Monday, 23 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

Comunique-se

CRÍTICA DE MÍDIA
Milton Graça

Maria Inês Nassif e o Papa debatem foco da imprensa, 28/07

‘Dois textos divulgados no mesmo dia – 24/7 – mas separados por milhares de quilômetros – um, escrito por Maria Inês Nassif e publicado pelo jornal VALOR; outro, um discurso em Washington pelo embaixador venezuelano na OEA – tiveram o coincidente propósito de apontar erros da imprensa, embora sem contestar o pleno direito democrático à liberdade de informação e de opinião.

A competentíssima Maria Inês, editora de opinião de VALOR, sob o irônico título ‘Esqueceram que Dantas era o acusado’, procurou mostrar que o foco da imprensa, durante a Operação Satyagraha da Polícia Federal , inicialmente dirigiu-se (limitando-se a informar) às prisões de Dantas e outros – subordinados ou parceiros nas operações suspeitas do Opportunity. Mas, num segundo momento, ‘embarcou’ nas queixas e acusações do ministro Gilmar Mendes, do STF, em que os acusados principais passaram a ser a PF e o Ministério Público. ‘Sob pressão da mídia, o ministro da Justiça, Tarso Genro, e a direção da Polícia Federal forçaram o afastamento dos delegados responsáveis pelo inquérito’. E, daí em diante, o governo foi ‘sentado’ no banco dos réus, por ter abortado a ação saneadora dos delegados Protógenes & auxiliares.

Enfim, os negócios de Daniel Dantas só foram assunto principal no primeiro capítulo da novela. Maria Inês reconhece ser difícil cobrar coerência da mídia, quando os fatos se sucedem com grande rapidez. Mas essa ‘oscilação de foco’ pode provocar efeitos indesejáveis. Neste acaso, ajudou a defesa de Dantas.

Não quero privar vocês da leitura integral da coluna de Maria Inês (disponível para assinantes), que deveria ser distribuída por todos os órgãos de imprensa a seus jornalistas. É uma aula e uma autocrítica que todos deveríamos ler e aproveitar.

No Conselho Permanente da Organização dos Estados Americanos, o embaixador Roy Chaderton Matos fez um interessante discurso de estréia como representante da Venezuela, da qual só se publicaram aqui pequenos trechos (veja a íntegra). Roy relembrou que a OEA sempre proclamou intransigente defesa da liberdade, mas também sempre foi complacente com os muitos ditadores de plantão. E que estes cavalheiros em geral também puderam contar com o apoio da maioria dos órgãos de comunicação na repressão aos opositores.

E Roy cita esta mensagem do papa João Paulo II à XXXII Jornada das Comunicações Sociais, em 1998, que, como Maria Inês Nassif, curiosamente também discute possíveis erros de foco da imprensa:

‘Os meios de comunicação também podem ser usados para bloquear a comunidade e menosprezar o bem-estar integral das pessoas, alienando-as, marginalizando-as e isolando-as; arrastando-as para comunidades perversas, organizadas em torno de valores falsos e destrutivos; favorecendo a hostilidade e o conflito; criticando excessivamenteoutras pessoas e criando a manetalidade de ‘nós’ contra ‘eles’; apresentando o que é soez e degradante como um aspecto atraente, ignorando e ridicularizando o que eleva e enobrece. Podem difundir notícias falsas e desinformação, favorecendo a trivialidade e a banalidade. Os tópicos – baseados na raça e na origem étnica, no sexo, na idade e em outros fatores incluindo a religião – são tristemente comuns em nossos meios de comunicação.

‘Os meios de comunicação são usados às vezes para construir e apoiar sistemas econômicos que servem à cobiça e à avidez. O neoliberalismo é um caso típico: fazendo referência a uma concepção economicista do homem, considera os lucros e as leis do mercado como parâmetros absolutos, em detrimento da dignidade e do respeito das pessoas e dos povos.’

Eu ainda não conhecia essa crítica de João Paulo II às idéias de Armínio Fraga, Paulo Guedes, Henrique Meireles, Gustavo Loyola e tantos outros economistas famosos, considerados em alguns círculos brasileiros como mais infalíveis do que o Papa…

(*) Milton Coelho da Graça, 77, jornalista desde 1959. Foi editor-chefe de O Globo e outros jornais (inclusive os clandestinos Notícias Censuradas e Resistência), das revistas Realidade, IstoÉ, 4 Rodas, Placar, Intervalo e deste Comunique-se.’

 

 

IMPRENSA REGIONAL
Sérgio Matsuura

Jornal é recolhido das bancas por decisão do TRE de Santa Catarina, 1/08

‘O Tribunal Regional Eleitoral de Santa Catarina determinou que todos os exemplares de uma edição do jornal semanal Impacto sejam recolhidos. A decisão é do juiz eleitoral Luiz Henrique Martins, que acatou pedido do prefeito de Florianópolis e candidato à reeleição, Dário Elias Berger.

O motivo do pedido foi a publicação de matéria que ‘ataca a administração do representante e do atual governador, aliados políticos, numa clara e inequívoca demonstração de abuso e de verdadeiro crime eleitoral, usando palavras de baixo calão’, conforme os autores da representação.

A ação se refere à manchete estampada na primeira página do jornal com o título de ‘Companheiros da aliança estão cada vez mais atolados na m…!’. O veículo também publicou uma charge, com Dário Berger dizendo: ‘Companheiro, nós dois vamos nos afogar na m…’. A matéria se refere a um relatório da CPI da Moeda Verde que ‘não deixa dúvidas de que negócios contrários ao interesse público foram promovidos para facilitar determinados segmentos’.

Para o juiz, ‘o jornal representado saltou os limites do aceitável. Necessário destacar que a imprensa é livre. E isso é necessário para a sobrevivência da democracia. No entanto não pode essa mesma liberdade transformar-se em tirania, em método de ridicularização com os objetivos eleitorais’. A decisão diz ainda que ‘a manchete degrada, pois tacha o prefeito da capital de corrupto, e ridiculariza, já que o coloca com o governador do Estado em situação de pilhéria’.

O diretor do Impacto, Olívio Beltrão Júnior, criticou o pedido feito por Berger e afirmou que, ao pedir o recolhimento do jornal, o candidato está cerceando a liberdade de imprensa.

‘O gestor público está passível de críticas. Ele quer calar a imprensa. O que choca mais, usar a palavra ‘m…’ ou ter o prefeito com pedido de indiciamento por corrupção feito pela Polícia Federal?’

Apenas dez exemplares foram recolhidos, pois a decisão foi tomada no último dia de circulação da edição. Entretanto, o jornal também teve que ser retirado do site da internet.

‘Decisão judicial se cumpre. Em momento algum iremos contrariar, mas hoje (01/08) vamos protocolar nossa defesa’, diz Beltrão Júnior.

Até o fechamento desta matéria, a assessoria do candidato não se pronunciou sobre o assunto.’

 

 

MERCADO EDITORIAL
Comunique-se

IVC registra aumento de 8,1% na circulação de jornais impressos no país, 1/08

‘Ao contrário do que acontece nos Estados Unidos, onde o jornal impresso parece estar com os dias contados, no Brasil o setor continua crescendo. De acordo com o Instituto Verificador de Circulação (IVC), no primeiro semestre deste ano a circulação dos jornais filiados à entidade aumentou 8,1% em relação ao mesmo período de 2007.

Segundo os dados do IVC, em média, 4.392.281 exemplares circularam diariamente no país. No mesmo período do ano passado, a média de circulação diária foi de 4.062.307.

Para o diretor do IVC, Ricardo Costa, esses números demonstram o bom momento do meio jornal no Brasil, confirmando crescimento contínuo nos últimos quatro anos.’

 

 

PRÊMIOS EM JORNALISMO
Marianna Senderowicz

As dificuldades de pequenos veículos nas premiações nacionais, 1/08

‘Ganhar um prêmio de jornalismo é desejo da maioria dos veículos de comunicação, mas são poucos aqueles que conseguem destaque em disputas de nível nacional. Esso, Abecip, Sebrae, Ethos e Caixa são apenas alguns exemplos de concursos que, via de regra, acabam elegendo grandes emissoras ou jornais, ficando os pequenos veículos de fora na maioria dos casos.

No Rio Grande do Sul, grandes redes como RBS, Record – antiga Caldas Júnior – e Band são as mais cotadas em função, principalmente, ao maior acesso a fontes e informações. Na opinião de Ercy Torma, presidente da Assoiação Riograndense de Imprensa (ARI), isso se deve a vantagens para a produção de conteúdo. ‘Elas possuem uma estrutura bem maior que veículos alternativos. Além disso, os repórteres passam a ser conhecidos nos locais onde circulam, tendo mais facilidade para obter informações’, aponta.

Mesmo assim, em disputas nacionais as grandes empresas de comunicação gaúchas também sofrem para concorrer com veículos do centro país – basicamente de São Paulo, Rio de Janeiro e Brasília. ‘Por isso criamos categorias regionais de competição’, explica Luiz Freitas, coordenador do Prêmio Imprensa Embratel. Na edição mais recente do concurso, realizada em 2007, apenas um veículo de cidade do interior venceu uma categoria nacional (Jornal Bom Dia, de Sorocaba-SP, em Jornalismo Cultural), sendo a RBS a única empresa gaúcha agraciada. Freitas conta que a pré-seleção e a avaliação dos juízes se restringem à qualidade das peças, independentemente do porte dos inscritos. ‘Existe uma participação bem maior dos veículos de grande circulação, então fica difícil de competir em termos de volume de material’, acrescenta.

De 75 finalistas do Prêmio Press 2007, promovido pela editora gaúcha Press e Advertising, apenas seis representam veículos de tiragem reduzida, sendo que nenhum foi eleito na votação final. Para Julio Ribeiro, diretor da editora, o formato da votação é um dos motivos. ‘Já tivemos como Jornalista do Ano – principal categoria da premiação – um repórter do Jornal Já, além de vários destaques de pequenas rádios do interior. No entanto, dada a formulação de eleição (indicações de profissionais da área e do público em geral dão origem aos finalistas) é natural que profissionais mais conhecidos, ou que atuam em estruturas maiores, consigam mais votos’, justifica.

Tamanho é documento?

O Já Porto Alegre – que hoje se divide na Revista Já e no Já Bom Fim/Moinhos – não venceu apenas o Prêmio Press (2005). Único jornal comunitário gaúcho a ganhar um Prêmio Esso de Reportagem (2004), também comemora primeiros lugares em concursos da ARI (2005 e 2006) e da Fepam (2005). O impresso, de periodicidade quinzenal, concorreu com redes de todo o país e, para Nara Hofmeister, editora executiva, destacou-se por saber aproveitar uma pauta que não demandava grandes investimentos – a morte de um garoto de 20 anos que praticava body modification (mudanças corporais a partir de tatuagens, implantes e mutilações).

‘Uma das dificuldades dos veículos que não pertencem à grande mídia é a ausência de recursos para uma longa reportagem, que geralmente exige muito tempo, viagens e infra-estrutura. No nosso caso, fizemos a investigação em locais acessíveis, como o centro da cidade e uma delegacia’, conta. A jornalista acrescenta que, na maioria das vezes, pequenos veículos também não possuem condições financeiras de contratar profissionais de renome, o que pode influenciar no resultado final do trabalho. ‘Os grandes jornalistas costumam estar em veículos grandes.’

Mesmo assim, Naira lembra que é em veículos de circulação mais espaçada que estão as oportunidades de aprofundar temas. ‘Jornais menores não estão pautados por uma agenda diária e podem explorar melhor os assuntos, de uma maneira que quase nenhum jornal diário faz. O próprio Já Bom Fim/Moinhos, que circula apenas em algumas regiões da cidade, publica matérias de extrema relevância para a comunidade e sobre temas nos quais os grandes jornais não conseguem prestar atenção.’ Torma, da ARI, concorda e vai além: ‘No próprio Prêmio ARI temos diversos vencedores do interior ou de jornais alternativos. Certa vez, uma grande rede chegou a nos criticar por investir milhões na produção de um jornal e perder para uma publicação pequena, mas nem sempre o dinheiro dá origem às melhores matérias’.’

 

 

OLIMPÍADAS 2008
Eduardo Ribeiro

Jogos Olímpicos de Pequim vão mobilizar 21.600 jornalistas do mundo todo, 30/07

‘No dia 8/8, abertura dos Jogos Olímpicos de Pequim, cerca de 21.600 jornalistas de todos os continentes estarão com suas câmaras, lap-tops, olhos e ouvidos atentos aos pequenos detalhes e grandes acontecimentos do maior espetáculo esportivo da Terra. Esse exército de profissionais ficará alojado na Vila dos Jornalistas, especialmente construída para abrigar quem terá a responsabilidade de mostrar para os bilhões de telespectadores, leitores e ouvintes o que de melhor o esporte olímpico apresentar.

Desse total, 5.600 são de mídia impressa e internet, 12 mil das tevês e rádios detentoras dos direitos e 4 mil da emissora de tevê que gera as imagens oficiais, conforme revelou a editora regional deste J&Cia no Rio de Janeiro, Cristina Vaz de Carvalho. Do Brasil, 45 veículos vão participar da cobertura: 35 de mídia impressa, cinco tevês, quatro rádios e o Terra, único portal a adquirir os direitos e que terá vários canais simultâneos de transmissão.

E como vão se virar as outras centenas de veículos que não conseguiram credenciamento para suas equipes, seja porque o número de credenciais é efetivamente limitado, seja por absoluta impossibilidade financeira?

O salva-pautas, neste caso, será uma agência de comunicação especialmente contratada pelo COB – Comitê Olímpico Brasileiro, para fazer tanto o trabalho de assessoria de imprensa, propriamente dita, intermediando os inúmeros pedidos de entrevistas com atletas e dirigentes (mídia brasileira e internacional), e também para atuar como uma agência de notícias, cobrindo todas as atividades em que os brasileiros estiverem competindo. Essa agência é a Textual, dirigida por Carina de Almeida, que tem sede no Rio de Janeiro e hoje é reconhecida internacionalmente nesta área.

Carina e sua equipe estarão novamente a postos, na China e no Brasil. Aliás, um time composto por 16 pessoas, entre redatores, fotógrafos e assessores já está em Pequim, desde 25/7, cobrindo a chegada dos atletas, Carina, que segue na semana que vem, responde pela direção geral dos trabalhos e conta com Cláudio Motta, Christian Dawes, Daniel Varsano e Marcelo Valença. No Rio, permanece Márcia Esch como apoio.

Os resultados e o material consolidado estarão disponíveis no site da entidade, no endereço www.cob.org.br, permitindo que mesmo jornais e outros veículos sem equipes na China cubram o evento, à distância. Para se ter uma idéia do aproveitamento do que é produzido pela agência, nas Olimpíadas de Atenas 60% das fotos de brasileiros publicadas no mundo foram distribuídas pelo COB. Na ocasião, a agência expediu 202 releases, 853 flashes e notas, e 1.263 fotos. Com mais de 30 competições para cobrir em 15 dias, mesmo os veículos que têm profissionais credenciados às vezes preferem usar parte do material oficial e investir seus recursos em pautas diferenciadas.

A primeira experiência da Textual em Olimpíadas foi em 1996, em Atlanta, atendendo à Coca-Cola, um dos patrocinadores dos Jogos e também cliente da agência que, por este trabalho, recebeu o Prêmio Aberje. Dois anos depois, foi chamada pelo COB e, desde então, já trabalhou em três Olimpíadas, além dos Jogos Olímpicos de Inverno – nos quais o Brasil tem pequena participação, mas comparece – e dos Jogos Pan-americanos. No ano passado, fez a parte de imprensa do Pan no Brasil, com a montagem da infra-estrutura necessária, realizando um trabalho reconhecido.

Se na cobertura de imprensa vamos, como tudo faz crer, dar um show, o negócio agora é torcer para que também nas quadras e arenas de Pequim nossas equipes e atletas façam o mesmo, trazendo para o Brasil grande número de medalhas.

Boa sorte aos nossos meninos e meninas (mesmo aos nem tanto). E excelente trabalho ao nosso pequeno exército de jornalistas que se envolverão nessa mágica competição.’

 

DIRETÓRIO ACADÊMICO
Carlos Chaparro

Uma história que revela a nova fisionomia das fontes, 29/07

‘O texto anterior, sobre o lançamento do Troféu Especial de Imprensa ONU: 60 anos da Declaração de Direitos Humanos/Prêmios Vladimir Herzog, terminava com as queixas de Sérgio Gomes sobre o total desinteresse da imprensa por esse evento de inquestionável importância política e cultural. Nem uma só notícia saiu nos nossos jornais. Nem no rádio. Nem na televisão.

No seu lamento (lembram-se?), Sérgio Gomes fez a pergunta a que prometi responder: ‘Chaparro, o que acontece com a pauta jornalística?’.

Dividirei a resposta em duas partes. Na primeira, e neste texto, contarei uma história verídica, que há 19 anos guardo para um livro que espero terminar ainda este ano – história que em parte antecipo para os meus poucos leitores do Comunique-se. A outra parte da resposta ficará para a próxima semana, com a reflexão teórica sobre a questão essencial: a nova fisionomia das fontes jornalísticas.

Vamos então à história, que resumirei o mais possível, mas que ainda assim será um tanto longa.

De volta ao sequestro de Abílio Diniz…

No dia 11 de dezembro de 1989, um grupo de militância política clandestina, vinculado a movimentos da guerrilha latino-americana, seqüestrou em São Paulo o empresário Abílio Diniz. Seis dias depois, a polícia invadiu o cativeiro, libertou o empresário e prendeu todos os seqüestradores – um grupo de dez, entre canadenses, chilenos, argentinos e brasileiros.

O sequestro, disseram eles, era uma ação política de levantamento de recursos para uma ofensiva militar da guerrilha salvadorenha. O que eles queriam a justiça brasileira lhes negou: tratamento de presos políticos. Foram julgados e condenados como criminosos comuns e quadrilha.

Numa primeira fase, com apoios políticos da esquerda brasileira, os presos apelaram várias vezes, para que lhes fossem reduzidas as penas. Todas as apelações foram recusadas pelos tribunais.

Na fase seguinte, já com alguns anos passados na prisão, os condenados passaram a lutar pela obtenção de benefícios previstos na legislação brasileira, como a liberdade condicional e o regime semi-aberto, a que supostamente teriam direito depois de cumprida parte da pena. Também não foram atendidos.

Os estrangeiros do grupo passaram então a lutar pela expulsão com indulto. Mas nem resposta receberam da Presidência da República, instância decisória para esse tipo de pleito. Diante do novo fracasso, decidiram fazer uma audaciosa greve de fome, para colocar suas vidas e suas razões na agenda da discussão pública.

A greve de fome terminou 16 dias depois, no aproveitamento esperto da vaga promessa feita por um juiz, de fazer uma possível revisão do processo, para a eventual concessão do regime semi-aberto.

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No plano das medidas práticas, a vaga promessa daquele juiz foi tudo quanto os seqüestradores conseguiram. Ou seja, nada. No plano político, porém, a greve de fome foi uma ação altamente vitoriosa.

Nos 16 dias em que durou, só nos dois principais jornais de São Paulo, a greve gerou conteúdos que ocuparam, em espaço impresso, o equivalente a 34 páginas. Entre reportagens, notícias, editoriais, artigos assinados, entrevistas, crônicas e outras espécies de texto, foram produzidas e divulgadas 194 peças jornalísticas, alimentando e refletindo a discussão política que interessava aos presos.

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Embora sem estrutura formal de divulgação, o acontecimento da greve de fome, tanto na concepção quanto na materialização, foi controlado por uma estratégia noticiosa. E quem pensou e coordenou a operação de divulgação jornalística foi o conhecido profissional Breno Altman, que atuava também como porta-voz do Comitê Pela Libertação dos Presos Políticos Internacionais.

Para um estudo acadêmico sobre ‘O Acontecimento como Discurso’, com projeto aprovado pela Fapesp (que me concedeu dois bolsistas para os trabalhos de campo), acompanhei com rigor metodológico esse e outros casos de atuação de fontes organizadas. E para esse estudo, Breno Altman concordou em prestar um longo depoimento (gravado), no qual relatou com detalhes o trabalho de geração de conteúdos jornalísticos, realizado na assessoria de imprensa prestada aos presos.

Pinço, desse depoimento, os seguintes trechos:

‘Tínhamos, claro, uma estratégia de divulgação. Tudo começou em 1996, quando, em reportagem publicada na revista Atenção, as antigas direções das organizações responsáveis pelo sequestro assumiram a autoria da ação. A partir desse episódio, a esquerda brasileira, e dentro dela o Partido dos Trabalhadores e o Movimento dos Sem-Terra, passaram a defender publicamente a libertação dos seqüestradores, isto é, assumiram os seqüestradores como presos políticos, e nessa condição, passaram a propagar o seu direito à libertação.’

‘(…) Na primeira etapa, importava conquistar a opinião pública da esquerda, para a caracterização dos seqüestradores como presos políticos e, portanto, gente do nosso álbum de família. Nessa fase, entre outras matérias de bom calibre em várias publicações, há uma entrevista nas páginas amarelas de Veja com Maria Emília Marchi, uma das presas, ela já sendo tratada pela revista como ‘presa de motivação política’.

Esse foi apenas o começo do trabalho, dentro de um projeto assim descrito por Breno Altman:

‘O desenho que a gente fazia era o seguinte, para conseguir que o caso passasse a pertencer à agenda política do país: a) primeiro, conquistar a opinião pública de esquerda; b) depois, conquistar as pessoas e os setores sensíveis ao tema dos direitos humanos; c) em seguida, fazer o combate público em favor da libertação, tendo a greve de fome como instrumento central’.

E assim foi, com a greve transformada em ápice de uma ação política que não se dava na cadeia, mas no espaço jornalístico.

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Durante a greve, entre as muitas táticas para gerar conteúdos de interesse jornalístico, havia uma entrevista coletiva diária, durante a qual era informado o boletim médico do dia e distribuído um comunicado assinado pelos presos, ao qual Breno dava forma final. A entrega do boletim médico e do comunicado eram momentos ritualísticos rigorosamente conduzidos. Foi o que o próprio Breno Altman nos revelou, com as seguintes palavras:

‘No ritual, tínhamos horários fixos para os procedimentos. O boletim médico, por exemplo, era passado aos jornalistas de forma quase solene, jamais pelo telefone, porque queríamos que a imprensa fosse à cadeia. Nós governávamos a imprensa porque éramos a única fonte’.

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E mais não conto dessa surpreendente história, que inclui uma segunda greve de fome, esta vitoriosa. Mas essas são coisas que ficam para o livro. Entretanto, o que aí fica contado permite o seguinte comentário:

Se 19 anos atrás já havia fontes tão competentes e organizadas na apropriação da pauta jornalística, imagine-se a sofisticação com que hoje os produtores de acontecimentos fazem o trabalho de gerar os conteúdos da atualidade dos quais as redações dependem.

Com esse pequeno comentário, abro a janela para o texto da próxima semana, quando tentarei responder à angustiada pergunta que o Sérgio Gomes me fez e que vale a pena repetir: ‘Chaparro, o que acontece com a pauta jornalística?’.

(*) Manuel Carlos Chaparro é doutor em Ciências da Comunicação e professor livre-docente (aposentado) do Departamento de Jornalismo e Editoração, na Escola de Comunicações e Artes, da Universidade de São Paulo, onde continua a orientar teses. É também jornalista, desde 1957. Com trabalhos individuais de reportagem, foi quatro vezes distinguido no Prêmio Esso de Jornalismo. No percurso acadêmico, dedicou-se ao estudo do discurso jornalístico, em projetos de pesquisa sobre gêneros jornalísticos, teoria do acontecimento e ação das fontes. Tem quatro livros publicados, sobre jornalismo. E um livro-reportagem, lançado em 2006 pela Hucitec. Foi presidente da Intercom, entre 1989-1991. É conselheiro da ABI em São Paulo e membro do Conselho de Ética da Abracom.’

 

 

JORNAL DA IMPRENÇA
Moacir Japiassu

Experimente estudar, trabalhar duro e andar na linha, 31/07

‘Apressa o passo

a velhice não tem cura

Apressa o passo

(Talis Andrade in Os Herdeiros da Rosa)

Experimente estudar, trabalhar duro e andar na linha

O considerado Carlos Roberto Costa, geólogo aposentado que vive em Nova Friburgo, envia este ‘kit de sobrevivência’ que circula entre os mais escolados da internet:

Vai transar?

O governo dá camisinha.

Já transou?

O governo dá a pílula do dia seguinte.

Engravidou?

O governo dá o aborto.

Teve filho?

O governo dá o Bolsa-Família.

Tá desempregado?

O governo dá Bolsa-Desemprego.

Vai prestar vestibular?

O governo dá o Bolsa-Cota.

Não tem onde morar?

O governo dá o Bolsa-Invasão e ainda te aposenta.

Agora…, experimenta estudar, trabalhar duro e andar na linha pra ver o que é que te acontece!

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O verbo denegrir

A considerada Esther da Conceição Figueiredo, administradora de capitais em São Paulo, lia o bem-informado Meio&Mensagem quando tropeçou os olhos nesta notícia:

Comercial ‘homofóbico’ de Snickers sai do ar

O ator durão Mr. T, famoso nos anos 80, protagonizou um filme criado pela Abbott Mead Vickers BBDO que segundo algumas entidades denegria a imagem dos homossexuais.

Esther garante que arrepiou-se toda, ficou com o cabelo igualzinho ao da considerada Ana Maria Braga e escreveu à coluna:

‘Iiiiih, danou-se, danou-se; denegrir é tornar negro, e, no sentido figurado, também significa diminuir a pureza, conspurcar, manchar. Quer dizer: foram defender as bichas e acabaram por esculhambar os negros, se o leitor for um desses xiitas politicamente corretos; confesso que eu mesma não dou a mínima para esses exageros.’

É verdade, trata-se de uma alfurja de bobagens, como diz Janistraquis, o qual vive a judiar (epa!!!) desse inesgotável chafariz de intolerância que se multiplica pelo mundo afora.

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Dieta à Rede Globo

Janistraquis vai pedir ao considerado Ali Kamel, diretor-executivo da Central Globo de Jornalismo, a prescrição de uma dieta alimentar capaz de engordar esse nordestino com 500 anos de fome:

‘Ali entende demais do assunto e meu único medo é o homem receitar refeições ricas em quibes, crus ou fritos, esfirras e caftas, não porque me aborreça o cardápio árabe, mas o preço da carne não permite espanholadas, se o amigo me entende…’.

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O craque Thiego

Quando o Grêmio anunciou a entrada em campo de um jogador chamado Thiego, Janistraquis, que sempre foi metido a entender o universo familiar, logo se enxeriu:

‘Considerado, certamente o pai e oito irmãos do bebê queriam dar-lhe o nome de Thiago; aí a mãe e os outros oito irmãos insistiram em pespegar no inocente o nome de Diego. No meio da discussão, a paz só reapareceu quando a avó sugeriu que unissem os dois antropônimos e assim batizaram e registraram Thiego.’

A tese seria até admissível, pois no nordeste os nomes próprios costumam ser fruto da invencionice, porém Thiego não é apenas Thiego; é também Willian, assim mesmo com o n final, que é pra ficar mais bonito e bem representar o estado de Sergipe. Willian Thiego de Jesus nasceu em Aracaju, tem 22 anos e pinta de craque.

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O futuro de Lula

Se o considerado leitor ainda não o conhece, está exposto à visitação pública (basta clicar aqui) o DECRETO Nº 6.381, DE 27 DE FEVEREIRO DE 2008, o qual regulamenta a Lei no 7.474, de 8 de maio de 1986, que dispõe sobre medidas de segurança aos ex-presidentes da República e dá outras providências.

Trata-se daquele inacreditável texto que poucos leram e que começa assim:

Art. 1º — Findo o mandato do Presidente da República, quem o houver exercido, em caráter permanente, terá direito: (e segue alentada e vergonhosa lista de mordomias, já publicada no Diário Oficial).

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Talis Andrade

Em Recife, onde assoma a Ponte Buarque de Macedo de que nos fala Augusto dos Anjos, o mestre Talis posta-se à margem do Capibaribe e pondera as intenções. Leia no Blogstraquis a íntegra de Conato, poema do qual se extraiu a estilha que encima esta coluna.

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Autor na Bienal

O considerado Luís Carlos Ladeia, contumaz colaborador desta coluna, informa às pessoas de bom gosto:

Meu livro Troncos Soltos na Água estará pronto no dia 1º de agosto e, uma semana depois, deverá estar em um grande número de livrarias. No dia 23 de agosto, às 17 horas, estarei na Bienal (vê que chique), autografando; é mole?

Não é pra qualquer um, ó Ladeia; Janistraquis e o colunista lhe desejam boa sorte.

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Tabelinha de primeira

Janistraquis recomenda a leitura da coluna Política & Economia NA REAL, integrante do portal Migalhas, assinada por dois craques, José Marcio Mendonça e Francisco Petros.

A coluna reúne informação de primeira, honestidade e, principalmente, esta qualidade que sempre andou em falta por aí afora: inteligência.

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Cego na direção

O considerado Fausto Osoegawa, também contumaz colaborador da coluna, enviou chamadinha/materinha que saiu no UOL:

Jovem cego é preso por dirigir bêbado e sem carteira pela terceira vez.

Janistraquis estava certo de que a notícia vinha dalguma cidade brasileira, pois aqui, segundo ele, é comum cego tirar carteira de motorista, basta pagar, mas foi surpreendido ao ler o texto; tratava-se, na verdade, de um jovem estoniano de 21 anos.

Meu assistente então concluiu:

‘O episódio demonstra o que eu já desconfiava há muito tempo, considerado; nossa pauta de exportações também contempla, cada vez mais, as safadezas e sem-vergonhices que o Brasil produz em escala industrial.’

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Segurança absoluta

Janistraquis anda apavorado porque a ‘segurança’ deste sítio depende de uma cerca de três fios de arame farpado e pensa em se mudar:

‘Considerado, se passar esse projeto de que estão a falar por aí, vou procurar um escritório de advocacia para morar; o que você acha?’

Respondi que acho a idéia excelente e estou a fim de ir junto, porque assim teremos um endereço inviolável como o cofre da Casa da Moeda.

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Esconderam o principal

O considerado Roldão Simas Filho, diretor de nossa sucursal no Planalto, de cujo varandão debruçado sobre o desperdício enxerga-se a multidão de sacoleiros de luxo a desembarcar da viagem de férias ao redor do planeta, pois Roldão lia o Correio Braziliense e estranhou a manchete BRASILEIROS TORRAM US$ 5,5 BI NO EXTERIOR:

‘No texto introdutório, lia-se:

‘Por causa do dólar barato, os gastos de brasileiros das classes média e alta em viagens ao exterior atingiram a cifra de US$ 5,5 bilhões entre janeiro e junho deste ano. Trata-se de valor recorde desde que o levantamento começou a ser feito pelo Banco Central, em 1947.

A remessa de lucros pelas multinacionais para as matrizes chegou a US$ 18,9 bilhões, outra marca sem precedentes.

Descontado o capital que entrou no Brasil nesse período, a farra turística e o envio de dividendos foram tão grandes que, a partir deles, se formou o maior déficit da história nas transações com o resto do mundo: US$ 17,4 bilhões no primeiro semestre. (…)’

Ora, apesar de o valor das remessas de lucros para o exterior ser mais de três vezes o dos gastos com viagens, o jornal condena a ‘farra turística’ e passa ao largo das remessas ao exterior, quando poderia e deveria informar qual é a taxação sobre os lucros, quais os limites para as remessas de lucros ao exterior e dar uma manchete diferente:

SANGRIA DE US$ 19 BI COM REMESSAS DE LUCROS

Lembro a Carta-Testamento de Getúlio Vargas quando acusa:

‘A lei dos lucros extraordinários foi detida no Congresso’ e ‘Os lucros das empresas estrangeiras alcançavam até quinhentos por cento ao ano’.

E agora, como estamos?’

Janistraquis acha que estamos bem piores do que em agosto de 1954, ó Roldão!

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Nota dez

O considerado Sérgio Augusto, melhor e infinitamente mais bem preparado de nossos jornalistas culturais, escreveu no Estadão:

‘(…) Nossos jornais dormiram no ponto. Aqueles a quem os deuses querem destruir, primeiro dotam de amnésia cultural.’

O mestre se referia à morte na semana passada, aos 90 anos, da cantora americana Jo Stafford, cujas canções ‘amenizaram as dores de uma guerra’.

Leia no Blogstraquis a íntegra do texto que faz justiça àquela esquecida por ‘editores’ tanto pastranos quanto enxovezados.

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Errei, sim!

‘TUDO EM VÃO – O considerado Alessandro Minuscoli, 15 anos, envia de Guaporé (RS), onde mora, recorte de Zero Hora, coluna O Estado das Coisas, na qual se lê: ‘De uma professora da Faculdade de Jornalismo da UFRGS, justificando sua surpresa ao ver o nome de um ex-aluno em Zero Hora:

– É que, como não tenho assinatura, quase nunca leio jornal.’

Alessandro, cujo supremo desiderato é um dia ser jornalista, leu a nota e ficou mais desanimado que petroleiro em fim de greve: ‘Para onde irá o Jornalismo com professores desse nível? A professora de Jornalismo não lê jornal!!!’, escreveu.

É verdade, Alessandro, é mesmo doloroso, porém Janistraquis garante: pelo que estão escrevendo por aí, é melhor não se ler jornal, principalmente se o leitor for professor:

‘Deve ser medonho a gente ensinar, ensinar e verificar, a cada página, que foi tudo em vão…’, filosofa.’ (agosto de 1995)

Colaborem com a coluna, que é atualizada às quintas-feiras: Caixa Postal 067 – CEP 12530-970, Cunha (SP), ou japi.coluna@gmail.com.

(*) Paraibano, 66 anos de idade e 46 de profissão, é jornalista, escritor e torcedor do Vasco. Trabalhou, entre outros, no Correio de Minas, Última Hora, Jornal do Brasil, Pais&Filhos, Jornal da Tarde, Istoé, Veja, Placar, Elle. E foi editor-chefe do Fantástico. Criou os prêmios Líbero Badaró e Claudio Abramo. Também escreveu nove livros (dos quais três romances) e o mais recente é a seleção de crônicas intitulada ‘Carta a Uma Paixão Definitiva’.’

 

TELEVISÃO
Antonio Brasil

Qual é o pior telejornal do Brasil?, 28/07

‘Pergunta difícil de responder. Não faltam péssimos exemplos em nossas redes de TV. Principalmente no horário nobre. Tem telejornal para todos os gostos e desgostos. Cada um pior do que outro.

Tem telejornal tradicional que não se preocupa com o conteúdo ou a audiência. Sempre foi líder, nunca se sentiu ameaçado e não possui grandes competidores. Tem telejornal muito longo e muito chato que ninguém assiste. Confunde qualidade com quantidade de conteúdo. São muito chatos, mas não precisam se preocupar com audiência. Tem as contas pagas pelos nossos impostos. O maior interesse é garantir bons empregos para os amigos e agradar aos donos do poder.

Também tem telejornal curto e grosso. Não diz nada porque não tem nada a dizer. O dono do canal está mais preocupado com a venda de carnês ou baús. Prefere sortear prêmios na TV a investir de forma séria em jornalismo de qualidade.

E tem telejornais pobres e ruins. Muito pobres e muito ruins.

Nova Geração?

Esta semana pude assistir a dois exemplos de telejornais pobres e ruins. Muito pobres e muito ruins. O primeiro é o velho jornal da nova rede NGT. O segundo é o novo telejornal da velha rede CNT.

É isso mesmo. Por mais incrível que pareça, ela está no ar novamente. Aquela rede de TV que já foi TV Tropical, Rede OM (Osvaldo Martinez) depois virou CNT, se transformou em JB e agora voltou a ser Central Nacional de TV. Ou seja, a CNT está no ar novamente e tem um telejornal.

Segundo o release da emissora:

‘A Rede CNT foi a primeira a utilizar esta tecnologia para as suas emissoras e afiliadas a partir de 1999. As emissoras componentes da Rede recebem a programação com qualidade digital, utilizando canalização Embratel, via satélite. Por este sistema, a CNT opera com o que há de mais moderno em transmissão de sinais. É o primeiro passo para o avanço e utilização de tecnologia totalmente digital, aportando sua estrutura para o recém-definido Sistema Brasileiro de Tv Digital (SBTVD-T)’.

Ou seja, se você ainda tinha alguma dúvida de que a precipitada e estabanada implantação da TV digital no Brasil não melhoraria a qualidade da nossa programação e que só garantiria ‘mais do mesmo’, agora não tem mais.

E, por outro lado, se você não tem a menor idéia do que seja essa outra rede, essa tal de NGT – afinal, são tantas siglas de programas e TVs ruins no Brasil – NGT significa ‘Nova Geração de TV’ (ver aqui).

De nova, na verdade, essa rede não tem nada. A programação da Nova Geração é muito pobre e muito velha. Parece com o pior dos anos 50. Muita falta de imaginação e excesso de pobreza e improvisação.

Para variar, tem muitos programas de culinária, de videoclips e exibe velhos filmes que ninguém consegue assistir. São muito velhos e ruins. As cópias devem ter sido descartadas por alguma videolocadora antes de falir.

Também tem programas com títulos duvidosos ou misteriosos como ‘Desfrutando a vida diária’ (sic), ‘Planeta Luluca’, ‘TVLISÃO’, ‘Barlada’ (acho que é erro de ortografia), ‘Stay Heavy’ (apesar de gostar muito de rock, o programa é pesado e muito chato) e um programa infantil bem apropriado para a realidade da rede: ‘TV Nanica’. Não é brincadeira. É sério. O nome do programa é este mesmo: ‘TV Nanica’.

Para que quiser dar uma olhada na nova rede, o vídeo institucional pode ser visto aqui. Mas como todo vídeo institucional…

Deixa pra lá!

Troféu Brasil

O meu show favorito da rede do Butantã em São Paulo é o ‘Clube do Forró’ (ver aqui). Outro programa inacreditável da Nova Geração de TV. Tem que ser visto para acreditar na precariedade do programa. Nem mesmo na TV Comunitária do Rio de Janeiro, uma televisão reconhecidamente pobre e ruim, tem algo tão bizarro. O ‘Clube do Forró’ da rede NGT é sério candidato ao tradicional e muito aguardado troféu Brasil para os ‘Piores Programas da TV Brasileira’.

Aguardem as premiações em breve!

Notícias óbvias

Mas voltando ao que nos interessa, ao jornalismo, também pude assistir a outro telejornal pobre de horário nobre: o NGT notícias.

Segundo a divulgação: ‘A rede NGT apresenta o NGT Noticias, todos os dias as noticias e informações que não são mostradas pelos demais telejornais, trabalhando com toda a rede de afiliadas, mostrando o que realmente é de real utilidade. Nada óbvio, obviamente’.

Mas o telejornal é mais do que óbvio. É inacreditável. Um telejornal muito, muito ruim e pobre. O estúdio com cenário pequeno e discreto é o suficiente para caber a grande e desconhecida apresentadora. As matérias também são óbvias e ruins. Mas há algo surpreendente e talvez até positivo na bancada. A apresentadora é muito simpática e articulada. Para nossa surpresa foge aos padrões estéticos estabelecidos pela televisão. Quem sabe se torna um novo padrão de beleza para os telejornais brasileiros.

Mas, infelizmente, o telejornal é muito, muito ruim. Além de pautas óbvias, a imagem das externas é péssima e os repórteres parecem sempre despreparados e até mesmo assustados diante das câmeras. Apesar da boa vontade e profissionalismo, parecem atores e atrizes em peça de teatro amador. Pouca técnica e muita improvisação. Não convencem ninguém de nada. Precisam de altos investimentos em treinamento, melhores equipamentos e pautas menos óbvias.

Não estamos mais nos anos pioneiros da TV. Não há mais lugar para tanta improvisação e amadorismo. TV e jornalismo de TV são coisas sérias e muito caras.

CNT Jornal

É o principal telejornal da rede de televisão paranaense CNT. Segundo a divulgação da emissora, ‘Procura mostrar os fatos mais relevantes da semana, sempre tentando ser o mais imparcial possível, pautando pela melhor qualidade da informação. Um jornalismo sério e dinâmico, sedimentado numa linear lógica informativa , com análises profundas e arraigadas em valores éticos e profissionais. Nós temos a informação, mas a opinião é sua!’

A realidade é bem outra.

Em verdade, o telejornal de horário nobre da rede CNT preferiu cometer o velho e mesmíssimo erro de sempre: investir alto em um grande nome para a bancada e pouco em pequenas equipes de produção de jornalismo.

A Salete Lemos é ótima. Figura tradicional e muito conhecida dos telespectadores paulistas, já teve passagem nas bancadas de vários telejornais. Na TV e na Internet, ficou ainda mais famosa por ‘dizer a verdade’ e ser demitida da TV Cultura (ver aqui). Lembram?

Salete faz das tripas coração para apresentar um telejornal pobre e ruim. No velho e desgastado estilo do Boris Casoy, ela fala e aparece muito, comenta tudo, gesticula bastante, mas pouco. Muito pouco. O jornal naufraga na chatice das pautas óbvias. Nada de novo.

As reportagens são quase tão amadoras quanto as produções da rede NGT. Mais um telejornal de pauta previsível, as mesmas matérias de sempre, produzidas da mesma maneira. Cópias mais pobres e piores do jornal da emissora líder. Nada de novo. Nada que valha a pena assistir.

Telejornal não é time de futebol

Produzir telejornalismo de qualidade é coisa séria. Se assistir TV é um hábito adquirido em longo prazo, conquistar audiência para telejornal requer ainda mais tempo e é bem mais complicado.

Exige muito tempo e dinheiro. Requer investimentos sólidos na conquista de credibilidade, no treinamento de boas equipes de produção, alguma ousadia em experimentação de novas linguagens e tecnologias, pesquisas quantitativas e qualitativas de audiência e, muita, muita paciência.

A audiência de telejornais é algo importante. Mas não deveria ser o único objetivo das nossas emissoras de TV. Jornalismo de qualidade é antes de tudo investimento social em longo prazo.

É certo também que o modelo padronizado de telejornais continua em decadência em todo o mundo. A audiência diminui e envelhece. As emissoras de TV não pesquisam novas linguagens, não investem em novas idéias e tecnologias. Os telejornais são sempre previsíveis, chatos e distantes do público.

Não dizem ou mostram o que realmente queremos ver porque desconhecem o que o público realmente quer ver. Não investem em pesquisa. Investem somente nos índices de audiência e nos ‘achismos’ de velhos editores. Aqueles jornalistas de TV que sabem tudo ou quase tudo, mas não garantem o sucesso ou a audiência dos telejornais.

E se os executivos dessas emissoras não obtêm os resultados almejados, optam pela saída mais fácil: demissão sumária de muitos jornalistas e cancelamento de programas.

Telejornal não é time de futebol. A equipe e o técnico não podem ser descartados em função das paixões da torcida ou dos resultados no campeonato. Telejornalismo é coisa séria. É serviço público obrigatório exigido no contrato de concessão entre a sociedade e a emissora de TV. Em tempos de renovação de concessões, deveria ser monitorado e avaliado dentro de padrões de qualidade estabelecidos pela própria sociedade. A nossa realidade, infelizmente, é bem outra. Mas um dia muda!

Enquanto isso, qual é o pior telejornal do Brasil? Não faltam opções.

Não é à toa que o JN ou seus clones continuam na liderança de audiência. Mas uma audiência decrescente e envelhecida.

A cada dia TV se torna sinônimo exclusivo de entretenimento. Informação está na Internet.

Bons ou ruins, curtos ou longos, pobres ou ricos, o fim dos telejornais está próximo. Muito próximo!

(*) É jornalista, professor de jornalismo da UERJ e professor visitante da Rutgers, The State University of New Jersey. Fez mestrado em Antropologia pela London School of Economics, doutorado em Ciência da Informação pela UFRJ e pós-doutorado em Novas Tecnologias na Rutgers University. Atualmente, faz nova pesquisa de pós-doutorado em Antropologia no PPGAS do Museu Nacional da UFRJ sobre a ‘Construção da Imagem do Brasil no Exterior pelas agências e correspondentes internacionais’. Trabalhou na Rede Globo no Rio de Janeiro e no escritório da TV Globo em Londres. Foi correspondente na América Latina para as agências internacionais de notícias para TV, UPITN e WTN. É responsável pela implantação da TV UERJ online, a primeira TV universitária brasileira com programação regular e ao vivo na Internet. Este projeto recebeu a Prêmio Luiz Beltrão da INTERCOM em 2002 e menção honrosa no Prêmio Top Com Awards de 2007. Autor de diversos livros, a destacar ‘Telejornalismo, Internet e Guerrilha Tecnológica’, ‘O Poder das Imagens’ da Editora Livraria Ciência Moderna e o recém-lançado ‘Antimanual de Jornalismo e Comunicação’ pela Editora SENAC, São Paulo. É torcedor do Flamengo e ainda adora televisão.’

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Clique nos links abaixo para acessar os textos do final de semana selecionados para a seção Entre Aspas.

Folha de S. Paulo – 1

Folha de S. Paulo – 2

O Estado de S. Paulo – 1

O Estado de S. Paulo – 2

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