REDE EM DÍVIDA
Dívida trabalhista leva juíza a decretar prisão preventiva dos donos da Rede TV!, 26/5/06
‘A juíza Patrícia Almeida Ramos, da 2ª Vara do Trabalho de Barueri, decretou, nesta quinta-feira (25/05), a prisão preventiva do presidente e do vice-presidente da Rede TV!, Amílcare Dallevo e Marcelo Carvalho. A emissora não está pagando uma suposta dívida trabalhista a João Henrique Schiller, que também trabalhou na extinta TV Manchete. No entanto, o decreto da juíza foi revogado em função de um recurso preventivo de hábeas corpus dado pelo Tribunal Regional do Trabalho no último dia 11/05.
A direção da emissora alega que Schiller jamais trabalhou para a Rede TV! e também acusa o suposto ‘ex-diretor’ de fraude. ‘As inverdades alegadas pelo Sr. João Henrique Schiller de Farias Costa na primeira ação são enormes, ou seja, como um funcionário que recebia da Manchete cerca de R$ 3 mil por mês pode conseguir condenação de R$ 3 milhões?’.
Schiller foi procurado pelo Comunique-se, mas não foi localizado.’
LEITORES AUTORES
No jornalismo-cidadão, onde fica você?, 25/5/06
‘‘Jornalismo cidadão’ vem sendo mencionado, em alguns países, não como boa designação para os blogs, mas também para outras iniciativas, que tornem os leitores também autores e não apenas através da tradicional seção de cartas opinativas.
O ‘repórter amador’ foi muito usado aqui há algumas décadas e a idéia era convidar o leitor a telefonar imediatamente para a redação, quando fosse testemunha de algo merecedor de publicação. Havia até um jabazinho como isca. Com os celulares-câmeras, a ‘foto do leitor’ tornou-se hoje atração regular em vários diários brasileiros, com destaque para a coluna de Ancelmo Góis, no Globo, cliente quase permanente da ‘cidadão press’.
Na coluna de hoje, vamos deixar de lado os blogs.
Li artigo de um consultor mexicano, Homero Hinojosa, em que ele sugere algumas idéias interessantes para os jornais ampliarem essa incorporação do leitor, avançando no caminho de um ‘jornalismo junto com as massas’ em vez do tradicional ‘jornalismo para as massas’. Homero pensa como Dan Gillmor, autor de ‘Nós, a mídia’, onde prevê ‘um jornalismo mais parecido com uma conversa’ e que ‘a linha divisória entre consumidores leitores e produtores jornalistas deixará de existir.
Muitas dessas idéias já são aplicadas parcialmente em alguns dos nossos jornais online, especialmente o UOL. Mas vamos às sugestões do mexicano:
1. Conecte notícias e acontecimentos na comunidade e no mundo com a vivência dos leitores. (nota do Milton: na redação de Le Figaro, há mais de 50 anos já havia uma frase mais ou menos assim na parede: ‘Para o leitor, é mais importante a morte de um gato em sua rua do que um terremoto na Índia’).
2. Desenvolva páginas editoriais exclusivamente de leitores, pelo menos uma vez por semana. Ofereça-lhes um curso editorial e uma metodologia para ajudá-los a melhorar o estilo e a forma.
3. Leve a seção de cartas a um outro nível de debate. Abra espaços para réplica, proponha um tema para discussão entre os leitores. E as páginas de cartas também a editorias como Esporte.
4. Estimule o envio de fotos e premie as publicadas.
5. Exiba no jornal e na versão online fotos artísticas feitas pelos leitores. Abra um espaço de fotografia amadora em sua editoria de Cultura, de estilo de vida ou revista dominical.
6. Incorpore os melhores colaboradores à sua redação e ensine técnicas de capacitação.
7. Considere criar ‘blogs’ na versão online do diário. Faça um ‘copy’ dos melhores e publique-os no jornal impresso (‘do blog de Joãozinho Pereira…’).
Homero Hinojosa publicou esse artigo na revista da SIP – Sociedade Interamericana de Imprensa. Talvez eu não seja capaz de entender bem o que ele pensa, mas, por essa amostra, tendo a imaginar ‘jornais cidadãos’ como jornais sem jornalistas. O que tem certa semelhança com idéias já em prática no Brasil. Vocês, meus jovens, que acham?
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Para colegas de hoje, ontem e amanhã
Dois livros na boca do forno, com lançamentos cariocas na mesma Livraria Argumento, no Leblon. Márcio Bueno lança ‘A Origem das Palavras’, um livro que deve ser ótimo para estimular vocações jornalísticas. O autor o recomenda para crianças e jovens curiosos, ou seja, com o primeiro atributo profissional. Já tenho alunos e netos na fila.
O segundo é ‘Lula – o início’, de meu companheiro no ‘Espaço Público’, da TVE, o veterano Mário Morel. Mário é filho de Edmar Morel (repórter que viu de tudo e contou tudo até o último instante de vida) e começou encarando a boa escola da editoria de Polícia de Última Hora. Caminhou por muitas redações, viu coisas que muita gente não queria que ele visse, e outras muitas gentes vão gostar que ele tenha visto. Um bom pedaço para este último grupo é seu testemunho sobre o começo da história política do presidente Lula, nas assembléias sindicais dos metalúrgicos de São Bernardo. Li as provas de muitas páginas e gostei. Para quem quer entender melhor nosso país – quem não quer? – vale a pena.
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Telemar, cadê minha ferramenta?
A Telerj pode ter sido um pesadelo para quem precisava de um telefone novo e funcionasse direito. A privatização realmente resolveu problemas, mas a Telemar, apesar das excelentes margens de lucro, é insaciável. Cobra uma fortuna pela assinatura, cuja razão nenhum suíço ou americano consegue entender… Só agora aprendeu a contar em minutos, em vez de inexplicados impulsos. E, para cobrar extorsivos 1 real e 32 centavos sempre que se liga para pedir uma informação, acabou a distribuição regular de listas completas dos telefones residenciais, como a saudosa Telerj jamais deixou de fazer. Quando manda uma lista (e há muito tempo isso não ocorre), ela só tem os telefones do meu bairro ou região.
Ô Telemar, lista telefônica é um direito secular (não tenho certeza, mas parece que Pedro II já veio com uma, presenteada por Graham Bell). E, para jornalistas, é ferramenta essencial de trabalho. Vocês não se comprometeram a manter os serviços da Telerj?
(*) Milton Coelho da Graça, 75, jornalista desde 1959. Foi editor-chefe de O Globo e outros jornais (inclusive os clandestinos Notícias Censuradas e Resistência), das revistasRealidade, IstoÉ, 4 Rodas, Placar, Intervalo e deste Comunique-se.’
COPA
Parte da imprensa procura polêmica, 23/5/06
‘Olá, amigos. Nesta terça-feira acompanhei a entrevista coletiva de Carlos Alberto Parreira em Weggis, na Suíça. Cercado por jornalistas de todo o mundo, o treinador falou de quase todos os assuntos, entre eles, o que mais me chamou a atenção foi o questionamento de um repórter sobre a escolha da cidade suíça para ser o primeiro campo de treinos da seleção na Europa.
O jornalista, que não consegui identificar, perguntou o porquê do Brasil estar concentrado em uma cidade cujo clima frio prejudicaria a preparação da equipe. Ora, a Suíça fica ao lado da Alemanha. O clima no país é idêntico ao clima no país-sede do Mundial. A pergunta perde todo o sentido quando o seu complemento é externado: ‘o tempo chuvoso não estava previsto?’
Como poderia a comissão técnica prever se choveria em tal dia, mesmo com os sofisticados sistemas de previsão do tempo dos quais se dispõem hoje em dia? Como alguém poderia saber que, neste exato instante, em Weggis, cairá uma chuva que deixará o gramado pesado para o trabalho físico? Lembrando sempre que os locais de treinos das seleções para uma Copa do Mundo são fechados meses antes do evento, por conta de compromissos financeiros e pela procura das demais equipes.
Esse tipo de questionamento mostra o quanto uma parte da imprensa procura a crise, busca uma brecha para que se criem polêmicas que, reconheço, vendem jornal, mas não contribuem em nada com a cobertura jornalística do evento.’
JORNAL DA IMPRENÇA
Edição Campinas, 25/5/06
‘Um amor que me escrevesse
trinta e uma vezes e mais trinta
toda vez que eu fugisse dos seus braços
para cumprir a penitência dos malditos.
(Nei Leandro de Castro in A Cidade Revisitada)
Edição Campinas
O considerado Gilberto Gonçalves, diretor da Comunicativa Assessoria e Consultoria Jornalística, enviou comentário à coluna, comentário que, postado quatro vezes seguidas, revela o tamanho de sua indignação:
E a nova FSP que agora chega aqui em casa, em Campinas/SP, com a seguinte linha fina sob o titulão FOLHA DE S. PAULO: EDIÇÃO CAMPINAS – FECHADA ÀS 21h25. Só que de Campinas, nada, nadinha mesmo na edição inteira. Que porra de EDIÇÃO CAMPINAS então é esta, considerado?
Janistraquis acha que o considerado Gilberto Gonçalves precisa ter paciência com os editores da Folha de S. Paulo:
‘Por incrível que pareça, amigo, às vezes nada acontece numa grande cidade e até mesmo num país inteiro! É coisa rara, mas acontece. Lembre-se do título daquela imorredoura obra de Erich Maria Remarque, Nada de Novo no Front. Pois apesar de anunciar, na capa, que não havia nada de novo no front, ou seja, na frente de batalha, o livro, que virou até filme de Hollywood, vendeu na época (1929/30) tanto quanto vende hoje um romance do Paulo Coelho…’.
É mesmo, ó Gilberto; certamente nada aconteceu em sua cidade e você nem notou!
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Poeta paraibano
O colunista envia grande abraço ao poeta paraibano Linaldo Guedes, que amanhã (26/5) lançará na Bienal de João Pessoa seu segundo livro, Intervalo Lírico, juntamente com mais nove obras de autores conterrâneos reunidos na Coleção Tamarindo, idealizada pelo poeta e editor Juca Pontes.
A festa ocorrerá a partir das 18 horas, no estande da Dinâmica Editorial, onde a intelectualidade presente deverá ser contemplada com indispensáveis doses das melhores cachaças da terra.
O primeiro livro de versos de Linaldo foi Os zumbis também escutam blues e outros poemas, lançado em 1998 pela Textoarte Editora.
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Falha no controle
A considerada Daise Cristina Moraes, que é analista de produtos da Liberty Seguros, de SP, analisava um já tradicional produto da internet, o boletim Últimas Notícias, do UOL, quando deparou com surpreendente falha no controle de qualidade do portal.
Logo abaixo do título Mortos chegam a 152 em 293 ataques; 56 casas de policiais foram alvo, estava escrito:
(…) A Anatel admite que alguns usuários serão prejudicados, mas não sabe quantificar quantos, de acordo com a assessoria de imprensa do órgão.
Daise achou por demais esquisito:
Pelamordedeus: quantificar quantos? Ou escrevem ‘quantificar’ ou ‘indicar quantos’, não é mesmo?
Janistraquis concorda, Daise; ou se quantifica ou se indica e quem não se comunica se trumbica, já dizia Voltaire…
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Fenômeno!!!
Deu nos jornais:
Mulher morre vendo TV e só é encontrada três anos depois.
LONDRES – O corpo de uma mulher morta há três anos foi descoberto em seu apartamento em Londres rodeado de presentes de Natal fechados e diante de uma televisão ligada, informou nesta quinta-feira a polícia da capital britânica.
O corpo de Joyce Vincent, de 40 anos, foi encontrado em janeiro passado.
A mulher teria morrido de causas naturais no início de 2003, com base, entre outras coisas, no prazo de validade dos alimentos encontrados na casa.
Os dirigentes da associação que tinha oferecido o apartamento a Joyce Vincent – vítima de violência conjugal – alertaram as autoridades sobre o grande número de meses de aluguel sem pagar.
Janistraquis é, como todos sabem, homem de bom coração; porém, ao ler a notícia só pensou no aparelho de TV:
‘Considerado, precisamos saber, antes do início da Copa do Mundo, qual a marca do aparelho da falecida; sabe lá o que é uma TV ficar três anos ligada ininterruptamente?!?!?!’
É boa providência; afinal, a nossa, quarentona como a falecida Joyce Vincent, pode pifar durante um jogo do Brasil.
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Pacem in terris
Janistraquis, que está tentado a fundar o movimento ‘Blasfêmia, sim!’, lembra que foi em busca da paz a qualquer preço que Chamberlain entregou a Checoslováquia a Hitler (como bem lembrou João Sayad em artigo na Folha de S. Paulo.)
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Futebol & Literatura
Apaixonado por futebol desde quando, menino ainda, cometeu o desatino de trocar o Vasco pelo Botafogo, nosso mestre Sérgio Augusto resolveu entrar na grande área e escreveu para o Estadão o artigo intitulado O intelectual de chuteira e seus gols de letras, cuja leitura é indispensável, principalmente nesta antevéspera de Copa do Mundo.
Leia o excerto abaixo e confira a íntegra no Blogstraquis:
Ele existe e não são poucos. E a tendência é crescer. Mas a dúvida persiste: o intelectual brasileiro não teria uma birra ancestral com o futebol? Na semana passada, a infalível pergunta cruzou três vezes na minha pequena área. Rebati de primeira. Foi-se o tempo em que a célebre boutade de Nelson Rodrigues – ‘Nossa literatura ignora o futebol, e repito: nossos escritores não sabem cobrar um reles lateral’ – fazia algum sentido. Hoje, não passa de uma hipérbole, como tantas que Nelson cometeu. Mas o pessoal insiste. E o jeito é reforçar a defesa e partir rápido para o ataque.
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Cocadaboa
Deu na Folha de S. Paulo, sob o olho Governo do Estado acusa Band de exibir falsa entrevista com líder do PCC:
Cabrini não sabe se ouviu Marcola – O jornalista Roberto Cabrini, da Band, admitiu ontem que não tem ‘100% de certeza’ de que o criminoso que entrevistou na quarta é realmente Marcos Willians Herbas Camacho, o Marcola, líder do PCC.
Janistraquis, escolado como sempre, mandou recadinho ao Cabrini:
‘Não ligue, considerado; isso foi, certamente, mais uma do Cocadaboa…’
(Leia no Blogstraquis a íntegra da matéria da Folha.)
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Calor arretado
Do Erramos, da Folha de S. Paulo:
A temperatura média em Vênus é de 467 ºC positivos, e não negativos, como informou erroneamente a reportagem ‘Sonda chega a posição onde vai observar o planeta Vênus ao longo de 500 dias’ (Ciência, pág. A16, 11/5).
Janistraquis, que já estava de malas prontas havia dois dias, foi obrigado a trocar os pesados casacões por sungas de crochê, em saudosa alusão ao amigo Fernando Gabeira.
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País de m…
Deu na coluna de Cláudio Humberto:
Recuo
Esta coluna revelou que o novo indicado do presidente Lula para a Agência Nacional de Aviação Civil não tem curso superior, como exige a Lei. Por isso, o Planalto retirou a indicação de José Carlos Barth, ex-piloto da Varig.
Janistraquis ficou assim, como direi, abestalhado:
‘Considerado, então quem não tem curso superior está impedido de presidir a Agência Nacional de Aviação Civil; em contrapartida, qualquer sujeito analfabeto e mentiroso pode ser presidente da República! É difícil entender este país de m…’
Dificílimo.
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Equador, Bolívia
O considerado Roldão Simas Filho, diretor de nossa sucursal no Planalto, de cujo banheiro é possível escutar as gargalhadas de Lula et caterva na comemoração da vitória no primeiro turno, segundo as pesquisas, pois Roldão lia placidamente o Correio Braziliense quando deparou com esta notinha:
EQUADOR NO TRIBUNAL – O grupo americano Occidental Petroleum (Oxy) pediu a um centro de arbitragem especializado em conflitos comerciais, em Washington, que ‘seus direitos sejam restabelecidos’ no Equador. O governo da Bolívia anulou o contrato de exploração da Oxy. Segundo a ação, a empresa avalia em mais de US$ 1 bilhão as perdas provocadas pela medida.
Roldão suspirou:
‘Afinal, foi na Bolívia ou no Equador?!?!?!’
Janistraquis acha que a confusão é normal, Roldão. É que os dois países são a mesma m…, ou seja, a mesma Maravilha.
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Nota dez
O considerado Clóvis Rossi, cuja memória é excelente, demonstra que não se deve enxergar um novo Che Guevara na figura de Cláudio Lembo, pois este sempre mamou nas mais generosas tetas das ‘elites brancas’, tão bem representadas pelo Banco Itaú de Olavo Setúbal, a Arena, o PDS e o indelével PFL, que é a soma disso tudo.
Leia no Blogstraquis o excelente artigo originalmente publicado na Folha de S. Paulo.
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Errei, sim!
‘MAR BRAVIO – Notícia bem redigida, segundo O Estado de S. Paulo: ‘(…) Ventos de 240 quilômetros horários afundaram dezenas de barcos, entre os quais o Calypso, do comandante francês Jacques Cousteau, que ficou encalhado na ilha de Mindoro. A tripulação nada sofreu’. Comentário do meu secretário: ‘Considerado, a tripulação nada sofreu mas, em compensação, o leitor lascou-se; afinal, o Calypso afundou ou encalhou?!?!?!’ Boa pergunta.’ (março de 1992)
Colaborem com a coluna, que é atualizada às quintas-feiras: Caixa Postal 067 – CEP 12530-970, Cunha (SP) ou moacir.japiassu@bol.com.br).
(*) Paraibano, 63 anos de idade e 44 de profissão, é jornalista, escritor e torcedor do Vasco. Trabalhou no Correio de Minas, Última Hora, Jornal do Brasil, Pais&Filhos, Jornal da Tarde, Istoé, Veja, Placar, Elle. E foi editor-chefe do Fantástico. Criou os prêmios Líbero Badaró e Claudio Abramo. Também escreveu oito livros, dos quais três romances.’
PODCAST
Slate aposta em textos para iPods, 23/5/06
‘Não faz muito tempo, a prática de podcasting se popularizou. Para quem ainda não está por dentro do termo, em poucas palavras, ele diz respeito à distribuição online de notícias e demais informações em forma de áudio ou vídeo (geralmente em formato MP3) e cujas atualizações são acompanhadas a partir de feeds RSS. Já podcast é como se chama uma informação preparada para ser distribuída dessa maneira (mas pode ser usado também como sinônimo de podcasting). Ambos os termos são oriundos de dois outros: iPod, uma linha de aparelhos de reprodução de áudio e vídeo fabricado pela Apple, e broadcasting, do inglês, algo como distribuição. Um dispositivo que reproduz podcasts geralmente automatiza todo o processo, ou seja, verifica as feeds RSS em busca de novidades e reproduz o que o usuário considerar interessante.
Nos últimos dois anos, esse universo cresceu de forma tão espantosa que chamou a atenção de grandes veículos e conglomerados de mídia. Hoje em dia, sites como a BBC Interactive e a CNN.com possuem versões podcasting – parciais ou integrais – de seus noticiários. Na Internet, não é difícil encontrar artigos e notícias sobre novas experiências e soluções em torno do podcasting. E experiência é o que não falta. Recentemente, a revista virtual americana Slate, pertencente à Microsoft, começou a criar uma versão textual de seu conteúdo para ser distribuída em forma de podcast. Tal formato de exibição de informação está sendo chamado de textcast (ou text-cast), ou nas palavras de Andy Bowers, editor-sênior da Slate, ‘um podcast no qual o principal conteúdo que está sendo enviado para o iPod é o texto, e não o áudio’. Mas como isso é possível já que podcasting diz respeito a distribuição de áudio e vídeo? Vamos entender o processo.
Todo arquivo de áudio preparado para ser distribuído como podcast possui um campo de descrição em sua propriedade que visa justamente descrever o conteúdo do áudio e deixar claras demais informações (como, por exemplo, direitos autorais). O que a revista espertamente está fazendo é justamente embutir as notícias na área de descrição do arquivo de áudio. Mas… e este, como fica? O que o leitor ouve? Nada! A revista está distribuindo conteúdo textual em arquivos de áudio silencioso com quinze minutos de duração. Por ser silencioso, mesmo com quinze minutos, o arquivo fica pequeno, leve. O serviço está sendo patrocinado pela Lexus, que já era a maior patrocinadora dos podcasts da Slate. No modelo experimental, o logotipo da Lexus aparece na tela do iPod onde as imagens costumam ser exibidas e um anúncio textual é incluído entre as notícias. Todo dia pela manhã, então, a revista envia esse conteúdo para o iPod do usuário assinante do serviço (gratuito). Para ler a notícia via iPod, basta que o usuário pressione duas ou três vezes o botão central do player até que a descrição do arquivo seja exibida. O conteúdo noticioso estará lá.
A revista fez testes com leitores e ouvintes de seus podcasts e teve um bom número de retornos positivos. Algumas poucas pessoas apontaram situações de desconforto como texto pequeno para ler e forma de rolagem da informação na tela. Outras ainda relataram que o texto desaparece quando o arquivo de áudio acaba de ser executado, o que é normal e compreensível. No entanto, a proposta de textcasting aparentemente iniciada pela revista Slate tem grandes chances de se popularizar pela facilidade de produção que ela carrega, pela popularidade do podcasting e, claro, pelo objetivo. Assinar, por exemplo, o Today’s Papers, da revista, e ler no iPod um resumo dos principais jornais americanos, é fascinante e o início de algo maior previsto para dispositivos desse tipo.
Em sumo, o textcasting é uma solução adaptável às limitações do iPod e de aparelhos similares (no que diz respeito à exibição de textos), mas inteligente, pois apresenta a informação de forma satisfatória, sem parecer uma colcha de retalhos. Além disso, é esperado que versões futuras destes dispositivos exibam textos de forma mais agradável.
(*) Trabalha com conteúdo online desde 1996 e já passou por empresas de renome na Internet. Foi editor do AQUI!, extinta revista virtual do Cadê?, editor do canal Digital do portal StarMedia e coordenador de operações do Prêmio iBest. Realizou seminários e ministrou diversas palestras sobre jornalismo digital. Em fevereiro de 2000, criou o site Jornalistas da Web (JW), primeira publicação virtual brasileira sobre jornalismo online e cibercultura. Em 2005, criou e implantou a Biblioteca de Comunicação Digital e Cibercultura (BCCD) no campus 3 das Faculdades Integradas Hélio Alonso – FACHA, no Rio de Janeiro. Atualmente, Cavalcanti é pesquisador de mídias digitais e editor de conteúdo do JW.’
NOVA FOLHA
Manual destaca caminhos do novo projeto gráfico da Folha, 24/5/06
‘Desde que, nos anos 80, decidiu buscar a liderança do mercado de jornais, no Brasil, com o Projeto Folha e uma nova geração de jornalistas e intelectuais, mas sem perder de vista a experiência e o talento de profissionais da cepa de um Cláudio Abramo, a Folha de S. Paulo tem feito da inquietude e da vontade de inovar, de quebrar padrões, uma das suas principais características empresariais e editoriais.
Em que pese os vários defeitos que possam ser apontados ao jornal e à empresa, há que se reconhecer que a Folha tem mais acertado do que errado em seus caminhos, tanto que há mais de duas décadas mantém a liderança absoluta do mercado, por enquanto sem qualquer indício de que possa perder a hegemonia.
A coragem de quebrar paradigmas quando se é líder não é comum, fruto do pensamento que o dito popular bem retrata: em time que está ganhando não se mexe.
No caso da Folha, esse ditado nada representa. A filosofia da empresa, que pode de certo modo ser atribuída à figura do publisher Octavio Frias de Oliveira e do filho Otavio Frias Filho, que dirige a Redação, é mudar sempre, tentando se reinventar. Com todos os riscos que isso representa.
Não foi diferente agora, com o lançamento do novo projeto gráfico, feito no último domingo, 21 de maio. Após dois anos de planejamento e preparação, está aí a nova Folha, com seu novo visual, com um novo ritmo de leitura, nova hierarquia editorial, nova tipologia e, assim espera até o ombudsman do jornal, com a proposta de também melhorar o conteúdo. Essa, sem dúvida, é a parte mais difícil e vamos demorar um pouco até descobrir se foi bem sucedida.
Por conta do novo projeto, todos os profissionais da casa receberam no sábado (20/5), véspera da implantação do novo projeto gráfico, um Manual de Filosofia e Formatos, com um completo detalhamento das mudanças implementadas e as razões por que foram feitas. O trabalho foi produzido sob orientação da mesma equipe que cuidou da reforma e tem óbvias pretensões didáticas. O texto que abre o Manual, e que é assinado por Melchiades Filho e Massimo Gentile, dá o tom do que se pretende tanto com o Manual quanto com a reforma em si. J&Cia teve acesso a esse texto e o reproduz, na íntegra, sobretudo pela relevância do tema e também pelo interesse que pode eventualmente ter para os leitores deste Comunique-se:
‘O JORNAL EM DUAS VELOCIDADES – O mundo mudou muito e tem mudado muito, mas o leitor continua a manter uma relação emocional, íntima com o seu jornal. Os pesquisadores que recrutavam respondentes para os grupos de foco na virada para 2006 ficaram surpresos. À pergunta ‘Qual jornal você lê?’, quase todos respondiam: ‘Ah, eu assino a Folha!’. A troca de verbo era automática, como se o entrevistado fizesse questão de ressaltar o hábito decantado, a relação orgulhosa de consumo. Aos poucos, porém, essa mesma pessoa deixava escapar que o dia-a-dia de atribulações conspirava para afastá-la da convivência com o produto, papel e tinta. Hoje o leitor perde cada vez mais tempo no trânsito, dedica cada vez mais tempo à sua capacitação profissional, fala cada vez mais tempo ao celular, gasta cada vez mais tempo nos e-mails, despende cada vez mais tempo em novas plataformas de mídia. Quantos ainda cumprem uma jornada de trabalho 9h-17h? Por conta disso, o público fica extremamente grato toda vez que o jornal faz algo que facilite (não necessariamente acelere ou encurte) a sua experiência de leitura. A Folha ostenta um forte capital político e institucional, graças ao projeto editorial inovador e bem-sucedido que disseminou no jornalismo brasileiro conceitos como independência, pluralismo e apartidarismo. Mas outro forte atributo do produto é o fato de ser reconhecido como amigável, clean, divertido, bem diagramado, fácil de consultar. Essa particularidade não escapou aos integrantes da comissão interna que por mais de um ano debateu novos rumos e propôs as bases de um novo projeto. Teríamos de manter uma tradição de design arrojado, levá-la a um novo extremo, com o objetivo de atender um leitor sobrecarregado, mas ainda interessado no ato de se informar:
* aquele que busca os assuntos que lhe são caros (‘O que a minha Folha traz sobre o que me interessa?’);
* aquele que procura validar ou confrontar o que tomou conhecimento por outras mídias (‘O que a minha Folha diz acerca disso?’);
* aquele que pretende se surpreender com conteúdo (‘O que eu posso aprender hoje na minha Folha?’).
A reforma que as próximas páginas apresentam buscou evitar uma solução fast food. Não recorre a seções popularescas, não faz pirotecnia tipográfica nem impõe contorcionismos morfológicos. Tampouco lança uma cruzada antitexto, pelo contrário. A Folha não renunciará ao papel de diário mais influente do Brasil, líder do mercado de quality papers. Se o leitor se dispõe a penetrar, digamos, em sete assuntos por edição, cabe ao jornal zelar para que os sete assuntos estejam tratados com sofisticação. Daí a dupla ambição deste projeto: enriquecer o percurso e impedir a dispersão de quem apenas folheia o produto e, ao mesmo tempo, garantir a satisfação de quem mergulha no conteúdo. As novas ferramentas gráficas transcendem o aspecto visual. Servem de alavanca para o exercício de um jornalismo mais focado, analítico, minucioso e denso – um desafio que deverá implicar novos procedimentos e um repensar do fazer jornal.’
A Radiobrás e as eleições
Na semana passada, a Radiobrás publicou um Protocolo de Eleições, no qual reafirma sua condição de emissora pública, apartidária e focada no interesse público e onde também sugere à sociedade que participe, fiscalizando-a. É a primeira vez que uma emissora pública faz isso: mostrar qual é a pauta, como ela vai cobrir, quais são os deveres da equipe, o que pode ou não ser feito pelos profissionais (que não poderão, no exercício profissional, misturar suas próprias opções político-partidárias com a cobertura) etc. Ou seja, define que assuntos vai cobrir, professa imparcialidade e igualdade no tratamento a todos, define como deverá ser o comportamento profissional da equipe (e a própria equipe – que será criada especificamente para essa finalidade), e presta contas ao público, além de orientá-lo para que fiscalize esses procedimentos.
Pensando em termos de Brasil e de onde a Radiobrás está aninhada, esse é efetivamente um exemplo raro de órgão que não só reconhece como coloca em prática elementos focados no interesse público, como transparência, isonomia de tratamento, imparcialidade etc etc.
Está lá, no Protocolo de Eleições, que a Radiobrás não divulga pesquisa de intenção de voto; não promove debates, mas apenas entrevistas individuais; tem normas de conduta para funcionários que pretendam se candidatar; entre inúmeras outras regras.
Na semana passada, Eugênio Bucci, presidente da empresa, reuniu os funcionários e apresentou o Protocolo. Em seguida, deu entrevista para as emissoras do sistema e publicou o Protocolo, na íntegra, na internet, numa demonstração cabal de que tudo isso é para valer e não apenas um jogo de cena, como se poderia supor à primeira vista.
Oxalá, a Radiobrás consiga seguir em frente com essa proposta, resistindo às eventuais pressões políticas, de modo a fortalecer o jornalismo público em nosso País. Para aqueles que quiserem conferir o tal Protocolo, o endereço é www.radiobras.gov.br (ao lado da data, na linha alaranjada, clicar em Jornalismo na Radiobrás).
(*) É jornalista profissional formado pela Fundação Armando Álvares Penteado e co-autor de inúmeros projetos editoriais focados no jornalismo e na comunicação corporativa, entre eles o livro-guia ‘Fontes de Informação’ e o livro ‘Jornalistas Brasileiros – Quem é quem no Jornalismo de Economia’. Integra o Conselho Fiscal da Abracom – Associação Brasileira das Agências de Comunicação e é também colunista do jornal Unidade, do Sindicato dos Jornalistas Profissionais do Estado de São Paulo, além de dirigir e editar o informativo Jornalistas&Cia, da M&A Editora. É também diretor da Mega Brasil Comunicação, empresa responsável pela organização do Congresso Brasileiro de Jornalismo Empresarial, Assessoria de Imprensa e Relações Públicas.’
NO TEMPO DE JESUS
Evangelhos são releases, 25/5/06
‘Nestes tempos legais em que Judas não é mais Judas (ou será que é?), me inclino a pensar em como seria se tivéssemos imprensa naquela época. Exemplos (com a licença poética da contemporaneidade):
Jesus Cristo é condenado à morte
JERUSALÉM, Judéia (Gallia Presse)- O líder pacifista Jesus Cristo foi condenado à morte por crucificação. A sentença foi proferida nesta quarta-feira pelo procônsul de Roma em Jerusalém, Poncio Pilatos. Nos últimos dias, o governador romano vinha resistindo aos apelos dos acusadores, que teriam o beneplácito do sumo sacerdote Caifás, autoridade máxima do Sinédrio.
Ontem, porém, Pilatos cedeu à pressão dos ortodoxos, que estariam alarmados com o aumento da influência dos cristãos: ‘Lavo as minhas mãos. A estabilidade desta região é prioridade para o nosso imperador’, afirmou, em entrevista coletiva, após uma orgia com jornalistas convidados. Pilatos atendeu à reivindicação dos conservadores, que clamaram pela libertação do líder do PCC em Israel, Samuel Marcola Barrabás, em troca da condenação do rabi.
Cristo pregou ao longo dos anos em várias regiões da Judéia e provocou a fúria dos radicais. ‘Ele se declara filho de Deus e há quem diga que é o próprio Deus. Não toleraremos mais tais heresias’, disse à GP um sacerdote que pediu para não ser identificado.
Entidades de direitos humanos entraram em vigília tão-logo foi anunciada a decisão de Roma. ‘Esse homem nunca fez mal a ninguém, é um mártir da liberdade, tudo o que ele prega é paz e amor’, ressaltou Manuel Joaquim dos Santos, diretor-executivo da Vida para Todos, ONG sediada em Olissipo, Lusitânia.
A data da crucificação ainda não foi divulgada. Simpatizantes do acusado denunciaram supostos abusos das autoridades romanas. ‘Vamos encaminhar uma queixa formal à OPR (Organização das Províncias Romanas). Temos a informação de que Cristo está sendo torturado diariamente’. A Secretaria de Comunicação do Proconsulado negou a acusação de maus-tratos. ‘Não existe isso, ele será apenas crucificado, como determina a lei. Mas não podemos nos responsabilizar por um ou outro soldado exaltado’, justificou o assessor de imprensa Gnaeus Julius.
Judas nega traição
LONDINIUM, Britânia (Reuters)- ‘Não fui eu, isso é absurdo’, reagiu Judas Iscariotes, com grande indignação, ao seu questionado sobre a sua suposta participação na condenação de Jesus Cristo à morte na cruz. Tido como um dos principais líderes do movimento organizado pelo rabino judeu progressista, Iscariotes desembarcou ontem em Londinium, onde participará de uma reunião com onze secretários provinciais do tesouro romano. O ativista israelense voltará amanhã à Jerusalém, dois dias antes do previsto. Uma das razões do encontro seria a destinação de fundos para a construção da nova sede do Cristianismo em Castra Bonnensia, na Germânia. ‘Fui colhido, não sem grande surpresa e consternação, pela condenação de Jesus. Mas não nos entregaremos, se for necessário apelaremos ao próprio imperador Tibério. Tenho recebido palavras de compreensão de vários governadores das províncias. Eles prometeram interceder por Jesus’, assinalou o cristão.
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A bíblia é um livro portentoso. Uma sucessão de fatos, muitos deles históricos; vários outros, produto da imaginação e da propaganda. É uma pena que, naquela época, não tivéssemos jornais, muito menos jornalistas. Saberíamos a verdade. Ao menos depararíamos com várias versões mais confiáveis da verdade histórica. Não ficaríamos à mercê dos releases dos apóstolos e dos príncipes católicos que, ou aumentaram os fatos, ou adulteraram os originais ao bel-prazer dos interesses da Igreja.
Sujeitos como Dan Brown valeriam quanto pesam.
Mais, muito mais do que isso: riscaríamos dezenas de absurdos do rol das superstições e, conseqüentemente, do atraso.
(*) Jornalista, escritor, dramaturgo, ator, é autor de quatro livros, um deles, com a peça ‘Quando Dorme o Vilarejo’ (Prêmio Vladimir Herzog). No jornalismo, tem exercido várias funções ao longo dos anos, em veículos como allTV, TV Globo, TV Bandeirantes, TV Manchete, CNT, CBN, Radiobrás e Revista Imprensa, entre outros. Tem no currículo três prêmios em equipe: Esso e Ibest (2). Nascido em Brasília, filho de um oficial do Exército e de uma artista plástica, é paulistano de coração e torcedor de um clube do Rio de Janeiro: o Vasco da Gama – time que escolheu aos sete anos, quando morava no Rio Grande do Sul.’
O XIS DA QUESTÃO
Cara nova, velho jornal, 26/5/06
‘A Folha de S. Paulo fez uma reforma gráfica competente. Há que saudar a mudança. Mas o jornal poderia ter aproveitado a embalagem da mudança gráfica para ousar, também, mudanças importantes na estratégia editorial dos conteúdos. Poderia ter aproveitado o seu momento de mudanças visuais para romper, de vez, com a mesmice do nosso jornalismo impresso.
1. Rejuvenescimento
Tentei analisar com método e calma a reforma gráfica que mudou a cara da Folha de S. Paulo, mas faltou tempo. Viagens e compromissos me forçaram a adiar a tarefa para daqui a duas ou três semanas. Faço questão de dizer, entretanto, que me agradou bastante o desenho gráfico da edição de estréia da reforma, dia 21 passado.
Quem criou ‘a criança’ domina o assunto, tem um entendimento lúcido da função a ser cumprida pela linguagem gráfica em publicações jornalísticas. Sabe, no fundamental, que é uma linguagem tributária da leiturabilidade. Ou seja: sabe que a arte do visual terá de servir, prioritariamente, à pedagogia da leitura.
Leitor não compra jornal para apreciar desenho gráfico, mas para se informar e esclarecer sobre o que lhe interessa. E a esse fim deve servir a criatividade na diagramação. Mas há um complicador, sempre que se mexe na fisionomia de qualquer jornal com tradição e leitores fiéis: a identidade a preservar.
Os jornais, como as pessoas, são também conhecidos pela cara que têm. E a ‘cara que têm’, também à semelhança do que acontece com as pessoas, firma-se e afirma-se pela constância das particularidades estilísticas que a marcam. Nas pessoas, coisas como o jeito de olhar, sorrir e vestir.
Nos jornais, características como a tipologia predominante; o estilo da colunagem; o vigor e as relações de hierarquia dos títulos; a habitualidade das marcas mais fortes; a localização, o tamanho e o corte das fotos; a associação criativa de títulos e fotos; as simetrias e assimetrias das massas visuais; o uso dos brancos na acentuação de combinações de verticalidade e horizontalidade, em harmonias e contrastes que estimulam o leitor à descoberta das emoções de cada dia.
Também nesse aspecto – o da identidade – me pareceu que os criadores da reforma gráfica da Folha se deram bem. Fizeram a plástica de rejuvenescimento sem destruir o rosto.
2. O ‘novo’ e o ‘velho’
Estou curioso em saber se, na rotina do dia-a-dia, os editores e diagramadores da casa serão capazes e terão vontade de garantir constância às marcas mais fortes de estilo apresentadas pela edição inaugural. No acompanhamento superficial que fiz em dois ou três dias da semana, me parece que não.
A boa proposta da edição inaugural, de vigorosa verticalidade dos movimentos visuais, me parece estar sendo discretamente sabotada por truques de ‘maquiagem’ – talvez porque, com aquela verticalidade acentuada pelos claros valorizadores do texto, a Folha apresentada ao mercado no dia 21 ficou bastante parecida com o Jornal do Brasil dos melhores tempos.
Uma pena, se assim for, porque a estética gráfica da verticalidade favorece as interações entre leitor e texto. Além de propiciar, em jogos de harmonia e contraste, o pleno aproveitamento de todos os espaços da mancha, em especial aqueles sacrificados pelos velhos dogmas dos eixos diagonais, que dividiam a mancha em áreas nobres e áreas pobres.
De qualquer forma, há que saudar a mudança. Só que o jornal poderia ter aproveitado a embalagem da mudança gráfica para ousar, também, mudanças importantes na estratégia editorial dos conteúdos.
Quando fez a sua mais recente reforma gráfica, o Estadão mexeu no recheio editorial, melhorando-o. Porém, sem maiores ousadias. Até por isso, a Folha poderia ter aproveitado o seu momento de mudanças visuais para romper, de vez, com a mesmice do nosso jornalismo impresso.
É lamentável, por exemplo, que a capacidade de análise do articulismo, ou seja, o jornalismo das idéias, continue ausente das prioridades das primeiras páginas. Também já está na hora de pôr fim ao jornalismo voltado para o ontem dos nossos principais jornais diários, pautados pelos telejornais da véspera. E na perspectiva do ‘ontem’, repetem o ‘já sabido’ – na forma, no tom e nos conteúdos.
É uma pena que a Folha, visualmente renovada, continue a nos desencantar pela falta de novidade. Até as pesquisas do Datafolha viraram notícia velha…’
PORTA-VOZ
Al Jazira: a CNN do Terceiro Mundo, 22/5/06
‘A rede de TV Al Jazira já foi conhecida como ‘aquela emissora do Bin Laden’. Hoje, líder de audiência no Oriente Médio, tem o apelido de ‘CNN árabe’. Em junho próximo, inaugura a Al Jazira Internacional, o primeiro canal de língua inglesa no Oriente Médio. Em tempos de radicalismo no mundo e na mídia, quer se tornar a porta-voz da periferia internacional ou, a CNN do terceiro mundo.
O projeto é ambicioso e aqui entre nós, deve estar ‘nadando em dinheiro’. Montou centros em lugares estratégicos ao redor do mundo, como Doha, Kuala Lumpur, Londres e Washington D.C. Segundo o noticiário, o objetivo é oferecer uma ‘visão diferente’ com ‘todas as perspectivas da notícia, trazendo uma cobertura dos fatos que mostre os dois lados da informação’. É, pode ser.
Apesar do novo marketing, a Al Jazira ainda é acusada pelos americanos de ter ligação com o terrorismo e ‘incitar violência’ no Oriente Médio. Há alguns anos, o governo Bush planejou bombardear a sede da rede no Qatar. Sua cobertura internacional causa polêmicas e algumas vítimas. A rede tem inimigos poderosos em diversos países da região. Seus jornalistas foram mortos no Afeganistão e no Iraque pelas tropas americanas ou estão presos em vários países sob acusação de terrorismo. No Iraque, a Al Jazira divulga com certo orgulho que continua ‘banida’ pelos americanos.
Mas nem só os americanos estão de olho nos avanços da Al Jazira Internacional. Há alguns meses, a BBC e a TV francesa anunciaram que vão lançar suas próprias redes árabes. Querem continuar controlando o fluxo de notícias. O mercado ‘fechado’ das agências internacionais, principalmente no segmento televisivo, permanece solidamente dominado pelos países ricos. Eles sabem que em um mundo cada vez mais globalizado o poder é sinônimo de informações que geram decisões políticas, econômicas e militares.
A competição nesse mercado é feroz e não admite descaso ou acomodações. Hoje mesmo a maior agência internacional de notícias, a Associated Press, anunciou que o seu ‘braço’ televisivo, a APTN, inaugura um escritório na Coréia do Norte. Após intensas ‘negociações’ com as autoridades norte-coreanas, os sempre pragmáticos executivos de mídia americanos garantiram exclusividade na cobertura de uma das regiões mais estratégicas do mundo. Assim como a guerra ao terror, a guerra pelas notícias internacionais está só começando.
Investimentos e código de ética
Apesar das dificuldades, os responsáveis pela Al Jazira Internacional parecem dispostos a enfrentar a hegemonia das agências americanas. No momento, não só investem milhões de dólares em equipamentos e tecnologia de ponta como contratam alguns dos melhores profissionais do mercado. Entre eles, destaco o diretor geral, Nigel Parsons.
Conheço Nigel há muitos anos. Fomos correspondentes da Worldwide Television News na América Latina e participamos de diversas coberturas internacionais, como a Copa do Mundo no México em 86. Boa parte dos novos executivos e jornalistas da Al Jazira é proveniente de grandes empresas de mídia ocidentais. Os executivos árabes reconhecem a competência da competição. Após anos na APTN, Nigel foi contratado pela rede árabe. Assim como a Al Jazira, ele é muito ambicioso.
Em entrevista ao Valor Econômico, ele diz que ‘o objetivo da rede é atingir via cabo, satélite ou internet um universo de 30 a 40 milhões de residências em todo o mundo’.
A proposta editorial também é muito ambiciosa: ‘a Al Jazira Internacional quer abordar cada assunto de forma mais abrangente possível, para fazer que os telespectadores de diferentes regiões se interessem pelo mesmo acontecimento e entendam como ele afeta sua vida’.
Para isso, destaca e divulga os princípios profissionais de seu código de ética (ver aqui)
• Adotar os valores jornalísticos de honestidade, coragem, justiça, equilíbrio, independência, credibilidade e diversidade.
• Compromisso pela busca da verdade e por sua exposição
• Abordar qualquer assunto com a preocupação de apresentar os fatos de maneira clara, factual e precisa.
• Apresentar diferentes pontos-de-vista e opiniões sem preconceito ou parcialidade.
• Reconhecer a diversidade das sociedades, com todas as suas raças, culturas e crenças, seus valores e individualidades, para apresentá-las de maneira não-distorcida e honesta.
• Reconhecer erros quando eles ocorrerem, corrigi-los prontamente e procurar garantir que não se repitam.
É, pode ser. Como todo código de ética, é repleto de boas intenções. Mas também há um enorme e evidente interesse financeiro e ideológico nesse projeto de mídia globalizada. Assim como os chineses no mercado internacional, os árabes estão preenchendo espaços nos corações e mentes do público mundial.
Brasil na Al Jazira
Em relação à América Latina, Parsons diz que ‘a intenção é cobrir a região com um ponto de vista alternativo – diferente do das grandes potências ocidentais (EUA e europeus) – em assuntos polêmicos como a campanha dos EUA contra o presidente Hugo Chávez, da Venezuela, e a influência americana nas constantes turbulências políticas na América Central’. Mas a localização estratégica de um escritório em Caracas na Venezuela revela interesses jornalísticos e ideológicos.
‘Não queremos ser um canal anti-americano. Vamos tentar cobrir a América Latina com profissionais latino-americanos nos dizendo o que é importante para a população da região’, afirma Nigel Parsons. Ele explica que a rede tentará ser mais investigativa, ouvindo a população e não apenas fontes oficiais. Ele obviamente não diz quanto esperam ‘lucrar’ na região e quantos profissionais locais serão contratados pela rede.
Mas, certamente, há vagas para jornalistas brasileiros. Segundo O Globo deste final de semana (ver aqui), uma jornalista carioca, Karina Gomes, 28, já está trabalhando nos escritórios da rede em Washington.
Por enquanto, a Al Jazira deve agir como todas as agências internacionais de TV no passado. Eles pretendem cobrir o território brasileiro diretamente da capital do hemisfério, Buenos Aires.
E enquanto não encontram um jovem correspondente brasileiro ambicioso e competente para cobrir o país, a ex-correspondente e chefe do bureau da CNN em Cuba Lucia Newman virá regularmente ao Brasil em busca de boas histórias. Para isso, já estaria até aprendendo a falar ‘portunhol’.
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No momento, a Al Jazira Internacional está somente em fase de ‘testes’. Seus jornalistas não cobriram a crise do gás com a Bolívia e a violência em São Paulo com a tal ‘visão diferente’. Mas, pelo jeito, não faltarão boas matérias no Brasil. No campo da violência e das crises, conseguimos sempre surpreender o mundo.
Conselho aos navegantes
Em relação ao jornalismo, a Al Jazira busca parcerias com redes abertas para compra e venda de imagens. Seus executivos já entraram em contato com a direção da Globo e da Record e não devem encontrar maiores dificuldades.
Em termos de ‘negócios’ e negociatas, os tradicionais ‘mercadores árabes’ da rede Al Jazira terão muito a aprender com os donos das nossas ‘capitanias hereditárias’ televisivas. Eles pretendem oferecer o novo canal para as redes por assinatura a cabo e satélite. Ou seja, estarão diante dos ditames do sistema Net/Globo, um ‘quase’ monopólio.
Antes de negociar com os mercadores locais, os executivos da Al Jazira deveriam investigar as dificuldades de outras redes de notícias internacionais como a BBC ou o serviço em espanhol da CNN para se estabelecer no Brasil.
Ao ameaçarem a hegemonia do seu canal de notícias, a Globonews, a Net costuma ‘misteriosamente’ reposicionar seus canais.
Nos últimos dias, aqui no Rio, o serviço mundial da BBC que há alguns anos estava no canal 28, foi transferido para os confins quase inacessíveis do canal 98. Só consegui relocalizar a BBC na grade após uma pequena nota do jornalista Ancelmo Gois. Assim como eu, ele confessou que também estava muito insatisfeito com a mudança súbita e não divulgada de canais. E, para aumentar a minha surpresa e indignação, a mesma Net fez questão de colocar um canal pornográfico no espaço anteriormente ocupado pela BBC. Deve ter sido mera coincidência.
Quanto à CNN Internacional, o excelente serviço em espanhol da rede americana, simplesmente desapareceu da grade dos assinantes básicos. Muito estranho, mas sempre muito previsível.
A Al Jazira Internacional deve ter cuidado ao negociar sua vinda para o Brasil. Se conseguir um canal na grade da Net/Globo e fizer sucesso, a CNN do Terceiro Mundo pode se tornar a mais nova vítima de remanejamentos técnicos inevitáveis. Deve ser mesmo muito difícil competir com o poder americano e com a inquestionável qualidade da televisão brasileira.’
VÍTIMAS DA REDE
Fotos de sexo no Orkut…, 26/5/06
‘Boatos na internet potencializaram o pânico das pessoas durante os ataques do PCC há menos de 15 dias. Meses atrás, a Justiça obrigou um sujeito a indenizar uma agência de turismo por publicar na internet a comunidade ‘Eu fui enganado pela agência tal’. Agora, uma família junta os cacos depois de fotos terem sido publicadas na web. Com uma boa dose de habilidade, uma repórter chamou a atenção por ter entrevistado a jovem humilhada no site de relacionamento do Orkut. Os bastidores dessa matéria são o tema da coluna desta semana.
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Dois homens e uma garota numa cena de sexo. Rapidamente, as imagens se espalharam pela internet, dia 11 de abril deste ano, e trucidaram a vida da família da estudante de Direito que, supostamente, aparecia nas imagens. Resultado: alvo dos mais baixos adjetivos, a vida da jovem e de seus pais, na pequena cidade de Pompéia (SP), não será mais a mesma. Entrevistar a família, fazer fotos de pai, mãe e filha eram as missões da repórter. Na primeira tentativa, a resposta foi óbvia:
– A Francine está estudando porque perdeu muitas provas na faculdade – foi a desculpa que deu a mãe, dona Rose, por telefone.
Pouco mais de uma semana depois, lá estavam a jovem de 20 anos, seus pais e a repórter Eliane Brum, conversando em meio aos cliques do fotógrafo Maurilo Clareto, para a revista Época. Um jogo de convencimento e comprometimento que resultou numa matéria que surpreendeu por estampar nome, sobrenome e hábitos de uma família que, antes escondida, aceitou assumir o papel que lhe cabe: vítima de violação de privacidade.
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Francine Favoretto de Resende já tinha dado entrevistas e não queria mais falar sobre as fotos que, no site de relacionamento Orkut, foram vistas por milhões de pessoas. Na versão da família Resende, trata-se de uma montagem. Na ótica da jornalista, a veracidade das fotos não vinha ao caso. O fato a ser exposto era de invasão de privacidade seguida de uma reação cruel nos dois ambientes: virtual e real. Foi esse o primeiro argumento utilizado para conseguir a entrevista.
‘Nesses momentos, é difícil [para o entrevistado] confiar em alguém que ele não conhece’, diz Eliane. A saída foi explicar a Rose que sua especialidade era, há quase 20 anos, a área de Direitos Humanos. Ao enviar por fax matérias anteriores de sua autoria, conseguiu provar que sua intenção não era tripudiar sobre a desgraça dos personagens.
Respeito
Renata Leal, outra jornalista de Época havia guardado as páginas do Orkut com os cerca de 20 mil comentários, quase todos de teor discriminatório ou chulo. Eles fizeram um estrago. Primeiro, a estudante perdeu o namorado. Em seguida, teve de sair escoltada da sala de aula da faculdade onde estuda. Depois, deixou de sair de casa. Por fim, estuda se mudar de cidade.
Sem controle sobre o próprio cotidiano, Francine aceitou receber a reportagem. ‘Não usei exatamente uma estratégia de convencimento. O segredo é o respeito ao entrevistado. Falando a verdade, tudo fica mais fácil’. A jornalista e o fotógrafo viajaram 470 quilômetros até Pompéia, uma pequena cidade de 18 mil habitantes, no interior de São Paulo.
Encontro
No dia 2 de maio, a entrevista. Eliane não pôde deixar de observar que Francine usava um cachecol. Não fazia frio. Talvez ela escondesse, inconscientemente, qualquer sinal de nudez. A entrevista foi feita em uma tarde inteira. Num sofá, mãe e filha. No outro, a jornalista.
– Desabou o mundo. Quero vender a loja e ir embora. Tenho vergonha. Sempre fui honesta. Agora fomos rotulados. Mas vou limpar o nome da minha filha – foi a frase de Rose que resumiu o sentimento da família e, por isso, ganhou destaque na matéria.
Passar a mão
No dia 3 de maio, uma quarta-feira, Eliane foi até Marília. Ali, 20 dias antes, um grupo de estudantes se amontoou para ver quem era a pessoa que ficara famosa da maneira mais degradante possível. Francine teve de ir embora escoltada pela polícia.
Eliane chegou sem estardalhaço a Marília. Marcou entrevista com um professor da faculdade, mas ele foi proibido de falar. Conversou, então, com estudantes. Enquanto falava com um grupo, uma aluna ouvia a conversa a alguns metros de distância. Primeiro, ficou observando. ‘De repente, ela veio falar comigo. Achou um exagero que eu estivesse fazendo uma matéria sobre um fato que, na opinião dela, não merecia tanto destaque’.
– Ela não seria linchada, ninguém ia agredi-la fisicamente. Se a polícia não chegasse, no máximo ficariam passando a mão na bunda dela – argumentou a estudante de Direito. Logo de Direito.
Foi difícil conseguir essa e outras declarações? ‘Não. Foi até fácil. Assim como na internet, as pessoas aceitam falar desde que não sejam identificadas. O que me chama a atenção é justamente a reação das pessoas, que fizeram comentários maldosos e preconceituosos’. Maldosos, preconceituosos, anônimos e, portanto, covardes.
A reportagem foi publicada em cinco páginas da edição 417 de Época, de 15 de maio de 2006. O diretor de redação, Hélio Gurovitz, destacou, no editorial intitulado ‘Delicadeza e Jornalismo’, a façanha da repórter de dar identidade e direito de defesa da honra a família vítima de invasão de privacidade. A matéria ganhou destaque pela abordagem. A fofoca fica aquém do nível mais rasteiro. ‘Ralamos muito porque chegamos em um momento em que as pessoas estavam culpando a mídia pela proporção do caso e não queriam falar. O resto é respeito pelos entrevistados e olhar para o lugar certo’.’
SP SOB ATAQUE
É hora de a mídia assumir a defesa dos direitos humanos, 25/5/06
‘Um dos inúmeros emails recebidos pela Agência Repórter Social desde a última onda de violência em São Paulo parte para a ameaça, a partir da ‘constatação’ de que a culpa pelo que vem acontecendo no estado é da ‘turma dos direitos humanos’, da qual, segundo os missivistas, fazem parte os jornalistas que cobrem o tema:
– Agora todos se moverão….para fazer a limpeza absoluta….vejo cada vez mais pessoas tão normais como o padeiro, jornaleiro, ou mesmo aquele senhor que só via TV…..vai ser difícil segurar isso dos emburralhados brasileiros…uma hora todos vão acordar e aí eu quero ver de que lado vocês vão estar….se forem espertos e volúveis farão a coisa certa e sairão de nossos caminhos…
A guerra fria entre os defensores da civilização e da barbárie no Brasil ganhou seu marco no histórico fim de semana paulista (13 e 14 de março). E a mídia não pode continuar indiferente a isso, sob pena de ser vítima ou cúmplice do pensamento e das ações de extrema-direita que se afirmam – da legitimação das matanças cometidas por policiais à refundação dos esquadrões da morte.
É certo que há um descaso histórico da mídia, tanto em relação aos abusos praticados por policiais como em relação à extensão e motivações do crime em escala, organizado ou não. Uma informação em matéria de Bruno Paes Manso no Estadão, na segunda-feira 15, sintetiza o problema: entre 1981 e o ano passado, 12.862 civis foram mortos pela polícia paulista; entre 1982 e 2005, 960 policiais foram mortos em combate.
Essa série histórica explica muito o que está acontecendo em São Paulo, muito antes de Marcola aprender os rudimentos do punguismo ou Saulo de Castro Abreu Filho ousar pensar que poderia ser um secretário da Segurança eficiente.
Diante da necessidade de pés no chão, porém, o que se assiste é uma mídia com a cabeça enfiada no chão, feito avestruz, como se não tivesse de tomar uma posição clara – de reportagens de campo na periferia a editoriais de primeira página – a favor do Estado Democrático de Direito. A melhor ‘reportagem’ a respeito foi uma entrevista do escritor Ferréz a Bia Barbosa, na Agência Carta Maior, após ele denunciar em seu blog (um blog!) o horror nazista dos últimos dias no Capão Redondo, onde vive.
Que fique claro que não se trata aqui de a mídia assumir posições ‘de esquerda’, pois esta não tem exclusividade nem tanta coerência em relação à defesa dos direitos humanos. Basta citar a promessa do candidato petista ao governo estadual, em 2002, de ‘pôr a Rota nas ruas’, brandindo o bordão malufista que, na prática, significa licença para matar; ou o recente pronunciamento do comunista Aldo Rebelo sobre direitos humanos, para ele algo dissociável dos direitos dos bandidos, como no imaginário popular de extrema-direita.
Se as extremas esquerda e direita aceitam regimes de exceção, leis de exceção, que todo o resto da sociedade acorde em defesa do que resta de uma nação. Para isso, os jornalistas precisam se lembrar diariamente – das reuniões de pauta à decisão sobre o que vai para a primeira página – que devem defender a Constituição e os tratados internacionais de defesa dos direitos, a começar da Declaração Universal dos Direitos Humanos, de 1948.
Em 1948, no início da guerra fria, aquilo poderia soar quase como poesia. Mas boa parte das conquistas sociais das últimas décadas deriva daquele momento de bom senso – fruto, por sua vez, do trauma e do medo. Em 2006, no Brasil e não somente em São Paulo, o ovo da serpente está colocado, para quem ainda não teve sua razão totalmente amortecida. E não podemos esperar a guerra civil se afirmar e a situação explodir ainda mais para perceber a dimensão da nossa responsabilidade.
Todos precisam dizer: a ‘turma dos direitos humanos’ somos todos nós, e não o grupo de militantes que heroicamente desafia todos os dias os preconceitos, como se fossem párias – e não pontas-de-lança do que a nossa sociedade tem de melhor. Defender os direitos humanos é defender o Estado, o Brasil, até mesmo a liberdade de defender posições de direita (mas não extrema-direita).
Juristas, em sua maioria na faixa dos 70 anos, têm se posicionado em manifestos recentes com dignidade, presteza e palavras de sabedoria diante da escalada de violência, de ambos os lados da barbárie. Os jornalistas e donos de meios de comunicação, meio que tateando superficialmente nossas conquistas civilizatórias, ainda não – talvez estejam achando que não é com eles.
(*) Jornalista responsável pela Agência Repórter Social / Fonte:Repórter Social’
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