não agíamos pela publicidade. Para mim, esta é a insinuação mais espantosa. Calculei que precisaria vender mais 9 milhões de cópias de O Santo Graal para pagar as despesas legais – uma publicidade muito cara.


Mas o que os escritores ganham com seu trabalho além dos direitos autorais? Estávamos muito bem – não tanto quanto Dan Brown, mas muito bem – e poderíamos enfrentar uma das maiores editoras do mundo. Acredito que a proteção de todos os escritores foi gravemente enfraquecida, pelo menos na Grã-Bretanha, por este julgamento. Se tivéssemos de fazer tudo de novo, tomaríamos a mesma decisão.’ Como seria de se esperar, The Jesus Papers tem uma nova editora, a Harper Collins, que deve acender velas diante de seus santos favoritos pela graça da publicidade alcançada.


Baigent fala sobre o novo livro com paixão verdadeira. Ele diz tê-lo escrito porque percebeu que, em toda sua obra anterior sobre o modo como o Cristo oficialmente sancionado pela Igreja Católica suprimiu a verdade do Cristo histórico, se esquecera de apresentar sua mensagem espiritual de paz e tolerância que, garante ele, poderia reconciliar cristãos, muçulmanos e judeus se fosse amplamente divulgada.


O livro foi muito bem recebido, insiste Baigent. Não é exatamente a impressão que se tem olhando de fora. Só a contracapa tem três ‘e se’, dois ‘o que’, dois ‘onde’ e um ‘quem’, resultando numa hipótese distante demais para muitos críticos. ‘Um livro que interessará a cultivadores de teorias de conspiração e secularistas militantes – bem, aos estúpidos que não têm amigos’, escreveu Bryan Appleyard no jornal The Sunday Times. ‘Nada neste livro merece a atenção dos adultos.’ Baigent tem sido alvo de zombaria por causa da prova que sempre lhe escapa, dos manuscritos no cofre de um banco que nunca mais são vistos de novo, das fotografias que desaparecem no Museu Britânico, do colecionador que nunca liga de volta, das duas cartas – os documentos de Jesus do título – que são postas em suas mãos mas ele não pode ler. O que os críticos deixaram passar é uma estranha qualidade elegíaca no livro, quase a de Próspero quebrando sua vara: a prova está aí, ele acredita, mas provavelmente nunca a encontrará.


O escritor está ansioso para mergulhar no próximo livro, que cobrirá o período do Renascimento até o presente e não terá nada a ver com Cristo ou Leonardo da Vinci: ‘Por Deus, espero que não.’ Enquanto isso, numa iniciativa inacreditável para quem leu o parecer do juiz, Baigent e Leigh entraram com pedido de apelação. ‘Odeio assuntos pendentes. Se não obtivermos licença para recorrer, vou parar de pensar nisso, pagar tudo o que devo à Random House e seguir com minha vida.’ A última singularidade do processo foi a mensagem em código que o juiz Peter Smith escondeu em seu parecer de 70 páginas. ‘O que era aquilo? Este veredicto pode nos custar 1,8 milhão de libras esterlinas. Foi só uma piada? Aquele era um lugar adequado para uma piada?’, indaga Baigent e cai na gargalhada.


DREADNOUGHT


O esquisito – tão esquisito que precisa da intervenção da música de Arquivo X – é que Richard Leigh entendeu tudo na hora. Tão logo o juiz mencionou que o código dizia respeito a um centenário, Leigh disse a Baigent que só podia ser Dreadnought. A mensagem secreta do juiz era: ‘Jackie Fisher, quem é você? Dreadnought’ – um tributo aparentemente arbitrário ao almirante que concebeu o primeiro grande navio de guerra, o HMS Dreadnought, lançado em 1906.


Leigh tem obsessão pela história desses navios. Numa ocasião, Baigent sofreu como um espectador mudo quando os dois se encontraram com o ator e escritor Michael Bentine. O ator e Leigh conversaram durante uma hora sobre detalhes de construção do casco do Dreadnought. ‘Nunca pensei que rebites pudessem ser tão interessantes’, disse Baigent. Coincidência? Faíscas psíquicas saltando entre juiz e querelante na sala do tribunal? E qual deles é culpado de plagiar a obsessão do outro?


TRADUÇÃO DE ALEXANDRE MOSCHELLA’


INTERNET
O Estado de S. Paulo


Blogueiros mostram um outro Iraque


‘Iraquianos viram nos blogs um meio para contar o conflito pelo ponto de vista da população. São 201 diários virtuais cadastrados no site Iraq Blog Count. Para os blogueiros, o noticiário sobre o Iraque, repleto de atentados e de disputas políticas, não estava completo.Um deles é o Baghdad Burning, que virou livro na Inglaterra e concorre ao Prêmio Literário de não-ficção Samuel Johnson.


O Baghdad Burning (http://riverbendblog.blogspot.com) é de uma iraquiana de 26 anos, apelidada de Riverbend. Ela não respondeu ao Link, mas diz no blog que o país está ‘à beira de um caos pré-planejado por milícias religiosas’.


Para Riverbend, no governo de Saddam Hussein, a maioria das pessoas não ligava se era xiita ou sunita. Em 18 de março, três anos depois do início da guerra, ela comentou que ‘ninguém imaginaria que as coisas estariam tão ruins hoje’.


A jovem escreveu que ficou confusa com a nomeação para o prêmio. ‘Penso nisso enquanto troco o jornal das gaiolas de pássaros. Espero que saibam que a pessoa que limpa sua gaiola é um indicado no Samuel Johnson’, desabafou.


Outro site que virou livro é o Where is Raed? Ele foi criado durante o regime de Saddam pelo arquiteto com pseudônimo de Salam Pax. No Brasil, chama-se O Blog de Bagdá, editado pela Companhia das Letras.


Assim como Riverbend e Salam Pax, outros iraquianos dão suas opiniões na internet. Grande parte dos 201 blogs cadastrados até a semana passada no Iraq Blog Count (http://iraqblogcount.blogspot.com) é em inglês.


Um dos nove colaboradores do site é um dentista de Bagdá. Zeyad, como quis ser chamado, também faz outro blog, o http://healingiraq.blogspot.com. Ele é escrito em inglês porque Zeyad espera ‘que as pessoas do Ocidente parem de ver como estatísticas as mortes que acontecem todos os dias’, disse em entrevista por e-mail.


O dentista contou que, antes da guerra, a internet era censurada. Agora, ‘cybercafés estão em toda esquina e custam menos de um dólar por hora’, afirmou. Comprar PCs não é difícil. Bagdá tem uma Santa Ifigênia: a rua Sina’a, que significa ‘indústria’. Zeyad acha que houve avanços desde a queda de Saddam, mas as mudanças ruins são mais graves.


Já para a blogueira e engenheira Faiza Alaraji, a situação piorou. ‘A falta de segurança tornou o país em um inferno. Queremos o exército americano fora daqui’, opinou ao Link.


Alaraji fazia um diário no início da guerra e, depois da troca de governo, colocou tudo em um blog. Hoje tem dois: o http://afamilyinbaghdad.blogspot.com e o http://faizateachesyouarabic.blogspot.com, em que ensina a falar árabe.


Às vezes, Alaraji recebe e-mails de americanos contra o blog. Um de seus três filhos foi seqüestrado no ano passado, segundo ela, por seguranças do ministro do Interior, Bayan Jabr. ‘Apaguei todos os posts em árabe. Não o soltariam se soubessem que a mãe fala mal do governo’, disse. A família se refugiou e hoje vive na Jordânia.


Outro exilado é Tai, como se identificou. Ele faz o blog http://truth-about-iraqis.blogspot.com. Para Tai, políticos iraquianos ‘têm alianças com todos, menos com o povo do Iraque’.’


Pedro Doria


A digitalização dos livros


‘Os números são os seguintes: 32 milhões de livros, 750 milhões de artigos, 25 milhões de músicas, 500 milhões de imagens, 500 mil filmes, 3 milhões de vídeos e 100 bilhões de páginas da web. Este é o tamanho do conhecimento humano, segundo os cálculos de engenheiros entrevistados pelo repórter Kevin Kelly para a revista dominical do New York Times.


Poucos mitos são mais fortes, entranhados em nossa cultura, quanto os mitos medievais. J. K. Rowling sabia disso quando encaixou a pedra filosofal no primeiro Harry Potter; Dan Brown sabia quando tascou em O Código Da Vinci uma das muitas lendas sobre a descendência de Cristo. Borges também sabia. É a pedra que faz chumbo virar ouro, a fonte da juventude, a cidade feita de ouro e a biblioteca com todos os livros do mundo. Eram ricos em sonhos impossíveis os europeus da Idade Média.


A biblioteca com todo o conhecimento não é mais tão impossível, evidentemente. Num tempo em que o conhecimento humano era bem mais modesto, tal biblioteca houve em Alexandria. Alguns de seus tomos, ainda os temos: os Diálogos de Platão, os Estudos de Pitágoras. Mas grande parte daquela coleção que pode ter encampado até 70% de todo o escrito pela humanidade se perdeu. Quanto não teve que ser redescoberto nos séculos seguintes que gregos, egípcios ou fenícios já não soubessem?


Na Universidade de Stanford, um robô com o tamanho de um carro grande escaneia e vira delicadamente páginas de livros raros para compor o banco de dados do Google. Faz isso a um ritmo de mil páginas por hora. Não é mau.


Ainda as contas de Kelly: 15% dos livros estão em domínio público; 10% estão nos catálogos de editoras e, portanto, há com quem negociar cessão de direitos – e a negociação está em rumo. O resto, ou 75% de todos os livros, estão no limbo. Fora de catálogo, órfãos de autor mas, por conta das leis de copyright, não podem ser copiados.


Todo o conhecimento humano cabe em 50 petabytes. Um prédio de dois andares armazena esses discos todos. Vai precisar de um ar condicionado potente, mas isto não é problema. Dá uns anos, cabe num iPod.


No momento em que todo o conhecimento estiver digitalizado e disponível para buscas, algo novo surgirá. É tão vasto o conhecimento que não há gênio que possa, como acontecia na Renascença, ter uma boa idéia de tudo. Então, às vezes, um mistério da medicina já estará bem encaminhado se juntar algo que alguns físicos sabem com outro algo que alguns químicos sabem. Quando tudo estiver digitalizado e pessoas começarem a fazer buscas cruzadas e a enlaçar links, o conhecimento fatalmente se expandirá.


Já vai tudo muito além do mito medieval, obviamente. Vai acontecer. A questão é só quando. E quando acontecer, algo fundamental vai mudar. O livro estará fadado a ser peça de entretenimento. Leremos romances em papel com lombada, mas o grosso há de ser digital. Não havia livros nos tempos de Alexandria – eram rolos – e quando existir a segunda grande biblioteca, quase nada será em livro.


A cada dois meses, tenho que encarar, em cima aqui da mesa, a pilha de volumes. Invariavelmente, na hora de distribuí-los pelas estantes, isso requer rearrumar prateleiras para abrir espaços. Podia tomar uma manhã, mas às vezes toma um fim de semana. É um prazer tátil o de redescobrir um volume – um prazer que tenho de ter discretamente.


Às vezes, compro livros escondido de Leila e os ponho rápido na estante para curtir um dia, de forma que ela não perceba a pilha na mesa crescendo demais. E às vezes não faço nada, só sento e vasculho com os olhos até achar um volume do qual não me lembrava.


Um dia, ainda terei um apartamento forrado de estantes como aquelas de um livro que Leila me deu, At home with books, estantes bonitas feitas para o ambiente, que acompanham escadas, dobram elegantes as quinas de parede.


Quem sofre disso, de livro, sabe que existe um tipo de prazer que a web não fornece. Mas prazeres são culturais e nascem e morrem – e nada é tão radical. Essa idéia de ter biblioteca em casa ficará obsoleta aos poucos. Espaço é cada vez mais caro e estará tudo na rede para qualquer hora.


O fascínio pela idéia da superbiblioteca, no entanto, vem com uma certa tristeza miúda que cala dentro.’


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O Globo


Segunda-feira, 22 de maio de 2006


IGREJA vs. DA VINCI
Rodrigo Fonseca


Polêmicas para esquentar uma fria presença


‘Hollywood quebrou a cara na 59 edição do Festival de Cannes, depois do frio glacial com que ‘O código Da Vinci’ foi recebido pelos críticos. Igualmente gelada tem sido a boataria em torno das primeiras exibições de ‘X-Men – O confronto final’, outro de seus potenciais blockbusters nesta temporada. No entanto, vieram da porção menos comercial do cinema americano, os únicos ventos que fizeram a temperatura da Croisette superar os 22 graus indicados pela meteorologia francesa.


Cena de filme de Friedkin provoca náuseas na platéia


Desde a abertura da mostra, na quarta-feira passada, os EUA sopraram polêmica pelo menos quatro vezes, colhendo hora adesões apaixonadas, ora frustrações. Dois desses sopros alcançaram a competição pela Palma de Ouro, com ‘Fast food nation’, de Richard Linklater, e ‘Southland tales’, de Richard Kelly – que segundo os freqüentadores habituais foi o filme que mais registrou debandada de espectadores desde ‘Dogville’, em 2003. As outras duas miraram longas-metragens fora de concurso: ‘Shortbus’, de John Cameron Mitchell, que ignorou qualquer tabu ainda existente sobre a homossexualidade e escancarou o sexo entre iguais na tela, e ‘Bug’, que veio para redimir a combalida carreira de William Friedkin, um veterano da geração de realizadores politica e socialmente engajada da década de 70, cujo currículo inclui ‘O exorcista’.


Exibido na Quinzena dos Realidores, ‘Bug’ pareceu repetir o fenômeno ‘Irreversível’ (produção exibida em Cannes em 2002) e provocou náuseas nos espectadores. As mais fortes apareceram na seqüência em que o protagonista, Peter (Michael Shannon, encarnado um combatente da guerra do Golfo atormentado pela visão de insetos em todos os lugares), arranca três de seus próprios dentes com um alicate na frente de Agnes (Ashley Judd), uma junkie que o acolhe em seu apartamento. Depois dessa descrição fica difícil de acreditar, mas ‘Bug’ é, segundo Friedkin, ‘um misto de romance e comédia, mas de humor negro’. Tenha ou não acreditado nisso, Cannes reverenciou Friedkin com os aplausos mais exaltados ouvidos até agora na Croisette. Só os de ‘Volver’, de Pedro Almodovar, tido como favorito a Palma, foram tão intensos.


– Gastei USS 4 milhões em ‘Bug’. Hoje em dia, só quero fazer filmes assim. Baratos. E que falem sobre medos irracionais – disse Friedkin ao GLOBO, antes de uma palestra sobre sua obra, consagrada com um Oscar de melhor filme por ‘Operação França’. – O que me levou a essa história que nasceu como uma peça teatral (escrita por Tracy Letts, também roteirista do longa) foi a vontade de expor como o Estado, que antes garantia segurança, hoje cultiva a paranóia, grampeando telefones e monitorando e-mails.


Se o sossego dos cidadãos dos EUA não é preservado, menos reguardada ainda é a alimentação deles. Essa é uma das questões em que Richard Linklater bate em seu ‘Fast food nation’. Baseado no best-seller de Eric Scholsser, aborda estratégias corporativas das redes de lanchonetes à la McDonald’s, exploração da força de trabalho de imigrantes mexicanos, o descaso das autoridades com as impurezas na carne bovina.


Um bizarro time de protagonistas fez de ‘Southland tales’ um filme curioso. Diretor de ‘Donnie Darko’ (2001), pequena produção que virou objeto de culto, Richard Kelly convocou o astro da luta-livre Dwayne The Rock Johnson, Sarah Michelle Gellar (a caça-vampiros do seriado ‘Buffy’), Seann William Scott (o Stiffler da série ‘American Pie’), o cineasta Kevin Smith (de ‘Procura-se Amy’), o highlander Chistopher Lambert e o galã do grupo ‘N Sync Justin Timberlake para uma história apocalíptica. Acabou confundindo a percepção dos críticos. Alguns abandonaram irritados o Palais des Festivals quando o filme vira um clipe de ‘All these things that I’ve done’ , da banda The Killers, num delírio do personagem de Timberlake. Sedutora a princípio, a história de uma Califórnia que chega a 2008 abalada por explosões atômicas se conclui mais confusa do que começou.


– Esse filme nasceu como uma colcha de idéias. A seqüência em que a canção do The Killers é tocada inteiramente foi minha forma de falar da guerra do Iraque. Quando ouvi a letra pela primeira vez, eu quase chorei. Teria gasto milhões na trilha sonora se os artistas não tivessem simpatizado com ‘Southland tales’, cobrando quantias irrisórias pelo direito autoral das musicas – disse o diretor.


Sessão concorrida


Único longa-metragem brasileiro na 59 edição do Festival de Cannes, ‘Sonhos de peixe’, produção de 350 mil dólares rodada em Baía Formosa, no Rio Grande Norte, pelo cineasta russo Kirill Mikhanovsky, teve uma das sessões mais concorridas de todo o evento. Mesmo fora da disputa pela Palma, concorrendo apenas ao prêmio Caméra d’Or (para diretores estreantes), o filme, exibido na manhã de ontem, deixou uma fila de espectadores na porta do cine Espace Miramar. Presente na exibição junto com seu protagonista, o ator não-profissional José Maria Alves (um pescador assim como seu personagem), Mikhanovsky narra no filme a realidade de uma aldeia que vive da pesca da lagosta. Mais do que uma descrição claramente neo-realista (calcada no estilo dos primeiros filmes de Luchino Visconti), a fita segue a relação amorosa entre Juscelino, um dos moradores do local, com Ana (Rubia Rafaelle).


Recém-chegados a Croisette para acompanhar as atividades brasileiras, o ministro da Cultura, Gilberto Gil, e o secretário do Audiovisual, Orlando Senna, hoje vão acompanhar a visita do presidente da seção Marché du Film, Jeróme Paillard, ao estande do Programa Cinema Brasil, que oferece apoio para que produtores e distribuidores brasileiros possam negociar filmes no mercado estrangeiro.’


EUA / LIBERDADE DE IMPRENSA
O Globo


Casa Branca tenta processar jornal


‘WASHINGTON. O procurador-geral dos EUA, Alberto Gonzales, afirmou ontem que o governo pode ter autoridade para levar à Justiça jornalistas ou empresas de comunicação que divulgarem informações secretas.


– Há alguns estatutos que, se forem lidos com cuidado, parecem indicar que existe essa possibilidade – disse Gonzales no programa ‘This Week’, da TV ABC.


O Ministério da Justiça está investigando quem revelou ao ‘New York Times’ um programa de espionagem do governo em que a Agência de Segurança Nacional tem acesso a telefonemas e e-mails de americanos sem autorização prévia, o que o jornal denunciou em dezembro. O objetivo do programa seria identificar suspeitos de terrorismo.


Críticos argumentam que o programa gera preocupações constitucionais e viola a Lei de Vigilância da Inteligência Externa, de 1978, segundo a qual é ilegal espionar cidadãos americanos nos EUA sem ‘ordens emitidas por um tribunal’. Mas o procurador-geral disse que o governo age em nome da segurança nacional e não descartou a possibilidade de processar o ‘New York Times’ e seus repórteres por divulgarem informações secretas.


– Estamos concentrados numa investigação sobre qual seria a ação apropriada nesta situação em particular, portanto não vou me referir especificamente a este ponto – afirmou. – Mas o que faremos em cada caso? Esta será uma avaliação caso a caso sobre o que nos mostram as provas e nossa interpretação da lei. Temos a obrigação de cumprir a lei e julgar os que cometem delitos.’


INTERNET
Carlos Alberto Teixeira


Todo o poder do windows live


‘Em novembro do ano passado a Microsoft anunciou seus dois novos serviços, Windows Live e Microsoft Office Live. Recentemente, nos dias 9 e 10 de maio, a empresa reuniu em seu campus em Redmond uma penca de jornalistas do mundo inteiro para apresentar em maior detalhe o Windows Live, mostrando que a gigante finalmente acordou e decidiu correr atrás do prejuízo.


Como se sabe, a internet mostrou ser um canteiro bastante fértil para iniciativas ousadas e criativas e, nesse contexto, a Microsoft acabou ficando um tanto atrasada em diversas áreas com relação à concorrência. Pressionada por abordagens agressivas de outras empresas que se tornaram fenômenos de mercado, tais como Google, Skype, Yahoo, Blogger, MySpace, Orkut, Firefox e outros, a Microsoft percebeu que se não se mexesse rapidinho, iria ficar para trás muito mais cedo do que se imaginava. No entanto, talvez este atraso tenha tido um lado benéfico para a gigante do software pois, com o pioneirismo dos concorrentes, foi possível aprender com os erros e os acertos deles. O resultado deste tardio despertar foi o anúncio dos componentes do Windows Live, um impressionante pacotão de soluções algumas das quais já lançadas em beta, outras com previsão para lançamento em breve.


Para quem ainda não sabe, o Windows Live é um conjunto de softwares e serviços pessoais utilizando a internet com o objetivo de reunir num mesmo pacote todos os relacionamentos, informações e interesses que são mais relevantes para um dado usuário. A idéia é proporcionar essa experiência num ambiente seguro, consistente e coerente, que possa ser compartilhado no PC, em dispositivos móveis e na web.


A idéia por trás do Windows Live é aproveitar este momento em que os internautas estão passando cada vez mais tempo plugados, mas muitos deles se dizem frustrados com a irritante fragmentação de suas experiências online. Até então, cada coisa estava nunca canto diferente da rede: um conjunto de informações importantes, mas acessíveis através de ferramentas distintas, com aspectos visuais diversos, ou seja, sem integração. A idéia do WL é pôr o controle de volta nas mãos do usuário, permitindo que ele escolha a melhor maneira de apresentar seus dados pessoais e sua porção do mundo virtual.


Com relação à busca e à descoberta de informações, o Windows Live oferece duas ferramentas: Live.com e Windows Live Search. O Live.com aparece como uma página quase em branco, onde você pode construir o seu ambiente online preferido, aglutinando todos seus gostos e suas necessidades, captando informações das mais diversas origens: notícias, blogs, alimentadores RSS, etc. É o centro de controle a partir de onde se pode acionar os outros serviços do WL e iniciar buscas inteligentes na web. Na página customizada do Live.com o usuário pode também posicionar à vontade os chamados ‘gadgets’, serviços específicos criados e desenvolvidos por terceiros com as mais diversas utilidades, pequenas janelas rodando aplicações específicas, como por exemplo clima, cotações de ações, vídeos, horóscopo, notícias, mensagens instantâneas, etc. Se quiser experimentar, já existe uma versão beta liberada em www.live.com e mais informações sobre ele podem ser obtidas em ideas.live. com, tudo em português, moleza. Um detalhe: muito do Windows Live já roda em Ajax, direto.


Quanto ao Windows Live Search, trata-se de uma reação da Microsoft ao Google. Ela alega que não adianta uma ferramenta de busca que retorne centenas de links para um certo tema, mas sim um número reduzido de links mas que realmente tenham a ver com os interesses reais do usuário. O Windows Live Search efetua buscas na web, no desktop, no dispositivo móvel ou numa determinada área geográfica. O Windows Live é um sistemaço tão parrudo que, se emplacar pra valer, vai colocar a empresa no topo do mundo online. Mas só o tempo e o mercado decidirão.


Veja links e mais detalhes em http://catalisando.com/in foetc/20060522.htm .’


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