PROJETOS POLÍTICOS
Oportunismos de ano eleitoral, 20/2/06
‘Um dos princípios que mais deveriam ser levados em conta pelos governos é o da isonomia. Se eu, como contribuinte ou devedor, me esforcei para quitar um imposto ou dívida por que outra pessoa, do meu lado, pode ser anistiado ou beneficiado? Isso causa uma sensação de impunidade, a mesma sempre prevaleceu nas esferas do poder. Pois não é que às vésperas de novas eleições se tenta de novo agir nesse sentido? Na semana passada o Senado aprovou projeto que renegocia as dívidas agrícolas de produtores rurais da região Nordeste. Deram quatro anos de carência e 25 anos para pagar dívidas com taxas de juros em muitos casos até negativas. O tamanho do rombo? Exatamente R$ 16,7 bilhões.
Imaginem o quanto não se pode fazer em termos sociais com esse dinheiro. Se ainda fosse para abranger pequenos produtores, chacareiros, a agricultura familiar e tivesse um alcance de milhares de pessoas, vá lá. Seria injusto, mas de alcance justificável. Acontece que desse total, 519 nomes respondem por R$ 6 bilhões. Ou seja, é coisa que caminha há anos sem solução.
Nesse caso, a imprensa sempre deve agir no sentido de alertar o governo. A reação, que poderia até favorecer Lula na corrida presidencial no sentido do apoio político de muitos caciques do Nordeste, também poderia levá-lo à nova onda de crítica pela repercussão. De todo modo, verdade seja dita, desde o começo o Planalto tentou evitar que o projeto fosse a votação e, agora, prometeu vetá-lo. O líder do governo no Senado, Aloizio Mercadante (PT-SP), já avisou que será essa atitude de Lula e justificou: ‘Para o governo isso é inaceitável e esse gasto é incompatível com as contas públicas’.
O assunto foi tratado com o mesmo tom na maioria dos jornais. Até o Globo Rural deu matéria e ouviu trabalhadores do setor agrícola. Não há quem considere o projeto bom para o País. Um dos defensores, o senador Fernando Bezerra, alega a elevada inadimplência, de quase 40%.
Para Bezerra, a inadimplência no setor é grande e o projeto, necessário. Segundo ele, 39,1% dos produtores são inadimplentes. ‘É preciso que tenhamos compreensão de que é grande a inadimplência do setor.’ Na oposição ao governo, há quem diga que se houver veto ele pode ser derrubado, numa atitude clara de que a política muitas vezes permite atitudes impensadas, ainda que contra a população, apenas por se fazer oposição. É claro que se pode levar em conta a seca, as condições adversas, a possibilidade de renegociação. Isso deveria, num país de forte apelo agrícola como o Brasil, estar previsto. O que não dá para engolir é um pacotão onde aproveitadores, gente que usou mal o dinheiro, gente que não paga porque sabe que não será punida, se alinhe a pequenos da chamada agricultura familiar, que toca pequenas roças de subsistência sem apoio técnico e à mercê da sorte e do tempo.
Mas no Brasil de tempos em tempos aparecem esses casuísmos. Em São Paulo, a maioria das reformas, ampliações e construções de casas é feita sem planta ou registro na prefeitura. É que já se convencionou que de tempos em tempos há uma anistia na qual todo mundo é perdoado. Daí, passa-se por cima da questão técnica, dos cálculos de estrutura, dos vãos e recuos que a lei exige, tudo em nome de arrecadar mais impostos. A pessoa legaliza qualquer coisa e, claro, passa a pagar mais imposto. Assim, obras tortas, sem nenhum controle, passam do dia para a noite a serem legais.
Por esses dias ouvi que caminha projeto para anistiar os motoristas que não fazem o licenciamento. Dizem que o número de carros irregulares chega a 30% da frota e que numa anistia irrestrita, sem multas ou taxas extras, todos seriam legalizados. Ou seja, no caso das obras ou dos carros querem substituir a ineficiência de falta de fiscalização por arrecadação. Fiscalizar é função do governo, como não fez sua parte e não tem como fazer na velocidade que precisa, está arrumando um jeito de tentar contornar o problema e de quebra engordar o caixa. Em ano de eleição, exemplos como estes deverão aparecer às dúzias e em todos os lugares. A conta de tudo isso? Bem, alta e como sempre caindo no bolso dos que contribuem e pagam em dia.’
CHARGES POLÊMICAS
Como tratar caricaturistas – 1, 3/3/06
‘A coluna Controle Remoto (O GLOBO, Segundo Caderno) informou nesta sexta-feira – 3 de março – que um desenho animado em que a Virgem Maria aparece menstruando provocou grande polêmica. Na Nova Zelândia. Ocorrem-me duas questões para meditação dos profissionais de comunicação.
Uma sociedade livre e democrática deve considerar que autores de charges, caricaturas, quadrinhos etc. devem ter liberdade ilimitada de expressão, porque seu trabalho constitui uma espécie de catarse, baseada em zombaria, desdém, non-sense – enfim tudo aquilo que desconhece qualquer respeito referencial pela lei, pela família, pelas instituições etc. O lema desses companheiros ‘diferentes’ certamente parafraseia a frase atribuída aos anarquistas espanhóis: ‘Hay realidad? Soy contra.’ Mas a sociedade nem sempre admira ou acha graça quando os ‘anarquistas’ da imprensa decidem também zombar da meta-realidade, território da fé e da religião.
Os católicos – tão criticados pelas perseguições desencadeadas pela Inquisição – bem-aventuradamente é que dão agora o melhor exemplo de tolerância. A promessa de vingança de grupos islâmicos radicais dirigiu-se não apenas contra os autores da charge sobre Maomé, mas também contra o jornal que a publicou, os outros jornais que a republicaram e até sedes diplomáticas e negócios da Dinamarca.
Já a menstruação da Virgem Maria produziu apenas polêmica bem-educada entre os neozelandeses. E os católicos mostraram aqui uma indulgência ainda maior. O GLOBO há duas semanas decidiu ilustrar um artigo de Cristina Azevedo sobre as conseqüências de mostrar Maomé com uma bomba na cabeça com duas caricaturas de gozação ao cristianismo. Ambas já haviam sido publicadas por outros órgãos de comunicação, uma com o papa João Paulo II exibindo uma camisinha espetada no nariz e, na outra, Jesus Cristo aparece crucificado e se desculpando com Madalena: ‘Hoje não, Madalena, estou pregado!’
Por conta dessa charge, Jaguar, seu autor, foi demitido da revista em que trabalhava nos anos 60. Provavelmente autorizou a republicação quatro décadas depois, porque O GLOBO sempre respeita as regras do direito autoral.
Temi algumas reações iradas. Mas não apareceram nem em cartas de leitores. Nem mesmo o cardeal D. Eugênio Sales, da corrente mais conservadora do Vaticano e que há poucas semanas nos brindara com um brilhante artigo em defesa da Opus Dei, fez qualquer referência ao assunto. Como também não os dois ou três militantes da Opus Dei que escrevem regularmente na mesma página Opinião do GLOBO – certamente a que, na imprensa brasileira, pretende ter o espectro mais amplo de pensamento. A Congregação Mariana (onde aprendi muita coisa em minha adolescência) e tanto a TFP como a TFPdoB preferiram aceitar a republicação das caricaturas como simples registro jornalístico, sem qualquer motivo para indignação. Que bom.’
JORNAL DA IMPRENÇA
Cota à Mozarildo, 2/3/06
‘‘Em plena luz do dia entrevê-se o rio que deságua lixo sobre as almas.’
(Celso Japiassu in O Itinerário dos Emigrantes)
Cota à Mozarildo
O considerado Porfírio Castro, que era vice-diretor de nossa sucursal no Planalto mas deixou o cargo para se transformar num diligente observador da cena oficial, envia excerto da apreciada coluna de Ari Cunha no Correio Braziliense:
Parente também é gente – O senador Mozarildo Cavalcante (…) defende cotas para parentes de funcionários sem concurso (…) Quer pelo menos cota de 10%. Os parentes necessitados seriam atendidos. Como todo assunto merece defesa, vale lembrar que tudo no país tem cotas. Cota para negro, mameluco, afro-brasileiro, aluno que cursou escola pública, aluno transferido e o que mais o valha (…).
Janistraquis é contrário à cota defendida pelo senador Mozarildo:
‘Afinal, considerado, se atendermos a todos, daqui a pouco teremos cota também pra veados, galinhas, cachorras e outros bichos que ilustram nossa melhor sociedade.’
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À vista de todos
O ‘Carlos Lacerda’ da minissérie JK não conhece todas as palavras que utiliza em seus inflamados discursos, ao contrário do original, homem culto e inteligentíssimo, todavia lamentavelmente propenso ao golpismo mais desavergonhado, como sabemos todos.
Uma noite dessas, o ‘Carlos Lacerda’ interpretado por José de Abreu feriu os ouvidos dos telespectadores ao se referir a algum deslize de Juscelino Kubitschek como praticado ÀS ESCANCÁRAS. Assim mesmo, com o acento tônico no A, como se fosse paroxítono. Janistraquis reprovou:
‘Considerado, JK pode ter feito muitas coisas ÀS ESCANCÁRAS, no dizer do ‘Carlos Lacerda’ da minissérie, mas, com absoluta certeza, o Lacerda da vida real teria pronunciado ÀS ESCÂNCARAS, pois esse substantivo feminino é um tremendo proparoxítono…’
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Friozinho
O considerado Cleber Bernuci, diretor da sucursal desta coluna no interior de SP, com sede em Americana, enviou-nos o seguinte despacho:
Seguem estas linhas, motivadas por mera questão térmica: é que, como sabemos, Brasil e Rússia jogaram hoje (01/03) em Moscou, debaixo de um frio dos diabos, coisa de quase 20 graus negativos. Joguinho fraco, 1 a 0 Brasil, e teve gente capaz de perpetrar o seguinte título, como o Globo Online (e o EPTV.com repetiu): Brasil vence a Rússia em jogo morno.
Gelo no fiofó dos outros não arde…, né mesmo? Se bater os dedos no teclado num frio daqueles já é de romper os ossos, imagine jogar futebol. Quem escreveu, com certeza não estava lá. Janistraquis, que anda mais enrolado do que carnavalesco de escola de samba, acha que o titulinho é pura gozação, considerado Bernuci; afinal, enquanto eles se congelavam em Moscou, a torcida aqui cuidava da ressaca carnavalesca debaixo dos 40 graus do Bacalhau do Batata.
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Quem é quem
A considerada leitora Arlete Dias Moreira, do Rio, envia carnavalesco ‘Erramos’ da Folha:
Por falha da Redação, a reportagem ‘Patrocínio obriga sambista a driblar lógica’ (Cotidiano, pág. C3, 13/2) identificou erroneamente o coordenador da comissão de Carnaval da Beija-Flor, Luiz Fernando Ribeiro do Carmo, o Laíla, como mulher.
Janistraquis não acha que foi desleixo ou desrespeito do jornal, ó Arlete; é que hoje em dia está mesmo difícil, pra não dizer impossível, saber quem é homem e quem é mulher:
‘Às vezes, nem passando a mão dá pra saber …’
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Besteira
A letra de uma das canções da trilha sonora da novela Belíssima diz que ‘um homem com uma dor é muito mais elegante’ (pelo menos é assim que nos chega aos tímpanos). Janistraquis não sabe de onde extraíram a bobagem, pois se for dor de barriga…
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Deboche
Chamadinha na capa do UOL:
Dicionário – Você sabe o que te deixa entupigaitado?
Aborrecido, Janistraquis vociferou:
‘Considerado, o que me deixa entupigaitado é esse negócio de ‘você sabe o que te espera’; tal concordância, para anunciar um dicionário, parece até deboche, né não?’
É.
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Notícia do Corinthians
O considerado Édson Pereira Filho percorria os olhos de torcedor pelo site Gazeta Esportiva.Net quando encontrou esta espantosa revelação sob o título Rosinei minimiza disputa com Carlos Alberto:
(…) Para convencer Lopes que merece permanecer no time titular, Rosinei espera jogar bem e marcar gols. Quem anotou no domingo, porém, foi Carlos Alberto. ‘Eu tenho que trabalhar forte, aprimorar meus defeitos e procurar fazer gols, conquistando ainda mais a confiança do torcedor.’
Édson Pereira Filho ficou indignado:
É duro descobrir que Rosinei, jogador do Corinthians, treina para errar cada vez mais…Tudo bem que o repórter colocou a frase entre aspas, mas o bom senso e a ética mandam não ridicularizar gratuitamente o entrevistado. Até porque, se a intenção foi essa – lamentável, se confirmado -, então deveria estar no lead. Treinar para errar deve ser algo interessante, ainda mais tendo Gaviões querendo arrancar o escalpo do jogador cada vez que o time vai mal.
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Burrice
Leia a carta que Renato Khair, procurador do Estado de SP, enviou à Folha. Janistraquis acha que nem o burro Salomão, veterano habitante aqui do sítio, infelizmente falecido há alguns meses, de mordida de cobra, assinaria embaixo:
Hediondos
‘Gostaria de parabenizar os seis ministros do STF que votaram e decidiram pela inconstitucionalidade de dispositivo da ‘hedionda’ Lei dos Crimes Hediondos que vedava a progressão de pena para certos delitos (‘Crime hediondo terá progressão de pena’, Cotidiano, 24/2). Trata-se de decisão que resgata o primado dos direitos humanos e respeita os ditames da Constituição Federal de 1988, que assegura expressamente o princípio da individualização da pena. A pena deve ser individualizada. Ela visa ressocializar e reeducar, e a progressão de regime é um direito do preso.’
Renato Khair, procurador do Estado (São Paulo, SP)
É, às vezes a gente procura mas não acha.
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Viajando
O considerado Roldão Simas Filho, diretor de nossa sucursal no Planalto, de cujo varandão florido é possível escutar o ranger de dentes dos adeptos de Mercadante, furiosos com a pesquisa do Ibope que mostra o favoritismo de Marta ao governo de São Paulo, pois Roldão lia o Correio Braziliense quando tomou tremendo susto com este título da seção Mundo:
Um pesadelo de viagem, dizia o título, sob o qual lia-se: Houve reuniões com o comodoro (do navio Queen Mary 2) e a tripulação.
Mestre Roldão, veterano de tantas viagens mundo afora, desaprovou: O transatlântico tem um comandante. Comodoro usa-se mais como título honorífico e para presidente de clubes náuticos.
(O dicionário Houaiss registra que, em Portugal, comodoro é posto na Marinha entre o contra-almirante e o capitão-de-mar-e-guerra).
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Nota dez
‘Depois de ter renunciado à bebida, Lula aboliu também a comida. Candidato em campanha tampouco desfruta de feriado, dia santo ou fim de semana’, escreve o considerado Augusto Nunes no Jornal do Brasil. Leia no Blogstraquis a íntegra do excelente artigo.
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Errei, sim!
‘COMEM ATÉ BOMBRIL! – Janistraquis se chegou preocupadíssimo:
‘Considerado, a situação está tão difícil que tem gente comendo até Bombril!’.
Ante meu espanto, leu trecho de matéria do Jornal do Brasil: ‘(…) No setor de alimentos deverão estar incluídos, além da salsicha, da mortadela, do creme dental e da maionese, a esponja de aço, entre outros’.
Verifiquei que, além do Bombril, a patuléia também está se virando com pasta de dente.’ (novembro de 1992)’
FLAGRANTE
PM aponta arma para repórter. Tudo foi gravado, 3/3/06
‘O homem sobre a ponte apontava a arma para um lado e para o outro. Ameaçava matar quem se aproximasse. Deu um tiro para o alto e a multidão se dispersou. O jornalista fez o contrário. Aproximou-se. Tinha em mãos uma câmera fotográfica e buscava a melhor imagem. ‘Sai de perto ou eu atiro’, bradou o sujeito armado. O repórter Paulo Andreoli desistiu de chegar tão perto e, fitado por um olhar que misturava fúria e embriaguez, tratou de andar para trás até encostar na mureta da ponte. Viu o cano da pistola apontado para seu peito e percebeu que a ameaça era séria.
A vida do jornalista talvez tenha sido salva por um detalhe. De tão pequena, a câmera não foi notada. A matéria ganhou força na região por dois detalhes. Primeiro: a câmera fotográfica também grava vídeo e boa parte das cenas de tensão foi registrada. Segundo: o homem armado e aparentemente bêbado é um policial militar. Ednilson Cruz Hygino é terceiro sargento em Rondônia. Tudo isso aconteceu há poucas semanas, no final da tarde de domingo, 12 de fevereiro de 2006.
Corrida de jericos
Alto Paraíso tem pouco menos de 16 mil habitantes (segundo o IBGE) e fica 200 quilômetros ao sul de Porto Velho. Todo começo de ano, vira o centro das atenções do estado de Rondônia com a ‘Corrida dos Jericos’. Não se trata de jumento, burro nem de outro animal eqüino. O jerico, ali no sul da Amazônia, é um carro de madeira motorizado, construído pelo próprio dono a partir do chassi de uma camionete desmontada. Cada piloto monta o seu e vai tentar o pódio numa pista lamacenta. Prato cheio para reportagens.
Depois de cobrir os dois dias de festa, a equipe do site Rondoniaovivo voltava para Porto Velho. Pouco depois de pegar a estrada, o trânsito parou. Os jornalistas desceram do carro. Por um instante, ficaram agitados. Madeireiros da região ameaçavam fechar a estrada como sinal de protesto. ‘É inacreditável, mas eles estavam revoltados com uma decisão da Justiça que previa penas rígidas para caminhões apreendidos transportando madeira cortada irregularmente’, espanta-se Paulo. Se fosse esse o motivo do engarrafamento, haveria ali uma matéria e tanto a ser feita. A primeira pergunta a ser respondida: se os caminhoneiros trabalham regularmente, do que estão reclamando? Mas a matéria não era essa. Não havia manifestação. Mais adiante, havia, sim, a ponte que passa sobre o Rio Jamari. A estrada, de pista dupla, fica mais estreita, com apenas uma faixa sobre a ponte. Foi ali que uma picape S-10 freou bruscamente. Um Fiat Uno vinha logo atrás e freou também. O Corsa, em seguida, não parou em tempo e bateu no Uno, jogando-o contra a picape. Dentro dela, estava o 3º sargento.
PM amigo da cachaça
Paulo ouviu o tiro disparado para o alto. As pessoas correram para longe. Instintivamente, por assim dizer, o jornalista correu no sentido oposto: foi checar o que acontecera. Talvez alguém tivesse sido assassinado. Na verdade, a confusão tinha começado uns 20 minutos antes.
Primeiro, uma discussão entre os envolvidos no acidente. Depois, a decisão do militar de não tirar a picape da ponte, o que causou no trânsito o mesmo caos que uma manifestação de madeireiros teria provocado. A esposa de Hygino o apoiava. Um outro homem desceu da picape carregando uma garrafa de uísque quase vazia. ‘O mais curioso é que o policial vestia uma camisa que continha a inscrição Amigos da Cachaça’, detalha o jornalista.
Era preciso registrar aquilo tudo. O site veicula rotineiramente matérias em vídeo. ‘O problema é que a câmera não tem zoom. Então, precisei chegar perto demais’. Era arriscado apontar uma câmera para um homem com aquele comportamento. Paulo conseguiu chegar perto e recuou sem ser percebido. Mas não levou sorte: o vídeo não ficou bom. Afinal, ele era obrigado a filmar sem olhar para o visor. Era preciso tentar de novo. Para garantir imagens, fotografou o sujeito sem que ele notasse. Então, chegou ainda mais perto, gravando novamente em vídeo. ‘Fiquei a menos de três metros dele. Aí, então, ele se virou para mim e fez a ameaça de morte. Vou demorar a esquecer a maneira com que ele me olhou’.
Abaixe a arma!
Um motociclista que conseguira furar o bloqueio policial clandestino acionou a Polícia Rodoviária Federal. Meia hora depois do acidente que deu início ao tumulto, a viatura, com cinco patrulheiros, parou do outro lado da ponte. Identificando-se como repórter, Paulo acompanhou os policiais federais na prisão do PM. Protegido, conseguiu fazer as imagens. ‘Os familiares dele [PM] vieram para cima de mim. Não queriam que eu filmasse. Comecei a gritar que era imprensa e eles recuaram. Esses gritos ficaram bem claros no vídeo’.
Policial militar preso, imagens feitas, reportagem garantida. Os minutos de tensão valeram a pena. Marcos Souza, também jornalista, acompanhou Paulo a poucos metros de distância. ‘Eu não estava na mira da arma e fiquei com medo. Você não ficou, Paulo?’, foi o que perguntou o colega e amigo. ‘Quando eu entrei no carro, depois de tudo terminado, comecei a tremer. Tive de deitar no banco de trás, relaxar, porque foi então que caiu a ficha’, descreve Paulo.
Corregedoria
A repercussão da reportagem foi grande em Rondônia na segunda-feira (13/02). Jornais, televisões, rádios e outros sites pediram o material para reproduzi-lo. Havia vídeo (e, conseqüentemente, áudio) e fotos para contar a história nas diversas mídias. Na terça-feira, veio a surpresa. A Corregedoria da Polícia Militar solicitou todo o material, para ser usado no processo interno contra Hygino, que mora em Ariquemes, cidade do interior de Rondônia. ‘Foi importante não só informar, mas também prestar um serviço’. A matéria foi publicada no Rondoniaovivo em vídeo e texto com fotos. Para acessá-la, clique aqui.
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* Numa conversa por telefone, um amigo comentou comigo, uns dois anos atrás: ‘você se lembra do Paulo Andreoli? Pois é, roubaram a camionete dele e levaram para a Bolívia. E não é que ele foi lá e achou a picape’. De São Paulo, comecei a acompanhar a história. E fiquei surpreso primeiro quando ele atravessou a fronteira e foi até a cidade a uma hora da fronteira, Riberalta, base de muitas quadrilhas especializadas em roubar carros no Brasil e vendê-los na Bolívia. Mais espantado fiquei quando soube que ele entrou na Justiça da Bolívia para reaver a picape que lhe tomaram num assalto em Porto Velho. E perdeu a causa. O juiz sentenciou que o comprador do carro obviamente roubado, de acordo com a lei daquele país, era o proprietário legítimo.
* Algumas semanas depois, lá estava eu, em Porto Velho, em companhia de Paulo Andreoli, que aceitou ir novamente à Bolívia ajudar na produção da minha reportagem. Mas este tema não cabe aqui, na coluna O Dia D. Afinal, a proposta é contar as histórias dos outros. Mas o fato é que notei ali que estava ao lado de um sujeito ousado. Arrisca e às vezes se arrisca. Tudo pela sensação de dever cumprido. Com sua ajuda, consegui fazer a denúncia. Sobrou adrenalina. Não me estranha ele ter sido ousado recentemente, sobre a ponte, diante de um sujeito armado e descontrolado.
* Cabe um registro interessante: a primeira turma de Jornalismo de Rondônia se formou em dezembro de 2005, na faculdade Faro. Muitos profissionais que já atuavam nas redações integraram a turma pioneira. Paulo e Marcos, citados na coluna, Adriel Diniz e Hamílton Lima, foram os outros dois que estavam no carro e presenciaram a ameaça. Juntos, eles fundaram o Rondoniaovivo, que está no ar desde 1º de janeiro de 2005.’
JORNALISMO EM CRISE
Imprensa em dívida, 3/3/06
‘Uma das carências que a crise do mensalão está colocando em foco diz respeito à imprensa. Para quem quer ver, o escândalo evidenciou a existência de vulnerabilidades gritantes na forma como o Estado brasileiro é conduzido, e que extrapolam em muito o âmbito dos Correios. A imprensa, porém, tem sido incapaz de perseguir o gancho oferecido pelo ex-deputado Roberto Jefferson quando fez suas primeiras acusações.
O que Jefferson mostrou foram os efeitos do loteamento do Estado entre partidos em troca de apoios políticos. Será que alguém com domínio mesmo que rudimentar de suas faculdades imagina que o loteamento afeta apenas os Correios e o Instituto de Reseguros do Brasil (os entes inicialmente referidos por Jefferson)?
Apesar disso, nenhum jornal sequer tentou fazer o mapeamento da partilha política do Estado. Quais partidos dominam quais setores, quais diretoriais de quais estatais? Que negócios estão sendo feitos nesses lugares? É evidente que esse fenômeno não foi inventado pelo governo Lula, e não se restringe ao governo federal. Acontece igualzinho nos estados e municípios, e responde por imensos desperdícios e roubalheiras intermináveis. É evidente que a oposição ao governo Lula não tem nenhum interesse em desencavar as raízes do problema, porque opera exatamente da mesma forma nos lugares em que estão no poder, e sempre operaram assim.A imprensa não tem ajudado a exibir essas mazelas, preferindo seguir os pequenos fatos do cotidiano e as patéticas escaramuças de políticos cujos nomes amanhã ninguém sequer recordará.
Ao não prestar atenção nos ganchos gritantes oferecidos pela crise, a imprensa brasileira ajudou a aspergir os fumos que compuseram a cortina de fumaça atrás da qual se escondem os arquitetos do mensalão. O resultado disso é que, para citar só um exemplo, não se foi atrás da origem do dinheiro do mensalão. Para os mensaleiros e para os jornais, dinheiro nasce em árvore.
Por que isso acontece? Por que a imprensa não consegue cobrir adequadamente um caso tão grave como o do mensalão? Quando meu pai, o jornalista Claudio Abramo, começou a trabalhar no Estadão, na década de 1940, fez uma reportagem sobre a atividade econômica das populações do litoral Norte de São Paulo que se estendeu por mais de trinta edições. Cada matéria ocupava algo como meia página de jornal – e o jornal, naquela época, tinha o tamanho de uma toalha de mesa. Vá lá, um pouco menos.
Hoje, tal coisa seria impensável, em primeiro lugar por causa da penúria financeira das empresas de comunicação, que levou a uma redução drástica do contigente das redações. Por exemplo, as sucursais de Brasília dos grandes jornais têm hoje metade ou menos dos repórteres que tinham três ou quatro anos atrás. Como de toda forma o jornal precisa ser publicado todos os dias, isso exige dos repórteres que produzam um determinado número mínimo de linhas todos os dias.
Isso torna muito difícil a um jornalista investigar sistematicamente um assunto. Uma investigação jornalística em profundidade demanda um, dois meses de dedicação na perseguição de pistas que podem não dar em nada, na identificação e convencimento de fontes, na consulta interminável de documentos perdidos em arquivos. Não é possível fazer isso e ao mesmo tempo produzir as tais linhas diárias.
Outro problema de fundo com a impresa tem origem nas brutais desigualdades econômicas regionais. Existem no Brasil algo como 1200 jornais diários (o número é sujeito a chuvas e trovoadas). Destes, não chegam a vinte, talvez quinze, aqueles capazes de manter redações que produzem material próprio. Desses vinte ou quinze, só três são ‘nacionais’: Estadão, Folha e Globo. E são ‘nacionais’ por convenção, porque sua venda se concentra nos estados em que são respectivamente produzidos. A esse grupo talvez se possa adicionar o Correio Braziliense, porque é lido na capital, e o Estado de Minas, o jornal mais relevante do grupo dos Diários Associados a que também pertence o jornal brasiliense. Há grupos regionais concentrados no Sul (Sirotsky, Paulo Pimentel), onde há produção local de riqueza e conseqüentemente de anúncios, e acabou-se.
O restante são jornais possuídos por oligarquias locais. Esses veículos não têm nenhuma viabilidade financeira (não há anúncios), sendo mantidos mais mortos do que vivos para servir aos interesses políticos de seus controladores. Para se fazer uma idéia, cerca de 94% de todo o material sobre corrupção publicado nos 60 principais jornais diários de todos os estados e que são creditados a agências são produzidos pelas duas agências que dominam esse mercado, Estado e Folhapress (incluindo-se, nesta última, as diversas marcas sob controle do grupo, como UOL, Folha Online etc.). Ao noticiário de muitos desses jornais regionais se deve adicionar o material que eles publicam com crédito à ‘redação’ ou à ‘sucursal de Brasília’, mas que na verdade é simplesmente pirateado das agências, sem crédito. (Os dados são extraídos do projeto Deu no Jornal, mantido pela Transparência Brasil.)
No fim das contas, quase todo o noticiário da imprensa escrita (o espaço não permite abordar as revistas semanais, que ficam para outra ocasião) brasileira nasce na Folha e no Estado e, em escala menor mas ainda assim relevante, no Globo. Se a qualidade da cobertura do escândalo é baixa, são esses os responsáveis.
(*) Diretor executivo da Transparência Brasil www.transparencia.org.br, organização dedicada ao combate à corrupção. Mantém o blogue ‘A coisa aqui tá preta’ crwa.zip.net.
Fonte: Blog do Noblat’
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