Thursday, 21 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Daniel Castro


‘Na contramão do que o telespectador está vendo na programação comemorativa dos 40 anos da Globo, chega às livrarias nesta semana um livro que foi concebido para ser uma coletânea crítica contra o oba-oba da efeméride.


Organizado pelos pesquisadores Valério Cruz Brittos e César Siqueira Bolaño, ‘Rede Globo: 40 Anos de Poder e Hegemonia’ (Paulus, editora ligada à Igreja Católica, R$ 33) é um banho de água fria na autolouvação que a emissora vem promovendo. Com 17 artigos de 20 autores, quase todos acadêmicos, o livro é crítico do começo ao fim.


A obra faz uma radiografia da história e de todos os tentáculos que a Globo possui hoje. Passa pela relação com o grupo americano Time-Life, pela proximidade com os militares, pela ‘omissão’ nas Diretas Já, pelo profissionalismo e pelo poderio financeiro e político da Globo, incluindo os negócios em TV paga e o endividamento.


Grosso modo, ‘40 Anos de Poder e Hegemonia’ conclui que a Globo está decadente ou pelo menos não mais tão hegemônica na preferência do telespectador, mas ainda é muito forte.


‘A Globo é maior do que deveria em influência política e faturamento publicitário. Seu padrão está sendo desafiado. Outras emissoras já podem fazer o que ela faz’, diz Brittos, para quem o programa de aniversário, anteontem, ‘foi um espetáculo fraco, que a Globo poderia fazer melhor’.


OUTRO CANAL


Maldade Um dos assuntos predominantes nas rodas de conversas na festa dos 40 anos da Globo, transmitida ao vivo anteontem, era o jingle ‘Diga Bom Dia’, com o elenco da casa, que ganhou o apelido de ‘Melô da Margarina’. Outro assunto: como evitar a turma do ‘Pânico na TV’ na entrada do evento, no Claro Hall, Rio.


Clima A festa, no final, teve clima de confraternização, mas, principalmente no início, houve um certo constrangimento por parte de quem estava no palco, que sentia a platéia, de artistas, fria. Xuxa acusou a falta de aplausos e, ao contrário de outras estrelas, não foi para a platéia ver os shows após sua apresentação.


Ausências José Bonifácio de Oliveira Sobrinho, o Boni, um dos responsáveis pelo que a Globo é hoje, não foi à festa, apesar de convidado. Diretor-geral artístico, Mário Lúcio Vaz também não foi. Ficou em casa, por questões pessoais.


Ensaio Todos os que estiveram no palco leram textos pré-ensaiados. Muitos usavam ponto eletrônico. Só Fausto Silva improvisou.


Ameaça Momento descontração: presidente das Organizações Globo, Roberto Irineu Marinho disse a Glória Maria, brincando, que iria revelar a idade da jornalista _um dos maiores segredos da TV.


Show A audiência foi ótima: 34 pontos, contra nove do SBT.’



Bia Abramo


‘Comemoração do aniversário da Globo pareceu festa da firma ‘, copyright Folha de S. Paulo, 28/04/05


‘A Globo desistiu do futuro, reduz o presente ao cotidiano mais chão e simplesmente não sabe bem o que fazer de seu passado. Nos anos 70, orgulhosa de suas realizações, ela era o ‘novo tempo, de um novo dia’. A retórica era, não por acaso, adaptada do ‘dia que virá’ da esquerda, mas a revolução preconizada pela emissora era bem outra. Tratava-se de empurrar o Brasil para a modernidade capitalista a toque de caixa -a televisão, afinal, depende de uma sociedade mais afeita ao consumo e à velocidade.


O projeto vingou -e tão bem que a Globo se entranhou no Brasil de tal forma que suas imagens, seus personagens, suas linguagens passaram a se confundir com aqueles e aquelas do próprio país. Nacionalista de carteirinha, seu plano ideológico-estético era o de reinventar o Brasil para os brasileiros, fagocitando todas as manifestações culturais possíveis, inventando novos formatos, capturando da vida nacional aquilo que servisse à sua narrativa.


O aniversário de 40 anos é o momento para refletir sobre esse passado, mas parece que a Globo anda -já?- com problemas de memória. Não que lhe falte exatamente: o prato forte da noite ‘de gala’ que marcou a data exata do aniversário, anteontem, era, além das presenças estelares, os clipes que recontariam a história dos 40 anos. O problema é o sentido (ou não) que se dá a esses fragmentos.


Por exemplo, no segmento dedicado ao jornalismo, o clipe de imagens consagradas a recontar a história da redemocratização no Brasil começava com os anos 90 e os caras-pintadas. A mesma cena de Antônio Britto anunciando a morte de Tancredo Neves na TV apareceu duas vezes e um longo segmento foi dedicado aos funerais de Tancredo. E, claro, como de praxe, o movimento das Diretas Já apareceu no rodapé desses 40 anos, em imagens fugazes e descontextualizadas. E o que dizer de um clipe consagrado aos feitos do esporte que começa com… fotografias, isso mesmo, imagens paradas?


Com um roteiro entre o descosturado e o simplesmente constrangedor -o microesquete mal ensaiado do casal-fundamental Tarcísio Meira e Glória Menezes ou o longo e grosseiro discurso de Faustão, por exemplo-, ao show faltou unidade e propósito.


Penetra


Para quem, exatamente, era a festa? Sua, nossa, de quem quiser, quem vier? Não parecia. A interminável piada de Marinete, a personagem ‘povão’ de Cláudia Rodrigues, tentando penetrar na festa dos bacanas foi bastante eloqüente a respeito de quem estava, de fato, autorizado a comemorar.


Festa da ‘firma’ -no final, as câmeras exibiam cadeira vazias na platéia, de gente que se mandou antes do final, provavelmente por causa da lei seca, delatada por Faustão- de efeitos autocongratulatórios, o tal do show não deixou de aparentar um ar de improviso. Ivete Sangalo errou a letra. Ana Carolina também errou. Sandy, idem; Caetano Veloso, ibidem. O problema não é o deslize e, sim, a impressão geral de atabalhoamento -faltou ensaio, provavelmente, mas não só.


Há tempos que a linha de shows foi muito reduzida e parece que a Globo se esqueceu de como se faz. As escolhas das canções se situaram entre o simplesmente equivocado e o francamente misterioso -o que fazia ‘Que País É Este?’ ali?


E Martinho da Vila, Bete Carvalho e Dudu Nobre enfatiotados, num ‘pot-pourri’ ‘a alegria do samba’, enxertado sem muita explicação? E Rappin Hood e Negra Li, deslocados, faziam o papel de quê? Dos modernos de plantão?


Não importa, não é verdade? Afinal, como disse Roberto Carlos: ‘Se sorri ou se chorei, o importante é que emoções eu vivi’, no número musical que abriu o espetáculo. O sentido não faz lá muita falta no primado das imagens. O importante, mesmo, é mostrar. Tanto faz o quê.’