Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Cristiane Jungblut


‘BRASÍLIA. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva reduziu ainda mais, ontem, o poder de Luiz Gushiken dentro do governo. Gushiken não controlará mais a publicidade do governo, deixando de ser ministro da Secretaria de Comunicação de Governo e Gestão Estratégica (Secom). Será apenas chefe do Núcleo de Assuntos Estratégicos (NAE), na prática um assessor especial do presidente. Na semana passada, desgastado pelas denúncias de seu relacionamento com os fundos de pensão de estatais, Gushiken já tinha perdido o status de ministro.


A Secom será desmembrada: a parte de comunicação e publicidade será repassada à Secretaria Geral da Presidência da República, do ministro Luiz Dulci, e a Gestão Estratégica se transformará no NAE, que será coordenado por Gushiken. O novo esquema resolve dois problemas: Gushiken, mesmo perdendo status de ministro, não precisará ficar subordinado a outro ministro, respondendo diretamente ao presidente Lula.


Em contrapartida, a ministra da Casa Civil, Dilma Rousseff, saiu vitoriosa ao não ficar com a polêmica parte da publicidade e repassá-la a Luiz Dulci. Inicialmente, o Planalto divulgou que a Casa Civil ficaria com a Secom.


Na última terça-feira, Dulci esteve com Gushiken para discutir as mudanças. Lula concordou com o novo desenho em reunião na segunda-feira. Segundo assessores, Gushiken sempre disse ao presidente que gostaria de ficar cuidando apenas do NAE, por considerar importantes discussões amplas como o programa do Biodiesel, que acabou se tornando um programa de governo, e programas de médio e longo prazos, como o Brasil em Três Tempos — um estudo de perspectivas da sociedade até o ano 2022. O NAE funcionava informalmente dentro da Secom.


Há duas semanas, no auge das acusações envolvendo Gushiken, Lula anunciou que ele não sairia do governo, apesar de ele ter colocado seu cargo à disposição. O presidente disse que o amigo permaneceria no governo. Ficou acertado então que ele não seria mais ministro.


— Fica constituído o NAE, que era ligado à Secom, e fica diretamente ligado, como órgão de assessoria, ao presidente da República, sendo dirigido pelo companheiro Gushiken — anunciou o próprio Lula.


Decisão significa desmantelamento da Secom


Na prática, é o desmantelamento da Secom. Sai com Gushiken, por exemplo, o secretário-executivo, Marcus Flora, cujo nome apareceu na agenda do publicitário Marcos Valério. Toda a equipe será renovada a partir de hoje por Luiz Dulci.’


 


Merval Pereira


‘O governo se desmancha’, copyright O Globo, 22/7/05


‘O segundo rebaixamento em poucos dias a que foi submetido ontem o ex-ministro Luiz Gushiken, antigo integrante do ‘núcleo duro’ do governo, é mais uma faceta do longo e penoso processo de desestruturação do governo Lula, que agoniza em praça pública a um ano e meio do seu fim. Mais se parece com uma punição recorrente, embora Gushiken jure que está indo para o Núcleo de Assuntos Estratégicos (NAE) por decisão própria. Na verdade, o acerto feito ontem tenta consertar sua situação funcional, embora tenha provocado novos constrangimentos.


Envolvido em denúncias de manipulação de verbas publicitárias na Secretaria de Comunicação (Secom), e de interferência política nos fundos de pensão, além de favorecimento a uma empresa de consultoria a que esteve ligado antes de ir para o governo, Gushiken, indignado, decidira sair do governo pressionado pela família, mas atendeu a um apelo público do presidente Lula para permanecer.


A partir daí, uma série de trapalhadas o colocou em situação no mínimo embaraçosa, perdendo o status de ministro e ficando subordinado à nova chefe da Casa Civil, Dilma Roussef. Na verdade, quando tratou com o presidente Lula pela primeira vez de sua situação, Gushiken sugeriu que a Secom, que estava com fama de superpoderosa, perdesse o status de ministério e não ficasse vinculada diretamente ao presidente da República, para deixar de ser alvo do que considerava manobras políticas.


Na visão de Gushiken, analisada para o presidente Lula, três razões levaram a Secom a se transformar em alvo da cobiça política de adversários do governo: a inclusão na Secom do Núcleo de Assuntos Estratégicos, que estuda programas fundamentais para o governo como o biodiesel; a centralização de negociação de mídia, não permitindo que estatais fizessem negociações comerciais autônomas, uma verba em 2004 de quase R$ 900 milhões; e por último, a publicidade institucional, que passou a ser feita centralizadamente a partir da Presidência da República.


Ao dizer que a Secom não precisaria ter status de ministério, o que Gushiken estava fazendo, no entanto, era dar ao presidente a chance de colocar em prática uma idéia que já fora discutida no núcleo central do governo: tirar o status de ministério de todas as secretarias, dentro da reforma ministerial, como um sinal de que a máquina do Estado seria enxugada.


Seja porque os integrantes das demais secretarias que permaneceram no governo reagiram, seja porque o presidente Lula não tencionava mesmo fazer as mudanças, apenas Gushiken perdeu o status de ministro. Por sinal, assim que a decisão de rebaixar a Secom foi publicada no Diário Oficial, o ex-ministro Gushiken recebeu um telefonema do ministro da Justiça, Marcio Thomaz Bastos, alertando-o de que a partir daquele momento ele não tinha mais foro privilegiado, a blindagem do cargo que leva ao Supremo Tribunal Federal os processos contra os ministros.


Na prática, os caminhos tortuosos do PT no governo levaram o presidente Lula a dar status de ministro ao presidente do Banco Central, Henrique Meirelles, para protegê-lo de eventuais perseguições políticas, e a deixar ao relento seu amigo de longa data, exatamente no momento em que ele é objeto de diversas acusações na CPI dos Correios e começará a ser alvejado por denúncias com relação aos fundos de pensão.


Gushiken ficará ligado ao presidente da República no Núcleo de Ações Estratégicos (NAE), um setor do qual ele realmente gosta. Mas a Secom irá para a Secretaria-Geral da Presidência, sob a orientação do ministro Luiz Dulci, um dos que não perderam o status de ministro, continuando assim a comunicação oficial do governo ligada diretamente à Presidência da República.


Do ponto de vista pessoal, Luiz Gushiken considera que o que estão fazendo com ele é denegrir sua reputação sem base nos fatos. E chega a dar um exemplo surpreendente: diz que agora compreende a injustiça que foi feita com Eduardo Jorge, o ex-chefe de gabinete do presidente Fernando Henrique Cardoso, acusado incessantemente pelo PT e pelo Ministério Público de manipular as verbas dos fundos de pensão, a mesma acusação que hoje pesa sobre Gushiken. Nada foi provado contra Eduardo Jorge, e Gushiken admite que o PT errou ao basear sua luta política no ataque à reputação alheia.


A acusação de que a empresa de consultoria de previdência privada Globalprev, da qual era sócio antes de ir para o governo, foi beneficiada por sua influência e teve crescimento econômico indevido nos últimos anos, foi esclarecida por uma nota da Prefeitura de Indaiatuba, retificando dados que distorciam o crescimento da empresa, e pedindo desculpas. Os contratos de publicidade com estatais, que inicialmente chegaram a ser apontados como superfaturados, responsáveis pelo dinheiro que Marcos Valério distribuía entre os políticos, não são suficientes para justificar toda essa dinheirama que está aparecendo.


Gushiken, que já se dispôs a depor na CPI mista dos Correios, sabe que será a bola da vez quando os fundos de pensão começarem a ser investigados. Diz que sua fama de ser o ‘dono’ do setor, por ser um especialista no assunto, não corresponde à realidade. Adacyr Nunes, diretor da Secretaria de Previdência Complementar, que já foi apontado como ex-sócio de Gushiken na empresa de consultoria, foi na verdade seu assessor jurídico na Câmara dos Deputados. Sua escolha foi feita pelo então ministro da Previdência Ricardo Berzoini — hoje secretário-geral do PT — segundo Gushiken pela importância que Adacyr Nunes tem no mercado de previdência privada do país. Gushiken nega também que tenha interferido nas escolhas dos presidentes da Petros e da Previ, atribuídas a ele.’


 


Clóvis Rossi


‘O abraço da morte’, copyright Folha de S. Paulo, 22/7/05


‘SÃO PAULO – Dizia-se antigamente que à mulher de César não basta ser honesta; tem que parecer honesta também.


No Brasil moderno, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva resolveu subverter até essa regrinha básica da decência política: atou-se, com sua entrevista de Paris, a gente que pode até ser honesta, mas não parece nem um pouquinho.


Viu-se, no depoimento de Delúbio Soares anteontem, o desespero de alguns petistas tidos como sérios, como Saturnino Braga (RJ), que não só duvidava de cada afirmação do tesoureiro licenciado do PT como dizia, apoplético, que a estratégia de defesa de Delúbio era insustentável e acabaria por atingir o presidente da República, mais cedo que tarde.


Saturnino tem vastíssima quilometragem rodada nos caminhos da política. Pode, portanto, ter toda a razão. Mas temo que, mesmo que esteja certo na sua previsão, não haja outra possibilidade aberta para o PT ou para o presidente.


Não faz muito, sugeri a ‘saída Clinton’. O presidente vai à TV, admite que disse uma ou outra mentira, pede perdão e seja o que Deus quiser. Nem sei se funcionaria, é bom deixar claro. Mas o que mais Lula pode fazer? Agora, aliás, a ‘saída Clinton’ pode ter sido bloqueada pela entrevista em Paris, na qual o presidente diz que o PT só fez o que todos sistematicamente fazem. Ou seja, aderiu à maracutaia.


O problema dessa linha de defesa é óbvio: primitivos como são, os dirigentes do PT responsáveis pela maracutaia deixaram todas as digitais nos cofres e malas que utilizaram. Os outros partidos, se de fato usam ou usaram caixa dois, como é bem provável, foram mais hábeis, o que torna difícil incriminá-los.


Ou, objetivamente: a tática ‘todo mundo rouba, eu também’ só tem réus, por enquanto, do PT ou da base aliada. Gente, como dito no início, que pode até ser honesta, mas nunca pareceu sê-lo. É com eles que Lula vai ficar abraçado?’


 


Nelson Motta


‘A propaganda é a arma do negócio’, copyright Folha de S. Paulo, 22/7/05


‘RIO DE JANEIRO – Ao contrário das concorrências para obras e fornecimento de material, que têm especificações técnicas rígidas, as licitações públicas para serviços publicitários são muito mais frouxas e subjetivas. E por isso muito mais sujeitas às fraquezas humanas e às empulhações ideológicas.


Para concorrer à conta dos Correios, ou da Loterj, a agência tem que ter apenas um certo capital e ser capaz, tecnicamente, de cumprir os contratos a que se habilita. Ou seja, produzir os anúncios, spots e comerciais da campanha que apresentou. E pronto, é correr para o abraço. Claro, depois de falar com as pessoas certas.


Como o valor e os prazos das concorrências publicitárias são fixos, assim como a comissão das agências, a escolha é feita entre as campanhas apresentadas. E como escolhem? Bem, eles devem dizer que são ‘critérios técnicos’, como se os burocratas da comissão de licitação fossem experts em publicidade, aptos a avaliar a eficiência e adequação da campanha aos objetivos da empresa. Mas na verdade todo mundo sabe que é tudo uma questão de, digamos, ‘gosto pessoal’. O pessoal ‘gosta’ mais de umas campanhas do que de outras e essas são as escolhidas. Sem muitas explicações.


É uma das explicações para agências como a de Marcos Valério abocanharem tantas contas de estatais. Por isso tantas concorrências se transformam em ocorrências (policiais). Explica também o baixíssimo nível da publicidade da maioria das estatais -ufanista, sentimentalóide e ineficiente, bem ao gosto dos fregueses atuais. Tanto dinheiro jogado fora. Tanto ladrão se dando bem. Tanto honesto-mas-burro nos dando prejuízo.


Já que é impossível sanear esse estilo de ‘escolha’, que ao menos se reduza drasticamente a veiculação dessas campanhas milionárias e inúteis. Só os Correios, um monopólio, torrou R$ 90 milhões em anúncios. Para quê? Para quem?’


 


Ariosto Teixeira


‘Jefferson diz que não vai poupar Lula quando cair’, copyright O Estado de S. Paulo, 22/7/05


‘O presidente licenciado do PTB, deputado Roberto Jefferson (RJ), já começou a preparar o que considera o discurso da cassação do seu mandato pelo plenário da Câmara. Jefferson disse ao presidente do PFL, senador Jorge Bornhausen (SC), que pretende apresentar da tribuna a lista dos deputados que recebiam suborno de R$ 30 mil – o chamado mensalão – para participar da base de apoio do governo Lula.


Bornhausen recebeu o petebista na noite de terça-feira, em seu apartamento funcional, em Brasília. Eles tiveram uma longa conversa. O senador explicou, em declaração para a página do PFL na internet (www.pfl.org.br), que sempre teve um relacionamento cordial com Jefferson. ‘Eu o convidei e conversamos sobre o momento atual.’


Jefferson disse ao presidente do PFL, segundo fontes do partido, que reuniu todas as provas necessárias ‘para enfrentar’ o deputado José Dirceu (PT-SP) em acareação. Ele acusa o ex-ministro da Casa Civil de ser o criador e o coordenador de corrupção no governo.


Roberto Jefferson acredita que pode agora dividir a crise ‘em antes e depois’ do que planeja fazer. Jefferson contou que não pretende mais poupar ninguém, nem o presidente Lula, a quem disse que sempre preservou desde a revelação dos escândalos.’


 


Folha de S. Paulo


‘Além do PT’, copyright Folha de S. Paulo, 22/7/05


‘Os dados acerca de saques realizados de contas de empresas do publicitário Marcos Valério revelam que também políticos do PFL e do PSDB tiveram acesso a recursos suspeitos. O deputado Roberto Brant (PFL-MG), que foi ministro da Previdência no governo Fernando Henrique Cardoso, admitiu que um assessor retirou R$ 102 mil da agência do Banco Rural localizada em Brasília. Ele prestou informações a seu partido, dando conta de que obteve uma doação ‘por fora’ da empresa Usiminas. Brant fez um comentário bastante significativo acerca do episódio: ‘Quem não tiver recebido dinheiro não-contabilizado que atire a primeira pedra’.


O ex-secretário de Radiodifusão do ministério das Comunicações Paulo Menicucci também aparece na lista. Ele atribuiu o fato a uma suposta manobra para envolver os tucanos ‘na lama’. Menicucci, um membro da Executiva do PSDB de Minas, é um político próximo ao ex-ministro das Comunicações Pimenta da Veiga. Até o último mês de abril, ele trabalhava nos Correios, empresa da qual foi diretor de tecnologia e infra-estrutura na gestão anterior.


Quanto a Pimenta da Veiga, também recebeu recursos de Marcos Valério no ano de 2003 -dinheiro que, segundo disse, corresponderia a um pagamento por prestação de serviços de advocacia.


Já se conheciam informações de que Marcos Valério operava nos bastidores da política brasileira muito antes da vitória petista, em 2002. Suas relações com políticos do PFL e do PSDB também já haviam surgido no noticiário. É, de fato, difícil acreditar que apenas o PT tenha incorrido no uso de caixa dois para financiar campanhas -embora esse seja apenas um dos aspectos do esquema de corrupção ora investigado.


Como esta Folha já comentou, embora as denúncias e investigações concentrem-se no governo petista e em seus aliados, casos relativos a outras administrações e legendas não podem ser relevados. Todas as suspeitas devem ser investigadas e os eventuais culpados punidos.’


 


ENTREVISTA DE LULA


Melissa Monteiro


‘Fiz o que todo jornalista deveria fazer’, copyright Folha de S. Paulo, 22/7/05


‘Escrevo para me defender das críticas e calúnias das quais fui vítima nos últimos dias e que têm me machucado muito. Parece um grande erro ser jornalista e exercer a profissão com afinco e paixão. Sou ‘acusada’ por grandes veículos de comunicação do Brasil de ter conseguido aquilo que nenhum deles conseguiu: um furo de reportagem.


Essas críticas revelam a arrogância que permeia nossa profissão. Sinto-me covardemente atacada pelo fato de não estar vinculada aos veículos que monopolizam a informação no Brasil.


Para os invejosos, é mais fácil enxergar um complô do que reconhecer com humildade o meu êxito profissional. Muitos egos amargurados, que correram atrás do presidente Lula durante dias em vão, preferiram criticar minhas perguntas do que simplesmente aceitar o principal: foram elas que arrancaram da boca do presidente palavras sobre a crise política, enquanto as perguntas pseudo-inteligentes e arrogantes obtiveram o silêncio como resposta.


Tentaram até me desqualificar profissionalmente. Disseram que não sou repórter, ‘apenas’ free-lancer, quando, na verdade, sou formada pela Ecole Supérieure de Journalisme de Lille na França. Também sou engenheira de produção formada pela Escola Politécnica da USP. E é verdade, sou profissional independente e tenho uma modesta produtora de reportagens em Paris que tem como clientes os maiores canais de televisão franceses.


Tenho 29 anos. Saí do Brasil há oito anos, morei em Londres e agora vivo em Paris. Especializei-me no vídeo-jornalismo (eu mesma opero a câmera e faço a edição das reportagens) por gostar de ser independente e acreditar que este seja o futuro de minha profissão.


Desde domingo, vários colegas esmiúçam minha vida como se eu fizesse parte de um complô com a assessoria de imprensa do Planalto. Estou impressionada com a quantidade de informações erradas que estão divulgando a meu respeito. Fico até envergonhada de perceber tanta irresponsabilidade.


Por que não canalizar toda essa energia para elevar o nível do debate e aproveitar a ocasião para tecer uma autocrítica à maneira como nossa profissão é praticada no Brasil?


Minha idéia inicial era fazer uma reportagem humana e pessoal, que traçasse o perfil de Lula, ainda em Brasília, antes da sua vinda à França. Num trabalho de muita insistência, paciência e perseverança, cinco semanas depois, consegui essa entrevista exclusiva em Paris.


Não entendo que culpa tenho pelo fato de o presidente ter se sentido à vontade para confiar em minha câmera.


Cheguei à residência Marigny às 10h da sexta-feira, 15 de julho. Às 10h45, horário de Paris, começamos a entrevista. O presidente Lula me disse: ‘esta entrevista é o resultado de muita persistência’. Verdade. Preservei o tom calmo e coloquial para deixar o presidente à vontade.


Naquele momento, ainda tinha o intuito de divulgar a reportagem na França e não tinha feito contato com veículos brasileiros. Fiz três perguntas relacionadas à sua visita. Comecei então a entrar no tema da crise do Brasil, de maneira que pudesse interessar ao público francês, alheio aos detalhes da crise política. Comecei por informações que já tinham sido divulgadas na França, ‘enfraquecido em Brasília, celebrado em Paris’. O porta-voz da República, André Singer, e o assessor de imprensa Rodrigo Baena pareciam descontentes com as perguntas. Mas o presidente respondeu a todas.


Desde então, recebi todo o tipo de pressão. Pressão da assessoria de imprensa do Planalto. Depois da entrevista, para minha surpresa, os dois assessores vieram indignados em minha direção aos gritos de ‘você não cumpriu com o nosso trato, isso é falta de profissionalismo, você só fez perguntas sobre política interna, é uma pena que você comece assim sua carreira de jornalista’.


André Singer sugeriu que a fita fosse parcialmente apagada. Rodrigo Baena tentou me convencer de quais perguntas poderiam ou não ser divulgadas, ‘esta você pode guardar, esta não’.


Saí dali entusiasmada, com a convicção de que tinha em minhas mãos um material cujo interesse ultrapassava as fronteiras da França. Ofereci o material a alguns redatores-chefes que me disseram que, com a volta do presidente Lula à Brasília, a entrevista deixava de ser importante para as redações francesas. Por mais que elas lhe dessem algum destaque, a entrevista não mereceria mais do que dois minutos no noticiário.


Decidi não divulgar a matéria na França. Percebi que estava diante de um depoimento simples, sincero e humano do presidente Lula, que certamente interessaria à população e que não podia, de forma alguma, ficar esquecido num canto de gaveta.


No domingo, procurei a Rede Globo. Pedi, como condição para a venda dos direitos de imagem, que as respostas do presidente não fossem editadas, de maneira a evitar mal entendidos e distorções de cada idéia desenvolvida.


Depois da entrevista divulgada, começaram as pressões e calúnias dos meus próprios companheiros de profissão. Recebi dezenas de telefonemas com pedidos de esclarecimentos e de entrevistas como se fosse crime uma repórter independente conquistar uma entrevista exclusiva. Na verdade, apenas fiz aquilo que todo jornalista deveria sempre fazer: persistir até o último minuto para conseguir informações inéditas e zelar, até o fim, para que elas cheguem ao conhecimento de todos.


Deixo aqui meus sinceros votos de que todos os meus colegas jornalistas experimentem um dia, se já não experimentaram antes, o mesmo êxito profissional que eu experimentei naquele dia. E que se libertem do veneno e da arrogância quando um colega tiver mais sucesso numa reportagem.


Melissa Monteiro é jornalista e produtora independente em Paris’