Thursday, 21 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Contardo Calligaris

‘Na rua, esbarro nos restos de um assalto. Na roda de curiosos que espera a chegada de uma viatura da polícia, ferve um debate. Há o partido da cesta básica: só voltaremos a ser donos de nossas ruas quando, enfim, todos tiverem o que comer. E há o partido da bala básica: não adianta oferecer desculpas, criminoso é criminoso, mate logo.

Conclusão majoritária: o problema é duplo, faltam as cestas e faltam as balas nos revólveres da polícia.

No dia seguinte, um amigo, que se prepara para ser professor e está terminando seu estágio, comenta que uma coisa é óbvia em matéria de disciplina: não adianta que um professor mande alunos para a diretoria a cada aula. O que adianta é a qualidade do ensino. A mesma turma é infernal com um professor duríssimo, mas pouco preparado, e ordeira com outro professor, que nunca levanta a voz, mas transmite uma matéria interessante.

Relaciono a observação do amigo com a conversa na roda do assalto. Se tomarmos a disciplina escolar como exemplo, podemos perguntar: como é mantida a ordem que permite uma boa convivência social? A ameaça de expulsão e a merenda escolar são indispensáveis, mas não bastam. É necessário um outro tipo de alimento, mais ‘espiritual’.

Olho pela minha janela: torres, edifícios, casas, as antenas dos prédios da Paulista. Somos muitos, diferentes e amontoados num espaço exíguo. O que faz com que a gente consiga conviver? Certo, a polícia acaba reprimindo os que são excluídos a tal ponto que lhes falta o mínimo para viver (conviver é o último de seus problemas). A polícia também cuida dos que não são excluídos, mas não querem saber de convivência.

No entanto, não é por medo da polícia que não enveneno o cachorro da vizinha, que late a noite inteira (o cachorro, não a vizinha). Não é por medo da cadeia que trabalho em vez de inventar um esquema fraudulento.

O que torna possível a convivência é outra coisa. É um patrimônio comum de coisas humildes e sublimes, chatas e bonitas, banais e extraordinárias: vozes do rádio, imagens da televisão, filmes, livros nas bibliotecas e nas livrarias, quadros nas salas e nas galerias, jornais nas bancas, poesias e romances lidos ou que ninguém leu e ficam no fundo das gavetas, orçamentos do mês, bate-papos noturnos de internautas, conversas nos botecos, jogos de cartas, torcidas de futebol e receitas de bolo.

Esse saco de gatos, que se chama cultura, é também um saco de normas, hábitos e costumes que praticamos sem perceber. A sociedade é complexa, e ninguém saberia compilar o código dessas regras, mas, sem elas, viveríamos num pesadelo, em que só a repressão nos defenderia da barbárie.

O professor que cativa seus alunos pela qualidade de sua aula está cultivando-os, fornecendo-lhes o necessário para uma convivência social possível.

Em suma, conviver exige inclusão (pão para todos), repressão normativa e riqueza de uma cultura compartilhada.

Os bons governos administram a repressão necessária (que não pode ficar nas mãos dos cidadãos), promovem a inclusão (tarefa assistencial) e, quanto à riqueza cultural, limitam-se a fomentá-la, pois sabem que é graças a ela que a sociedade se auto-regula (com acento sobre ‘auto’), é graças a ela que a ordem social pode dispensar a repressão.

Essas funções do bom governo devem ser mantidas separadas. Por exemplo, não se recusa assistência médica a um preso nem cesta básica à família indigente de um assassino.

Ora, o Ministério da Cultura acaba de formular um ‘rascunho’ de lei para criar uma Agência Nacional do Cinema e do Audiovisual. O preâmbulo, que expõe os motivos do projeto, manifesta uma ótima compreensão da função da cultura. É dito que o cinema e o audiovisual definem ‘padrões de comportamento social’ e são ‘a forma mais rápida e eficiente’ de circulação dos ‘valores éticos, históricos, políticos e sociais cultivados’ pelo povo.

No entanto, uma vez reconhecida a relevância da cultura na vida da nação, o projeto quer demonstrar que é fundamental criar ‘meios de controle e fiscalização das atividades cinematográficas e audiovisuais’.

É como se um inspetor pedagógico, ao se dar conta de que, numa aula, os alunos se interessam e se cultivam, confundisse fomentar com reprimir e anunciasse: ‘Vocês gostaram muito das aulas sobre a era Vargas; a partir de amanhã, quem, numa redação, disser que Vargas não era bonito ficará sem caderno. Na recidiva, tirarei a caneta também’. Na aula seguinte, ninguém prestará atenção. Na bagunça, só sobrará o recurso da disciplina.

O redator do preâmbulo imagina que, controlando e fiscalizando a produção cultural, seja possível instalar nos cidadãos os hábitos e costumes desejados (por ele). Parece pensar: ‘Se há normas, devo ser eu quem as dita’.

Ora, como a história cansou de mostrar, não se controla a produção cultural; quem quer controlá-la e fiscalizá-la só consegue torná-la clandestina ou matá-la.

Esse é o meu preâmbulo. O governo deixou 60 dias para que a sociedade civil discuta o ‘rascunho’. Como sou civil e faço parte da sociedade, quero contribuir.’



Pedro Alexandre Sanches e Silvana Arantes

‘Gil defende diálogo sobre o audiovisual’, copyright Folha de S. Paulo, 11/8/04

‘Sob bombardeio de críticas à divulgação de seu projeto de lei para a criação de uma Agência Nacional do Cinema e do Audiovisual, o ministro da Cultura, Gilberto Gil, anda medindo as palavras.

‘Dominar é uma palavra excessiva’, diz, buscando outra, para expressar a extensão das habilidades do músico Marcus Suzano na manipulação de ritmos eletrônicos e acústicos. Suzano é um de seus parceiros na concepção do novo show ‘Eletracústico’, que Gil apresenta de sexta a domingo, em São Paulo, e deve virar o primeiro disco do ministro-artista.

A seguir, os ‘dois’ -artista e ministro- discorrem em enfáticas palavras sobre os vários campos de batalha em que hoje habitam.

Folha – Como acha tempo para criar, ensaiar e fazer novo show?

Gilberto Gil – Os ensaios fiz em março e abril, em finais de semana, no Rio. É algo simples, com quatro músicos, bem reduzido em relação a bandas bem maiores com as quais venho trabalhando. Tem uma dimensão sonora muito moderada, modesta. A proposta era trazer elementos da música eletrônica, me ocorreu então chamar o trabalho de ‘Eletracústico’, pois acho legítimo que o setor popular possa se apropriar de nomenclaturas eruditas.

Folha – O público estranhará um Gil mais eletrônico?

Gil – A dosagem é suportável para uma expectativa conservadora. Não chega a cometer violências contra o modo clássico de apresentação dos meus repertórios. A concepção não dá impressão de radicalidade pendente a um lado diferente daquele em que estou.

Folha – O projeto de lei do ministro é ‘suportável para uma expectativa conservadora’? Nessa esfera, o sr. está sob bombardeio.

Gil – Mas não de toda a expectativa conservadora, só de parte dela. Houve setores que disseram que a proposta é inaceitável, toda ela. Outros, não, disseram que há correções e ajustes a serem feitos, textos que precisam ser mais bem escritos para contemplar exatamente o princípio defendido. Acham que há propostas que devam ser retiradas, mas defendem o geral, a regulação como algo necessário.

Folha – Um de seus pólos opositores é Cacá Diegues, cineasta brasileiro conhecido por representar na tela a MPB e o negro.

Gil – Não sei. Ele não me disse isso. Ao contrário, disse: ‘Estou totalmente solidário com você’. O que ele publica no jornal ‘O Globo’ é o que ele publica no jornal ‘O Globo’. Ele não me disse que é um opositor nem acho que seja.

Folha – É um projeto radical?

Gil – Radical em que sentido? É uma tentativa de interpretação dos desejos e necessidades do conjunto do audiovisual no Brasil, das relações entre o produto estrangeiro e o produto brasileiro. Trata-se de proteger o produto brasileiro e de lhe dar condições de equilíbrio e competitividade, ou não. O documento busca regular um setor que demanda cada vez mais regulação. Segue uma tendência nacional e internacional da economia, de dizer que é importante que os governos ofereçam à sociedade marcos regulatórios. Condenar a iniciativa de regulação me parece um pouco na contramão da história.

Folha – A necessidade citada no projeto de combater monopólio e oligopólios na comunicação lhe parece radical ao interferir no território das comunicações?

Gil – No capitalismo moderno, tenho impressão de que oligopólios e monopólios são naturalmente combatidos. A livre competitividade e a equalização das oportunidades para o mundo produtivo são coisas desejáveis.

Folha – A Globo é um opositor?

Gil – A Globo quer ser monopolista e oligopolista? Se quer, isso é com eles, não comigo. O MinC não trabalha com esse pressuposto, não pode. Trabalha com um pressuposto de que ninguém deve ser monopolista e oligopolista.

Folha – O projeto é essencialmente petista, ao mexer em temas como monopólio, ou, como acusam os opositores, ao ser intervencionista, autoritário, dirigista?

Gil – Não acho. Isso é PT? Onde se combate mais monopólio e oligopólio do que nos EUA, com leis antitruste e com vigilância constante? Onde se regula mais a atividade econômica do que nas grandes catedrais do capitalismo?

Folha – Seria, então, um choque de capitalismo?

Gil É isso o que a gente quer. Se não conseguimos expressar exatamente isso em algumas formulações, vamos então sentar juntos e formular adequadamente nossa concordância de princípios. Por isso acho um pouquinho precipitado, açodado e desatento condenar integralmente a proposta.

Folha – O projeto é autoritário, dirigista, intervencionista? Por conseqüência, o ministro o é?

Gil -Isso não faz sentido. O tropicalismo não era isso, minha trajetória nunca foi isso. Que regulação queremos? Não menos que o necessário, não mais que o suficiente. Quem tem que determinar o necessário e o suficiente é a sociedade mais o governo. O papel do governo é buscar a convergência com um marco regulatório que dê conta de todas essas colocações de interesse.

Folha – Como se sente ao ser tachado de autoritário?

Gil – Não sinto nada. Absolutamente nada. Sinto que não sou, que não estou sendo. Preciso fazer convergir os interesses, criar regras que protejam a todos, que dêem espaço a todos. O que tenho pedido é que os queixosos explicitem suas queixas. Que digam o que chamam de autoritário, senão, vira jargão político. Jargões qualquer um pode usar, mas venham explicar, dizer por que é dirigista, stalinista. É isso que precisa ser feito agora, não só jogar uma pecha no ar e dizer: se colar, colou. Isso não é sério.

Folha – Para o sr., a reação da Globo ao projeto está nas regras do jogo? Ou é uma atitude autoritária?

Gil – Não sei. Acho que não responde a uma visão ampla, me parece não contemplar nem a própria inserção daquele grupo econômico na discussão do projeto. Ela, de certa forma, bloqueia o diálogo e o processo de discussão. É como se a Globo tivesse dito: ‘Essa proposta não discutimos’. Ao contrário, tem que discutir. Nós fomos lá, tudo isso tem sido posto na mesa o tempo todo. Assim como a Globo disse que há aparências de intervencionismo, -que não há-, poderíamos dizer que há uma intenção de sustar o diálogo, uma rejeição absoluta por parte da Globo (ri). Nosso pressuposto é de que a Globo vai, junto com todos nós, trabalhar dentro das regras da convivência democrática, do diálogo, do aperfeiçoamento das instituições.

Se equalizar tudo isso, provavelmente aqui ou ali interesses serão minimamente contrariados. A indisposição para a mínima contrariedade é antidemocrática. Quando tenho de acordar cedo para trabalhar, podendo, numa dimensão hedonista, ficar na cama até 11h e contemplar a preguiça, é a regulação que me contraria. Faço isso, todos fazemos uma regulação natural nas nossas vidas, criando o espaço ético para o outro. É o espaço do outro que vem ocupar parte do meu e vice-versa.

Folha – O ministro defende o software livre, o artista estréia show patrocinado pela Microsoft. Isso é contraditório?

Gil – Não vejo incompatibilidade nenhuma (ri). Um está de um lado, o outro, do outro. A Microsoft faz software proprietário, vai ser vendido. O software livre é o software livre. Um está interessado em vender. O outro, interessado em dar. Não vejo problema. Acho que podem conviver, acho que devem. Quem quer dar de graça não pode tirar liberdade de quem quer vender. E quem quer vender não pode tirar liberdade de quem quer dar de graça.

Folha – Quem vende não está gostando do projeto de lei?

Gil – Ah, bom, aí é problema de quem vende, ora (ri). Não é nosso. Por que é que quem vende tem que achar que quem não vende não tem direito de não vender? O que é que dá direito a quem vende de achar que todo mundo tem que vender? Não vejo. Isso é autoritarismo. É isso.

Folha – Caetano Veloso já disse que Gilberto Gil é o Lula do Lula. O sr. hoje está à esquerda de Lula?

Gil – Parece cada vez mais que ele tem razão. O governo Lula, todo ele, está à esquerda e à direita do Lula, o tempo todo, ele inclusive.

Folha – A prisão recente de Mano Brown, que estava com um amigo que portava maconha, faz lembrar episódio parecido com Gilberto Gil em 1976. O que o artista e o que o ministro pensam desse episódio?

Gil – Ainda é anacronismo, né? Ainda estamos lidando com essa questão, já podia não ser assim. Foi em nome de um poder conferido pela lei, mas ainda anacrônico. Essas coisas já podiam estar no campo da regulação automática, feita pelos cidadãos, pelas regras naturais da sociedade, e não mais pela rígida cristalização da criminalização. Ainda não é assim, vamos esperar que seja no futuro. Nós trabalhamos para isso.

Folha – Responderam o ministro e o artista como um só?

Gil – Os dois (ri).’

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‘‘Estamos prontos a conversar’, diz Central Globo’, copyright Folha de S. Paulo, 11/8/04

‘Informado sobre os comentários do ministro Gilberto Gil à cobertura da Globo sobre o projeto de lei do Ministério da Cultura para a criação da Ancinav (Agência Nacional do Cinema e Audiovisual), o diretor da Central Globo de Comunicação, Luís Erlanger, afirma:

‘A crítica à proposta e à forma de apresentá-la não é só da Globo. Principais representantes do setor de cinema e audiovisual e os principais veículos de mídia impressa expressaram opinião contrária ao projeto, da qual a Globo compartilha.

‘Não temos nenhuma informação sobre qualquer comentário do ministro, mas estamos prontos a conversar com ele sempre que desejar’.’

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‘Projeto depende da aprovação de Conselho’, copyright Folha de S. Paulo, 15/8/04

‘Produção, distribuição e exibição de filmes (e outros conteúdos audiovisuais) no cinema, nas TVs, no celular -o projeto de lei do MinC (Ministério da Cultura) para a criação da Ancinav (Agência Nacional do Cinema e do Audiovisual) introduz novas regras em todo o mercado.

O ponto mais questionado do texto -que dava à Ancinav o poder de interferir na programação das TVs (artigo 43)- será retirado, antes mesmo do envio ao Congresso Nacional, conforme anunciou o Ministério da Cultura.

Sobra então para a criação de tributos a liderança das reclamações dos setores atingidos. A venda de bilhetes de cinema tem taxação de 10%; vídeo, 9%; anúncios publicitários em TV, 4%.

Como o objetivo geral do projeto é desenvolver a indústria nacional de cinema, os filmes brasileiros ficam excluídos da taxação sobre lançamentos, que estipula pagamento de R$ 600 mil para estréias acima de 200 cópias.

O pagamento de direitos autorais por músicas executadas em filme está sujeito a mudanças também, de acordo com o projeto. O Ecad (Escritório Central de Arrecadação de Direitos), órgão privado que hoje centraliza em nome dos compositores todas as cobranças, perderia para a Ancinav o controle sobre as obras audiovisuais e cinematográficas.

O Ecad rejeita os artigos do projeto que se referem a isso, afirmando que a submissão dos direitos de autor a uma autarquia federal é inconstitucional.

Antes de ser levado ao Congresso, o projeto necessita da aprovação do Conselho Superior de Cinema, formado por nove ministros e nove representantes da sociedade civil (profissionais das áreas de cinema e TV).

O conselho tem 60 dias para avaliar e propor sugestões ao texto, que está disponível no site do MinC (www.cultura.gov.br). Como alguns conselheiros atuam em setores atingidos pelas medidas, o debate mais parece queda-de-braço.’



Pedro Alexandre Sanches

‘Ecad diz que projeto do MinC é inconstitucional’, copyright Folha de S. Paulo, 13/8/04

‘O Ecad (Escritório Central de Arrecadação de Direitos) chegou a temer que a extinção da instituição estivesse contemplada no polêmico projeto de lei de criação da Ancinav, feito pelo Ministério da Cultura.

O projeto veio atingindo a central de arrecadação só no que se refere à cobrança de direitos autorais por trilhas sonoras de filmes. Durante entrevista à Folha, o ministro e compositor Gilberto Gil afirmou que a extinção do Ecad não foi cogitada.

‘Não trabalho para que o Ecad desapareça, não vejo necessidade’, disse, completando: ‘Não vejo também necessidade nenhuma de o Ecad se colocar receosamente em relação a outras formas de movimentação, que façam o que o Ecad não faz’.

Seu discurso vai além: ‘Tantas instituições humanas são extintas e desaparecem, são recicladas, reaparecem no futuro. Não tem que ter medo. Se o Ecad desaparecer, qual é o problema?’.

Confrontada com esse depoimento, a superintendente do Ecad, Glória Braga, se diz tranqüila quanto à disposição mantenedora do ministro. Mas vai ao ataque quanto ao já disposto no projeto, afirmando que o órgão preparará documento afirmando que aquele trecho é inconstitucional. ‘O projeto quer retirar do âmbito privado e levar ao de uma agência estatal a administração de bens que são propriedade dos compositores. Eles é que têm que dizer como querem administrar.’

‘Gil diz que não está entrando na esfera do Ecad, mas está. Será que ele está sabendo qual é a extensão desse negócio?’, pergunta Braga, que admite que também não leu o texto na íntegra.

Sobre um suposto caráter abusivo da cobrança de direitos em cinema, contra-ataca, rebatendo indiretamente argumentos de donos de cinemas: ‘Estou respaldada pela lei e por decisões judiciais. Abusivo é quem não cumpre a lei há 15 anos’.’



Silvana Arantes

‘Gil propõe retirar artigo polêmico de seu projeto’, copyright Folha de S. Paulo, 12/8/04

‘O ministro da Cultura, Gilberto Gil, decidiu propor a retirada do mais polêmico ponto do projeto de lei que cria a Ancinav (Agência Nacional do Cinema e do Audiovisual) -o artigo 43, que confere à agência o poder de ‘dispor sobre a responsabilidade editorial e as atividades de seleção e direção da programação’ das TVs.

‘Queremos eliminar um foco de mal-entendidos e começar a discussão em bom tom’, diz o secretário-executivo do ministério, Juca Ferreira, explicando a decisão de Gil.

Desde que o projeto do ministério vazou pelo site ‘PayTV’, na segunda passada, o artigo 43 foi criticado por seu suposto caráter dirigista e intervencionista e por abrir caminho à censura da programação das TVs.

Apesar das críticas, o MinC decidiu manter o artigo 43 no documento entregue oficialmente, no fim da semana, aos membros do Conselho Superior de Cinema, que terão dois meses para avaliar e propor alterações no projeto, antes que ele seja enviado ao Congresso. O texto tem, no total, 141 artigos, em 43 páginas, e 16 páginas de ‘exposição de motivos’.

O ministro apresentará oficialmente a proposta de retirada do artigo 43 na próxima reunião do conselho, formado por nove ministros e nove representantes da sociedade civil. O encontro ainda não tem data definida. Mas os conselheiros civis, que são profissionais das áreas de cinema e de TV, devem ter reunião com equipe do Ministério da Cultura após o encerramento do 32º Festival de Gramado (16/8 a 21/8).

O MinC também decidiu disponibilizar em seu site (www.cultura.gov.br) o texto integral do projeto de lei, com espaço para os internautas fazerem comentários e propostas. A divulgação no site do ministério estava prevista para ocorrer a partir de hoje. Com essa medida, o ministério pretende mostrar que está ‘aberto a todos os canais, para uma reflexão madura’, como afirma Ferreira.’

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‘Ministério da Cultura obtém apoio e sai do isolamento’, copyright Folha de S. Paulo, 11/8/04

‘O MinC (Ministério da Cultura) começa a deixar de ficar isolado na defesa de seu projeto de lei que cria a Ancinav (Agência Nacional do Cinema e Audiovisual).

O projeto, ainda não enviado ao Congresso, foi divulgado na semana passada, sob fortes críticas de setores atingidos pela previsão de novas taxas (distribuidores e exibidores de cinema) e pela possibilidade de submissão ao controle e fiscalização de conteúdos pela futura agência (caso das empresas de televisão).

Manifestações de apoio à proposta do ministério, sem excluir a necessidade de seu aperfeiçoamento, começaram a circular anteontem, em forma de notas oficiais e de mensagens nas listas de discussão de profissionais de cinema na internet.

‘Apoiamos sobretudo os mecanismos que visam a garantir a distribuição mais democrática dos espaços e dos recursos -quer em relação às diversas regiões do país, quer em relação aos agentes do processo com menor capacidade financeira e menos trânsito na mídia’, diz nota da Aprocine (Associação dos Produtores e Realizadores de Filmes de Longa-Metragem de Brasília).

O cineasta e montador Eduardo Escorel comenta na lista de discussão da Abraci (Associação Brasileira de Cineastas): ‘Se há detalhes que podem ser discutidos e aspectos que podem ser aprimorados, se a redação de certos artigos pode ser tornada mais clara, nada disso afeta o essencial: a substância do projeto é excelente, atende o interesse do cinema brasileiro e vem ao encontro de antigas reivindicações do setor’.

O atendimento a reivindicações de parcela da indústria cinematográfica no país é também o aspecto destacado na nota divulgada por Geraldo Moraes, presidente do CBC (Congresso Brasileiro de Cinema): ‘A criação da Ancinav e a regulamentação do setor audiovisual representam uma histórica demanda do cinema brasileiro’.

Moraes, no entanto, não tem autorização das 54 entidades associadas ao CBC para aprovar, em nome de todas, o texto do MinC. ‘Quem se manifestou foi o presidente do CBC. É a opinião de uma pessoa, assim como a do Cacá [Diegues] ou a do [Arnaldo] Jabor [cineastas contrários ao projeto]’, diz Valmir Fernandes, presidente da Cinemark e da Abraplex (Associação das Operadoras de Multiplex), que integra o CBC.

Na semana passada, a Abraplex, em conjunto com a Feneec (Federação Nacional dos Exibidores de Cinema) e a Abracine (Associação Brasileira dos Exibidores de Cinema), divulgou nota em que ‘repudiam o brutal aumento de carga tributária [previsto no projeto de lei]’ e condenam ‘o violento intervencionismo e a exagerada regulação em um segmento que tem dado provas de desenvolvimento nos últimos anos’.

Moraes afirma que, junto com Fernandes, irá estudar ‘um sistema de consulta a todas as entidades’ filiadas ao congresso, para que opinem sobre cada artigo do projeto de lei individualmente.

Hoje, o Sicesp (Sindicato da Indústria Cinematográfica de São Paulo) se reúne para avaliar se assinará conjuntamente com o Sicav (Sindicato da Indústria Cinematográfica e Audiovisual), do Rio de Janeiro, carta sobre o tema.

O cineasta Paulo Thiago, que preside o Sicav e preparou o documento depois de assembléia dos associados, diz que a intenção é de ‘diálogo com o governo’.

‘Ninguém está aqui nem para confrontos estudantis nem para adesismo. Não somos ingênuos de acreditar no ‘laisser-faire’. Há 40 anos defendemos regulação. Mas queremos uma regulação que não seja um tiro no pé’, diz.’