Thursday, 21 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Cristiano Avila Maronna


‘Jogavam duas equipes de futebol, uma brasileira, outra argentina. Na transmissão televisiva, um locutor branco, em momento de rara iluminação, tem a impressão de que um zagueiro argentino branco ofendeu a honra do adversário, brasileiro e negro, proferindo insultos de cunho discriminatório no calor da refrega. Isso com base na indefectível leitura labial. De um falante da língua espanhola. ‘Roma locuta, causa finita’.


A partir dessa impressão, o locutor, encarnando a indignação pátria, passa a açular as massas, com imagens repetidas ‘ad nauseam’. O jogador brasileiro, expulso de campo, foi questionado pelo repórter branco se fora chamado de negro pelo argentino e respondeu que não diria nada, ‘para não dar ênfase’. Não precisava. O locutor, por mais de uma hora de transmissão televisiva ao vivo para todo o país, deu toda a ênfase. A cruzada patriótica estava posta em marcha. E o Macaco Simão, desta feita, não estava à frente dela.


Um secretário branco, defronte ao seu televisor, como se fora um xerife de faroeste, sugestionado pela cruzada patriótico-televisiva do locutor, mandou um delegado branco -ele também (mais) um telespectador da apologética transmissão- prender o atleta argentino. Direito penal como ‘ultima et extrema ratio’? Nem pensar. Mas e a Justiça Desportiva, interrogação.


Parafraseando o locutor Fiori Gigliotti, assim que o árbitro apitou o final do jogo, o espetáculo começou. Ainda no gramado, o delegado deu voz de prisão, em portunhol, ao argentino, cercado por policiais brancos. Tudo ao vivo e em cores. Todas as cores. Um verdadeiro ‘Big Brother’. Na TV, no rádio, na internet e no jornal, sem interrupção. Campeão de audiência.


O caso ganha repercussão internacional e as massas querem a Lei de Lynch. Ah, o show da vida é fantástico! Insuflada, a audiência quer sangue. O sangue vermelho do argentino branco. O exemplo brasileiro ao mundo nos enche de orgulho cívico verde e amarelo.


Nosso passado escravocrata pesa nas nossas consciências, necessitamos de um bode expiatório, de um satã para purgar nosso genuíno, porém dissimulado, preconceito hereditário. Nada melhor do que um branco. E argentino. E, ainda por cima, zagueiro. Vivas à xenofobia! No Brasil, não toleramos o racismo, não é mesmo?


A discriminação e o preconceito ancestrais são um flagelo que se manifesta em todo o mundo. Todos devemos repudiar o racismo, deplorável sob qualquer aspecto. O que não dá para aceitar é a histeria, o frenesi e, especialmente, a hipocrisia espetacularizada.


O episódio dá azo a pelo menos duas reflexões. A primeira, e mais importante, diz com o encaminhamento da questão. As violências e arbitrariedades perpetradas dão a impressão de que, de uma hora para a outra, como em um surto psicótico coletivo, a punição antecipada passou a significar a solução de todos os males que afligem a lavoura nacional. Algema no irmão, digo, ‘hermano!’. Lincha! E a torcida vibra. Olé!


A súbita epidemia de falta de bom senso foi atenuada pela intervenção de um juiz de direito branco. Mas um branco de rara sensibilidade. Que compreende, na sua integralidade, o sagrado papel do juiz como garante dos direitos fundamentais. De todos. Negros, brancos, amarelos e vermelhos. De qualquer pátria: somos todos apátridas (mas não afrátridas), reunidos pelo elo comum e recíproco da eminente dignidade humana. Salve a diversidade e o multiculturalismo!


Pertencemos todos à grande família humana, composta de seres imperfeitos. De todas as cores. E todos, sem exceção, temos direito à proteção contra o abuso do poder estatal.


Em um momento de catarse coletiva, é tranqüilizador saber que um juiz de direito, com voz eloqüente, fez prevalecer o império da lei. Prisão cautelar, só quando comprovadamente indispensável. Queimar hereges na fogueira caiu em desuso, para descontentamento de uns certos alguns. A Justiça só pode ser feita com um mínimo de serenidade, de equilíbrio. De imparcialidade. A presunção de inocência nasceu para todos, inclusive estrangeiros. Do contrário, liberticídio.


Um outro aspecto que merece reflexão é o modo como a mídia transforma o drama em novela. Os mercadores da miséria humana dançaram ao ritmo do tango argentino. Os vocalizadores da consciência nacional ferida, tais quais bustos falantes, vociferam a uma só voz: ‘Caterva de lunfardos’, ‘boludos’. ‘Argentinos racistas.’ E dá-lhe Brasil, il, il…


No fim, remédio para as conseqüências. Causas intocadas. ‘The reality show must go on.’ Ah, já ia me esquecendo: para não passar em branco, abaixo o preconceito. Dentro e fora de campo.


Cristiano Avila Maronna, 35, advogado, mestre e doutorando em direito penal pela Faculdade de Direito da USP, é sócio de Maronna, Stein e Mendes Advogados, escritório responsável pela defesa de Leandro Desábato.’



TODA MÍDIA


Nelson de Sá


‘O contraste’, copyright Folha de S. Paulo, 20/04/05


‘Um frade do mosteiro de São Bento, em São Paulo, reclamou na CBN de chamarem Bento 16 de ‘conservador’. Descreveu o cardeal Joseph Ratzinger, pelo contrário, como ‘inovador’.


Aqui e ali, das rádios e TVs no Brasil aos sites de jornais nos EUA e na Europa, ainda se procurou apresentar o novo papa em tintas contidas, logo depois da fumaça branca.


Mas, aos poucos, a começar dos jornais britânicos, que não são de meias-palavras, estabeleceu-se um perfil quase extremista para Bento 16.


Nos canais de notícias, a BBC World saltou na frente, falando de cara em ‘arquiconservador’ -e repisando que Ratzinger ‘usou’ a posição na Congregação para a Doutrina da Fé, ‘antes chamada de Inquisição’, para ‘condenar o homossexualismo e a contracepção’. E o pior, de bate-pronto:


– Foi membro da Juventude Hitlerista.


Não deu a justificativa do próprio, de que foi ‘compelido’. Só jogou a informação.


No Brasil, Folha Online e Band News, entre poucos, descreviam o cardeal como ‘ultraconservador’ que ‘reprimiu teólogos’ e foi soldado do exército alemão de Hitler.


E os britânicos ‘Guardian’ e ‘Financial Times’ eram particularmente violentos, ao tratar das passagens nazistas na adolescência.


Segundo o primeiro, o cardeal ‘tem se defendido argumentando, de forma não estritamente verdadeira, que não poderia ter evitado o serviço militar naquelas circunstâncias’. Mas ‘outros o fizeram’.


Segundo o ‘FT’, sobre a experiência na Juventude Hitlerista, ‘ele tem dito que, apesar de se opor aos nazistas, não era possível resistir abertamente -argumento questionado por alguns historiadores’.


Não demorou para surgirem relatos de Israel.


A mesma BBC noticiou que o analista da TV estatal israelense saiu dizendo que ‘não há dúvida de que Ratzinger tem uma certa mancha no seu passado’. O site do jornal ‘Haaretz’ logo acrescentou:


– Apesar de nunca se ter sugerido que Ratzinger estivesse envolvido nas atrocidades nazistas, existe um contraste entre a sua história na Segunda Guerra e a do predecessor, João Paulo 2º, que participou de ações antinazistas.


Mais algumas horas e começaram a aparecer, pela web, despachos de agências como a americana Associated Press, sob o título ‘Alguns judeus em Israel suspeitosos do papa’.


Por outro lado, o site do ‘Jerusalem Post’ recorreu à biografia produzida pelo célebre vaticanista John Allen, lançada há três anos, para questionar com fervor as críticas ao novo papa, sob o título ‘Ratzinger nazista? Não acredite’.


Mas o estrago estava feito. ‘New York Times’ e ‘El País’, entre tantos que haviam iniciado a cobertura on-line de forma respeitosa e formal, passaram a dar sinais crescentes de desconforto com o novo papa.


Em sua página inicial, o ‘NYT’ entrou com texto no final da tarde opondo os que ‘se regozijaram’ com a eleição aos que se mostraram ‘abertamente aflitos’.


Na BBC, em meio à controvérsia sobre as relações com o nazismo, a imagem do jovem Ratzinger (à esq. na foto)


Independência


Na falta do que comentar, a cobertura, aqui como no exterior, se estendeu sobre o significado do nome, Bento 16.


O ‘Washington Post’ e até a CBN vislumbraram ‘ato de independência’, a diferenciá-lo dos anteriores, inclusive do mais recente. Outros, mais esperançosos que convictos, diziam que ele pode seguir os bons modelos do último Bento, ‘conciliador’, ou do primeiro, ‘evangelizador da Europa’.


‘Mais radical’


Em entrevistas à Band, ao vivo, ao UOL, à BBC Brasil e à agência italiana Ansa, o teólogo Leonardo Boff, punido por Ratzinger, não escondeu sua contrariedade com a escolha.


Disse que Bento 16 será ‘talvez mais radical’ que João Paulo 2º, no conservadorismo, porque ‘tem o pensamento muito claro, mas sem cordialidade’.


Boff, muito antes da punição, foi seu aluno.


Erosão 1


O ‘New York Times’ trouxe longa reportagem relatando a ‘tendência’ dos europeus, em especial dos jovens, de se afastar da Igreja Católica.


Pesquisa entre universitários espanhóis, destacada como exemplar do continente, registra que só 45% se dizem católicos -contra 80%, em toda a população. Pior, a Igreja é citada como a instituição com a menor credibilidade.


Erosão 2


O ‘Financial Times’, de sua parte, fez o mesmo longo perfil sobre a ‘erosão’ na influência da Igreja Católica, só que na América Latina. Imagem lançada por um historiador da religião da universidade de Houston, no Texas:


– No [próximo] domingo, no Brasil, haverá mais protestantes indo aos cultos do que católicos indo às missas.’



PRÊMIO VALOR ECONÔMICO


O Globo


‘Executivos otimistas’, copyright O Globo, 20/04/05


‘Em meio a um clima de otimismo em relação aos negócios tanto no mercado interno quanto no front das exportações este ano, o jornal ‘Valor Econômico’ premiou na segunda-feira à noite os executivos brasileiros que mais se destacaram em 2004. Na cerimônia, realizada no Hotel Unique, em São Paulo, foram homenageados os dirigentes de empresas de 22 setores da economia, eleitos por um júri formado por dez empresas de recrutamento de executivos.


– Estou olhando com muito otimismo o cenário no Brasil e não vejo mudanças significativas nos mercados internacionais, pois a economia mundial deve continuar crescendo, a despeito de algumas acomodações – disse o presidente da Vale do Rio Doce, Roger Agnelli, eleito pela quarta vez ‘Executivo de Valor’ do setor de mineração.


O diretor de Marketing da Schincariol, Adriano Schincariol, de 28 anos, além da premiação pelo segundo ano consecutivo, comemorava os resultados da nova campanha dos refrigerantes da marca.


– As vendas já superaram todas as nossas expectativas – disse ele, ressaltando que o faturamento do grupo deverá crescer 15% este ano. – Este é um ano de consolidação da Nova Schin, cujas vendas cresceram mais de 50% em 2004 e elevaram nossa participação no mercado de cervejas a 16%.


Maurício Botelho, presidente da Embraer, destaque do setor de veículos e peças, afirmou estar surpreso com o patamar do dólar:


– Jamais imaginamos que pudesse cair para menos de R$ 3. Mas para nós o impacto é diferente, porque importamos metade de nossos insumos e vendemos mais de 90% de nossos produtos em dólares.


Apesar do câmbio, a Embraer deve faturar mais este ano, por causa da entrega de jatos de maior valor.


Também receberam o prêmio ‘Executivo de Valor’: Fábio Barbosa (Banco Real); Samuel Klein (Casas Bahia), Constantino de Oliveira Júnior (Gol), Adilson Primo (Siemens), Rubens Ometto (grupo Cosan), Eduardo Bernini (AES Eletropaulo), Rogério Fasano (Fasano), Pedro Passos (Natura), Philippe Prufer (Eli Lilly), Rogério Oliveira (IBM Brasil), Manoel Amorim (Telesp), Luiz Augusto Milano (Matec), Josué Gomes da Silva (Coteminas), José Penido (VCP), José Carlos Grubisich (Brasken), Jorge Gerdau (grupo Gerdau), Emílio Umeoka (Microsoft Brasil), Eduardo Bom Angelo (Brasilprev) e Décio da Silva (Weg).’



THE NEW YORK TIMES


Hugo Alconada Mon


‘Os segredos de um jornal que põe a qualidade acima de tudo’, copyright O Estado de S. Paulo / La Nación, 20/04/05


‘Aos 53 anos e mais de uma década depois de encarnar a quarta geração de sua família à frente do New York Times, o dono e diretor do jornal, Arthur Ochs Sulzberger Jr. – que passou pela Cidade do Panamá para participar da reunião da Sociedade Interamericana de Imprensa (SIP) -, mostra cifras contundentes: o diário aumentou sua circulação e anuncia lucros líquidos de mais de US$ 300 milhões por ano, tem o site informativo mais visitado do planeta, adquiriu a totalidade do pacote acionário do International Herald Tribune edo Boston Globe e desembarcou na televisão, entre outras coisas.


Seu segredo reside nas incríveis somas que ele reinveste em seu diário – ‘instituição’, como prefere chamá-lo – e no ‘jornalismo de qualidade’, com o qual enfrenta o presidente George W. Bush sem perder a possibilidade de almoçar e discutir cara a cara com o estrategista da Casa Branca, Karl Rove, ou de chamar a secretária de Estado, Condoleezza Rice, por seu apelido, Condie.


A missão que Sulzberger impõe a seus jornalistas é fornecer aos leitores a informação de que precisam para se mover num mundo cujas fronteiras se diluem diariamente.


Você acredita que a liberdade de imprensa enfrenta hoje riscos maiores do que há 30 anos, quando Watergate ampliou o horizonte jornalístico?


‘Nossos leitores sabem que não somos uma instituição que negue cometer erros’


Não, não creio. Este é um problema que nunca acabará. Em alguns lugares a situação melhora, em outros, se complica. Mas posso medir a situação geral pelo New York Times. A situação na Rússia é hoje, por exemplo, muitíssimo melhor do que jamais foi sob o comunismo e na China se pode ter acesso ao Times ou ao International Herald Tribune pela internet. Também na América Latina há mais liberdade de imprensa, embora sem dúvida varie.


Agora mesmo, a Argentina está sofrendo sob a atual liderança. Cuba, é claro, não melhorou em 40 anos e nos Estados Unidos temos nossos problemas com o governo. Mas insisto: sempre houve problemas maiores ou menores.


A pressão sobre o jornalismo vai e vem e, logo, a situação melhora. Mas nunca será perfeita.


O jornalismo americano movese com tanta liberdade para cobrir assuntos cotidianos quanto há cinco anos, antes do 11 de Setembro? Existem mais problemas e as coisas estão piores do que há cinco anos. Há mais jornalistas de meios impressos processados pelo que difundem.


Como você lida com as pressões diárias da Casa Branca? Eles se queixam, o ameaçam? Na Argentina, um ministro pode lhe telefonar às 8 horas, em sua casa, para se queixar por uma nota. (Interrompe) Não, esse tipo de conduta seguramente não existe na Casa Branca! Eles podem ligar e pedir-lhe que avalie a possibilidade de não publicar uma nota. Isso, sim, acontece.


Tive esse tipo de conversa com Condie Rice antes de ela assumir como secretária de Estado e sei que Bill Keller (o editor-executivo do Times) também recebe esse tipo de telefonema. Nós os escutamos? Sim. Alguma vez detivemos alguma nota e não a publicamos? Sim.


Nosso trabalho não é pôr em perigo a segurança dos EUA. E quase sempre podemos servir aos leitores sem pôr em risco a vida de nossos soldados. Tem sido assim desde a 2.ª Guerra Mundial ou mesmo desde a 1.ª. Há informações que não publicaremos, como tampouco fizemos antes, durante a tomada de reféns em nossa embaixada no Irã, a crise dos mísseis ou a invasão da Baía dos Porcos, em Cuba.


Mas vocês tomaram essa mesma decisão a respeito de reportagens de investigação sobre, por exemplo, corrupção pública? Sempre que vamos publicar uma notícia, fazemos contato com a pessoa sobre a qual estamos escrevendo e lhe pedimos sua opinião.


Essa é uma de nossas obrigações: obter seus comentários antes de publicar algo. Se vemos que a nota não está pronta para ser publicada, não o fazemos. Mas sempre, é claro, nossa premissa é publicar as notícias. Sempre. E muitas vezes, apesar das reclamações da pessoa investigada, nossa resposta é: ‘Obrigado por falar conosco. Você vai ler a notícia em nossa edição de amanhã.’


Você só mencionou pressões do governo ou de particulares. Mas o que ocorre com anunciantes?


Se o presidente de uma companhia me liga e diz que está tendo problemas com um de nossos jornalistas, passo essa chamada a Bill Keller, porque ele deve sabêlo. Mas nossa decisão é que sob nenhum conceito, recebamos ou não dinheiro dessa empresa, deixaremos de publicar a notícia por causa dessa queixa.


Às vezes, nossos grandes clientes de publicidade deixam de publicar anúncios conosco por dois, três ou quatro anos. Tudo bem! Essas são as conseqüências de nosso trabalho. Nos sentimos muito tranqüilos desse modo.


Estamos no ramo do jornalismo e, no fim do dia, nosso compromisso continua sendo com os leitores. E, como você sabe, podese mentir para eles de muitas maneiras, como deixando de lhes dizer coisas que se sabe e deveriam ser publicadas.


Porém, com o tempo, mentir ou calar faz que eles, os leitores, nos abandonem. E, se isso acontece, ninguém fica satisfeito. Nem os jornalistas nem nossos anunciantes. Nosso compromisso é com os leitores e às vezes por isso temos problemas financeiros.


É muito freqüente seus anunciantes retirarem as contas?


Não. Normalmente eles ficam furiosos, mas logo se recompõem e seguimos em frente.


O que você pode dizer sobre as pressões internas?


Jornalistas que não respeitam códigos de ética, editores que exigem demais? Lembro-lhe de Jason Blair, o redator que inventou notícias.


Claramente, o escândalo de Blair teve um impacto gigantesco no Times. E mudamos como resultado disso. Agora somos uma instituição mais aberta, temos processos melhores de verificação jornalística para nos assegurar de que o jornalista está agindo corretamente.


O que vocês fizeram para recuperar a confiança dos leitores e dos próprios jornalistas no Times?


Para começar, admitimos o que havíamos feito de errado. Mobilizamos uma equipe de nossos melhores jornalistas para investigar todas as matérias que Blair havia escrito. Descobrimos problemas múltiplos e os publicamos em nosso diário.


No entanto, ainda assim, lembramos aos 1.200 jornalistas e fotógrafos que trabalham no New York Times ao redor do mundo: somos humanos e vamos cometer erros. Nossos leitores sabem que não somos uma instituição que negue cometer erros ou se esconda.


Descobrimos onde estava o erro e o resolvemos. Por isso, somos melhores hoje do que ontem.


Você costuma se referir ao ‘jornalismo de qualidade’ e à necessidade de investir grandes quantias no jornalismo, porque isso traz retorno no longo prazo. Você mantém essa premissa?


Sim, é claro! Vou lhe dar um exemplo: como todos os periódicos dos EUA, a publicidade que chega hoje ao Times é bastante fraca, se comparada à dos anos 90. Gostaríamos de manter nossas margens de lucro. Mas a maneira de consegui-lo é reinvestindo na qualidade.


No último ano refizemos as seções de Cultura, Viagens, Crítica Literária, Imóveis e mais outras duas e reequipamos o sistema de computação dos redatores para lhes dar melhor acesso.


Tudo isso consumiu um grande investimento, enquanto cortávamos gastos. Neste ano faremos algo similar. Criaremos uma seção, que sairá às quintas-feiras, e reforçaremos a de Negócios, que sai de segunda a sábado. Esses são investimentos que dão retorno: o índice de leitura sobe e a publicidade nessas seções aumenta.


Deixe-me ser honesto. Ou você é o mais inteligente de todos ou o mais estúpido. Você está remando contra a corrente majoritária nos EUA na América Latina?


(Sorri) Não sou astuto nem imbecil. Só faço o que sempre fizemos no New York Times. Meu bisavô comprou o diário em 1896. Era o mais débil da dúzia de periódicos então publicados em Nova York.


Perdia dinheiro. Mas ele investiu na qualidade do diário. Desde o primeiro dia, introduziu uma revista semanal, que saía aos sábados, criou uma seção literária, acrescentou qualidade aos conteúdos e o New York Times passou à frente. Meu pai, que também assumiu o Times durante um período de declínio, decidiu, com seu editor-executivo, Abe Rosenthal, acrescentar novas seções todos os dias.


E conseguiu reverter a tendência quase de imediato. Mas há limite para fazer jornalismo a fundo perdido?


Há um ponto em que o lado corporativo, seu diretor-financeiro, diz ‘basta’?


Sim. Mas nosso diretor-financeiro sabe como o New York Times funciona. Ele viu o que fizemos nos anos 60, nos 70. Era parte de nossa equipe quando montamos a edição nacional, num momento muito difícil. E a edição nacional nos salvou: desencadeou um crescimento fenomenal na circulação e nos anúncios. Somos o único periódico dos EUA cuja circulação cresceu em 10 dos últimos 12 anos. Por quê?


Porque investimos em jornalismo. Não estou sugerindo que outros periódicos não o façam. Há alguns muito bons nos EUA, como The Washington Post e Los Angeles Times, que conhecem essa lição e a aplicam.


O que acontece com a internet e os bloggers? São a nova fase do jornalismo?


Dar uma opinião é diferente de fazer jornalismo. Tenho minhas opiniões, você também. Mas precisamos de fatos, dados, análises.


E isso não é barato. Compilar e difundir dados é custoso. Ler os diários, assistir à TV e dizer: ‘Bom, isto é o que penso acerca de tudo isso.’ Isso não é jornalismo, é mera opinião. Há lugar para opinar. É algo bom, mas não é jornalismo.


‘Os governos melhoram porque o jornalismo livre força a solução de problemas’


Você acredita que eles são bemsucedidos ou têm mais credibilidade porque opinam, por sua subjetividade?


Não creio que gozem de maior credibilidade que os jornalistas. O jornalismo consiste em buscar dados, fatos, em compilar e difundir informação, para que os leitores elaborem suas opiniões.


Muitos bloggers e pessoas que se dizem jornalistas na TV simplesmente jogam para suas audiências. Não as desafiam: simplesmente dizem o que suas audiências querem ouvir. Isso não é jornalismo e, portanto, não é o negócio no qual queremos estar.


Os meios de comunicação foram suficientemente incisivos enquanto a Casa Branca promovia a segunda Guerra do Golfo?


Penso que, como muitos americanos e outros ao redor do mundo, queríamos acreditar que havia armas de destruição em massa no Iraque.


E, quando se viu que não era o caso, publicamos um grande editorial dizendo: revisamos nossa cobertura e acreditamos que, nisso, nos equivocamos. Mas, lembre-se: cometemos erros, somos humanos. Nossa obrigação é ser responsáveis perante nossos leitores e reconhecer nossos erros. Fizemos isso.


Lembro ainda que o New York Times é criticado em metade das vezes por ser ‘um fantoche do governo Bush’ e, na outra metade, por se opor à Casa Branca.


A divisão nos EUA é tão profunda hoje como nos anos 60, durante a depressão ou durante algumas manifestações contra o governo de Theodore Roosevelt. Este é um dos períodos em que estamos divididos na história americana. Mas vamos nos unir.


Como é a relação com o presidente após o Times ter dito, na campanha, que ele não era o candidato certo para esses tempos? Bom, acostumaram-se a isso?


Almocei há pouco tempo com Karl Rove, com dois editores jornalísticos e dois de editoriais. O governo sabe que temos uma posição que se reflete em nossa página editorial, mas também conhece nosso compromisso de que esse ponto de vista jamais aparecerá em nossos textos jornalísticos.


Se aparece, está errado e devemos corrigi-lo. Esse é nosso compromisso. Também foi assim antes, com Clinton, Bush pai, Reagan…


Você continua acreditando que Bush não é o presidente adequado para os Estados Unidos?


(Sorri, constrangido) Os cidadãos americanos responderam a essa pergunta. E ele foi reeleito com o apoio do eleitorado. Isso é o que importa.


Você acha possível fazer ‘jornalismo de qualidade’ na América Latina, na Argentina, com as restrições econômicas conhecidas?


É possível fazer jornalismo de qualidade em qualquer ponto do planeta. Cada nação enfrenta seus problemas e deve-se produzir mudanças legais naqueles países onde não há liberdade de imprensa. Devo dizer que o presidente Bush e eu compartilhamos vários pontos de vista. Ambos, por exemplo, herdamos de nossos pais e também pensamos que a liberdade é e deve ser a condição natural do ser humano.


E isso deve ser alcançado. Compartilhamos essa visão, embora não os meios para realizá-la. A Argentina merece um jornalismo livre e se beneficiará com essa liberdade de imprensa.


A economia argentina se beneficiará com essa imprensa livre, porque o jornalismo é central e essencial para a democracia. A democracia leva a melhores governos. E os governos melhoram porque o jornalismo livre marca os problemas e força uma solução.


Isso acontecerá na Argentina, em Cuba, na Arábia Saudita. É natural que seja assim. Talvez hoje Kirchner não permita muita liberdade de imprensa. Isso não está muito longe de não deixar os bancos ou as empresas em paz e não está muito longe, por outro lado, de não respeitar a liberdade dos indivíduos.


Num mundo em que os capitais fluem através das fronteiras com enorme flexibilidade, cada um deve decidir se quer investir no futuro de uma determinada sociedade, seja a argentina, a americana ou a coreana.


O desafio para os governos é responder se estão suficientemente abertos para que as pessoas possam dizer: ‘Sim, este governo joga conforme as regras. Aqui é onde quero investir meu dinheiro.’’